Mãe Loba escrita por Ágata Luz


Capítulo 1
Capítulo Único: p i e d a d e




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A caçadora era esguia e silenciosa, movimentando-se pela floresta como uma sombra. Pisava com tal precisão que a neve jamais estalava sob seus pés; uma figura anônima, quase inexistente no silêncio brusco. Havia ameaça em cada gesto controlado, enquanto ela posicionava-se entre os arbustos secos do inverno e puxava uma flecha da aljava. Sob a sombra do capuz escuro, denunciavam-se dois olhos negros e afiados, espreitando com o instinto de um animal selvagem. Não era culpa dela — a fome fazia aquilo.

A Mãe Loba sabia bem. Seu próprio estômago retorcia-se, vazio durante dias.

A pelagem cinzenta tornava-a parecida com a caçadora: oportunista e letal, esperando a oportunidade certa. Ambas ocultas nas sombras, músculos retesados, esperando. Ambas morrendo de fome, procurando em vão por alimento. Ambas com uma família esperando em casa.

Mas, ao contrário da Mãe Humana, a Mãe Loba sabia que algo estava vindo. Seu faro havia lhe dito quase uma hora atrás, e desde então ela estivera esperando... Espreitando pacientemente.

Um movimento entre as árvores deixou ambas as caçadoras atentas. Uma corça esgueirou-se pela floresta, olhando delicadamente ao redor a cada passo. Era um animal elegante, apesar das costelas saltando em suas laterais; corpo castanho e esguio, com olhos amendoados e expressivos. A Mãe Humana posicionou a flecha e tensionou o arco. A Mãe Loba tensionou os músculos, pronta para uma perseguição.

Ela conseguia farejar uma segunda presença. Poucos segundos depois, uma criaturinha frágil e trêmula surgiu, seguindo a mãe como se sua vida dependesse disso — e realmente dependia. A Mãe Corça abaixou-se para lamber-lhe as orelhas, alheia às duas predadoras escondidas entre as árvores.

A Mãe Humana puxou a corda do arco-e-flecha, mirando com maestria no pescoço da Mãe Corça. A Mãe Loba posicionou-se, esperando um momento de distração. Havia apenas uma caça, e nenhuma delas estava disposta a dividir.

Seus filhotes tinham fome.

A Mãe Humana parecia prestes a disparar a flecha letal; era certo que não erraria.

A Mãe Loba não podia mais esperar. Com a Mãe Corça a uma distância tão curta, distraída enquanto acarinhava seu filhote... Era a oportunidade perfeita. Ela disparou de seu esconderijo nas sombras, revelando sua localização.

A flecha da Mãe Humana passou rente ao seu focinho, criando um corte fino com a lâmina afiada.

A Mãe Corça iniciou uma corrida desesperada, espalhando neve por toda parte, sendo seguida muito desajeitadamente por seu filhote. Ele não duraria, e a Mãe Loba decidiu ignorá-lo. Correu, aproveitando ao máximo a velocidade que em poucos segundos se extinguiria, criando marcas ferozes na neve. Suas presas afiadas encontraram o flanco da Mãe Corça, e ela sentiu o gosto de sangue e carne fresca.

Lutar era inútil.

Deixando seu filhote perdido na neve, a Mãe Corça morreu. Ele berrou, sentindo o cheiro de sangue, impossibilitado de chegar até o corpo. Era uma criaturinha magra e inocente, provavelmente aprendendo a alimentar-se de cascas de árvore. Não sobreviveria uma semana.

A Mãe Loba poderia fazer-lhe um favor.

Com um único salto, suas presas estavam cravadas em seu pescoço. Ele afundou na neve, os olhos grandes vidrados na direção da mãe morta.

Não havia piedade na floresta. A Mãe Loba tinha seus próprios filhotes esperando por ela.

A Mãe Humana também tinha.

Seu cheiro era facilmente identificável. Estava parada atrás da Mãe Loba, corajosamente apontando-lhe uma flecha. Desejava roubar-lhe a caça e, com sua pele, fazer um casaco para o filho caçula, que mal tinha roupas.

A Mãe Humana era frágil sem o arco-e-flecha. Seu cheiro de medo poderia ser sentido à quilômetros. Tinha medo de morrer e deixar seus filhos sozinhos no mundo, para morrer de fome. A Mãe Loba olhava ferozmente para ela, calculando, o corpo tenso coberto de sangue fresco.

A Mãe Loba desviou por pouco. Uma ferida abriu-se em seu ombro, perfeitamente visível no pelo cinza-claro. A Mãe Humana recuou, levando as mãos em direção às costas, apenas para descobrir que as flechas haviam acabado.

Ela começou a tremer. Humanos eram tão frágeis sem suas armas. Um líquido brilhante escorreu por seu rosto, e a Mãe Loba farejou seu desespero.

Ela podia deixá-la fugir. Voltaria de mãos vazias, triste diante dos rostos desapontados de sua cria, todos sentindo a barriga doer após uma semana difícil. E, no dia seguinte, a Mãe Loba a encontraria outra vez na floresta — invadindo seu território, o porto seguro onde criava seus filhotes.

Não havia piedade na floresta.

A Mãe Humana estava morta.

Ferida, porém não desabilitada, a Mãe Loba rumou para a carcaça da Mãe Corça. Caiu deitada na neve, exausta pela caçada. Não havia muito tempo antes que o cheiro de sangue atraísse outros predadores. Ela ergueu o focinho e uivou em direção às árvores muito altas.

Um uivo distante a respondeu, e ela sabia exatamente o que significava.

Pai Lobo estava vindo.


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