Meus Olhos Enxergam escrita por phmmoura


Capítulo 9
Capítulo 9




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Os olhos de Eliza pareciam prestes a explodir. Merda! Merda! Merda! Quanto tempo eles vão ficar lá? Ela massageou as têmporas com força e respirou fundo, conseguindo controlar sua vontade de esmurrar a mesa. De novo.

Espero que isso possa ajudar, pensou a garota, olhando para o caderninho que estava usando recentemente. Ela folheou as páginas com datas, anotações e números de séries de notas. Tudo que Eliza acreditava poder ajudar a provar a conspiração contra o chefe de polícia, Eliza escrevera com uma letra apressada.

Espero que consigam ler, pensou, apertando os olhos para entender o que ela própria escrevera. No segundo seguinte, soltou um suspiro pesado e frustrado enquanto o coração doía. Não é o suficiente pra salvar o chefe. Posso incriminar muita gente com o que achei. Na verdade, posso levar boa parte da cidade pro ralo. Mas o que preciso mesmo é a prova que sumiu… que vai mostrar a inocência do chefe.

Eliza tinha desistido de procurar as evidências no primeiro dia. Com tantas pessoas envolvidas, não havia chance de encontrar elas. Então ela foi para a opção restante: seguir as pessoas próximas do prefeito e rezar para conseguir algo que pudesse ajudá-la.

Da segurança da biblioteca, Eliza descobriu bastante coisa da corrupção municipal. Ela tinha várias coisas que podiam ajudar ao pai de Bianca no futuro. Bianca… pensar na namorada fazia a garota fechar os olhos para impedir as lágrimas. As coisas pioraram para o chefe de polícia. A evidência não somente desapareceu, mas mais falsas acusações caíram em cima dele.

Além do próprio prefeito, Eliza também seguira a esposa dele e a filha e o filho mais velhos, ambos vereadores da cidade, o filho do meio, a filha mais nova e o assistente do homem. Agora, ela seguia o guarda-costas principal do prefeito, Jairo, que não estava de serviço hoje.

Ignorando os olhos doloridos, Eliza focou-se na parede da biblioteca pública. Sem mudança, pensou quando viu o clube e que o guarda-costas continuava na piscina. Mas, não importa por quanto tempo esperasse, não se sentiu desencorajada.

Sei que ele vai fazer algo importante hoje. Não tem razão do prefeito dar uma bolsa cheia de dinheiro pro guarda-costas por motivo algum sem que seja pra encobrir evidências. E não tem como o guarda-costas ir pro clube com o dinheiro por outro motivo além de dar cabo do serviço. Sempre que alguém entrava no vestiário, a garota observava se eles iriam para o armário onde Jairo colocara o dinheiro. Mas nada até agora.

Eliza descansou os olhos por alguns instantes antes de abrir a bolsa e tirar um caderno idêntico. Em letras maiúsculas, ela copiou a informação mais recente. Vou precisar de mais cadernos, percebeu quando terminou, quase chegando à última folha. Ela olhou para a bolsa cheia de cadernos e soltou um gemido frustrado.

A ideia de completar outro caderno e copiar toda a informação em outro fez sua mão tremer. Nunca escrevi tanto na vida. Acho que todos os escritores são masoquistas, pensou, soltando uma risada cansada. Mas eu também vou ser uma masoquista pela Bianca. Quando percebeu o que pensou, sua risada foi mais animada. Se ela descobrir que pensei isso

Com a ruiva em mente, Eliza respirou fundo e concentrou-se novamente na parede. Após tudo que ela não queria ver desaparecer de sua visão, seus olhos pousaram em Jairo. Tava na hora, porra! Ela ficou tão feliz que perdeu o controle de seus poderes. Prédios, árvores, pessoas, carros e muito mais coisas ficaram borradas. Sem fechar os olhos, Eliza prendeu o fôlego.

Quando tudo se acalmou, ela observou o guarda-costas caminhar até o vestiário com um policial. Luiz? Eliza quase perdeu o controle dos poderes de novo quando reconheceu o homem. Calma, Eliza. Talvez ele não tenha dedo nisso. Sim, deve ser. Quantas vezes ele foi jantar lá em casa? Painho confia nele.

Eliza observou enquanto os dois iam para a sauna sem falar nada. Jairo nem se dirigiu ao armário com o dinheiro. Ele pegou algumas toalhas de outro armário e foi para a sauna. Ela estremeceu e quase fechou os olhos quando Luiz se despiu e seguiu o guarda-costas. Balançando a cabeça, ela tirou a atenção do policial.

Luiz tinha colocado uma bolsa idêntica a de Jairo no armário 12 e, quando Eliza espiou o conteúdo, quase riu em vitória. É isso! Dentro da bolsa haviam papéis, discos e pendrives. Aí está a evidência que faltava! Só pode ser ela! Ela rapidamente escreveu a hora e o nome de Luiz e observou a sauna.

Não havia ninguém com eles na sauna. Apesar disso, ambos sentaram de frente um para o outro, conversando coisas banais como o tempo e outras conversas fiadas. É um código ou algo do tipo? Não lembro de ninguém mais usar… Enquanto decidia entre copiar ou não, Luiz cobriu a boca com uma mão e parecia limpar a garganta.

Porra! Ele tinha falado algo, mas ela não entendeu. Porém, quando Jairo cobriu a boca e falou algo, ela conseguiu ler os lábios dele. 1-8-99? O que é isso? Primeiro de Agosto de 1999? 1899? Ela se perguntou, mas deixou para lá e escreveu. Não importa. Agora tudo que preciso é rastrear a evidência. E então finalmente vou ver a Vermelha de novo…

A família de Bianca se isolou ainda mais; até os pais dela evitavam sair de casa se pudessem. De tempo em tempo, sempre que sua emboscada permitia, se a mansão da ruiva estivesse dentro dos poderes dela, Eliza tentava dar uma espiada na namorada. Até quando a mansão não estava dentro do raio de alcance, ela observava a confusão no portão da frente.

A última vez que viu Bianca foi três dias depois de ter passado a noite lá. Graças a uma tentativa de invasão domiciliar fracassada de alguns jornalistas, a segurança tinha aumentado. Eliza usou a árvore para conseguir entrar com sucesso algumas vezes, apesar de suas pernas trêmulas. Mas, quando os vizinhos voltaram de férias, pular a cerca ficou fora de cogitação e a menina não pôde sentir ou tocar a namorada desde aquele dia.

Seu desejo pela ruiva fez os poderes oscilarem. Só mais um pouco… Só mais um pouquinho e verei a Bianca sorrir de novo, pensou Eliza. Ela descansou os olhos por um instante e imaginou a namorada que não vira em tanto tempo. Reunindo energia daquele sorriso, tanto o real quanto o provocativo, ela ativou seus poderes mais uma vez.

Jairo ficou onde estava, mas Luiz saiu da sauna. Eliza observou enquanto o policial voltava para o vestiário. Ela recuou sua visão para manter os dois no alcance. A dor era quase insuportável, mas ela ainda se forçou. Ah, merda… Se eu pudesse tirar fotos com os olhos, reclamou, mas, mesmo assim, não podia conter o sorriso.

Luiz tirou as roupas do armário 12, secou-se e se vestiu. Eliza não sabia se foi o nervosismo ou por causa da sauna, mas Luiz suava tanto que parecia doente. Ele olhou para os arredores, certificando-se que estava sozinho antes de caminhar até o armário 11 e colocar o código no cadeado. Então é isso que 1-8-99 significa. O policial abriu a bolsa, seus olhos brilhando enquanto observava o dinheiro. Respirando devagar, ele saiu do vestiário e do clube tão rápido que era quase como se fugisse.

Jairo continuou na sauna por mais um tempo. Espero conseguir tirar proveito disso, pensou. Seus olhos queimavam e fechá-los mal fazia qualquer diferença. Ela pegou a garrafa com chá de ervas e estremeceu antes de beber. Ajuda a acalmar minha bunda. É como se eu bebesse grama. E não funciona nada! Essa merda não deveria me ajudar a ficar calma? Esfregando a cabeça, Eliza respirou fundo de novo. Quando o latejar não estava tão ruim, ela olhou para a parede da biblioteca e se focou novamente.

Menos de dez minutos após Luiz sair, o guarda-costas voltou ao vestiário. Com uma calma quase oposta ao policial, ele se secou, vestiu-se e foi para o armário 12. Sem passar qualquer suspeita de fazer algo ilegal, ele pegou a bolsa com evidência, olhou seu conteúdo e foi para o carro como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Espero que ele não saia da minha área de alcance. Se eu perder ele de vista… Preciso ver pra onde ele tá levando a evidência. Eliza fechou um olho e colocou a garrafa gelada contra ele. Com o outro, observou Jairo. Não achei que forçaria tanto meus olhos, pensou quando a dor era tanta que fechou o outro.

Enquanto a garrafa ajudava a esfriar o rosto, as memórias da reabilitação apareceram em sua mente. Eliza tremeu e balançou a cabeça fracamente. Não tem como eu deixar aquilo acontecer de novo. Tenho a Bianca agora. Não é como antes. Estou fazendo isso pela minha Vermelha, por nós, disse para si mesma de novo e de novo, dando o melhor de si para ignorar a dor.

Com os olhos secos demais, Eliza usou o colírio. Já tá quase vazio, pensou, balançando o pequeno recipiente plástico. Quanto dinheiro gastei nisso? Ela odiava colocar em seus olhos, mas ainda se forçava a fazê-lo. Graças a deus ainda tinha algum dinheiro sobrando depois de pagar minha reabilitação. Isso aqui e os cadernos custam mais do que pensei.

Com a determinação renovada, ela abriu os olhos de novo. Após alguns segundos, achou um carro cinza dirigindo pela cidade. Um alívio a percorreu. Como esperava, Jairo estava voltando para a grande propriedade do prefeito um pouco fora da cidade. Se tudo der certo, eu vou rastrear a evidência e ter certeza que os policiais cheguem nela.

Merda. Ele é rápido demais. Ele vai sair da minha visão… Não era só dentro da biblioteca. Eliza conferira a mansão do prefeito no primeiro dia. O máximo que podia ver era o estacionamento e isso enquanto estava na ala sul do shopping. Não só ela não conseguia se concentrar de jeito nenhum, como trazia atenção demais para si, ao ponto de um dos seguranças vir falar com ela. E era perigoso demais ficar parada lá olhando pro nada. Pensei que seria assaltada a qualquer segundo.

Jogando os cadernos, garrafa e todo o resto dentro da bolsa, Eliza saiu da biblioteca. Com um olho no guarda-costas, ela ergueu a mão para pedir um táxi. Quando um carro finalmente parou, ela pulou dentro e quase gritou onde queria ir para o motorista.

Quando chegou lá, a garota entregou o dinheiro e saiu correndo do carro sem esperar pelo troco. Merda, merda! Jairo já estava quase no limite dela, entrando e saindo do alcance de sua visão. Ela correu até o banheiro feminino no lado sudoeste do shopping. Era o único local em que podia olhar para a parede por muito tempo sem pensarem que ela era uma drogada.

De frente para a privada e com as duas mãos na parede, Eliza se tornou uma pedra olhando para a parede. Está quase fora do alcance… Ela pressionou a testa contra a parede e cerrou os olhos, mas não fez diferença; o carro estava fora do seu alcance. Até agora, se quisesse, podia olhar dentro do carro e sentir como se estivesse ao lado de Jairo sem qualquer problema dependendo do ângulo. Agora sua visão não ia além e ela só podia observar o carro se afastando dela.

Merda, merda, merda! Por que aquela fazenda é tão grande? Vai tomar no cu, prefeito! Sem fechar os olhos, ela procurou por um colírio novo na bolsa. Ela impediu seu instinto de fechar os olhos enquanto o líquido caia. Merda… eu realmente odeio isso… mas se ajudar…

Mas não ajudou. Mesmo com o colírio, seus olhos ainda latejavam e as lágrimas se misturaram com o líquido que caía. Pela Bianca… Pela Bianca… Eliza bateu o punho na parede e respirou fundo. Vamos lá, só mais um pouco, só mais um pouco… Por favor… Por favor…

O carro ainda se movia, mas aos poucos, a visão dela avançou. A dor aumentou, a cabeça latejava e os olhos ardiam, porém, Eliza nunca piscou. Quando Jairo estacionou o carro na garagem, ela observou como se estivesse ao lado dele.

Pela primeira vez, Eliza finalmente entrou na casa do prefeito. Ele é rico pra caralho e ainda rouba. Que puto, pensou, gritando em vitória por dentro. Ela bateu o punho com força na parede. A dor em sua mão era uma distração bem-vinda das demais.

O único momento em que Eliza forçou tanto seus poderes foi quando não tinha controle sobre eles e recorreu a analgésicos. Ainda assim, ela manteve os olhos abertos, temendo perder a evidência de vista.

O guarda-costas disse algo para a filha mais velha do prefeito. Eliza fechou o olho esquerdo, segurou o caderno contra a parede e escreveu nele o mais rápido que podia. Não… você está errada… querida, pensou, sua respiração pesada, mas ainda assim manteve um sorriso dolorido no rosto. Graças a mim… Tudo não vai… dar certo… eu vou fazer… todo mundo pagar… por me manter… longe da Bianca…

Eliza sabia que a garota, sob ordem do pai, não daria fim às evidências. Apesar de implicar toda a família, com a evidência daquela bolsa em mãos, o prefeito podia chantagear a câmara municipal quase toda.

O prefeito está arriscando tudo para salvar alguns milhões em propinas. Ah, é mesmo. Ele é um apostador e tanto, riu Eliza. Embora pudesse se livrar de tudo, quer ter a garantia de que ninguém vai tentar fazer uma delação premiada. E esse será o seu fim, prefeito. Só para saber, nem votei em você.

Após terminarem de discutir, a filha levou a bolsa para um quarto no segundo andar. Onde ela… vai esconder…? Eliza já estava além do limite. Quase perdia a consciência por causa da dor. Vamos… Essa é a… última coisa… que preciso…

A filha pegou uma cadeira, colocou abaixo do ventilador de teto e subiu nela. Evitando as pás de madeira, ela empurrou o teto, revelando um painel escondido. Ela escondeu a evidência e colocou o painel de volta onde estava.

É que… nem nos… filmes… O esconderijo era quase impossível de encontrar a menos que você soubesse que estava lá. O ventilador de teto não era o único fator cooperando para esconder o local, o papel de parede deixava as ranhuras quase invisíveis.

Eliza observou a filha sair do quarto, mas ninguém foi para o escritório. Exceto a filha, só havia empregados na casa. Ela escreveu tudo e fechou o olho.

O fundo dos olhos latejou, como se fosse explodir a qualquer momento. Seu corpo estava pesado, suor descia pelo rosto, ela não podia pensar direito e respirava com dificuldade. A cabeça dela parecia estar partindo ao meio, mas Eliza sorria, a sensação de vitória espalhando. Com isso, tudo vai voltar ao normal… e Bianca… Bianca e eu… Eliza não terminou de pensar; a ânsia de vômito fez sua mente parar.

Preciso… levar isso… para as pessoas certas… agora, ela pensou depois de limpar a boca e dar descarga. Usando a parede como apoio, Eliza se arrastou para fora do banheiro.

Em suas noites sem dormir e incontáveis horas espionando sem conseguir nada útil, Eliza pensou em algumas ideias para conseguir tirar a informação.

Sendo filha de policial, ela sabia que só a informação de uma fonte anônima podia não ser o bastante. Especialmente quando o outro lado era alguém tão poderoso quanto o prefeito. Mas, graças ao nível da informação que possuía, se ela conseguisse fazer seus cadernos chegarem aos noticiários, a polícia simplesmente não poderia ignorá-la ou dar fim neles.

Para colocar os jornais do seu lado, Eliza também tinha pensado em algumas coisas. A primeira era fazer com que os repórteres causando o alvoroço na frente da casa de Bianca conseguissem a informação. Mas ela descartou a ideia. Não teria como dar informação para eles de forma anônima. E ela odiava a ideia de deixá-los ficar com a glória.

A outra ideia que pensou era passar a informação para a mãe de Raisa. Dado o relacionamento entre eles, ou pelo menos o que parecia ter, já que a repórter era uma das poucas do lado do chefe, Eliza tinha certeza de que seu plano daria certo. E a melhor forma da garota conseguiu de fazer com a informação chegasse nela sem revelar de onde veio a informação era colocar os cadernos na lata de lixo da casa de Raisa. E rezar pra ela mostrar pra mãe… não… Tenho certeza de que ela vai… ela se importa com a Bianca tanto quanto eu…

Ah, que se foda… vou fazer isso mesmo… não tenho… tempo ou energia… para pensar… em nada mais…

Algumas pessoas olharam para ela enquanto a garota se arrastava até a entrada do shopping. Ela pegou por um táxi e passou o endereço de Raisa para ele. Sorte que consegui o endereço dela quando Bianca queria nos apresentar. Ela copiou a última informação para outro caderno.

Ela olhou para os cadernos por um segundo. Duvido, mas… é melhor se painho não ver os originais… se ele reconhecer minha letra… mas se isso chegar aos jornais, ele vai ver de qualquer jeito… Com um suspiro exausto, ela jogou o original no saco de lixo preto. Estou feliz de ter preparado tudo isso antes…

O táxi a deixou na esquina da casa de Raisa. Ela duvidava que ele juntaria os pontos, mas, já que havia chance do fato dos cadernos terem sido encontrados na lixeira chegarem aos jornais, ela não queria que ninguém a visse fazendo aquilo. Levando mais tempo do que deveria para alcançar a casa, Eliza colocou a sacola de plástico no lixo e se afastou, rezando para que ninguém a tivesse visto.

Depois de caminhar até o ponto de táxi mais próximo, Eliza chegou em casa. Agora, pra terminar, pensou consigo mesma quando abriu a porta da frente.

— Pai — disse ela quando pegou o telefone, esperando que sua voz exausta se passasse como medo.

— O que foi, meu anjo? — disse ele, tão cansado quanto ela.

— Venha pra casa… rápido… Tem… um cara estranho… ele acabou de dar a volta na casa e deixou algo no lixo…

— O quê? — Ele pareceu despertar na hora. — Tranque a porta e fique longe das janelas. Estou indo agora.

— Acho que ele se foi, mas o que ele deixou… vem logo. É sobre o chefe.

— Estou indo agora. — Ele desligou antes que ela pudesse falar mais alguma coisa.

Ótimo… agora, a segunda parte. Espero que corra tão bem assim, pensou, discando o número de Raisa.

— Eliza? — disse ela antes que a garota falasse algo.

— Ei, Raisa. Sei que pode soar… estranho demais, mas pode dar uma olhada no seu lixo agora mesmo?

— Hã? Por quê?

— Alguém acabou de deixar uma sacola aqui com cadernos… Está cheia com investigações relacionadas ao prefeito… Coisa que pode ajudar o pai da Bianca.

— O quê? Sério?

Como Eliza esperava, o nome Bianca deixou Raisa mais interessada na conversa.

— Sim, e na primeira página tem uma nota dizendo que a mesma informação iria para a imprensa também. Já que a sua mãe é a maior repórter na área…

— Vou dar uma olhada! — Eliza escutou a outra garota correndo e portas sendo abertas. — Sim! Tem uma sacola aqui cheia de cadernos! Caralho! Se isso estiver certo, vai ajudar o chefe.

— Leva pra sua mãe. Eu vou mostrar pro meu pai também.

— Sim, eu vou. Tchau.

Perfeito. Pra convencer meu pai a agir agora… Eliza lavou o rosto com água fria enquanto esperava, ignorando a dor crescente. Minutos depois, escutou a sirene de polícia. Precisava disso mesmo, pai? Pensou Eliza, mas soltou um risinho fraco.

— Eliza! Você está bem? — Ele entrou correndo, deixando a porta aberta.

— Eu tô. Mas olha… olha pra isso tudo… — Ela parou de falar quando viu o parceiro do pai caminhando ao lado dele. Se o Luiz está envolvido, quem sabe os outros também…

— E aí, pequena. Está tudo bem?

Eliza hesitou por um instante. Conhecia Flávio por muito tempo e sabia que o pai confiava nele. Ele até veio nas minhas festas de aniversário quando eu era pequena… A cabeça dela doía demais para pensar em qualquer outra coisa, então decidiu seguir o plano.

— Olha pro que o cara deixou.

Ela passou o último caderno para o policial com uma página sobre o dia de hoje aberta. Ambos leram, com os olhos arregalados enquanto chegavam ao fim. Flávio pegou outro caderno e folheou. Sua reação foi o bastante para saber que estavam chocados. Sim… Agora preciso que eles façam algo…

— Isso é pra valer? — perguntou Flávio ao pai dela.

— Olha aqui. — Mostrou ele para o mais jovem. — As horas batem com a nossa investigação…

— O Luiz estava estranho… O que acha que devemos fazer com isso?

— Acha que algum juiz daria um mandado?

— Mas lê isso. — Flávio mostrou o caderno com número 1 para o pai de Eliza. — Eles vão mostrar pra imprensa. Se o prefeito souber disso, vai ser mais complicado pegar ele.

O policial mais velho mostrou uma expressão vazia. Eliza sabia que significava que seu pai estava pensando profundamente. Ela sabia que ele considerava tudo, incluindo ela e a segurança do resto da família. Vamos lá, pai. Por favor… É pra ajudar o chefe… ajudar a Bianca…

— Reúna os outros. Eu vou tomar responsabilidade por isso — disse com a voz firme. Flávio sorriu, assentiu e correu para o carro. — Meu anjo. Não saia hoje. Tranque a porta e… está tudo bem? Você não parece bem.

— Tô bem, pai… Foi só um susto — mentiu, forçando um sorriso a sair. — Por favor, vai. Ajude o chefe. — E a namorada da sua filha.

Ele mordeu os lábios e olhou entre o rosto dela e os cadernos. Então assentiu e deu um beijo no rosto de Eliza antes de ir atrás de Flávio. O jovem policial já tinha ligado a sirene da viatura de polícia.

Ótimo… Agora é com eles… Por favor, por favor, que tudo dê certo, rezou em seu coração. Após a sirene se for, a fadiga a atingiu. Ela perdeu a força e suas pernas quase desabaram. Eliza mal conseguiu alcançar o sofá.

Me sinto uma merda, ela pensou. Só respirar doía e seu corpo estava quente apesar da tarde fria. Minha cabeça parece que vai explodir. Mas isso não a assustava. Meus olhos… não importa o quanto feche, ainda posso ver através das pálpebras. É como naqueles dias… Quem sabe um analgésico vá ajudar…

Apesar da dor, Eliza se forçou a levantar. A garrafa gelada que usara já estava quente. Ela caiu de sua mão e a garota não a pegou de volta. Depois, disse para si mesma, arrastando-se até o quarto dos pais. Graças a deus eles não estão em casa, pensou, olhando para os remédios do pai.

Com um olho meio aberto, mas vendo em dobro, Eliza encontrou o que precisava. Todas as memórias encheram sua mente de uma vez quando pegou o remédio Por um instante, tudo parecia girar. A garota vomitou na privada e apoiou-se na parede, sua respiração fraca e sem controle. Não acredito que vou usar essa coisa de novo, disse para si mesma, abrindo a tampa.

Ela pegou uma pílula do frasco e o fechou. Pretendia colocar no mesmo lugar, mas sua mão tremeu e as pílulas se espalharam no chão. Eu não vou exagerar de novo, disse para si mesma. É só dessa vez. Forcei a barra… Preciso usar só essa vez…

As memórias invadiram sua mente de novo, do dia em que tomou sabe-se lá quantas pílulas até quando acordou no hospital com os pais chorando na cama. Os dias na reabilitação, a conversa dos pais que escutou sem que soubessem. Tudo veio a sua mente de uma vez. E então a imagem de Bianca sorrindo apareceu. Isso mesmo. Está tudo bem. Não vai ser o mesmo. Eu tenho a Vermelha agora… sim… Bianca…

Pensar na namorada fez a mão de Eliza parar no meio do caminho até a boca. Não… Ainda que seja só uma, posso acabar voltando pra lá… por precaução… Eu… eu não aguento ficar longe dela… Não sei se vou conseguir sem ela…

Eliza chorou sem qualquer restrição. As lágrimas não pararam, mas ela ignorou a imensa dor e pegou o frasco amarelo. Com dificuldade, colocou a pílula de volta e a guardou na caixa de remédios.

Eliza se olhou no espelho. Seu reflexo exausto e de olhos vermelhos foi a última coisa que viu antes de perder a consciência.


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