Meus Olhos Enxergam escrita por phmmoura


Capítulo 3
Capítulo 3




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— Me deixa ver se eu entendi direito — disse Eliza, descansando a cabeça na parede. — Aqueles caras te emboscaram porque você humilhou um deles?

— Não posso negar… — Bianca coçou o queixo e mostrou um sorriso torto.

— O que você fez? — Eliza não deixou passar.

— Bem… Sendo mais precisa, se realmente precisa saber, eu limpei o chão com ele na frente dos amigos e familiares durante a graduação de faixa dele. — Eliza notou que não havia qualquer arrependimento na voz da ruiva.

A garota imaginou Bianca lutando com um daqueles caras sem rosto no meio de uma multidão torcendo por ele. Embora não soubesse muito sobre ela, Eliza conseguia visualizar a ruiva fazendo aquilo com um sorriso no rosto. Mas tem algo errado, ela soube.

— E por que você fez aquilo?

— Ele traiu minha amiga. — O sorriso sumiu de seus lábios. Ela fechou os olhos e respirou fundo. — E não foi tudo. Também traiu muitas garotas. Aquele idiota me tira tanto do sério que não me arrependo de nada. — Ela riu, a raiva sumiu do rosto, e girou na cadeira de rodinhas no quarto de Eliza, feliz como uma criança orgulhosa do que fez.

Depois que concordaram conversar, Bianca sugeriu uma lanchonete ou restaurante próximos, mas Eliza rejeitou. Ela duvidava que a conversa acabaria nos poderes dela, e embora mal fosse falar qualquer coisa, a garota preferia não falar em público. Além do mais, ela também não queria que outras pessoas a vissem com a menina mais popular da escola. Não vai mudar nada, mas prefiro evitar a dor de cabeça, pensou ela na hora.

No fim, Eliza sugeriu seu próprio quarto, onde se sentia segura e teria alguma vantagem. Por algum motivo, quando disse aquilo, Bianca riu e corou, mas concordou imediatamente, murmurando “cedo demais, mas se for você, não ligo de conhecer você melhor lá”.

— Aposto que nunca pensou que eu faria esse tipo de coisa, não é? — perguntou Bianca, arrastando a cadeira para mais perto da cama, olhando Eliza com grandes olhos brilhantes. — Não se encaixa muito bem com a minha reputação.

A garota não conteve a risada. Fazia tanto tempo desde que rira assim que chegou a ser estranho, mas Eliza se sentiu mais leve quando parou.

— É, não mesmo. Mas não vai dar problema? Tipo, com seus pais e tal, é meio…

Bianca fechou os olhos, pressionou os lábios e balançou a cabeça, movendo o dedo indicador de um lado para o outro ao mesmo tempo.

— Não, não, não. Agora é minha vez.

Elas chegaram na casa de Eliza e foram para o quarto. Após um momento em que Bianca observou o quarto e fez pequenos comentários aqui e acolá, a garota começou a questionar sem cerimônia.

A ruiva respondeu a primeira pergunta sem problema, mas quando Eliza a pressionou com uma segunda, Bianca recusou-se a responder, dizendo que era sua vez de perguntar.

— Então pergunte — disse Eliza, suspirando e irritada.

— Conte-me — disse Bianca, repentinamente séria. — Como viu aquele cara com o bastão?

Então ela finalmente perguntou, pensou Eliza, apertando os lábios. As perguntas da ruiva até então não eram nada além de coisas bestas. Como o que Eliza gostava, como era o relacionamento com os pais, se ela tinha namorado ou gostava de alguém. Já que não viu motivo para mentir, Eliza respondeu honestamente, mas foi tão estranho que usou uma pergunta para saber por que Bianca se interessou naquilo.

A ruiva disse que era o começo do relacionamento delas.

Eliza moveu a língua pelos dentes, pensando.

— Vi um deles se esgueirando com aquilo — disse, por fim, emitindo a verdade sem mentir. Não queria mentir para Bianca, mas não tinha vontade de revelar seus poderes para a ruiva. Se nos conhecermos melhor… espera, por que estou copiando ela?

Bianca cerrou os olhos e empurrou a cadeira para longe, cantarolando.

— Não é mentira, mas tem algo que você não me contou.

Eliza teve dificuldade em conter um estalo de língua que sairia por reflexo. Ela tem uma boa intuição, pensou, rindo.

—Mas você respondeu de todo jeito, então vou responder sua pergunta anterior. Eu ligo pra a reputação dos meus pais, e pra minha, até certo ponto, mas se deixar que isso guie minha forma de viver, seria negar a mim mesma e viver uma mentira. — Bianca olhou nos olhos de Eliza, os traços do sorriso ou provocação longe do seu rosto.

Eliza olhou para os olhos verdes da ruiva e não conseguiu dizer nada. Ela é… incrível, a garota aceitou, abaixando a cabeça. Não posso acreditar que a garota que considerei chata era bem mais madura que eu. Eu queria… ser assim…

— Agora é minha vez de novo. — De repente, Bianca arrastou a cadeira para mais perto, aproximando tanto seus rostos que estavam a centímetros uma da outra. O sorriso que ela mostrou pegou Eliza desprevenida, fazendo a garota corar.

— C-Claro. Manda ver — conseguiu dizer, coçando a cabeça e desviando o olhar.

— Você disse que viu o cara se esgueirando com o bastão, e eu acredito. Mas tem algo que me incomoda. Não tinha mais ninguém naquele beco além da gente— disse, abaixando a cabeça para olhar Eliza nos olhos. A garota desviou o olhar. Em um instante, o sorriso de Bianca sumiu e ela ficou séria de novo. A ruiva colocou um dedo no queixo de Eliza, forçou a garota a olhá-la nos olhos e sussurrou: — E a parte mais importante, sua adorável voz veio do parque, através daquela grande cerca e árvores.

Eliza olhou Bianca nos olhos, seu rosto sem expressão. Então ela sabia desde o começo que eu estava no parque… Ela estava testando se minha resposta era verdade até agora? Por um instante, a ideia de contar a ruiva sobre seus poderes veio a ela. Não é como se ela fosse me prejudicar se soubesse, Eliza disse para si mesma, pensando nas possibilidades. O que ela faria? Se contar a alguém, ela que seria a louca. E não tem como me chantagear com isso. Tipo, não tem nada a conseguir me chantageando…

Além do mais, a Bianca respondeu tudo com sinceridade, até onde sei, Eliza disse para si. Mas havia algo a mais. A garota queria contar, falar sobre aquele poder que mudou sua vida e agora era parte dela. Não tenho a coragem para contar a meus pais ou Amanda, mas vou contar a essa garota, uma total estranha, pensou, zombando de si mesma. Ela se virou para Bianca e respirou fundo, tocando a pálpebra, o dedo circulando gentilmente o olho.

— Eu… Eu tenho uma… habilidade especial. — Eliza finalmente falou, tirando a mão do olho e encarando Bianca. — Posso ver através das coisas.

Bianca não mostrou nenhuma reação enquanto olhava Eliza, o silêncio preenchendo o quarto. A garota ficou vermelha e de repente não conseguia mais olhar a ruiva nos olhos. Por que parece tão idiota agora? Não tem como ela acreditar em mim. Pareço doida agora, pensou, contendo a vontade de se cobrir com os lençóis. Pare de olhar pra mim com esses olhos. Diga algo!

— Então você tem uma habilidade especial… — A voz de Bianca não continha emoção. A garota se forçou a erguer os olhos. A ruiva encarava para Eliza sem sorrir ou mostrar qualquer emoção no rosto. Ainda que os olhos parecessem frios e vazios. — Embora ache difícil de acreditar, você está me contando a verdade. Mostre-me.

Antes que Eliza consegue segurar, uma risada baixa escapou de seus lábios. Ela é mais louca do que parece, a garota pensou, sorrindo. A ideia de que alguém que acabou de escutar que você meio que tem uma raio-x e não pensava que era uma mentira deslavada era impressionante. Especialmente se for alguém como Bianca.

— É minha vez agora, não é?

— Isso não foi uma pergunta.

Eliza abriu a boca e depois a fechou.

— Você tem razão.

— Sim, eu tenho — disse ela, sorrindo.

— E então? Como posso provar pra você?

Bianca fechou os olhos e cruzou os braços. Um segundo depois, seus olhos se arregalaram enquanto ela tirava o celular do bolso. Ela o tocou por alguns segundos, trouxe o aparelho para seu peito e deu meia volta na cadeira.

— Me diga o que está na tela — disse, observando a reação de Eliza e mal escondendo o sorriso no rosto.

Eliza fechou os olhos, respirando lentamente, relaxando. Quando sentiu o corpo mais leve, ela olhou para Bianca, focando-se em suas costas. Mesmo com o sorriso distrativo da ruiva, levou apenas alguns segundo para ver através de suas roupas, pele, músculos e ossos. Quando a tela ficou totalmente visível para ela, Eliza ficou vermelha e desviou o olhar.

— Por que diabos você tem fotos de seus peitos no celular?

— Então é verdade! Não consigo acreditar! — Bianca começou a gargalhar. Ela mal conseguia manter a voz baixa por causa da felicidade. Quando se acalmou, a ruiva se aproximou de Eliza novamente. — Como sabe que são meus?

A garota arregalou os olhos. Merda! Falei demais!

— Eu… Eu… ah… — Pensa em algo, porra! — Eu… ah… é minha vez de perguntar — Boa, Eliza!

— Tenho uma foto porque perdi uma aposta. Agora me diga, como sabia que eram meus peitos — disse Bianca, mostrando um sorriso provocativo. — É minha vez de novo. — A ruiva encarou Eliza, seus olhos brilhavam de antecipação.

— Eu… reconheci… eles — murmurou Eliza com o rosto vermelho. Merda! Eu deveria saber que ela perguntaria isso!

— Isso significa que você usou seus poderes em mim… — Bianca sussurrou para si, suas bochechas com um tom de cor-de-rosa. Aquela expressão provocadora sumiu e ela desviou o olhar. Por algum motivo. Isso deixou Eliza mais envergonhada. — Você consegue ver através de qualquer coisa?

— Provavelmente. Tem uma distância limite, mas nada me parou até o momento.

— Nem mesmo chumbo? — enfatizou Bianca, suprimindo seu sorriso de repente.

Eliza inclinou a cabeça, mas respondeu, de toda forma:

— Nunca tentei. — Embora fosse sua vez de perguntar, ela não ligou. Acho que eu queria falar disso com alguém…

Por algum motivo, Bianca parecia um pouco decepcionada, mas balançou a cabeça e tornou a sorrir.

— Você estava olhando para debaixo da minha saia hoje. Estava tentando ver o quê?

Eliza tossiu com a pergunta repentina.

— Aquilo foi… Eu estava… —A garota tentou pensar, mas sua mente estava com muita vergonha. Odeio como ela consegue me fazer perder a calma tão fácil, pensou, olhando para Bianca. Só agora que notara que a ruiva ainda tinha o celular em mãos, a foto dos peitos não causando nenhuma vergonha para ela. — Por enquanto, pode guardar o celular?

Bianca olhou para a mão e o sorriso provocante voltou ao seu rosto quando notou a foto.

— Por quê? Você já viu como vim ao mundo — disse, virando a tela na cara de Eliza. A garota virou a cabeça e ouviu Bianca rindo antes de colocar o celular de volta no bolso da saia.

Eliza respirou fundo até que as maçãs do rosto voltassem à cor natural. No entanto, o coração ainda batia rápido.

— Estava tentando confirmar se você era mesma a pessoa que vi lutando ontem.

— E eu aqui pensando que você estava interessada em mim… — O sorriso de Bianca diminuiu. Ela balançou a cabeça e de repente ficou tão excitada quanto antes. — Você pode ver até que distância? Tudo se torna transparente ou é como se estivesse dando zoom nas coisas?

— É minha vez agora. — O olhar que Bianca mostrou fez Eliza rir. É como uma criança que perdeu um doce. — Mas acho que não tem problema. De toda forma, estou sem perguntas.

Ela não contou a Bianca que queria conversar. A excitação da ruiva era interessante para Eliza. Tenho esses poderes há tanto tempo que se tornou algo normal pra mim. Até os problemas que vem junto, notou. Mas nunca pensei muito nisso…

— Acho que o limite é por volta de um quilômetro. Nunca medi de verdade, na verdade. No começo, era só alguns metros. Acho que cresceu com o tempo — disse, de repente notando o quanto usara e confiara em seus poderes, apesar dos problemas que trouxeram. — Costumava atravessar tudo, até minhas pálpebras. Foi complicado… mas após muita prática, consegui controlar aos poucos. E sim, é como se eu desse um zoom nas coisas.

— Consegue controlar? Digo, pode escolher o que fica transparente ou ele atravessa tudo?

— Posso escolher o que ele vai atravessar agora. É como se forçasse sua visão a ficar embaçada, só que ela fica mais transparente.

— Que demais. — Bianca tinha um grande sorriso nos lábios. Eliza riu.

— Mas não é tudo flores. Tem os problemas — disse, abaixando os olhos.

— Como você os conseguiu? Quando?

— Não tenho ideia de como. No natal, eu meio que acordei com esse poder. Embora estivesse de olhos fechados, o teto e o céu eram visíveis, entrando e saindo de foco. Deu tanta tonteira que apertei meus olhos até pararem. Funcionou, mas o enjoo foi tanto que vomitei — confessou Eliza, as palavras saindo antes que percebesse. Nunca pensei que contaria isso a alguém… E ela queria contar mais a ruiva perante si. — Vinha e ia tanto que meus olhos e cabeça doíam o tempo todo. A enxaqueca era tão forte que minha cabeça parecia que ia explodir…

— É… é por isso que você quase teve uma overdose? — sussurrou Bianca. Ela parou de sorrir, toda sua excitação desaparecera.

Eliza fechou os olhos e segurou a respiração por um momento.

— Sim… — Não posso acreditar que a Bianca foi a primeira pessoa pra quem revelei isso. — Doía tanto que eu precisava fazer algo. Os analgésicos fizeram a dor ir embora… no começo… mas em algum momento, não foram o bastante.

— E agora…

— Agora dá pra eu controlar. Mas quando eu uso demais, meus olhos doem, eu paro de usar os poderes e descanso por umas horas — disse Eliza, um sorriso fraco nos lábios. Por algum motivo, ela não gostava de ver Bianca preocupada. Mal se conheciam, mas a garota gostava mais quando a ruiva sorria.

— Você não sente vontade de… usar os analgésicos mais…?

— De vez em quando. Nos momentos em que a dor não some logo… — admitiu Eliza, mordendo os lábios e fechando os olhos. Antes que percebesse, ela tremia. — Mas não quero confiar neles. Eu… Eu não quero voltar pra reabilitação e passar por aquilo de novo.

De repente, Eliza sentiu os braços de Bianca envolvê-la.

— Se sentir vontade de usá-los, me chame. Eu vou ajudá-la.

— Valeu. — Eliza duvidou do que a ruiva pudesse fazer por ela, mas não odiava a sensação. A garota não soube por quanto tempo se abraçaram, mas, em algum momento, Bianca sentou na cadeira de novo. — Agora você sabe, mas…

— Não precisa dizer. É nosso segredo. — Bianca interrompeu-a e sorriu de novo. Passaram-se alguns poucos minutos, mas ver aquele sorriso outra vez deixou Eliza feliz.

Eliza abriu a boca e a fechou em seguida após um segundo, rindo.

— É. Nosso segredo. — As garotas fitaram uma a outra e riram. O toque do celular de Bianca as fizeram parar.

— É a minha mãe — disse, olhando a tela. De repente, arregalou os olhos. — Droga! Prometi que ajudaria com uma sessão de fotos hoje.

— Você trabalha como modelo? — Por algum motivo, isso não surpreendeu Eliza.

— Às vezes. — Ela levantou e pegou sua bolsa. — Preciso ir, mas nos falamos depois, tá bom?

A garota assentiu e limpou as lágrimas que não lembrara de ter derramado. Ela acompanhou Bianca até a porta da frente e a casa ficou silenciosa outra vez. Eliza olhou para a sala de estar; nada mudara, mas, de alguma forma, tudo parecia diferente.

Eliza comeu sozinha aquela noite. O irmão mandou uma mensagem dizendo que comeria com os amigos. Amigos, né? Lembro dele falar que tinha arrumado uma namorada ano passado… Tirando vantagem da mãe e do pai estarem assim. Bom, não posso culpá-lo. Ele já me cobriu, pensou Eliza, olhando a porta do quarto dos pais. Eles chegaram em casa um pouco antes do jantar, mas estavam exaustos demais e foram dormir logo em seguida. Acho que nunca cozinhei tanto na vida, notou ela, deixando a comida deles no micro-ondas.

Após tomar banho, Eliza tentou assistir algo na TV, mas nada conseguia distraí-la. Quando desistiu, ela foi pra cama, embora fosse cedo demais para dormir. Mas mesmos e não fosse, a garota duvidava que conseguiria; a mente estava cheia do que acontecera à tarde.

Não posso acreditar que contei tudo pra ela, pensou Eliza, a imagem da ruiva preenchia sua mente. Sei que não tem nada que ela possa fazer pra me prejudicar, mas ainda assim… Virando-se, a garota suspirou alto e enterrou o rosto no travesseiro. O que está feito, está feito… Só nunca pensei que me sentiria assim após contar a alguém, admitiu. E se eu contar pra Amanda? Será que seria igual?

Você não pode. É nosso s-e-g-r-e-d-i-n-h-o, Eliza escutou a voz de Bianca sussurrar em seu ouvido. Ela balançou a cabeça para esquecer aquilo e colocou o celular na mesa de cabeceira. Falando nela, ela disse que falaríamos depois, mas ela nem sabe meu número… ou sabe? Duvido que tenhamos quaisquer amigos em comum… Na real, eu não tenho mais amigos. Eliza coçou a cabeça. Porcaria! Estou pensando demais nela…

Ela mora numa casa gigante a algumas ruas daqui, né? É mais de um quilômetro daqui? Eliza quis saber enquanto sentava e encarava a parede. Não sei por que estou fazendo isso, pensou, ainda focando os olhos.

As paredes do quarto ficaram transparentes um pouco mais rápido do que de costume e sua visão foi longe. Casas, apartamentos, árvores, carros, pessoas e animais desapareceram igualmente perante seus olhos. Após alguns instantes, Eliza encarava a parte de fora de uma grande casa. É a casa dela, né? Ela assistiu por um tempo, esperando para ver qualquer coisa que indicasse que sim. Espero que seja. Não quero espiar estranhos. Cruzaria uma linha indesejada.

Eliza respirou fundo e forçou seus olhos, mas a vista não mudou; sua visão não avançaria. Droga… é só um pouquinho fora do meu limite, pensou, arrependendo-se. A garota fechou os olhos, aguardando até a visão voltar ao normal, e deitou na cama de novo.

Após alguns segundos com o rosto no travesseiro, Eliza sentou de novo. Merda! Piscou algumas vezes e respirou fundo, deixando os olhos relaxarem. Quando o corpo se sentiu mais leve, ela abriu as pálpebras e focou sua visão. Clareie a mente… não pense em nada… disse para si.

Viu-se encarando o lado de fora daquela casa de novo, porém, dessa vez, aos poucos, sua visão se aproximava. As bordas de sua visão embaçaram enquanto as paredes se aproximavam, até que ela pôde ver. Eliza relaxou os ombros, respirou fundo e espirou pelo nariz lentamente. Vamos… vamos… Só mais um pouco…

Finalmente as paredes ficaram transparentes e ela pôde ver o interior.

— Isso! — gritou e fechou o punho antes que se desse conta. Sua visão recuou um pouco e as paredes ficaram sólidas de novo. Merda… relaxe e clareie a droga mente, Eliza…

O esforço cansou seus olhos, mas as paredes sumiram outra vez. Com a respiração levemente acelerada e segurando a vontade de piscar, Eliza procurou dentro da casa. Sem chance… é esse aí, posso sentir, disse para si mesma, tentando conter o riso.

As paredes do quarto no canto da mansão estavam cobertas com pôsteres de filmes de artes marciais dos anos 80, de super-heróis e até alguns de desenhos japoneses. Não posso acreditar que a bela e popular, a famosa Bianca, é uma nerd! Eliza não notara, mas havia um grande sorriso em seus lábios. Cadê ela?

Ignorando o formigamento nos olhos, ela procurou pela ruiva. A porta do quarto ao lado do quarto nerd se abriu e Bianca passou, trajando nada além de um robe e uma toalha em volta do cabelo. Droga… ela é muito bonita, Eliza precisava admitir e estalou a língua. Os golpes sumiram? Seria uma pena se tivesse deixado marca, pensou ela, mas conteve a vontade de conferir. Já estou forçando meus olhos…

Bianca sentou na cadeira e secou o cabelo com um secador. Depois de penteá-lo, ela abriu a gaveta e guardou o secador, mas parou, levantando a cabeça de repente. Após alguns segundos, ela se virou e encarou a parede.

Não pode ser… a intuição dela não pode ser tão boa… sem chance, a garota disse para si mesma, tentando negar o fato de que Bianca parecia olhar diretamente em seus olhos. Impossível… Elisa sabia que era, mas a garota engoliu em seco com o olhar intenso da ruiva.

Quando Bianca parou de olhar para a parede e pegou o celular, Eliza suspirou de alívio.

O toque do celular de Eliza fez a garota perder o foco. Ela conteve o grito de surpresa em sua garganta e fechou os olhos enquanto a visão voltava ao normal. Ela cobriu o rosto com uma mão e pegou o telefone com a outra.

Quando os olhos pararam de arder, ela voltou sua atenção para o celular. Eliza riu. Sem chances, disse para si mesma enquanto olhava a tela, mostrando a chamada de um número desconhecido. Ela deslizou o dedo e o trouxe até a orelha.

— Estava pensando em mim? — A voz de Bianca ecoou do outro lado antes que Eliza pudesse falar qualquer coisa.

— Não… Eu… erh… — Ela não tinha nada a dizer em sua defesa.

— Então você estava! — A ruiva soava feliz até demais. — Senti um distúrbio que não sentia desde manhã e sabia que era o seu olhar!

— Eu não estava pensando em você! Eu só… — Eliza conseguiu conter sua língua a tempo.

— Só… estava dando uma espiada? — Bianca nunca parecera tão orgulhosa. Ela começou a rir muito, fazendo Eliza corar.

— Cala a boca… — a garota se forçou a dizer algo.

— Pensei que era a única pensando em você. Mas saber que você também pensa em mim… Estou tão feliz.

— Eu… tenho meu direito de permanecer em silêncio. — Era a única coisa em que Eliza pôde pensar na hora.

— Não posso acreditar que você admite tão fácil. Era só brincadeira, mas você mordeu a isca. — Bianca riu de novo. — É como em um filme, quando as personagens dizem “pode sair agora” em um lugar vazio e daí alguém aparece, e ele fica “nossa, realmente tinha alguém!”

Por que eu perco a calma tão facilmente com ela? Eliza perguntou a si mesma enquanto aguardava a risada parar. Quem imaginaria que ela é tão tagarela.

— Só estava conferindo se você não ia contar pra ninguém.

— Você precisa confiar em mim se nosso relacionamento for funcionar — disse Bianca, quase cantando. — Além do mais, eu nunca trairia o segredo que nos uniu.

Eliza suspirou e pressionou os cantos do nariz. Ela realmente me pega desprevenida.

— Tá. Vou te dar o benefício da dúvida e confiar em você por enquanto.

— Oba! Obrigada, Eliza! — Bianca parecia tão feliz que fez bochechas da garota queimarem um pouco. — Mas agora temos dois problemas.

— Quais?

— Você estava me espiando. Isso é claramente uma violação a minha privacidade — disse Bianca, repentinamente séria.

Eliza mordeu os lábios. Ela estivera fazendo isso por um tempo e tinha noção de que não era moralmente correto. Mas pra alguém apontar o óbvio…

— Prometo que não vou usar meus poderes em você de novo.

— Não. Não prometa isso — disse Bianca, rápido. — Eu gosto de saber que você está me observando. Em vez disso, quero que prometa prestar atenção somente em mim. Eu queria me esconder de você no começo, mas você vai descobrir que sou do tipo ciumenta.

Por algum motivo, Eliza imaginou Bianca estufando as bochechas como uma criança mimada bem na hora. Seria fofo, pensou e, antes que notasse, a idéia a fez rir.

— É mesmo? Sendo assim, vou tentar não olhar pra mais ninguém.

— Oba! — gritou Bianca, sua voz cheia de alegria. Eliza notou que a voz não a irritava tanto quanto antes. — Então, para comemorar, vamos fazer compras amanhã, tudo bem?

— Por quê?

— Pra celebrar nossa primeira promessa — repetiu ela, lentamente, como se fosse para se certificar de que Eliza entendera. — Não me ouviu?

— Tá bom. — Eliza se sentiu cansada. Como ela pode ser tão cansativa? Perguntou-se, mas tinha um sorriso nos lábios. — Calma, você disse que tinha dois problemas. Qual o outro?

— Ah — exclamou Bianca e depois riu. — Eu vou me masturbar depois disso, mas agora vai ser como se eu estivesse me masturbando pensando em você.

O rosto de Eliza ficou muito vermelho.

— Como você consegue dizer essas coisas? — gritou ela antes que pudesse parar. A reação apenas fez Bianca rir mais alto.

— Só estou falando a verdade. Por que você é tão puritana? É virgem por acaso?

— Não sou alguém que fala de coisas assim como se não fosse nada!

— Hahaha. Você é uma santinha. Tudo bem, vou cuidar disso — disse Bianca, e Eliza sentiu que havia um sorriso malicioso nos lábios.

— Pode parar de tirar uma com a minha cara?

— Mas estou falando sério. Se quiser, pode me assistir. Não me importo nem um pouco.

— Cansei de falar com você. Vou dormir agora.

— Só de pensar em você me vendo me deixa excitada — disse ela. — Que pena. Até amanhã.

Eliza terminou a chamada, o rosto queimando. Ela virou-se para norte, na direção da casa de Bianca. Ela não iria… iria? Tenho certeza de que era piada… eu acho…

Ela deitou na cama, seu rosto enterrado no travesseiro. Mas não importa o quão cansada estivesse, a visão de Bianca se masturbando surgiu na mente dela. Merda, pensou e sentou de novo. Só vou confirmar que ela estava tirando uma comigo. Só isso, convenceu-se.

Dessa vez, sua visão alcançou mais do que antes. Quando a visão estava do lado de fora da mansão, as paredes sumiram, sem qualquer esforço. Ela olhou para a garota no quarto dela.

Bianca deitava na cama com uma mão entre as pernas, os dedos se mexendo para dentro e para fora…

Eliza fechou os olhos e enterrou o rosto no travesseiro. Mas não importa o quanto tentasse, não conseguia tirar a imagem da cabeça, seu rosto estava com uma tonalidade alarmante de vermelho. Ela é vermelha lá embaixo também…


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