Marcas de uma Lágrima escrita por Android


Capítulo 7
Capítulo VII


Notas iniciais do capítulo

"Muitos mentirosos não têm imaginação; é isso que faz com que suas mentiras sejam convincentes."
PULLMAN, Philip. A Bússola de Ouro



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Ele arruma a boina feia em sua cabeça e fala:

— A conta, por favor! -

Minha mente entra em colapso, como assim ele não me reconheceu. Entendo que fazem muitos anos que não nos vemos, mas eu não mudei muito. Continuo o mesmo. Ódio toma conta de mim, a adrenalina sobe por todo meu corpo como em uma descarga elétrica. Cerro meu punho esquerdo, estabilizo minha base e em um único e brutal golpe acerto o na face com toda a força conseguida criar por meu corpo naquele momento, minha raiva me possuí. Seu nariz sangra e seus olhos agora repleto de desespero e desentendimento me encaram perplexos. 

— A conta, por favor! - Ele repete com desdém enquanto me observa. 

— Erm... Não trabalho aqui! Seu filho, prazer! -

Recomponho-me e mordo meu lábio de raiva, viro meu corpo e caminho com passos pesados para longe daquele lugar. A única coisa que se passa em minha cabeça é se enfiar em um buraco e chorar bastante, mas não deixarei aquele babaca me atingir nunca mais. Daquele dia em diante decido que nunca mais choraria por causa dele, ou me preocuparei com aquela pessoa que algum dia foi meu pai. Imaginei que chegaria lá, ele me abraçaria e pediria desculpas e tudo passaria? Claro, porém esse é o pai que idealizei, ele não existe. Somente o criei em minha cabeça para compensar a falta que sentia dele.  

Caminho bastante, já estou perto da faculdade. Com o tanto que vem acontecendo ultimamente, parece quase que eu não venho as aulas. Meu corpo está presente, mas minha mente nunca está lá. Para melhorar eu odeio este curso, onde já se viu. Alguém como eu, com o problema que tenho fazendo medicina. É óbvio que meu destino está fadado ao erro, porém deste semestre não terei como fugir mais. Penso bastante enquanto caminho, ouvir músicas me ajuda com isso. Chego perto da sala e finalmente encontro rostos reconfortantes a minha espera do lado de fora, meus amigos. Apesar de não fazerem o mesmo curso que eu, eles sempre ficam ali comigo até o início da aula. Dentre o meio deles um rosto que não deveria estar ali desponta caminhando em minha direção. 

— Hey, Lukas! - Diz meu irmão se aproximando de mim.  

— Oi, mas o que você faz aqui? - Arqueio as sobrancelhas sem entender o que está acontecendo. Gustavo frequenta uma faculdade diferente da minha, apesar de já ter se formado. 

— Você esqueceu sua mochila em casa, Dahr! - Ele me abraça dando leves gargalhadas. 

— Não sou mais uma criança... - Ele insiste em me tratar assim como se eu não tivesse crescido e olha que eu já sou até mais alto que ele. 

— Nossa mãe pediu pra trazer, já que estava indo pra faculdade também-  Balbucia perto a mim. 

— Eu o encontrei hoje... Ele não me reconheceu. - Por um instante seu abraço é extremamente reconfortante e o que eu precisava depois da situação quase traumática que passei. Entrelaço meus braços ao seu redor o apertando forte. 

— Quem? - Ele pergunta retribuindo o abraço e parando de rir por um momento. 

— Nosso pai... -

Um silêncio é criado entre nós, não costumamos muito falar sobre nosso pai. Na verdade quase não costumamos nos falar, desde que meu pai saiu de casa quando crianças, meu irmão se tornou meio que um herói para mim. Alguém que sempre me espelhei e quis ser tão bom quanto, porém a vida continuou e nós crescemos. E apesar de tão parecidos nos tornamos diferentes um do outro. E as vezes estamos em constante conflitos, pois ele espera que eu seja tão entusiasmado e a fim das coisas como ele, mas eu não sou.

Acabo por ser mais na minha e eu sei que isso o deixa triste, mas também me deixa. Tudo que eu mais queria era voltar àqueles dias de nossa infância onde brincávamos de cientistas à noite sozinhos enquanto nossa mãe trabalhava. Na maioria das vezes aparento que não me importo ou que não ligo pra ele, mas na verdade eu me importo muito, só não sou muito bem me expressando ou demonstrando isso e acaba que por conseguinte cria um espaço enorme entre nós e isso dói sei que tanto a ele quanto a mim. 

O professor chega chamando todos os alunos para dentro, abro meus olhos me desenvencilhando dos braços de meu irmão arrancando a mochila de suas costas. Moldo um leve sorriso no canto de rosto me despedindo dele e finalmente me recobro que era a minha primeira aula de anatomia. Não sei como sobreviverei áquilo, ou a tudo, mas não há mais como eu adiar essa aula e ficar dizendo próximo semestre eu pego, não dá mais. 

O cheiro daquela sala é horripilante, entra por minhas narinas criando calafrios por todo meu corpo. O cheiro de formol misturado com algo que eu não sei distinguir, talvez fosse aquele o cheiro da morte, me deixam preocupados e até tremendo. Na sala há quatro grandes mesas de mármore, me sento na última a mais longe do volume coberto com um pano sobre a mesa do professor. Não sei o que é, mas também não espero descobrir tão cedo. Meu celular vibra em meio a aula, acabo por me distrair e recolher ele e checar o que é, surpreendentemente é uma mensagem de Victor. 

Mensagem de Whatsapp: 

"Olha quem comprou um celular novo????" 

"Aleluia em, já estava na hora" 

"Agora quero ver reclamar"

"que não respondo mais suas mensagems." 

"Já já vai ta reclamando do tanto de mensagens"

"que vo ta te mandando" 

"KKKK assim espero, finalmente vc decidiu entrar no século XXI" 

"to em aula, dpois conversamos kkk flws" 

Solto uma leve rizada. Vih tinha um celular até que bom, mas ele tinha tanta implicância que deixava de usar por frescura e por muito tempo ele nunca respondia minhas mensagens, eram dias para responder e quando eu queria falar com ele tinha que ligar na sua casa, no que ele chama de "Celular de casa", pois seu celular ou sempre estava desligado ou sem bateria, ou simplesmente ele esquecia de ligar o Wi-FI. 

A aula começa bem e o professor fica quase metade da aula explicando sobre o sistema circulatório com slides, não consigo me concentrar bem com aquele tanto de coisas no formol ao meu lado na prateleira. Não sei para onde olhar, se é pros slides ou para um feto em um formol quase na altura de minha cabeça. O conteúdo está acabando e eu sobrevivi a duas horas de aula, mas é então que o estranho volume coberto pelo pano branco na mesa do professor é destampado. Corações para abrirmos e entendermos melhor como funciona um coração, não é de humanos, espero. Talvez de bois, mas como assim abrir um coração. 

Como se meu dia já não estivesse ruim o suficiente sou o encarregado de abrir o coração para o meu grupo. Meu coração palpita enquanto observo o monstruoso coração de boi a minha frente, é inevitável suar naquele momento, porém eu suo demais. Coloco algumas luvas de látex e recolho o bisturi da mesa, tremo muito, mas pela pressão dos outros alunos ao meu redor eu devo fazer aquilo. Finco a lâmina lentamente na carne dura, um filete de sangue escorre do bisturi até a luva. Começo a me desesperar e largo o bisturi em cima da mesa e por uma contração involuntária do coração um jato de sangue espirra em meu rosto. A sensação daquele líquido gosmento escorrendo por minha pele e o cheiro metálico do sangue me entorpecem.

Começo a me sentir leve demais, um sentimento ruim preenche meu corpo e minha visão começa a ficar turva. Tento me apoiar no banco que eu deveria estar sentado, mas meu corpo desfalece. Caio ao chão desmaiado.


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Notas finais do capítulo

A história foi revisada, mas caso encontre algum erro, por favor me avisa!!

Os personagens são fictícios e as histórias também! ^^

É umas das primeiras fics que escrevo, então, se puder deixar seu feedback ajudaria muito. ♥



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