Réglisse escrita por Ana Barbieri


Capítulo 2
I love to cook


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/723971/chapter/2

O relógio no escritório do senhor Abernathy tique taqueava sem parar e o barulho repetitivo não ajudava em nada a aceleração de seu pensamento, bem como a presença da jovem que viera pedir-lhe uma concessão. O supervisor do Departamento de Permissão de Varinhas nunca fora o mais versado dos homens quando o assunto era o sexo feminino, todavia, havia algo especial em Queenie Goldstein que exagerava comicamente sua falta de tato. Em resumo, todas as mulheres o deixavam nervoso, mas, a senhorita Goldstein caçula paralisava-o. Durante sua ausência, aparentemente por motivos de doença – ela parecia mesmo ter uma compleição delicada e propensa – eles haviam contratado uma nova garota para substituí-la e esta se saíra muito bem, tão bem que uma brecha fora aberta para que ficasse e trabalhasse junto à senhorita Goldstein. Esta que agora estava sentada em uma cadeira diante de sua mesa, aguardando por uma resposta a seu pedido.

Abernathy conseguia entender seu pedido. Mesmo com o tempo que se passara desde a sua saída e o seu retorno, traços de uma doença ainda eram visíveis nas feições da loira. O que quer que fosse, não a deixaria tão cedo. Fosse porque tinha uma leve queda por ela, fosse porque, ao contrário da irmã enquanto trabalhou para ele, não costumava ser um problema, ele gostaria muito de poder ajudá-la no que quer que precisasse. Do outro lado, Queenie sentia-se mal por mentir. Só usava seus poderes para maldades assim quando estritamente necessário. Como quando sua irmã e seus amigos estavam em perigo e manipulara Sam a fim de conseguir salvar o no-maj, e depois também mentira ao senhor Abernathy para tirar todos dali. Agora, bem, o motivo poderia ser egoísta, porque ela precisava ver Jacob novamente, mas, seria isso menos estritamente necessário? Parecia até sensato que as duas secretárias se alternassem durante a semana.

— Queenie, sinto muito... – começou a dizer o senhor Abernathy, bastante apologético. – Mas... olhando deste modo, parece até uma bobagem manter vocês duas... isso me obrigaria a escolher... – os olhos dela baixaram instantaneamente, o sinal de que aceitaria o que quer que ele decidisse. O senhor Abernathy era um desses tipos que, no fundo, não possuía autoridade nenhuma, e ao passo que contra alguns usasse isso como despeito para punições, contra outros agia como forma de empatia e um instinto de piedade tomava-o sem restrição. – No entanto, devo crer que o seu pedido parta de uma necessidade médica, não é, senhorita Goldstein? Desde que retornou ao posto, ainda não a sinto completamente recuperada...

— Não estou, senhor Abernathy... mas, se o senhor...

— Nem mais uma palavra. Você apenas cuide de sua saúde e esteja aqui todas as Segundas e Quartas e Sextas, também não podemos permitir que a senhorita Eilonwy pense que existam favoritismos dentro deste escritório, não é mesmo? – interpôs ele com um de seus sorrisos bobos, Queenie sorriu.

— Obrigada, senhor Abernathy. – disse com um aceno gentil de cabeça, tomando o caminho até a porta. Ele se apressou em abrir-lhe, cavalheiro. Outro sorriso perpassou os lábios de Queenie. No fundo, ela sempre se sentia mal quando algum rapaz se interessava e nada existia de sua parte. Ao contrário do que sua aparência poderia entregar, ela nunca ansiava ser uma quebradora de corações. Tampouco desejara algum dia se passar por mentirosa... mas, enquanto tomava a direção para o banheiro feminino e limpava a maquilagem de seu rosto, que utilizara para ganhar um ar mais convincente de que não estava bem, sentiu-se ao mesmo tempo bem e mal... se fosse possível sentir-se assim...

Era Terça-feira e, portanto, ela estava liberada pelo resto do dia e caberia ao seu chefe explicar a situação para Eilonwy. Apressou-se para a saída do Macusa e em seguida tomou a direção da Kowalski Quality Baked Goods. Com sorte, o aviso ainda estava na porta e ela verificou seu reflexo pelo vidro, entrando logo em seguida. O movimento era caloroso e nada sufocante, como seria numa loja de roupas em dias de liquidação, como só ela sabia, por isso preferia fazer suas próprias roupas... lojas de tecido raramente ficavam tão abarrotadas, se soubesse quando visitá-las. As pessoas faziam seus pedidos, crianças corriam de um lado para o outro, atraindo suas mães até novos bolos recém confeitados. Para o que deveria ser somente uma padaria, aquela loja estava mais cheia de vida do que talvez a própria maleta do senhor Scamander.

Jacob mais uma vez atrás do balcão, fazendo questão de atender cada um de seus clientes e outro rapaz auxiliando-o na entrega dos pacotes. Ao avistá-la, acenou nervosamente e ela imitou-o, mas com empolgação. Permaneceu parada em um dos lados, esperando-o se aliviar de algumas daquelas pessoas antes de abordá-lo. Sem que se contivesse, começou a ler as mentes de algumas das pessoas. No geral, se perguntavam de onde aquele homem poderia imaginar aquelas criaturas estranhas para seus bolos ou mesmo mencionavam o quanto haviam gostado deste ou outro. Jacob, por si só, tinha sua mente em dois assuntos: os clientes que atendia, “este ou outro voltara, ou, ela provavelmente veio atrás de outro foleado” e nela, a moça que também retornara e que lembrava-o de alguém, mas, não conseguira ainda decifrar. Subitamente, ouviu um pensamento pedindo por uma rosca de laranja... e voltando a si, deparou-se com uma criança de olhos vidrados nela e na rosca de laranja numa prateleira alta.

— Aqui está. – disse entregando uma a ela. Uma garotinha bastante orgulhosa com seu corte de cabelo curto e boininha marrom, que aceitou a rosca timidamente, correndo em direção a sua mãe. Acompanhou-a com o olhar à medida que se afastava, lembrando-se de sua própria relação com a mãe...

— Então... você acabou gostando do bolinho... – disse Jacob ao se aproximar, o movimento no caixa diminuíra consideravelmente e seu amigo parecia capaz de cuidar dos últimos fregueses sem maiores problemas. Queenie riu baixinho.

— Não só isso. – respondeu. – Vi o anúncio de que precisava de ajuda... – completou lançando um olhar ansioso para a porta.

— Sim, sim, mas... para o estoque... eu não espero que uma senhorita, quer dizer...

— Eu entendo, senhor Kowalski. – interrompeu a loira, desapontada. Esquecera-se de olhar a especificação do anúncio. Sem tentar nem um pouco, a loira permitiu que ele experimentasse todo o seu desapontamento e seus olhos ficaram tão desprovidos do brilho que ali havia segundos antes, e Jacob não encontrou outra opção senão abraçar seu próprio pesar em ter estragado todas as esperanças daquela mocinha. Fitaram-se sem saber o que fazer por alguns minutos, até Queenie agradecer – por nada – e dirigir-se à saída.

— A senhorita estava interessada em qual vaga... quero dizer, quando entrou, pensou que eu estivesse contratando... – alcançou-a o senhor Kowalski, tocando de leve seu cotovelo ao tentar impedi-la. A moça que sempre parecia estar vestida em tons de cor de rosa virou-se para ele com qualquer sinal de esperança.

— Ajudante de cozinha ou confeiteira... – respondeu timidamente. Jacob piscou um pouco.

— A senhorita cozinha? – indagou sem esconder um pouco da perplexidade, ele conhecera garotas como aquelas um dia e nenhuma delas ousava estragar suas mãos com culinária. A loira gargalhou docemente.

— Eu amo cozinhar. – respondeu com nostalgia, lembrando-se de que já contara isto a seu respeito a ele certa vez. O sorriso de Jacob se abriu um pouco. Na padaria, ele possuía suas receitas, seus maneirismos e costumava fazer a maior parte do trabalho, enquanto Henry cuidaria para que tudo fosse bem organizado e guardado, um trabalho duro e precisava de mais ajuda do que Jacob; este já acostumado com a dificuldade, seu tempo na guerra o ensinara muito... todos comentariam que tivesse uma assistente... uma assistente tão... – Eu não tenho medo de trabalhar duro, senhor Kowalski. Eu realmente amo cozinhar! Pode me manter num período de experiência e depois se decidir...

— Você realmente precisa... quer dizer, essa é a sua única opção? Eu imagino que...

— Sei o que imagina. – interpôs ela e apesar de seu tom não ser cortante, aquilo fez com que o padeiro corasse em vergonha. – Oh, não... quero dizer... eu sei que imagina que eu poderia conseguir um trabalho, digamos, melhor; mas, o fato é que realmente não existe mais nada no mundo de que eu goste mais do que... cozinhar. – falou rapidamente, tropeçando nas palavras, tentando convencê-lo. Claro, ela também amava desenhar seus vestidos, mas isso era completamente diferente...

Jacob afastou-a um pouco mais da porta, abrindo o caminho para outro freguês que entrava. Henry não estava mais no balcão e ele se viu obrigado a ir até lá. Queenie observou-o saindo e analisou mais uma vez o interior da loja. Ele realmente tivera um sonho bonito e não se esquecera de tudo completamente, lembrava-se o suficiente da sua relação com as criaturas para desenhá-las em seus bolos. Por que também não se lembrava dela? Aproximando-se do balcão, avistou os fundos da loja, várias mesas cobertas de farinha e um cheiro delicioso. Ele estava ocupado com o senhor que entrara e provavelmente não se importaria que ela desse uma olhada. A cozinha era igualmente grande e bem equipada. O rapaz que o acompanhava estava indo e voltando da dispensa, carregando alguns engradados. Ingredientes, talvez?

Houve um apito e instantaneamente, ela se virou para o fogão, reconhecendo o som. Henry também o ouvira e viera correndo verificar, mas Queenie já tinha as mãos cobertas com luvas e retirara a fornalha de biscoitos caseiros polvilhados com diligência. Cheiravam muito bem...

— Ei, o que está fazendo? Clientes não devem zanzar por aqui. – chamou Henry, caminhando na direção dela com suspeita.

— Ah... está tudo bem, eu... eu sou a nova ajudante de cozinha. – mentiu prontamente, erguendo a bandeja à medida que dava de ombros. Henry fitou-a de cima a baixo.

— Ajudante de cozinha? – desdenhou com as sobrancelhas arqueadas. “Eu sabia que o velho Kowalski não poderia ser tão...” pensava o ajudante e o sorriso de Queenie morreu um pouco. Acostumara-se ao que os rapazes pensavam a seu respeito da primeira vez em que a viam, mas aquilo dizia respeito não somente a si. Por que as pessoas precisavam ser tão... malignas? O que havia demais? Uma garota pode ser ajudante de cozinha... e nem todos os chefes contratavam suas funcionárias pensando em... usá-las... como Henry poderia pensar aquilo de Jacob?

— Isso. Ajudante de cozinha, e com muito a fazer ao que parece. Então... por que não cuidamos dos nossos serviços, senhor...?

— Talbot.

— Senhor Talbot. – assentiu Queenie, alcançando um avental sobressalente, mas que era grande demais para ela... realmente, Jacob não estivera pensando em contratar ajuda para si... – Vou precisar pedir para entrar na dispensa? – perguntou enquanto fingia acertar o avental. Henry notou e reprimiu uma risada.

— Ah, não, não. Fique à vontade, mas, mantenha-nos avisados caso comece a faltar qualquer coisa. – explicou, recebendo um aceno positivo dela. – Senhorita...

— Goldstein. – respondeu com impaciência, desistindo, o que o fez rir de verdade. Ela corou.

— Bem, senhorita Goldstein – retomou limpando a garganta, era pouco mais velho do que um garoto. Um rapazola, mas já se achava dono de alguma autoridade. – Espero que se adapte e... – ele saiu mais para os fundos e deixou-a com os biscoitos. Avistando uma espátula, começou a retirá-los da forma para uma travessa bem lustrosa. Henry, então, retornou com um avental. – Acho que este vai servir.

Ela mirou-o surpresa.

— Obrigada... senhor Talbot. – agradeceu incerta. Ele bufou e se virou, erguendo as mãos no ar como se lavasse as mãos para aquele embuste. Estava claro que não confiava totalmente nas intenções de seu patrão ainda, o que não melhorou a auto confiança dela... mas, em todo caso, chegara onde queria estar. Terminando de colocar os biscoitos na travessa, caminhou com eles para a frente. Mais duas pessoas haviam entrado e Jacob as atendia. A loira colocou o conteúdo da travessa junto aos outros, organizando-os dos mais frescos para os daquela manhã e se virou para voltar de onde viera. Seu olhar cruzou com o de Jacob atrás do caixa, ele a olhava com admiração e certo encantamento, achando graça e Queenie sorriu, seguindo seu caminho com naturalidade. Houve um pequeno entendimento silencioso entre o patrão e sua nova funcionária.

— A senhorita não me disse seu nome. – comentou ele ao final do dia. Eles haviam passado uma tarde trocando os petiscos e, embora estivesse mais acostumada a usar sua varinha para cozinhar, Queenie conseguira fingir bem ser uma jovenzinha comum na cozinha... precisava de mais prática para manter o disfarce, mas, para um primeiro dia, ela estava autorizada a algumas peculiaridades... bater uma massa fora o maior desafio, normalmente não haviam tantos respingos em seu rosto, porém ela se divertira...

— Queenie Goldstein. – disse apresentando uma mão suja de farinha para ele. – Oh... desculpe... – falou limpando-a no avental, que ainda assim era um pouco largo demais para ela. Jacob riu, mostrando suas próprias mãos.

— Um prazer, senhorita Goldstein e... bem vinda à bordo, se é o que realmente quer... quem sou para negar o desejo de alguém? – indagou dando de ombros, ela riu da ironia. O relógio batia às cinco horas, precisava correr antes que Teenie chegasse em casa e a visse daquele jeito.

— O senhor foi muito gentil, senhor Kowalski. – ainda era estranho tratá-lo com tanta formalidade, o que a deixava de sorriso no rosto. – A que horas devo chegar amanhã?

— Costumo chegar às três, mas a senhorita e o Henry podem chegar às sete. – respondeu.

 — Até amanhã, então, e muito obrigada! – disse apressando-se para a porta.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Réglisse" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.