Um chá para dois escrita por Arisusagi, Nat King


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Olá, Alice aqui. Esse capítulo demorou um pouco a sair por N motivos, mas principalmente por ser final de semestre kkk.
Enfim, chegamos num ponto muito importante da história, espero ter tratado esse assunto direitinho, do jeito que ele deve ser tratado.
Boa leitura, galera o/



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Depois de “acompanhar” o casal até a estação, Tadokoro estava tão encharcado que achou melhor nem voltar para a padaria. Ele sabia que ia levar uma bronca da mãe (e, provavelmente, da namorada também), então era melhor ir direto para casa e tomar um banho quente do que ficar todo molhado ouvindo sermão.

Chegando em seu apartamento, Tadokoro largou as roupas encharcadas no chão da lavanderia e foi direto para o banheiro. Mais tarde, ele enviaria uma mensagem de texto para sua mãe avisando que não voltaria à padaria.

Nessas horas,ele desejava ter um ofurô. O chuveiro era tão pequeno que seu corpo mal cabia debaixo do jato de água quente. Makishima tinha um ofurô em seu apartamento, mas ele não podia simplesmente aparecer lá só para tomar um banho, ainda mais porque ela estava um pouco irritada.

E, por falar nisso, Tadokoro ainda teria que contar para ela que seguiu Aoyagi e aquele rapaz até a estação de metrô sem nenhum dos dois saber. Isso, com certeza, a deixaria ainda mais brava com ele.

Encarou a saída de água, tentando pensar em uma abordagem capaz de apaziguar os ânimos da namorada, esperando daquela ducha alguma resposta. Existiam pessoas que encontravam inspiração no mais diversificado tipo de lugar; Tadokoro encontrava luz no fim do banho. Uma pena que nem isso estava adiantando naquele momento.

Com a toalha nos ombros, Tadokoro finalmente tomou coragem de ligar para a namorada. Ele pegou o celular e digitou rapidamente uma mensagem para ela.

“Posso te ligar agora?”

A resposta chegou quase que imediatamente.

“Pode”

Uma foto de Makishima apareceu na tela quando a chamada se iniciou, e Tadokoro sorriu brevemente antes de levar o telefone ao ouvido.

— Alô?

— Maki, tudo bem? — Tadokoro ainda não havia planejado o que iria dizer. Era melhor seguir o fluxo da conversa.

— Tudo sim. Como foi o encontro?

— Foi bem, né, eu acho. — Ele deu uma risada talvez forçada demais. — Eles ficaram bastante tempo lá, pediram bastante comida. Acredita que o moço pediu quatro doces difere-

— É? Que bom. E você levou ela até a estação?

Dado que ele havia ignorado a mensagem com aquela pergunta por quase uma hora, era claro que ela iria direto para esse assunto.

— Bem… Podemos dizer que sim. — Como Aoyagi trabalhava junto com Makishima, não dava para mentir.

— Como assim?

Makishima estava começando a falar com sua voz de brava. Merda.

— É que… Olha, eu não ia deixar ela sair sozinha à noite com um cara que eu não conheço!

— Você foi junto com eles?!

— É, mas sem eles me verem! — Só agora Tadokoro se deu conta do quão ridícula a situação havia sido. — Eu sei que foi uma coisa meio idiota, mas fiquei preocupado com a segurança dela!

Depois de alguns segundos de silêncio, veio um suspiro do outro lado da linha.

— Você tem certeza que nenhum dos dois te viu, né?

Diante de reação tão positiva — considerando que as reações mais empolgadas de Maki não eram muito espalhafatosas —, Tadokoro precisou sentar em sua cama, esquecendo a toalha molhada sobre o colchão. A namorada teria outro ataque se estivesse presenciando a cena.

— Não! — sem perceber, acabou falando alto demais. — Eu fiz o possível para ficar invisível!

Para Maki, imaginar o namorado invisível era como ver um urso tentando se esconder atrás de um poste, e a comparação a fez rir. Embora algumas atitudes de Jin a tirassem do sério, o sentimento nunca perdurava.

— O que a gente faz agora, Maki?

A perguntava estava acompanhada de grande preocupação. Longe dos parentes de sangue, Aoyagi acabou por encontrar em Tadokoro uma família inteira. Ele se preocupava com a garota como se enxergasse nela uma irmã caçula e seu cuidado apenas dobrava com a reserva de Keiko em interagir com outras pessoas. Saber de repente que sua protegida estava arriscando algo novo, fora de sua zona de conforto, era assustador, por mais entusiasta que Tadokoro fosse em relação à sociabilidade da garota.

Ela pediu para você conversar com o rapaz, não é? Espere o pedido se confirmar e faça sua parte. — fora da visão de Jin, Maki também baixava a guarda, preocupada ao próprio modo. — Quanto ao rapaz, não temos muito o que fazer a não ser torcer para que ele não seja uma pessoa ignorante.

— Se ele for, eu juro que eu vou…

De onde estava, ela podia ver o namorado fechar a mão em um punho, pronto para lutar contra o medo de ver Aoyagi emocionalmente ferida.

Não dá para lutar contra o mundo, Tadokorocchi… E Aoyagi sabe se cuidar sozinha, eu já disse isso para você. Ela também sabe onde encontrar apoio se precisar.

Depois de ouvir um resmungo, Makishima soube que Jin estava relutantemente mais conformado.

— Você tem razão.

Eu sempre tenho.

Com uma risada mais suave, ele se rendeu à vaidade da namorada, não conseguindo discordar. Seguiria o conselho dela e também o de sua mãe, o de dar tempo ao tempo. Se fosse preciso, ele estaria preparado.

.:.

Esquecendo-se de colocar o celular no modo silencioso, Teshima acordou tendo as barulhentas notificações como alarme. Tentou virar a cabeça para o lado oposto, tapar os ouvidos com o travesseiro e ignorar os ruídos insistentes até voltar a dormir novamente, porém o plano não deu muito certo. Mal humorado, ofendeu mentalmente quem poderia estar atrapalhando seu momento de descanso, até seguir uma linha de raciocínio um pouco duvidosa para sua disposição matinal e chegar à conclusão de que era Aoyagi quem se manifestava logo cedo. Se bem lembrava, ela teria comentado alguma coisa sobre não conseguir acordar muito tarde mesmo em feriados, ou algo do tipo.

Esperançoso, trouxe o aparelho e o encarou com os olhos parcialmente cerrados, tentando se acostumar com a luz forte que vinha da tela inicial, sendo recepcionado por notificações que já passavam da contagem de cem, como indicava o “+99” no canto superior. Com dor e grande decepção, reconheceu no exagero de mensagens a capacidade de Naruko em não calar a boca, abrindo o chat compartilhado com seus colegas de trabalho com o nariz torcido. Dentre previsíveis trocas de farpas entre Shoukichi e Imaizumi — o último salvo entre seus contatos como Elite — e broncas sobre o atraso na reunião, questionamentos em letra maiúscula pareciam gritar:

E O TESHIMA QUE NÃO CHEGA??”

De uma só vez, todo seu memorando mental pareceu acertar seu rosto, despertando Junta imediatamente. Ele havia esquecido completamente que havia marcado, junto à equipe do escritório, um encontro para aprovarem em definitivo o projeto de construção de um apartamento de quatro pavimentos, com data limite de entrega para terça-feira. Seu atraso para a reunião e o prazo apertado quase o convenceram a desligar o celular e voltar para a cama, em uma confortável fuga da realidade. Contudo, se assim o fizesse, seria incapaz de se perdoar, além de precisar dar razão às reclamações de Imaizumi e aquilo estava fora de cogitação.

Chego em vinte minutos.”

Em vinte minutos ele estaria provavelmente saindo de casa, mas ninguém precisava saber daquele detalhe.

Dormiu mais que a cama?!” brincou Sugimoto. Puta que pariu.

Todo mundo já chegou, onde você está?”

Teshima não se deu o trabalho de responder às cobranças e fechou a janela, travando por alguns segundos antes de abrir o contato de Aoyagi. Ficou encarando a imagem de perfil, um croqui cheio de cores e detalhes, decidindo se mandaria uma mensagem ou não. Não queria parecer nenhum tipo desesperado, tampouco um dorminhoco mandando mensagem de bom dia perto das onze horas da manhã.

Depois de cuidar minimamente da aparência e ficar apresentável o bastante para um encontro de trabalho, Junta pegou os poucos pertences e trancou o apartamento, decidindo usar sua bicicleta para compensar o gasto extra com o metrô na noite anterior. Talvez pela ansiedade pré-encontro ou pelo tempo chuvoso e mais escuro, não reconheceu, a princípio, o caminho indicado pelo GPS em seu celular, notando a familiaridade com o local quando percebeu de relance a fachada da padaria onde o encontro aconteceu.

Parou de pedalar, surpreso em descobrir o estabelecimento em seu caminho. Curioso para ver o quanto faltava para o fim da rota, descobriu assim não ser muito longe de seu destino final, um restaurante familiar e de pouco movimento — muito provavelmente, culpa da comida mediana do lugar. Caso estivesse a poucos segundos de perder a paciência, ou sem estômago para encarar o lamen de aparência duvidosa, já sabia para onde correr.

Voltou a retomar o caminho, um pouco mais calmo tendo em mente um ponto de fuga. Quem sabe nisso ele não poderia comprar alguma coisa para Aoyagi?

Levemente constrangido com sua imaginação, Junta riu e aumentou o ritmo nos pedais.

.:.

A primeira iniciativa em começar uma conversa havia partido de Keiko. Atenciosa, ela mandou um cumprimento de boa tarde, perguntando como Teshima estava e se o retorno para casa havia sido tranquilo. O salvando da chateação que estava sendo seu dia, recebeu a gentileza com um sorriso discreto o bastante para não chamar atenção dos colegas, respondendo com o mesmo cuidado. Enquanto os colegas de revezavam em discussões acaloradas e tentativas de furto de um esquadro para desenho, Junta e Aoyagi trocaram fotos de suas mesas de trabalho.

Talvez por sua falta de vontade naquele dia, a bagunça da mesa de Keiko era bem mais interessante que a dele. Era como se os rabiscos, marcas apagadas e lápis de diferentes texturas tivessem uma graça totalmente diferente à sua, uma mistura de plantas arquitetônicas e tigelas vazias de lamen. A reação dela era sempre suave — um pouco suave demais — e por mais que Teshima gostasse de manter contato, se pegava pensando muitas vezes se suas mensagens não eram um inconveniente.

— Teshima está bem distraído com o telefone dele… — Naruko insinuou, com os dois olhos bem estalados tentando ver a conversa. — Já deve ter terminado sua parte no projeto.

A atenção dos presentes pesou em cima do rapaz, que apenas guardou o aparelho antes de lançar um olhar mais cuidadoso sobre os desenhos ali dispostos. Tinha certeza absoluta ter feito tudo certo, era extremamente cuidadoso com seus afazeres e poderia colocar a mão no fogo pelas coisas feitas por ele. Entretanto, descobriu em um olhar mais atento, que queimaria os dedos por tão cega confiança.

Estavam todos tão distraídos em brigar por bons fornecedores, que não tinham notado um pequeno erro, capaz de evoluir para uma situação catastrófica caso não resolvessem a questão com agilidade.

— O projeto é maior que o terreno comprado.

Junta teria dado risada do olhar espantado dos colegas, se ele próprio não tivesse parte naquele erro.

— Como assim?! — Sugimoto se inclinou em cima da planta, não conseguindo acreditar.

— O terreno comprado pela empresa é menor ao nosso desenho dos apartamentos. — sobrepondo os dois projetos, a diferença era nula, o que confundia os outros. — Fizemos a impressão dos desenhos em folhas A0, porém usando escalas diferentes, por isso não vimos antes. No entanto, a área para construção tem um metro a menos na parte de cima e meio metro a menos na lateral norte. — o chiado coletivo e as mãos cobrindo seus rostos eram a representação perfeita do desespero. — E vocês sabem o que isso significa, não?

— Podemos esconder isso dos clientes, eles nunca saberão. — sugestão absurda vinda de Shoukichi, considerada pelos demais por um breve momento.

— Eles compraram o projeto direto da planta, é claro que vão saber que estão perdendo o total de um metro e meio de espaço. — apoiando a mão na lateral da cabeça, Junta tentava achar uma solução. — O caso vai ser comprar dos proprietários vizinhos a metragem faltante, ou devolver o valor proporcional ao metro quadrado para o cliente.

— Não temos como fazer nem um, nem outro. — Imaizumi quebrou as possibilidades com a verdade. Aquilo vindo do Elite não era novidade.

— E agora?! — o olhar de Sugimoto era desesperado para cima do colega, como se enxergasse em Shunsuke o único ali capaz de resolver o problema.

— Barganhar com os compradores e torcer para que nenhuma reclamação chegue aos ouvidos da chefia. — ninguém havia perguntado, mas Teshima estava pensando em uma solução desde que havia notado o erro. — Propomos alguma condição, brinde, bancamos o frete da mudança, algo que apazigue os ânimos do cliente antes que ele comece a se irritar. Depois de resolver isso com os compradores, conversaremos com nossos superiores de um jeito que não vá todo mundo para o olho da rua.

Na teoria era fácil, difícil seria convencer os compradores mais exigentes e depois conseguir apoio de Koga, principal nome naquele projeto e o único a confiar nos estagiários para execução daquela tarefa. Não tinham uma saída fácil e sair ilesos daquela situação era utópico. Teshima com certeza precisava de uma pausa.

.:.

Teshima saiu do restaurante com um punhado de moedas na mão e uma noção do que cada um queria. Aquela era a perfeita oportunidade para ele se afastar um pouco da encrenca que estava sendo aquele projeto e ainda passar uma boa imagem para seus colegas de trabalho. E ainda por cima, ainda tinha a mínima possibilidade de Aoyagi aparecer por lá, já que ela tinha o costume de frequentar aquela padaria.

O estabelecimento estava vazio, para sua tristeza. A única pessoa lá dentro era aquele homem enorme que havia os atendido durante o encontro. Teshima suspirou, sentindo-se um pouco idiota por ter tido a esperança de encontrar Aoyagi por acaso ali.

Com a comanda de pedidos em mãos, ele observava com cuidado a vitrine, percebendo um pouco surpreso que a oferta de doces era bem maior do que se lembrava, talvez por ter voltado totalmente sua atenção para a acompanhante da noite passada. Inclusive os bolos e doces pedidos não haviam sido por iniciativa própria, mas sugestões de Aoyagi acatadas com prontidão. Ver por si mesmo as inúmeras opções o fazia sentir-se como um adolescente descobrindo a ligeira burrice da primeira queda romântica, quando tudo o que fazia era procurar impressionar a garota bonita.

— Bem vindo. — O homem o cumprimentou de trás do balcão. — Em que posso ajudar?

— Olá! — Teshima olhou para o display, tentando encontrar o que cada um queria. —  Hm, vou querer um pão de chocolate, um de melão e dois de feijão doce. Pra viagem

Ele pegou um saquinho e uma pinça e abriu a portinha do display.

— Teshima, certo? — O homem disse de repente com uma expressão séria.

Ele se assustou. Como aquele homem sabia seu nome?

— Isso.

— Você tem um tempo livre agora? — Tadokoro fechou o saco de papel e o colocou sobre o balcão. — Preciso conversar com você sobre a Aoyagi.

Teshima sentiu o sangue gelar. Sobre a Aoyagi? Será que aquele cara era o namorado dela?!  

— C-Claro, pode ser.

— Quer se sentar? — Ele fez um gesto em direção às mesinhas.

— Não precisa. — Teshima calculou uma rota de fuga mentalmente. Aquele cara tinha três vezes o seu tamanho, e não seria nada bom se ele resolvesse partir para a agressão. — Se você não se importar.

— Tudo bem. — Ele tirou o avental que vestia, suspirando. — Bom, a Aoyagi me pediu pra conversar com você, pra falar a verdade, eu não esperava que fosse fazer isso tão cedo, então não sei bem como dizer.

Teshima franziu o cenho. Por que Aoyagi pediu para aquele homem falar com ele, em vez de fazê-lo diretamente? Será que ela queria dispensá-lo, mas estava com vergonha?

— Então… — Tadokoro voltou a falar depois de ficar alguns minutos em silêncio. — A Aoyagi é… diferente da maioria das meninas.

— Diferente…?

— Ah, como eu posso explicar isso… — Ele resmungou pra si mesmo, passando as mãos pelo rosto. — Olha, a Aoyagi… Quando a Aoyagi nasceu, ela não era uma menina.

Teshima ficou mais confuso ainda. Se ela não era menina, então…?

— Ela é…?

— Uma menina transexual. — Tadokoro disse com uma expressão assustadoramente séria.

Transexual. Teshima já ouvira aquela palavra várias vezes antes, e sabia o que ela significava. Ele sabia que aquelas pessoas existiam por aí no mundo, mas nunca parou para pensar que alguém assim poderia estar tão perto dele.

— Você sabe o que isso significa?

— Sim, mas-

— Então. Eu não sei no que você está pensando agora, mas se isso te deixou bravo ou sei lá, sai de perto dela. — Tadokoro falou de forma tão intimidadora que Teshima deu um passo para trás. — É sério. A Aoyagi já passou por muita coisa na vida, ela não precisa de mais problema.

— Não, eu não… — Para falar a verdade, Teshima não sabia como estava se sentindo sobre aquilo. Ele pensava em Aoyagi, e em todas as outras pessoas transexuais que já havia visto antes, e isso o deixava confuso, por algum motivo. — Para falar a verdade, eu não sei muito sobre… isso aí.

A expressão de Tadokoro mudou de repente, e ele pareceu muito mais amigável.

— Acho que não sou a melhor pessoa pra te explicar… — Ele murmurou, coçando a nuca. — A Maki é quem consegue falar disso melhor…

— Maki…?

— Ah, não, eu tava só pensando alto aqui. Enfim, acho melhor você procurar saber mais sobre isso, se quiser continuar em contato com a Aoyagi. — Ele pegou o saco de papel e o estendeu para Teshima. — São 700 ienes.

— Ah, claro. — Teshima se lembrou do punhado de moedas suadas que ainda estava na sua mão e as entregou para Tadokoro. — Desculpa, mas você é o que da Aoyagi…-san?

Tadokoro pareceu um pouco surpreso com a pergunta, mas soltou uma risada.

— Eu era veterano dela nos tempos colégio. — Ele pôs as moedas no balcão e as contou. — Mas somos só amigos, se é isso que você quer saber.

— Ah, não, não! Não é isso. — Teshima se sentiu um pouco envergonhado, mas era um alívio saber que aquele cara não era o namorado de Aoyagi nem nada do tipo. — É que ela te pediu para falar sobre isso comigo, e…

— Bem, você viu como ela é, não viu? Ela não é muito boa em falar com os outros. —  “E também por questões de segurança.” Tadokoro pensou. — Enfim. Eu não sei como vocês dois vão se resolver daqui pra frente, mas, por favor, não faça mal a ela.

Teshima sorriu. Em vez de namorado, agora aquele homem parecia ser o pai de Aoyagi.

— Não farei, pode deixar. — Teshima se curvou brevemente. — Obrigado!

Ele saiu da loja com o pacote debaixo do braço, ainda digerindo tudo o que lhe fora dito. Saber que Aoyagi era transexual não o incomodou, mas o deixou um pouco… confuso. Como ele disse a Tadokoro, seu conhecimento sobre esse assunto beirava o zero, e Teshima queria saber mais sobre isso. Aoyagi era muito tímida, então não era uma boa ideia chegar com perguntas e mais perguntas para cima dela. O jeito era encontrar outra pessoa que se pudesse ajudá-lo.

.:.

Problema resolvido, Aoyagi! Já conversei com seu amigo!”

Keiko precisou de um tempo até absorver o significado da mensagem de Tadokoro. Não que tivesse uma extensa lista de amigos os quais ele poderia conversar, mas o assunto tratado, em particular, fugiu de sua mente na hora em que leu.

Não demorou muito para a recordação do pedido feito ao amigo voltar como uma grande onda, aparentemente sem nenhuma importância, mas acertando-a com força, capaz de derrubá-la com o pavor que aquela revelação trazia, afundando Aoyagi em sua insegurança e terminando por afogá-la na dúvida de como Teshima lidaria com aquela revelação, ou pior, como lidaria com ela.

Com a mão apoiada na altura do peito, tentava controlar o ritmo acelerado de seu coração, descontrolado como ela própria estaria se conseguisse exteriorizar o conflito emocional sentido. Mais um pouco e não teria mais como controlar as lágrimas, antevendo a dispensa de Junta antes dela acontecer.

Não era o que você queria? — pensou, tencionando argumentar com a própria culpa interna os reais e bons motivos de ter pedido pela ajuda de Tadokoro. Era justamente para evitar prejudicar seu emocional e deixá-lo totalmente quebrado que Jin entrava como intercessor. Não poderia deixar que a negativa de Teshima a pegasse desprevenida, sendo preferível ter apenas a memória do encontro como última recordação do rapaz à qualquer possível chuva de merda, como Maki diria.

Como para reforçar o sucesso de sua ajuda, Tadokoro enviou um grande polegar positivo, cercado de efeitos animados que pulsavam na tela. Sorriu para a disposição do amigo e refletiu esse agradecimento em um emoticon sorridente. Qualquer que fosse a reação de Teshima, ela deveria estar preparada.

Parece um cara esclarecido. Por que não manda uma mensagem pra ele?”

Aoyagi não entendeu bem o que Tadokoro quis dizer com aquilo, mas por um momento abriu o contato de Teshima e ficou encarando as últimas mensagens trocadas, pouco antes do estudante de engenharia se despedir, avisando precisar sair para comprar um lanche para ele e os demais colegas de escritório. Imaginava se teria sido nesse intervalo que o encontro com Tadokoro aconteceu. Provavelmente teria ido à padaria, já que Jin não estaria em outro lugar que não fosse o serviço. Teria Junta gostado dos pães de lá, ou também era levado pelas recordações do encontro? Depois de saber sobre ela, aqueles bons momentos ainda seriam recordados com carinho?

Keiko era uma mulher e não seria a transfobia alheia capaz de balançar sua convicção quanto sua identidade, no entanto, ainda tinha muito, muito medo. Ser rejeitada pela família ainda era uma dor que volta e meia incomodava, uma ferida incapaz de cicatrizar totalmente. Passar por experiências negativas reabria os pontos e trazia à tona o que havia passado e ouvido de pessoas que um dia chamou de família; ter de volta a sensação de abandono não era algo desejado por ela.

Começou a digitar uma mensagem, mas logo pensou se não seria melhor deixar a iniciativa partir de Junta, uma vez que a parte dela já havia sido feita. Para todos os efeitos, ela já estava em paz com sua decisão e consigo mesma.

Deixando o telefone de lado, Keiko procurou se ocupar com o material da faculdade pelo resto do dia, mesmo que os pensamentos negativos ainda estivessem ali, encostados em um canto de sua mente.

.:.

Os longos dedos do rapaz corriam pelo teclado bicolor, revezando entre as teclas brancas e pretas, as notas que devidamente compunham as obras de Beethoven. Ashikiba não gostava de praticar no teclado eletrônico, achando ser quase um crime aquelas notas estáticas serem consideradas música, mas não tinha como colocar um piano de cauda naquele apartamento e continuar vivendo nele. Kuroda havia lhe dito que se um piano entrasse pela porta, eles teriam de sair pela janela, totalmente fora de cogitação.

Suspirando em lamentação, retomou a nona sinfonia do começo, precisando garantir que daquele intenso treino sairia a nota máxima de sua prova prática na próxima semana. Kuroda se lembraria de ir pessoalmente a um templo agradecer quando aquele período de avaliações passasse e ele enfim tivesse um sossego para seus ouvidos.

— Dá um tempo disso, Takuto, há quantas horas você não come? — com o pensamento longe, Ashikiba voltou os grandes e sonolentos olhos para o namorado. Mesmo sem prestar atenção na música, seus dedos continuavam dedilhando com perfeição a composição, como se tivessem vida própria. Kuroda achava aquilo esquisito e um pouco assustador.

— Hã?

— Pausa, Takuto, você precisa comer. — resmungou, contrariado. A desatenção do outro sempre o incomodava.

— Oh… — expressou em um muxoxo, abandonando o teclado e esticando os dedos, estalando-os com o esforço. Pareciam pesados e encaroçados pelo excesso de treino. — Tem razão, Yuki-chan.

— Claro que eu tenho. — concordou Yukinari, em falso exibicionismo. — E dê uma olhada nas suas mensagens, sua mãe me mandou uma, louca que você não responde ela, depois sobra pra mim…

Sem muita pressa para verificar as redes sociais, Ashikiba arrastou-se até a cozinha, separando uma tigela de arroz enquanto esperava Kuroda separar as porções de guioza. Lentamente, verificou as inúmeras notificações, surpreendendo-se ao notar o contato de uma pessoa que há muito não conversava;

— Ah, Jun-chan mandou uma mensagem! — sorriu ao anunciar, embora Kuroda não se importasse muito com isso.

Hey, Shikiba, como vai? Desculpe mandar essa mensagem assim, do nada, mas você poderia me ajudar em uma coisa? Sabe me dizer algo sobre transexualidade?

Trocando olhares com Yukinari, ambos sabiam bem a quem recorrer para qualquer esclarecimento quanto aquele assunto.

— Vou responder! — e enquanto digitava a resposta, já se preparava para contatar uma outra amiga.  

Oi, Jun-chan! O que tanto você precisa saber?”

— Eu te chamei para almoçar, Takuto, larga esse negócio.

— Mas você disse que minha mãe queria falar comigo…

Kuroda estalou a língua, percebendo o erro na sua abordagem.

— Então responda ela, depois você conversa com seus amigos. — aceitando a comida, Ashikiba deixou o telefone de lado. — O que será que esse Teshima quer?

Suavemente, o outro ergueu os ombros, não tendo nenhuma ideia sobre aquilo.

— Me pergunto se Yuu-chan está ocupada esses dias… Ela poderia ajudar. — assim o ruivo esperava.

— Se ele não estiver com pressa…

Ashikiba apenas não tinha se atentado que a mensagem de Junta havia sido mandada há três dias.


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Notas finais do capítulo

Oi, gente! Nat King aqui!
O capítulo demorou um pouquinho mais do que o previsto, mas enfim chegou xD Tomamos a liberdade de levantar a questão sobre como Teshima encararia saber sobre a transexualidade de Aoyagi e esperamos não ter feito isso de forma indelicada. De toda forma, os comentários estão abertos para qualquer sugestão, também!
Obrigada pela leitura! Vemos vocês nos comentários? ;)



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