Réglisse escrita por Ana Barbieri


Capítulo 8
We are infinite...


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura! Eu recomendo Sun, instrumental do Sleeping At Last.



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Havia passado o resto daquele Sábado refletindo a respeito da fuga tempestuosa de sua ajudante. Após muito titubear em sua mente, ainda lhe soava incompreensível que a entrada repentina de sua irmã pudesse tê-la deixado naquele estado. Suas lágrimas colocaram-no numa posição inconfortável e complicada. Por um lado, gostaria de confortá-la com algo mais significante do que reles palavras escarças, todavia, por outro, reconhecia o ridículo naquele desejo. Eles não eram amigos. Ele não a conhecia. Sabia pouco acerca da história de sua família, mas era só. Nada que embasasse um conselho sólido. Independente do afeto crescente em seu peito por aquela quase desconhecida, sua relação resumia-se a puro e simples labor.

E aliás, quanto mais se pegava pensando em Queenie Goldstein, mais se convencia de que não estava certo em nutrir sentimentos por ela. Claro, havia aquele brilho fugaz de uma lembrança há muito esquecida durante todos os lampejos de segundo nos quais pegava-se admirando-a trabalhar. Também dissonantes, fora de lugar. Ele era seu chefe... ela era sua funcionária... Estes, no entanto, não eram os únicos pensamentos que o perturbavam, mas ainda a questão de sua irmã. O que poderia deixá-la tão desgostosa com o trabalho de sua caçula... talvez com ele, seu chefe? De fato, ela adentrara a padaria enquanto eles estavam tendo um de seus pequenos momentos. Evidente que, tal qual Henry e aqueles rapazes insolentes, acreditava ter dado de cara com algo impróprio. O que só aumentou sua sensação de que algo carecia de acontecer... mandá-la embora?

Mas que justificativa haveria de encontrar? Ela parecia ser uma boa moça... sensível, carinhosa com sua irmã... suas saídas foram totalmente justificadas e ela se oferecera para compensá-las, estendendo seu turno, ele quem recusara. Se mencionasse o verdadeiro motivo, correria o risco de magoá-la outra vez... e simplesmente não desejava ser a razão para as lágrimas ou abatimento da senhorita Goldstein... não novamente. Caberia a ele, então, controlar aqueles sentimentos. Não deixar-se levar por eles e também não encorajá-los nela. Isso também a distanciaria, contudo. “Eu não a deixaria escapar, entende...? ” Foram as palavras de Henry. Notadamente tratava-se de algo que precisavam resolver. Durante uma conversa que deixaria a ambos desconfortáveis.

Tal linha de raciocínio seguira-o pelo fim de semana e na manhã que seguiu seu fim. Acreditou que iriam colocar tudo em pratos limpos antes das atividades se iniciarem, porém, por qualquer motivo, ela se atrasara. A conversa foi substituída pela chegada repentina de Mildred. Não esperava vê-la novamente. Não depois de como todo o rompimento se deu... Por longos minutos, ele a viu parada do lado de fora, mas agiu como se não a tivesse notado. Até que finalmente ela entrou.

— Olá, Jacob. – ela disse diante do balcão. Não mudara nem um pouco. Estivera inconsciente para o quanto achava-se despreparado para aquele confronto, até ouvi-la falar.

— Olá... Mildred... eu não... não esperava... – sua garganta estava incrivelmente seca e as palavras saíam aos tropeços, mas ele não se acovardaria. Usou a presença de outras quatro freguesas como escudo.

— Me ver, eu sei... – concordou a loira com um sorriso sem graça. A situação tão desconfortável para um quanto para o outro. – Agnes me contou que havia aberto sua padaria... eu senti que precisava ver... bem, ouvi tanto sobre ela durante tanto tempo... – continuou, hesitante, os dedos brincando no fecho da bolsa; trejeito comum quando ficava nervosa.

— Pois é! Finalmente... e está tudo indo muito bem... – respondeu Jacob, arrependendo-se da escolha de palavras, com medo de ter soado frio ou rude. Não entendia por que ainda se preocupava... talvez fosse muito nobre ou muito tolo... afinal, ela o deixara desconsolado na mesma manhã em que outra pessoa lhe negara seu sonho.

— Que bom. – ela assentiu, olhando em volta, seus olhos erguendo-se um pouco ao vislumbrar a porta de entrada para a cozinha, mas logo tornando a fitá-lo. O padeiro tentou se virar para espiar o que quer que ela tivesse visto... talvez... – Talvez tenha sido a melhor escolha mesmo, então...

Aquelas palavras o pegaram desprevenido. Entendia seu significado, contudo aliás, ele a queria de volta? Poderia crer que estivesse disposta a recomeçar? Depois de todos aqueles meses desaparecida...? Ele a amara um dia. Desejava nada mais do que construir aquele futuro com ela. Eles deveriam ter feito aquilo juntos. Mildred deveria estar ao seu lado no balcão, naquele exato momento... fora o plano inicial... embora agora não acreditasse mais que ela o teria seguido... “estou cansada de ser pobre, Jacob...”

— O que você quer, Mildred? – as palavras certamente saíram mais duras do que o esperado, mas seu semblante não deixava dúvidas de que sua confusão era maior que sua zanga. Ela abriu a boca para falar, mas hesitou. Seus olhos um pouco marejados e vacilantes em direção à porta da cozinha.

— Eu sinto muito, Jacob... – disse, saindo pela porta em meio a um soluço reprimido.

            [...]

Pessoas com paixão precisam de alguém que acredite nelas...

Não podia ficar com ela. Não depois de... daquilo. Estava claro para ele agora, se não estava antes, que se sentia balançado por aquela moça. Independente da vulnerabilidade de ambos durante o transcorrer daquela conversa; ele não atribuía, de forma alguma, a culpa pelo que aconteceu ali a um possível estado de fragilidade. Fora consequência de uma semana, na opinião dele, adorável, somada aqueles vislumbres de memórias, pensamentos, sensações muito maiores do que sua própria força de vontade e que, por Deus, não seria nunca capaz de conter. A diferença entre Mildred e a senhorita Goldstein... seu coração era tão... Oh, ele precisava fazer alguma coisa... Todavia, como encará-la depois de... de se inclinar daquela maneira e...

— Senhor Kowalski? – chamou Queenie, da entrada dos funcionários. Jacob se virou, terminando de colocar uma última rosa de glacê na quarta camada do bolo. A legilimente trazia algo coberto em uma pequena travessa. Seu sorriso se alargou ao finalmente reparar na iguaria que estivera todo aquele tempo sendo aperfeiçoado. O bolo de casamento que haviam preparado. – Está maravilhoso! Então... ela se decidiu, afinal. – comentou adentrando o recinto.

— Pelo seu, como eu disse que iria. – assentiu Jacob, sentindo-se um pouco mais à vontade ao falarem sobre o sucesso de seu trabalho conjunto. – Achei que fosse gostar das rosas de glacê... lembro-me de tê-las sugerido quando começamos a receita. – observou, colocando a última rosa com maestria junto a outra, formando um pequeno arranjo.

Ele se ocupara desde a sua saída, Queenie notou. Claramente em seu desejo para esquecer ou evitar que seus pensamentos voassem para o que quase acontecera. O avental que usava estava todo manchado, mas em nenhum outro lugar havia sinais de descuido. “Habilidade”, pensou a loira. Seu sorriso se alargou um pouco, ao passo que depositava a travessa sobre a bancada.

— Resolvi cuidar do almoço hoje. – disse animada, como se anunciasse a estreia de uma enorme peça teatral. Jacob baixou os olhos na direção para a qual ela apontava e deparou-se com um grande pedaço de strudel. Belamente polvilhado e decorado com pequenas rosinhas açucaradas. Estupefato, ele fitou sua ajudante e de novo o folheado. – Sim, fui eu que fiz! Strudel de maçã! – falou em resposta à pergunta que se formava na mente dele. Diligente, ela correu para alcançar três garfos limpos. – Por favor... – pediu entregando um garfo a ele. Em seguida, correu para fora e chamou por Henry, que não tardou a seguir os acenos frenéticos de mão da moça cor de rosa. – Em agradecimento pela acolhida de vocês! Espero que gostem! – explicou entregando o outro garfo ao rapaz.

O silêncio imperou sobre eles enquanto mastigavam as primeiras porções. Jacob esforçava-se ao máximo para evitar o olhar de Queenie, que cantarolava baixinho consigo mesma conforme terminava de mastigar. Não se contentava em apenas sentar e apreciar a comida com eles, mas precisava ir até o refrigerador pegar uma jarra de água, copos e servi-los. Henry suspirava entre uma garfada e outra, cada mordida lhe parecendo mais abençoada do que a outra. Morava sozinho na cidade, não era exatamente o melhor cozinheiro, logo, a reles ideia de boa comida caseira o deixava inspirado. Jacob também reconhecia o trabalho de mestre naquele pequeno strudel...

— Isso está até melhor do que o seu café, Queenie. – comentou Henry, terminando. A legilimente sorriu de lado, pondo-se a cortar mais uma fatia para servi-lo.

— Henry, se puder nos dar licença, há um assunto que eu gostaria de discutir com a senhorita Goldstein em particular... – interpôs o padeiro, abaixando o garfo. O rapazola prontamente se levantou, assentindo para o patrão.

— Aqui, querido, tome outro pedaço. – ofereceu Queenie, envolvendo-o em um guardanapo. Ele agradeceu e deixou-os. Jacob fitava seu pedaço inacabado com estranheza, irascível. – Algum problema, honey? – perguntou ela mansamente. Fazendo-o se levantar com um estrondo do arranhar dos pés do banco contra o chão. Queenie fitava-o assustada.

— Isso está errado, senhorita Goldstein... isso... – o padeiro começou a dizer, agitado, fazendo amplos gestos para o que estivesse ao seu alcance. Desde o strudel até o bolo e eles próprios. – Isso está errado... eu... eu preciso... eu acredito que seria melhor se... se a senhorita... – ele não conseguia dizer. Não seria capaz de pronunciar aquelas palavras. Embora sequer precisasse. A legilimente já estava dentro de seus pensamentos...

— Oh, não... Jacob, por favor... não... eu... por favor... – titubeava, também se colocando de pé. Sentindo-se tão desarmada e perdida quanto estivera durante sua discussão com Tina. Ele não poderia mandá-la embora... não agora. A mera razão para ter cogitado a ideia era o motivo pelo qual ela precisava ficar ali.

— Não posso, senhorita Goldstein... – insistia, andando de um lado para o outro, sem conseguir focar em um único ponto. Até que encontrou-o nos olhos dela. – Estou ficando louco... isso... isso é loucura! Isso que... que sinto pela senhorita! É a coisa mais estranha... essa sensação de que... de que... bem, de que já comi esse strudel... ou de que já a vi antes, mas não me lembro onde... Esses vislumbres, essas sensações... são loucura...! – ele falava com a mesma veemência de quando sentira-se ameaçado pela magia, ao conhecer Newt naquela manhã no banco.

— Jacob... – ela implorou, se aproximando.

— E isso! – exclamou uma última vez, apontando para ela. – Estive me esquecendo... ignorando isso, mas... a verdade é que não me lembro de alguma vez ter mencionado meu primeiro nome a você...

Ela riu, lágrimas se formando no canto de seus olhos. Ele bufava, recobrando o fôlego. Sem se importar com quem houvesse ouvido seu pequeno desabafo. Ela ia ao seu encontro com os olhos fixos nos dele, fechando cada vez mais o espaço entre eles. Ele, apesar de saber que mais uma vez se encaminhavam para o abismo, não conseguia quebrar aquele contato...

— Você disse... há um tempo... – murmurou docemente, repousando uma mão no lado esquerdo do rosto dele e, então, colocando-se a passar a ponta do polegar sobre sua boca antes de beijá-lo ali. Exatamente como quando se despediram...

Os olhos de Jacob se fecharam lentamente, ao passo que ia se deixando levar pelo sabor pungente de alcaçuz que provinha dela; e, com a mesma lentidão, trilhava o caminho para a cintura dela, que envolvia seu rosto delicadamente entre as mãos. Então, com a maior facilidade do mundo, todos os brilhos fugazes de recordação tornaram-se lembranças sólidas e estonteantes dentro de sua mente. A primeira refeição preparada por ela. O mesmo strudel de maçã. O chocolate quente. Seu avô criava corujas e ela adorava alimentá-las. Salvara-o de ter a memória apagada uma vez e lhe dissera que ele era parte da equipe. Tentara protegê-lo daquela mulher poderosa ao colocar-se na frente dele... e dissera que queria ir com ele... para qualquer lugar... e a lembrança do alcaçuz... porque ela era a garota mais doce que já conhecera...

“Queenie”, pensou. E a loira leu-o, sorrindo com os lábios ainda presos aos dele. O próprio padeiro sem conseguir acreditar que finalmente a estava beijando, depois de todos aqueles meses e agora depois de toda aquela semana. Aquilo também lhe trouxe de volta a sensação de já tê-lo experimentado... sob a chuva... Não fora sonho! Ela havia o beijado antes, naquela tarde... E agora ali. Na sua padaria. Estava beijando uma garota que parecia ter vindo da terra dos sonhos, dentro da concretização do seu.   

— Queenie, – disse em voz alta, sem ar. Ela ostentava o seu maior sorriso de felicidade, que enrugava o canto de seus olhos, ainda lacrimejantes. Àquela visão, ele mesmo não conteve um sorriso grandioso, – eu me lembro...

— Ah, honey! – ela gritou de felicidade, beijando-o mais uma vez, pondo-se a abraçá-lo em seguida. Ele retribuiu, apertando-a contra si.

— Como está a sua irmã? – viu-se perguntando, fazendo-a rir.

— Teenie está bem. Ela sabe que estou aqui.

— Newt?

— Voltou para a Europa. – contou Queenie, desvencilhando-se do abraço, mas ainda incapaz de se soltar dele. – Ainda não nos mandou notícias, mas prometeu a Teenie que iria voltar para lhe entregar uma cópia do livro, então, vamos vê-lo outra vez. – explicou feliz.

— Já faz...

— Três meses. – completou a loira, risonha. Era o seu Jacob. De volta. Para ela. Por causa dela.

— Três meses?! – exasperou-se o padeiro. Ainda não havia processado tudo. A aventura inteira novamente tão fresca em sua lembrança como se houvesse acontecido ontem, mas, três meses! Era muito! Queenie não parava de sorrir, afagando seus ombros carinhosamente. Ele mesmo não conseguia acreditar... – Três meses, hã? E você... se preocupou em vir atrás de mim depois de tanto tempo...?

— Eu lhe disse que não existe outro como você... – murmurou ela, inclinando-se para tocar a sua testa na dele. Jacob riu. Uma risada abafada, que ressoou deliciosamente aos ouvidos da legilimente.

— Ao que me parece, é possível dizer o mesmo sobre você, senhorita Goldstein. Não existe nenhuma outra como você... Queenie. – retrucou ele, em veneração. Ela riu, nenhuma outra reação possível à felicidade de tê-lo de volta... senão a de selar seus lábios com os dele uma outra vez. E outra. E mais outra. Levando-o a dividir aquele êxtase por ter a certeza de que aquele anjo nunca fora somente um sonho, mas extremamente real.

Henry observou-os pelo resto do dia, agindo como um par de recém-casados ou mesmo melhores amigos há muito perdidos e que se reencontravam após uma longa jornada por caminhos separados. Quando achavam que ele não os ouvia, falavam sobre assuntos estranhos... Macusa, leis, picadas de murtisco... era melhor não prestar atenção mesmo. Ao rapazola, bastava saber que, o que quer que estivesse cozinhando ali durante aquela semana, finalmente havia tomado a forma que previra, contra todo o seu ceticismo. Algo glorioso. 


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Notas finais do capítulo

Olá, meus amores! Demorei... mas faculdade é assim, acaba com o tempo da gente! Minha consciência, no entanto, está limpíssima por finalmente ter chegado aqui. Ainda faltam dois capítulos para concluir esta pequena short, e realmente não sei quando poderei escrevê-los. Quando conseguir adiantar um pérfido fichamento de direito do trabalho que tenho para fazer, prometo retornar!! Obrigada a todos que estiveram lendo, pela recomendação maravilhosa da Clenery Aingremont, por tudo mesmo!! Espero ter conseguido arrancar um sorriso de vocês... reviews serão sempre bem-vindos!

Nos veremos logo! Bjooos!! ♥



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