Marcas de uma Lágrima escrita por Android


Capítulo 6
Capítulo VI


Notas iniciais do capítulo

"O mundo era terrível, cruel, impiedoso, negro como um sonho mau. Não havia um lugar para viver. Os livros eram o único lugar onde havia compaixão, consolo, alegria… e amor. Os livros amavam a todos que os abriam, ofereciam proteção e amizade sem exigir nada em troca, e nunca iam embora, nunca, mesmo quando não eram bem tratados."
FUNKE, Cornelia. Coração de Tinta



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Não sei o que fazer sem ela. Ana vai embora, é como deixar de ver sua irmã todo dia, mas deve ser o melhor pra ela, eu acho. Jogo o celular ao meu lado fechando meus olhos tentando esquecer de tudo aquilo por um momento, acabo adormecendo. Acordo bem cedo, decido sair para correr um pouco, talvez correndo eu consiga suar meus problemas para fora do meu corpo. Sem fazer muitos barulhos, visto um moletom e sigo em direção da porta. Quando estou para sair vejo um brinquedo de Capitu, minha cadela que havia falecido ao chão, inúmeros sentimentos invadem meu corpo e começo a chorar. Eu não consigo segurar, faz muito tempo que eu não choro.  

Durante muitos anos eu construí uma barreira ao redor dos meus sentimentos, e eu não me permitia sentir eles ou mostrar aos outros, pois não queria me mostrar vulnerável e naquele momento parece que a barreira rachou, está vazando. Meu coração é preenchido por inúmeros sentimentos que a muito escondi no meu cerne, tristeza, solidão, medo, e eu não consigo conter novamente. Saio correndo do apartamento, não quero que me vejam deste modo, como minha mãe me veria daquela forma. Eu que sempre fui o porto-seguro dela, a sua âncora, estava desabando daquele modo. Alcanço o parque bem rápido, ou talvez não foi, mas como estava correndo e chorando passou rápido. 

Minha visão está turva, e as lágrimas escorrendo pelo meu rosto é uma sensação que a muito não sentia. O gosto salgado delas quando escorrem pelo meus lábios me lembra a água do mar, mas nem mesmo uma memória boa como a praia consegue afastar aqueles pensamentos de minha cabeça. O vento frio do crepúsculo me faz sentir uma sensação gostosa. Eu estou gostando de chorar, é libertador, mas eu não posso me libertar por muito tempo, eu preciso me controlar e voltar a mim mesmo. Sento em um banco da praça que dá visão para um bonito lago com alguns pequeninos patos nadando sincronizados pela água que provavelmente está fria. 

O sol começou a surgiu no céu, os raios de sol tocam minha pele clara me dando um banho revigorante de luz. Apesar dos muitos sentimentos que estou sentindo, a felicidade de presenciar um amanhecer do dia tão lindo começou a tomar conta de mim e um sorriso é estampado em meu rosto. Eu tinha gostado do que havia ocorrido, os sentimentos começam a se dispersar e eu volto ao controle de meu corpo, as lágrimas já não mais escorrem por meu rosto e uma felicidade inexplicável me controla. Fico de pé novamente me esticando e aspirando o máximo de ar que posso, o seguro por alguns segundos e o solto calmamente caminhando pelo parque. Na minha mente cantarolo uma música de um filme que eu havia visto a pouco tempo e que sempre que ouço me alegra, até arrisco alguns passos singelos enquanto caminho. Talvez eu seja bipolar, a pouco tempo estava triste e agora já estou feliz e cantando. 

Acho que a energia da natureza sempre me anima e me alegra, por isso sempre que algo acontece vou até uma praça, um parque, uma floresta ou até mesmo uma praia. Eu não gosto muito de praias, o sol geralmente é muito forte e machuca minha pele, sem falar da areia inconveniente que sempre entra nos lugares que não deve e demora um ano para tirar. Caminho até em casa, ao chegar tomo um banho quente e revigorante. Noto que meu cabelo cai um pouco ao lavá-lo, acho que é algo normal já que não o corto faz algum tempo. Assim que sai do banho ainda enrolado na toalha pego meu celular e anoto no bloco de notas que devo ir cortar meu cabelo para não esquecer, mas mesmo assim já sabendo que esquecerei querendo ou não. 

Decido que hoje não vou interagir com nenhum de meus amigos, sairei sozinho para algum lugar que nunca vou para tentar fazer amigos novos ou somente aproveitar um pouco de tempo comigo mesmo. Escolho no armário uma blusa roxa confortável com uma estampa que adoro, a coloquei e com o toque gelado do tecido em minha pele me arrepio. Visto a minha cueca da sorte, era uma amarela que eu adoro e que não sei por que eu decidi que seria a minha cueca da sorte, desde então ela é. E coloco uma calça qualquer, o que eu quero é me sentir confortável. Checo a bateria do meu celular e vejo que não preciso o carregar, procuro alguns lugares diferentes e encontro o que eu quero. Opto por ir de metro, pois assim verei mais rostos e quem sabe não encontro o amor da minha vida, solto uma leve gargalhada ao pensar nisso. 

As pessoas atualmente estão tão focadas em padrões e em não estar sozinhas que acabam esquecendo de fatos que para mim são essenciais em um relacionamento, então acabam por ficar presos em relacionamentos abusivos ou ruins para os envolvidos. Para não acontecer isso comigo acabo por preferir ficar sozinho, mas isso não significa que eu não goste de pessoas. Eu gosto e não me prendo em rótulos, só não encontrei alguém que... Que faça aquelas coisas bem clichês, meu coração bater mais forte, ouvir sinos de igrejas, enfim, que me faça sentir diferente, mais do que já sou. Chego na estação, compro o bilhete e caminho em direção de uma placa grande com um mapa. Sou muito perdido e acabo por sempre ficar perdido nas estações de metro sem saber para qual lado ir ou qual trem pegar. 

Quando estou para chegar na placa, meu corpo é puxado com grande força. Minha calça ficou presa na mochila de uma garota e com o movimento brusco dela um grande rasco foi criado em sua mochila, e por conseguinte me lançando ao chão. Não entendo nada direito, mas fico extremamente atordoado com a cor de cabelo da garota. É vermelho, mas não como um carmim qualquer, é forte e lindo, um escarlate. 

— Você é idiota? Olha o que você fez! Como vou pra faculdade dessa forma.-  O grito da menina me assusta e percebo que a estava encarando igual um idiota sem entender nada. 

—Me... Me desculpa! Não entendi o que aconteceu, só vi um borrão vermelho passar correndo e então estava no chão.- Digo me levantando ainda atordoado. 

— Você se prendeu em mim, sabe-se lá como. E rasgou minha mochila toda. Nossa que ódio de você! - Diz ela corando suas bochechas ao brigar comigo, não sei porque, mas só então me toco que ela é muito bonita. 

— Desculpa, de novo! Eu pago uma mochila nova para você. Por sinal, prazer Lukas. - Digo tentando recolher os cadernos dela que ainda estam no chão. 

— Pode parar, não preciso do seu dinheiro. Eu trabalho e consigo muito bem comprar as coisas que quero, não preciso de um garoto inútil como você para comprar. O dia hoje está um caos! - Ela gesticula bastante falando, mas ao ver eu pegando os cadernos do chão os toma de minha mão os envolvendo em seus braços. 

— Lia, esse é seu nome? Esta... Esta escrito no caderno! - Noto que um nome está etiquetado em uma das capas do caderno.  

— É Emilia, mas meus amigos me chamam de Lia. O que por sinal você não é, então volte para a sua casinha de cachorro e me deixe em paz. - Acho que o trem dela chegou, pois ela sai correndo por entre as pessoas com seu material nos braços e entra no primeiro vagão que vê. Não sei por que agi de forma tão boba e ela foi tão grossa comigo. Não entendi direito, mas vejo que meu trem está vindo na direção contrária e corro até onde ele pararia. 

No vagão coloco meus fones de ouvido e vou ouvindo umas músicas novas que baixei de uma cantora maravilhosa que conheci fazia pouco tempo. As músicas são calmas e acabam que me transportam para um lugar distante, em minha mente inúmeros cenários acontecem, meu corpo se desfaz em meio a uma fumaça negra, ventanias surgem ao meu redor e eu consigo criar um furação... Enfim, eu estou ali sonhando e imaginando coisas, volto a realidade quando ouço a mulher do trem avisando que a minha estação é a próxima.  

Ao sair da estação de trem, uma figura que a muito meus olhos não avistam está lá parada, de costas à mim sentado sozinho em uma mesa de um restaurante. Não consigo saber se é real ou talvez minha imaginação pregando uma peça em mim, eu o reconheço, mas não tenho certeza.

Um homem de terno e uma boina ridícula que decidira usar a muito tempo para esconder a careca que a idade criara em sua cabeça. Não quero que ele me veja, mas eu queria ter certeza que era ele, e poder manter meus olhos nele por alguns segundos que fosse e decorar todos os seus traços para que eu não o esquecesse novamente. Sempre que tentava imaginar ele em minha cabeça, não conseguia. Já passaram oito anos e eu não consigo mais criar o seu rosto em minha mente. É ele mesmo, meu pai. Sentado ali calmo e comendo como se só existisse ele no mundo. Apesar da saudade apertando em meu peito um sentimento de culpa me preenche, ele fez minha mãe sofrer muito eu não deveria sentir falta dele. 

Consigo construir as memórias em minha mente ainda. Minha mãe chorando, se debulhando em lágrimas enquanto eles brigam. As muitas vezes que ele a levava a quase loucura, as muitas vezes que eu e meu irmão, duas crianças tiveram que assistir sua mãe tentar se matar, pois aquele homem transformava sua vida em um inferno real. E a luta que ela teve de sozinha criar duas crianças. As memórias continuam a fluir em minha mente e novamente eu me sento a ponto de chorar, lembrar do choro de minha mãe, dos gritos de dor e agonia me quebram completamente.  

Se há algo que me faz chorar e me sentir totalmente impotente é lembrar de tudo que ele fez com ela e saber que uma criança de seis anos não pôde nem podia fazer nada a não ser chorar e suplicar para sua mãe não ceifar sua vida e lutar e tentar resistir um pouco mais, enquanto aquele homem que apesar de eu amar muito, fazia a pessoa mais importante para mim no universo sofrer.

Foram muitos anos disso, mas finalmente minha mãe conseguiu se desenvencilhar dessa corda que a enroscava e permanecia enrolada em seu pescoço a machucando e sufocando. E como se não bastasse tornar a vida de sua esposa um verdadeiro inferno, o bastardo ainda a traiu. Por isso o sentimento de culpa, pois eu sei o quão horrível ele foi e o tão escroto, porém eu sinto falta de ter um pai. Esse dilema permaneceu em minha cabeça durante muitos anos, mas eu havia decidido que eu não faria minha mãe sofrer nunca mais. Então decidi nunca mais o encontrar e nem falar sobre ele, para que ela não revivesse aquelas memórias ruins, mas uma parte de mim estava em falta 

Decido me aproximar, lentamente eu caminho em sua direção. Ele me olha fixamente e eu a ele, não sei o que sinto ou penso. Um caos se instaurou em minha cabeça. Quando estamos próximos ele coloca-se de pé abotoando o terno novamente, seus olhos estão sérios e fixos aos meus. Eu sinto raiva, mas também queria tanto o abraçar. Ele arruma a boina feia em sua cabeça e falou.


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Notas finais do capítulo

Fiquei um tempo sem escrever, pois já sabia o que deveria escrever nesse capítulo, mas eu meio que não queria escrever. Mas enfim... O escrevi e chorei muito enquanto escrevi, então espero que gostem.

E se tiver algum erro, pf me avisa ♥



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