Mais um dia comum escrita por Jotagê


Capítulo 5
Montanha-russa


Notas iniciais do capítulo

Se ninguém me segurar, daqui a pouco eu estarei fazendo capítulos de 2k, 3k de palavras. o_o Enfim, hoje aprendemos umas coisinhas interessantes com este capítulo.

Eu estava planejando este capítulo há um tempo e foi bem legal escrevê-lo! Enfim, espero que gostem! ~



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Mais um dia comum na Instituição de Ensino Futuro Expresso, um dos colégios mais conceituados do estado. Uma escola particular, a seis estações de casa, cheia de privilegiados com dinheiro pra dar e vender — mas quem venderia dinheiro? —, bolsistas e alunos de classe média que os pais se matam pra bancar.

Com minha bolsa de desconto, o assalto é menos salgado. Minha família — ou melhor, a halmoni — achou bom que eu estudasse onde valorizam a educação, com alunos da classe alta. Alta mesmo, porque o que tem de riquinho chapado nos banheiros...

A escola era divertida com a diretora Margarida, mas ela adoeceu e o Aristóteles — um duas-caras dedicado a ser insuportável — assumiu o cargo. Sem a Laisa, era difícil de aguentar.

Passando pelos corredores monótonos, pensei em imaginar como acabei ali e o que vivi — mas tudo passou. Em vez disso, desci as várias escadas cinzentas, me segurando pra chegar ao banheiro a tempo, e tentava me distrair observando as paredes prateadas com detalhes azuis... Azul. Água. Cachoeira... Não funcionou!

Ao chegar ao banheiro, deslizei pela cerâmica branca que eu já estava acostumado após três longos anos. Segurando o Tomasito nas mãos, me aliviei em um mictório qualquer, e por um momento me arrependi de ser tão hidratado, até dois braços fortes me agarrarem por trás, interrompendo meus pensamentos ao me puxar de vez.

Preciso dizer que não acabou bem? Eu me remexi bastante e tive sorte de não me molhar muito com... O responsável, que me largou em pânico, não teve tanta sorte.

— Porra, Tomás! — o Lucas xingou, berrando, enquanto eu terminava com calma os assuntos no mictório. Sabendo que apareceria alguém se ele continuasse gritando, ele abaixou o volume, mas mantendo o tom incomodado na voz — Eu tô encharcado!

— Por culpa sua. — retruquei, com um sorriso maldoso e a plenitude de quem acaba de deixar o ex-namorado mijado. Apreciei a sensação libertadora enquanto fechava o zíper e ia lavar as mãos — Isso de me agarrar por trás enquanto eu mijo não vai virar costume, né? É estranho, e eu nunca fui fã de golden shower.

Pois é, Lucas Albuquerque. Parei para observá-lo e notei que sua camisa polo azul estava mais escura por estar molhada, como sua bermuda cargo bege, e nem o tênis azul de tecido se salvou. Suas roupas coladas deveriam me atrair... Mas não conseguiam, nada me chamava atenção nele.

Aqueles cabelos lisos e negros, que eu adorava fazer cafuné? Não.
Seu típico penteado que ele nunca muda, médio dos lados e volumoso em cima? Também não.
Seus olhos castanho-claros, que um dia eu achei os mais doces e profundos? NEIN!
Aqueles músculos gigantes de rato de academia, que eu sempre adorei? Talvez um pouco.

— Me escuta, por favor! — ele cortou minhas piadinhas com uma expressão séria que eu raramente via nele, enquanto eu o ajudava com alguns papéis-toalha para que se enxugasse. Me esforçando pra conter o riso, decidi atentar ao que ele diria. Esperei uma bronca que me faria gargalhar, mas a situação logo deixou de ser engraçada — Eu gosto muito de você. Isso nunca mudou, ‘cê sabe.

— Claro! — ironizei, sentando no balcão da pia com a cara fechada. Será que aquilo não significava nada para ele? Porque pra mim, já se tornou bem ofensivo e estressante — Gosta mesmo. Gosta tanto que mentiu pro seu pai dizendo que eu te agarrei no banheiro, quando o Aristóteles nos pegou bem aqui, né?

— Não é assim... — é exatamente assim, Lucas — Eu tenho uma reputação! Isso estragaria...

— ...Tudo que seu pai trabalhou pra manter. — completei antes que ele pudesse. Ele veio tantas vezes com essas desculpas que eu já decorei o roteiro. Como ele cutucava a ferida, decidi ir fundo na minha própria cicatriz, e talvez fazê-lo entender — Isso explica porque você não respondeu minhas mensagens quando minha família ficou sabendo de nós dois e minha vó quis me expulsar de casa. E pensar que eu ainda perdi um ano da minha vida namorando você...

Menti, não me arrependo do tempo que passei com ele. Não foi a melhor época — embora eu achasse isso antigamente —, mas eu aprendi muito sobre mim. Claro, com ajuda da Laisa, pois sem ela eu continuaria pendurado no armário do Lucas. Eu consegui tirar algo bom do show de horrores que foi o nosso namoro, e me dava dó ver que ele não fez o mesmo. Mas eu não me sentia no clima de estar por baixo, por isso não hesitei em desabafar.

— Você sabe como meu pai é, Tomôzi... — ele insistia, encostando sua cintura na minha pra me abraçar, nos balançando em uma dancinha ridícula, que por algum motivo, ele esperava que me fizesse ceder. Com um tom doce, ele fez a vozinha de bebê e se inclinou pra frente. Suas pupilas dilatavam enquanto ele encarava meus olhos, querendo beij... Espera, Tomôzi?! Que cara de pau!

— Sei bem, Luluco... — tentei fazer a voz mais infantil que consegui, sem prática após dois anos, e lacei seu pescoço com meus braços, porque esse jogo aceita player 2.

Aproximei meu rosto ao rosto pálido do Lucas, e não demorou pra que eu sentisse nossas respirações se misturando, nossos lábios separados por poucos centímetros. Ele avançou, e... Trave, desviei o rosto! Apesar de encharcar minha bochecha — vingança, talvez? —, eu continuei a frase e tentei acabar a situação:

— E sei que você está ficando que nem ele, mas e daí? Nós já terminamos.

— Eu quero sair com você, hoje à noite. — o moreno não abria mão, mesmo com minha resistência. Enquanto eu imaginava o que mais precisaria dizer para fazê-lo desistir, ele prosseguiu — Eu vou ser melhor pra você, juro. Esquece as partes ruins do nosso namoro e vem, meu amigo vai dar um show bem legal de...

— Eu já tenho um encontro hoje à noite! — vomitei as palavras com um grito, sem me segurar. Não era minha intenção ser grosso, mas toda a pressão embrulhou meu estômago e puxou as palavras em uma exclamação, que com certeza chamou a atenção dele — Tem... outro cara.

— Outro cara? Que história é essa, Tomás?

— Eu acho que não te devo satisfação.

Foi o que eu respondi, me recompondo e dando as costas para ir à saída, sem preocupação ou estresse. Embora eu ainda me importasse com o Lucas, eu não me importava mais com os pensamentos dele sobre mim ou sobre minha vida. Passei dessa fase há um bom tempo.

A “granada” que eu lancei sem querer na conversa foi o bastante pra mudar o semblante meigo e sedento por atenção do Lucas em uma carranca assustadora, de uma hora pra outra. Não que eu não esperasse por isso, eu conheço bem os pitis dele, já é comum ver o príncipe virar sapo sem avisar. Existe um motivo pra ele ser ex.

Aparentemente, ele não ficou muito feliz com minha resposta desafiadora, já que me agarrou com força pelo braço e me puxou para ficarmos frente a frente. Fitando-me com raiva, ele levantava as sobrancelhas em um gesto que parecia pedir uma explicação que eu não tinha disposição — nem obrigação — de dar.

Dei um suspiro cansado, porque eu já estava cheio das merdas que o Lucas me faz. Eu não ficaria revivendo o ano que nós passamos juntos cada vez que o Lucas tenta me ameaçar, hoje não, Faro. Sem me deixar intimidar, lancei o olhar mais cínico possível. Quando o assunto é o Lucas, eu não tenho mais medo.

— Ah, Luluco... Você sabe que eu te derrubo fácil. Esqueceu que eu fiz aulas de defesa pessoal, depois que seu amiguinho me bateu e você não fez nada pra impedir?

— Tudo bem, não vou te incomodar mais — ele respondeu, mudando a expressão com a mesma rapidez de antes, agora mostrando um medo óbvio na voz e soltando meu braço na mesma hora.

Respeitei o silêncio por um tempo, sabendo que ele traria outro assunto pra se ocupar. Eu estava ficando impaciente a ponto de querer perguntar se ele tinha algo mais a dizer, já que demorou tanto batendo os dedos nas pernas — tradução: ele está nervoso. Confia, eu conheço bem esses dedos. —, mas ele gaguejou as palavras antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa.

— Só me diz, o... Coisinho. O coisinho dele é...

— Maior que o seu?

— ...Isso.

— Olha, menor que isso, eu acho difícil — eu respondi entre risos, agarrando o relevo em sua virilha — Você levou o  “inho” bem a sério, né?

O Lucas mostrou uma mistura de surpresa e satisfação com o que eu fiz, com tristeza e desgosto pelo que eu disse. Eu era especialista em fazê-lo sentir tudo ao mesmo tempo, é um dos meus talentos, mas eu já me aposentei disso. Só consegui falar com dificuldade de tanto gargalhar ao assistir aquilo ao vivo.

Eu menti um pouquinho de novo, mas foi por uma boa causa. Não vamos falar de tamanhos neste local de família, porque eu nem ligo, mas ele estava longe de ser “inho”. Deixo aberto a interpretações.

— Não que o tamanho seja muito importante pra você, né? — completei, e sem demora dei uma leve bofetada em sua bunda, lançando um olhar safado e afrontoso apenas pra desmanchar sua postura de machão. Provocar o Lucas e despedaçar a masculinidade frágil que ele insiste em reafirmar é meu passatempo favorito, e a melhor vingança por ter a autoestima despedaçada por ele.

Eu não esperava que ele continuasse ali, depois de tudo aquilo. Nunca vi o orgulho do Lucas aguentar tantas provocações por tanto tempo, foi um novo recorde. Ele não é o tipo de pessoa que fica só para ser ofendido.

Eu também não esperava que ele agarrasse minha cintura e me beijasse depois do que eu disse, mas foi o que aconteceu. Suas mãos grandes e fortes seguraram meu corpo contra o dele, e os seus lábios rosados tocaram os meus, forçando o caminho com aquela língua molhada, nojenta e amarga dentro da minha boca. 

Mas eu já esperava que não fosse sentir nada, em nenhum momento daquele beijo, além de surpresa e raiva. Porque foi o que aconteceu: minha boca não correspondeu, e meu corpo só se debatia em seus braços tentando se soltar.

Sem opções, tomei uma medida desesperada: mordi a língua dele. Ele parou o beijo aos poucos e começou a resmungar de dor na minha frente, sem falar nada com sentido, já que a língua asquerosa estava sendo segurada pelos meus dentes. E pensar que eu passei um ano beijando aquela coisa, credo!

Quando eu soltei, enfim, ele cobriu a boca com as mãos e saiu correndo pra fora do banheiro. Espero que tenha sido pra pegar a pasta de dente, porque aquele hálito poderia ser melhor. Já eu, respirei fundo e saí andando com um pé de cada vez, tentando me convencer de que aquilo não aconteceu, foi tudo ilusão.

Mas na verdade, foi bem real. Eu beijei meu ex, no dia do meu encontro com o Jota. Foi a montanha-russa de emoções mais estranha e molhada que eu já tive o desprazer de passear.

Eca.


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Notas finais do capítulo

Se quiserem deixar um comentário ou review, eu estou aberto a críticas e opiniões, podem mandar! Espero que tenham gostado, até o próximo capítulo!

Kisu ~



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