Um chá para dois escrita por Arisusagi, Nat King


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Nat King: Olá todo mundo! Sejam todos bem vindos! Arisusagi e eu estamos aqui para começar esse projeto e estamos muito animadas com ele. Contamos com a participação de vocês caso o tema transexualidade não seja devidamente esclarecido, assim como também esperamos que se divirtam durante a leitura! Obrigada desde já pelo interesse e boa leitura!



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Com a bandeja em mãos, Junta suspirou. Geralmente, ele conseguia sair de sua sala adiantado para o almoço, deixando alguns professores loucos e profundamente ofendidos com a deixa, porém ou ele fazia isso, ou jamais chegaria ao refeitório a tempo.

Sua vida era cheia de regras, uma agenda seguida a risca. Teshima sabia os horários mais convenientes, tanto para acordar pela manhã quanto para todos os deslocamentos feitos por ele ao longo do dia, quase um cronômetro mental que tentava fazê-lo o mais produtivo possível. Por isso, era importante se adiantar na saída das últimas salas; a distância entre seu campus com o refeitório era o bastante para bagunçar seu cronograma diário e Junta não tinha tempo para isso.

No entanto, seu professor decidiu – de propósito, ele tinha certeza – logo naquele dia, parabenizá-lo abertamente, para toda turma ouvir, até tomar a iniciativa de fazê-lo ficar de pé na frente de toda uma sala, sob aplausos influenciados pelo educador. Tudo isso por uma nota não tão alta assim. Tanta gracinha assim agora o fazia esticar o pescoço para cima do salão, torcendo-o em volta a procura de uma mesa vaga, qualquer sobra de cadeira onde pudesse sentar, engolir a refeição e sair correndo para o estágio, do outro lado da cidade. Aquele dia não poderia estar sendo pior.

Quase como um milagre, um arco-íris pareceu se abrir em frente a seus olhos, reluzindo ao fim dele não um grande pote de ouro, mas uma cadeira vaga, do outro lado do salão. Uma lágrima imaginária correu pelo rosto de Teshima enquanto ele quase corria até o assento, com um sorriso cada vez mais aberto para o espaço vago. A emoção e alívio em seus olhos era tamanha, que chegou a assustar a outra ocupante da mesa.

Oi, tudo bem se eu sentar aqui? – pediu Junta, sua esperança toda depositada nas mãos da garota. Ela, assustada com tamanha novidade em sua rotina, não conseguiu evitar de olhar para os lados, procurando algo que denunciasse a pegadinha do dia. Aparentemente, nenhum plano maligno ou câmera escondida estava por trás do estudante esbaforido, levando-a a ceder o lugar com um aceno afirmativo. Ah, muito obrigado!

Com uma pressa ligeiramente engraçada, o aluno de cabelos escuros quebrou o ovo cru sobre a porção de arroz, abrindo logo em seguida o natto, o juntando com a mistura nada bonita que ali estava sendo feita. Comparando-o mentalmente com Tadokoro, a garota sorriu.

É uma bagunça, eu sei, mas não tem outro jeito de comer tudo a tempo se não for assim. riu constrangido. A jovem loira a seu lado arregalou o único olho visível ao perceber ter sido notada. A propósito, meu nome é Teshima Junta.

Ela o encarou por algum tempo até finalmente entender que Junta esperava uma apresentação formal. Colocando o cabelo loiro atrás da orelha, ela tentava disfarçar o desconforto, preferindo olhar para o prato ou qualquer outra aleatoriedade que não fosse o rapaz.

Aoyagi Keiko. – respondeu, sem muitos floreios ou apresentações. Teshima notou a ligeira alteração em seu timbre rouco. Pensava se ela estava resfriada ou algo do tipo, mas não seria indelicado para perguntar algo tão íntimo sem nem mesmo conhecê-la. Além do mais, não era como se não fosse uma voz bonita.

Ele não fazia ideia do tamanho esforço feito por ela para conseguir dar essa resposta, porém se deu por satisfeito.

É um prazer. – sorriu e conseguiu notar o singelo sorriso recebido em troca.

Sem muito tempo para estender qualquer assunto, Teshima engoliu a gororoba de aspecto duvidoso, terminando a refeição em assombrosos quinze minutos. Keiko, que ainda estava terminando a própria refeição, tentava entender para onde ia tudo aquilo. Trocando algumas mensagens com sua chefe, ela agora recebia a notícia de um imprevisto no ateliê, revirando todo seu cronograma e a fazendo se desesperar internamente, como o colega de mesa. Ergueram-se juntos, bandeja em uma mão enquanto a outra tentava apanhar todos os pertences, gestos tão sincronizados que pareciam ensaiados entre si.

— Com pressa, também? — acostumada a poucas - e muitas vezes nulas - conversas com pessoas fora de seu estreito círculo social, Aoyagi demorou um pouco para responder.

— Ah, sim… Imprevisto. — solidário com essa que era uma constante no escritório onde trabalhava, Junta sorriu.

— Bem, boa sorte!

Recebeu um sorriso como agradecimento e desejo recíproco. Não era mesmo muito comunicativa, mas de fácil leitura. Seria uma companhia que ele tentaria repetir se tivesse tempo.

Apalpando bolsos em busca do cartão do metrô, Teshima precisou dar meia volta, xingando-se mentalmente a perda do objeto que já somava ao grande contratempo do dia. Felizmente, lá estava seu cartão, caído embaixo da mesa, provavelmente escapado de seu bolso enquanto sentava.

Foi quando se abaixou para pegá-lo que Junta notou uma pasta transparente, logo abaixo da cadeira em que Aoyagi se sentava momentos antes. Confirmando ser dela o nome etiquetado, Teshima não teve outra saída a não ser guardá-la com seus pertences. Ao menos, agora ele teria um motivo para reencontrar a garota.

.:.

Andar pelas ruas era a mesma coisa que ser alvejada por algo pior que balas: olhares. Não que Aoyagi fosse o tipo de mulher exibida, cheia de si e egocentrismo, afinal, a sensação de estar chamando atenção era completamente desconfortável. E, ter o mundo ao seu redor, para Keiko, significava ter todos os indicadores apontados no meio de seus olhos. Ela realmente não gostava da sensação.

Sabia o que devia fazer, porém era difícil ignorar os outros e seguir em frente. Pior que as pessoas reais, eram as criaturas sem forma definida de seu emocional fragilizado quem a cercavam com muita dedicação e presença. Elas, que não tinham rosto - mas pareciam ter a mesma voz de Keiko -, ridicularizavam suas roupas, os esmaltes novos que testava, o blush colorindo seu rosto ou o novo condicionador com promessas milagrosas de hidratação.

Por que comprar esse vestido se nem cintura tem pra isso?

Essa cor de esmalte ficaria linda em uma mão mais bonita.

Apenas maquiagem não vai mudar essa sua cara sem graça.

Você sabe que esse produto não é para o seu tipo de cabelo, não é?

A pior luta não era contra o mundo, mas si mesma. E suas batalhas internas lhe davam feridas difíceis de lidar.

Encarar o relógio e perceber estar próximo do horário de sair de casa fazia sua disposição ser drenada pouco a pouco. Passar por alguém a fazia pensar que tipo de imagem estaria passando e, um grupo maior lhe dava a dolorosa certeza de ser pauta discutida entre eles. Se ouvisse risadas, então, Aoyagi conseguia até ouvir sua mente ecoar o tipo de piada feita, uma repetição em loop de todo tipo de ofensa sofrido por ela ao longo de sua curta existência. Geralmente as pessoas não tinham muita originalidade, se contentando em seguir o mesmo padrão de xingamentos, como um manual desatualizado do preconceito, arsenal indispensável para a maioria das pessoas desagradáveis a qual tivera o desprazer de conhecer. Enquanto os malditos riam das ofensas, como um stand up comedy da vida real, e depois iam embora seguirem com suas vidas absolutamente normais, Aoyagi se afastava com os fantasmas dos risos cercando sua memória, sentadas em seus ombros cansados de suportar tudo aquilo. Até mesmo se olhar no espelho era difícil. Ninguém podia imaginar o tamanho esforço feito por ela, fosse na escolha de uma roupa, fosse para passar um batom. Ela tentava se gostar mais, se amar mais; se não conseguisse pelo menos isso, como acreditaria no amor dos poucos que a apoiavam?

Chegando ao ponto de desembarque, Keiko respirou fundo, aliviada por estar finalmente chegando no ateliê.

— Ah, Keiko-chan, bem-vinda! — a recepção calorosa a emocionou, fazendo-a sorrir bem mais abertamente.

— Obrigada. — agradeceu, sentindo o acolhimento do local preencher seu vazio. — Por onde eu começo?

.:.

— Que pasta é essa aí?

Teshima aproveitou o fato de que ele estava de costas para o seu colega de trabalho desnecessariamente intrometido para revirar os olhos.

— Uma moça que sentou perto de mim no refeitório esqueceu isso lá. — Teshima voltou para sua mesa com um monte de papéis recém impressos em mãos.

O colega de trabalho desnecessariamente intrometido, Naruko Shoukichi, estava sentado em sua cadeira com os pés sobre a mesa, segurando a pasta que estava devidamente guardada entre os pertences de Teshima alguns minutos atrás.

— Você conhece ela? — Naruko virou a pasta, olhando atentamente os papéis que estavam lá dentro. Pelo menos, ele teve a decência de não abrí-la.  — Ela faz designer?

— É design — seu outro colega de trabalho, o queridinho do chefe, intrometeu-se na conversa. — Designer é a pessoa que faz design.

Às vezes, Teshima agradecia por não trabalhar sozinho com Naruko, mas Imaizumi, o queridinho, também não era uma pessoa muito agradável, principalmente quando ele resolvia começar mais uma discussão besta com Shoukichi.

(Na verdade, Teshima tinha quase certeza de que Imaizumi só estava ali porque seu pai era um amigo de longa data do dono da empresa).

Antes que Naruko pudesse responder Imaizumi, o supervisor entrou na sala, e os dois tiveram que se calar, para a alegria de Teshima. Ele pegou a pasta da mesa do colega e a colocou discretamente sobre a sua.

De fato, a menina - Aoyagi Keiko - devia estudar design ou algum outro curso desta área. A pasta estava cheia de fotos de modelos trajando vestidos extravagantes, alguns pedaços de tecido e desenhos.

Amanhã, ele iria mais cedo para a faculdade para passar na secretaria e descobrir como devolver a pasta para sua dona.

.:.

Não era possível, ela podia jurar que tinha guardado a pasta em sua bolsa!

Procurando pela pequena sala onde costumava deixar seus pertences, a esperança de Aoyagi era de magicamente encontrar seus desenhos e no lugar mais óbvio possível. Ela tinha passado a noite toda em cima do croqui final, um resultado que lhe custou a mão toda suja de grafite e sua mesa em estado de calamidade, entregá-lo para a cliente era quase uma questão de honra! Principalmente aquela cliente, insuportável em todos os sentidos, em um nível de exigência tamanho que conseguia azedar o humor do mais motivado dos funcionários.

— Aoyagi... — uma das funcionárias chamou. O tom de chateação com certeza era resultado do contato direto com tal consumidora. — Achou o desenho?

O desenho não, mas a vontade de chorar, sim.

— Já estou pegando. — respondeu de dentro da sala. Ao menos não podiam vê-la, se o pudessem não saberia como mentir tão descaradamente.

— Tá...

Respirando fundo, Keiko tentava se acalmar e acabar com os tremeliques de seus dedos. Fechou os olhos e tentou recapitular todos os seus passos, desde a noite anterior até seu atual momento, uma improvisada linha do tempo que pudesse solucionar o sumiço daquela pasta.

Como havia sido? Ela acordou de manhã deitada sobre papéis e com um lápis colado em seu rosto, levou um susto ao se deparar com o horário e correu se arrumar, enfiando seu material de qualquer jeito dentro da bolsa e saindo logo em seguida, sem nem tomar café da manhã - e que Tadokoro não soubesse disso. O deslocamento até a faculdade foi dentro da normalidade, mesmo que isso não fosse lá muito bom, e nas aulas Aoyagi manteve um olho no professor e outro na pasta, desejando o fim da manhã para entregar logo seu trabalho em mãos - ela só teria paz assim que o croqui ficasse aos cuidados de sua chefe.

Paz essa que havia desaparecido antes mesmo de estar perto de se concretizar.

Olhando mais uma vez dentro de sua bolsa, na vã esperança de abrir algum bolso secreto e enfim encontrar seu trabalho, ela se lembrou do único momento em que esqueceu de dedicar sua total atenção à pasta, quando o garoto, cujo o nome Aoyagi não se lembrava no momento, dividiu a mesa com ela, no horário do almoço. Seu constrangimento nublou seus sentidos, a travando para responder as casuais perguntas dele ou reagir de forma um pouco menos desconfortável. Sim, provavelmente a pasta estava esquecida no refeitório da universidade e, se ela fosse um pouco otimista, acreditaria em alguma boa alma levando seus pertences para a secretaria.

— Aoyagi...? — a mesma funcionária voltou a chamar, sua voz anasalada se arrastando com preguiça. — A cliente começou a dar chilique...

Respirando fundo, ela pegou uma folha limpa e um lápis qualquer; tinha mais do que capacidade para reproduzir um rascunho bom o suficiente para levar aquela situação até entregar o croqui definitivo. Keiko só esperava ter estômago para fazer seu plano funcionar.

.:.

Tranquilo por já ter entregue seu trabalho para o professor, Teshima se deu a liberdade de deixar a sala para entregar a pasta na secretaria da faculdade. Sabendo que era um local disputado quase a tapa pelos alunos, sendo capaz de comportar todo o campus em uma só sala, aquele seria o único horário de seu dia disponível para fazer isso.

— Bom dia. — cumprimentou, aguardando atendimento. — Eu encontrei essa pasta ontem e gostaria de saber como faço para achar a dona.

Uma das secretárias foi até Junta, pois aparentemente só o compreenderia se estivesse perto o bastante para tal. Mais interessada no desenho visível pela capa transparente, do que pelo pedido do estudante, nenhum dos dois percebeu uma terceira pessoa se aproximando, igualmente necessitada de orientação.

— Oi, bom dia. — a voz baixa e ligeiramente conhecida tentou chamar pela outra funcionária. — Por acaso alguém deixou aqui uma pasta no nome de Aoyagi Keiko?

Se Junta fosse um balão, teria explodido pela felicidade que o preencheu instantaneamente. Não esperava reencontrar a garota assim tão cedo e nem contava com a possibilidade, sendo sincero consigo mesmo. No entanto, lá estava ela, tão próxima quanto no dia anterior. Nunca ter sua rotina abalada havia se mostrado tão proveitosa.

— Aoyagi-san? — ele a chamou e a garota pareceu enrijecer ao reconhecer quem era. — É isso que procura?

Embora notável constrangimento se fizesse notar, Keiko não conseguiu evitar o sorriso aliviado ao ver sua pasta intacta, tal como o croqui de sua cliente. Já não precisaria mais enfrentar sua ansiedade para confessar o extravio de todo seu trabalho para sua chefe, podendo dormir naquela noite.

— Muito obrigada. — agradeceu, estendendo as mãos com certa urgência. Evitando encarar Teshima, ela apenas aguardava quando seu pequeno universo recuperasse o equilíbrio.

— Por nada. — enfim com a pasta em mãos, Junta podia jurar ter visto seu olho visível brilhar de satisfação. — Você desenha muito bem.

A intenção do elogio era boa, Teshima podia jurar isso. Não esperava ver Aoyagi pálida, paralisada sem conseguir respondê-lo. A incredulidade em sua reação era tamanha que Junta sentia tê-la quebrado com a declaração. Não era totalmente incompreensível, ele próprio era muito perfeccionista e competitivo, e esse traço de sua personalidade era principal responsável por traí-lo principalmente no trabalho, mas não esperava tamanha reação - ou não reação - de Keiko.

Pronto para pedir desculpas, teve a intenção cortada quando percebeu que ela puxava o ar, preparando-se para responder.

— Obrigada.

Aliviado, Junta sorriu. queria poder vê-la novamente.

— Preciso voltar para a sala, agora. — ela concordou em silêncio, precisando fazer o mesmo. — A gente se vê?

A pergunta foi jogada para o ar, sem dar tempo de Keiko confirmar ou negar. Não sabia se ele tinha feito de propósito, mas agora ela teria uma pergunta pulsando em sua mente, ansiosa pela oportunidade de dar sua resposta.


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Notas finais do capítulo

Arisusagi: Olha, é tão bom postar esse negócio. Eu tive essa ideia faz uns dois anos, mas deixei guardadinha. Graças à Nat, consegui colocar ela no papel :'3
Como esperado de mim, vai ter TadoMaki mais lá pra frente, aguardem.
Não sei se precisa mesmo avisar, mas: sem transfobia nos comentários, por favor.



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