Sem Asas escrita por Mercúrio


Capítulo 1
[Prólogo]


Notas iniciais do capítulo

O capítulo é narrado em terceira pessoa, com foco em Mitaili.
Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/724941/chapter/1

A vida em um manicômio nunca foi das melhores. Mitaili, desde pequena, foi obrigada a viver naquele local. Seus pais a tratavam como louca.

A personalidade da garota sempre fora extremamente forte, e seus surtos às vezes mais os estressavam do que preocupavam de fato. E para eles, não fazia sentido. Sua filha cresceu em uma escola excelente, sendo a melhor das alunas. E agora, bom, estava condenada a viver pela eternidade no único hospício de Sancrim.

— Mita, está aí? – Perguntou um dos monitores do corredor daquele local. Mitaili sempre fora a mais silenciosa das prisioneiras, tanto que muitas vezes se questionavam se ela não tinha fugido. Os novatos naquele local acabavam a amarrando com cordas para garantir que não escapasse. Mas... O que nenhum deles sabia era que a garota mal se movia.

— Sim, estou. – Fechou os olhos, tentando identificar por alguns minutos de quem era a voz que a chamara. – Sra. Madelline, você sabe minhas regras. Se forem meus pais que querem me visitar, mande-os embora.

— Não, não são. Muito pelo contrário. Acho que é alguém que você adoraria ver.

Dito aquelas palavras, Mita se pôs a pensar. Eram poucas as pessoas que ela realmente tinha vontade de rever. Não tinha muitos amigos na escola, e nunca teve oportunidade de arranjar um trabalho digno. Sem contar que passar os últimos anos naquele manicômio a faziam se esquecer da maior parte das coisas que passou no restante da vida.

— Majestade, pode entrar no quarto de Mita. – Pelo tom de voz, sabia que Madelline estava sorrindo de forma forçada. Apesar de pouco falar, os funcionários daquele manicômio tinham o costume de desabafar quando estavam próximos à porta de Mita. De certo modo, sabiam que ela era uma boa ouvinte.

Entretanto... Quando a garota escutou a palavra "Majestade", Mita deu um pulo. Certamente era a Princesa Angelita, a mesma que foi forçada a conviver por uma semana no passado. E, bom, pra quem perguntasse, ela seria sincera... Aqueles foram os piores sete dias da vida dela.

Naquela época, o colégio em que Mita estudava decidiu dar um presente para o melhor de seus alunos. No caso, seria passar uma semana inteira com Vossa Majestade, a Princesa Angelita. Obviamente, por se dedicar mais do que os outros, Mitaili conseguiu ganhar aquele prêmio.

...O que ela não imaginava era que a governante de seu reino era uma garota egoísta e mimada, que só pensava em si mesma. Recordava também o modo grotesco que ela tratava os próprios pais.

Não havia rei ou rainha em Sancrim. Ambos eram escravos de sua própria filha. 

Mas Mita também se lembrava de uma coisa importante... Angelita se apegou à Mita e tratou-a como uma confidente nesta semana. No sétimo dia, a Princesa se despediu em meio às lágrimas, enquanto a outra já estava toda sorridente em ter liberdade novamente. 

O que ela não esperava era que, depois de dois anos, a Princesa ainda iria atrás dela.

— Oooh, minha querida Mita! – Angelita tinha cabelos extremamente claros. Anos atrás, havia um boato que a Princesa mandou os melhores magos do reino tingirem cada fio de sua cabeça, pois detestava ser morena. Seus olhos eram cor de mel, e sua pele não era tão branca, mas também não era tão escura. Mita sempre a avaliou como alguém normal.

Provavelmente se não fosse aquele vestido bufante e aquela coroa enorme em sua cabeça, Mita nunca desconfiaria que alguém como ela fosse a princesa de Sancrim.

— Boa tarde, Majestade. – Mita deu o melhor de seus sorrisos falsos, como se estivesse realmente animada em ver Angelita. Bom, aquilo era convincente o bastante para que até Sra. Madelline pensasse que estava realmente animada com aquele momento. 

— Majestade não! Me chame de Angie, minha Mita. – A Princesa se aproximou da outra e a abraçou, apoiando o queixo em seu ombro.

As vestes de Angelita eram extremamente chamativas. Um vestido cor-de-rosa que ia até os pés, com mangas compridas. Enquanto isso, Mita vestia trapos. Um vestido branco e amarelo que mais parecia uma camiseta regata. O manicômio fazia ela vestir aquilo para que qualquer um pudesse perceber as marcas de corda em seus pulsos.

— Bom, eles te disseram a razão de eu estar aqui, queridinha? – Com aquela frase de Angelita, Madalline se afastou do quarto, caminhando novamente pelo corredor. Mita suspirou e fez um sinal de "não" com a cabeça. – Estou aqui para te convidar para viver comigo no castelo, como minha conselheira. 

— ...O quê?

Mita tentava entender a razão daquilo. Dois anos atrás, Angelita desabafou com certa frequência, mas não imaginava que era algo tão especial ao ponto da Princesa ir atrás dela. 

— Minha conselheira teve um certo... "Acidente". – Piscou, deixando claro as aspas na frase. – Então decidi ir atrás de minha mais preciosa amiga para ser minha nova conselheira.

— Majestade, ficamos juntas apenas por uma semana. – Mita relembrou-a. – Você não deveria considerar uma desconhecida como sua amiga.

— Mesmo que ela seja a pessoa que mais confiei na vida? – Perguntou Angelita, passando a olhar nos olhos de Mita. – Escute, Mita. Quando você apareceu naquele castelo, eu coloquei os olhos em ti e pensei que seria apenas mais uma garota com quem eu tinha que ser falsa. Mas você descobriu o meu verdadeiro lado sem esforço! Então, bom, decidi lhe dar uma nova chance depois de anos... Uma chance para você se livrar desta espelunca e viver num palácio de primeira linha, onde todos vão ter que te obedecer. 

— Me desculpe, Angelita, mas não estou qualificada como conselheira. 

Mita virou de costas e se apoiou na janela do manicômio. A vista sempre fora uma única parede verde, sem tantos detalhes. A garota gostava de imaginar o que poderia ter naquele estabelecimento. Não tinha mais desejos certos. Queria e ao mesmo tempo tinha medo de sair para ver o mundo.

O mundo que abandonou dois anos atrás, que os pais a obrigaram esquecer. O mundo que a julgou como louca, e que a empurrou para um universo que pudesse ter seus distúrbios sem perturbar os outros. 

— Ninguém te chamaria de louca, minha Mita... Para falar bem a verdade, você seria vista como uma criatura normal por qualquer um daquele castelo... E poderia ter uma identidade nova, do jeito que preferisse.

Angelita era egoísta, mas sabia manipular alguém. Fugir do mundo, renascer, ter um novo nome, dentre tantas características que pareciam estúpidas aos olhos das pessoas, mas que valiam tanto para Mita. 

Entretanto, não conseguia se render.

— Angelita, eu tenho dezessete anos.

— E eu tenho dezoito. Sou mais velha, então diria que eu dito as regras aqui... E ah, espera, sou a Princesa! – Angelita deu um passo na direção de Mita e a puxou pelo ombro, de modo que obrigasse os olhares a se cruzarem novamente. – Eu estou perguntando de forma sútil por enquanto. Mas espero que saiba que você vai, querendo ou não. Ou vai conhecer algo ainda pior do que este manicômio.

"Ameaças? Muito bom ver que seu caráter de dois anos atrás continua o mesmo, cretina", pensou Mita. 

— Eu vejo então que não tenho escolha, certo? 

— Que bom que consegue enxergar o interior de sua Princesa ao ponto de optar pelo lado bom de um pedido tão gentil. – Angelita sorriu de forma animada e, ao mesmo tempo, sádica. – Agradeça a mim pela oportunidade de emprego.

Mita tentava entender qual era a necessidade daquilo. Ela seria obrigada a aceitar um emprego para conviver com alguém que detestava, e ainda tinha que agradecer por tal ato? 

— Anda. Ajoelhe e implore para sua Princesa nunca te colocar no olho da rua, escrava.

— ...Obrigada, minha Princesa. – Ajoelhou no chão, mesmo que se sentisse um lixo com tal ato. 

E fora aquele agradecimento que deu início a uma história trágica que nenhum dos participantes imaginou que poderia se desenrolar um dia. 

Mitaili se tornou a conselheira particular de Princesa Angelita, e obedecia com um sorriso falso cada uma de suas ordens, enquanto escutava vários desabafos egoístas de uma adolescente enlouquecida.

Não sabia quem foi o estúpido que decidiu que ela seria uma princesa governante de um país. Era ridículo o modo que ela obrigava todos a amarem até mesmo seus defeitos. E seus súditos ainda enxergavam perfeição em cada um de seus atos.

Sentia até mesmo falta de seus pais, que tanto a maltratavam. Mas observar a tortura diária que Angelita conseguia realizar com cada um dos moradores do castelo era algo que a revoltava completamente.

Entretanto, Mitaili tinha uma certeza:

Ela destruiria a vida de Angelita, nem que se afundasse por completo no processo.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sem Asas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.