Cidade dos Ossos - Vista por Outros Olhos escrita por Ann Wolf


Capítulo 8
Discussão à vista


Notas iniciais do capítulo

No último capitulo:
Lauren teve de se deparar com mais uma lembrança dolorosa. Mas será essa lembrança mais forte que o próprio espirito de lutadora da nossa Caçadora?



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É me impossível dormir. De todas as vezes que fecho os olhos, o pesadelo volta cada vez mais nítido. Já devem ser umas três da manhã quando opto por fazer a runa do sono, embora algo dentro de mim grite para não o fazer a não ser que queira ficar presa àqueles sonhos horríveis. Não lhe dou ouvidos e traço a marca. O efeito é imediato. Sinto o sono a bater á porta, puxando-me como a corrente de um rio e eu deixo-me levar por ela, até ao fundo.

De madrugada, não acordo com a luz da aurora mas com alguém a bater, desesperadamente, na porta do meu quarto. Ainda me sinto zonza e não quero nada sair da cama pois sinto-me miseravelmente. Ao que parece o efeito da runa ainda está presente se bem que com menor força.

Coloco uma das minhas almofadas por cima da minha cabeça, para diminuir o ruído irritante que me preenche o quarto, enquanto lanço uma outra para a porta, tentando mostrar que quero silêncio. Nada feito. Parece que quem está lá fora precisa de falar urgentemente comigo e, ao ter atirado com a almofada á porta, só dei a confirmação de estar acordada.

— Que foi? – Resmungo, tendo a voz um pouco abafada pela almofada.

Alguém abre a porta, sem ter o cuidado de espreitar ou de ser gentil, e corre até á minha cama, sentando-se com tanta velocidade que o colchão balança e serve de trampolim, fazendo-me levitar 2 centímetros, antes de voltar a cair.

— Lauren! – Uma cabeleira loira surge á minha frente e eu coloco os antebraços a taparem-me a cara pra que a luz não me cegue.

— Briana, eu não sei que horas são mas deixa-me dormir! – Grito-lhe e puxo os cobertores até acima da cabeça.

Ela não desiste e agarra-os também.

— É urgente! – Deixo-a levar a melhor e esta quase caí para trás quando eu largo o tecido que me cobre.

Rio-me a bandas despregadas enquanto ela se levanta, no meio de muitos resmungos e protestos. Observando-a normalmente, tudo parece igual, os cabelos loiros atados numa trança, os olhos verdes sempre tão vivos e a pele clara, como a minha. Mas, alguém que a conhece como a própria palma da mão, percebe que algo não está bem. Os seus olhos, mesmo transbordando energia, estão mais escuros do que o normal, há sinais de o início de olheiras e a trança não está tão perfeita como de costume. Ela está furiosa com alguma coisa, ou com alguém pelo que me é sussurrado aos ouvidos. Também suponho que ela deve ter estado a conter as lágrimas de raiva.

— Eu vi aquela cabra! É ruiva! – Pois, como eu calculava. – E o meu irmão apresentou-ma como se nada fosse.

Ela berra tão alto que, muito provavelmente, toda a vizinhança deve ouvi-la.

— Sabes que é completamente normal, não? – Digo, no meio de alguns bocejos.

— Não, não é. – Faço-lhe gestos com as mãos para que fale mais baixo pois os meus ouvidos estão a tinir. – Tu devias ver o olhar que ele lhe lançava. Estava-me a enjoar!

— Pronto, já entendi que estás com ciúmes da Clary. Agora deixa-me dormir que não passei muito bem a noite, como deves calcular. – Caio para trás com tanta preguiça que tenho. – E não te preocupes. Continuas a ser a rapariga da vida do Jace.

Ela lança-me uma almofada á cara, o que lhe agradeço porque o meu stock delas já se tinha esgotado.

— Não gostei dela. Parece-me demasiado sonsa. E acho que só nos vai trazer problemas. – Explica. – Espero que os Irmãos Silenciosos a façam sofrer tanto que a façam fugir daqui a sete pés.

Irmãos Silenciosos! A minha mente obriga-me a levantar, sobre o olhar duvidoso de Briana, e a pôr-me a correr aos tropeções pelo corredor, só tendo tempo para calçar as minhas sabrinas azuis. O corredor está gelado, as minhas pernas o confirmam, mas á medida que a corrida avança ele começa a parecer-me abafado.

Ao chegar á biblioteca, avisto o Alec. Ele está irritado e o seu semblante é carrancudo. Mais uma rejeição do Jace.

Olho para ele durante pouco tempo. O cabelo negro está um pouco despenteado e os seus olhos azuis estão sobrecarregados de eletricidade e, por fim, os músculos dos braços estão tão tensos que as veias são bem visíveis.

Atrás de mim está alguém a correr. Os passos são ligeiros mas bem apressados, quase como uma chita, camuflada pelo ambiente, quando caça a sua presa. Acontece que aqui, a Briana não se pode camuflar e, portanto, quando ela surge ao fundo do corredor e dois segundos depois já se encontra ao lado do Alec, eu quase recuo com os meus reflexos.

— Eu tenho mesmo de controlar isto. – Diz ela, colocando-se ao lado do Lightwood, com o braço esquerdo em cima do ombro dele. – Olá, Alec.

— Olá. – A sua voz é dura como uma pedra mas acho que o toque da Briana o está a relaxar.

Eu acho-os fofos, um belo casal, aliás. Quando os vi pela primeira vez juntos, achei que combinavam, apesar de terem o mesmo feitio, que causava algumas confusões, e terem diferentes maneiras de lidar com ele. Não, não era por que o cabelo loiro dela contrastava com o negro dele, ou os olhos verdes que ela tem se destacarem mas quando os azuis dele estão presentes. Era, sim, a maneira como se entendiam ou apoiavam. Nessa altura, em que eu achava que ele ficariam juntos, ainda ninguém sabia, para além do Alec, dos sentimentos que andavam á mistura.

Quando o Alec e o Jace se tornaram parabatais foi quando tudo fez sentido aos meus olhos. A expressão feliz mas ao mesmo tempo soturna do Lightwood quando olhava para o loiro, os olhos discretos que lhe lançava, quando julgava que ninguém via, e, não menos importante, a lealdade incondicional que tinha para com ele. Lembro-me de o ter confrontado com as minhas suspeitas e da expressão que se estampou na face. Bastou um pedido de segredo para que tudo se confirma-se, mais do que já estava. Infelizmente, a Briana, enquanto me procurava, encontro-nos e ouviu tudo, escondida atrás da porta, e só saiu de lá quando eu observei uma mecha do seu cabelo e disse o nome dela. A loira trancou-se no quarto, só me deixando entrar quando lhe dava na real gana, e permaneceu depressiva durante uma semana até eu a convidar para uma saída, na qual a maior parte do sexo oposto ficou fascinado pela sua beleza, arranjando-lhe um novo hobbie: colecionar rapazes, namoriscando-os por uma noite e na seguinte partir-lhes o coração.

— Alec, eles já foram embora. – Questiono, depois de me desligar daquelas memórias.

Ele cruza os braços e suspira pesarosamente recebendo de seguida um abraço da Wayland, que está preocupada. Depois do sucedido daquele dia, ela convenceu-se de que seria apenas um porto seguro para o Alec e que só o veria como um amigo ou um irmão.

— Sim. – Ele parece mais calmo mas ainda está um pouco rígido. – O Irmão Jeremiah já os veio buscar há algum tempo. Por esta altura já devem estar a chegar á Cidade dos Ossos.

Cidade dos Ossos. O cemitério dos Caçadores das Sombras que morrem em missões e cujos corpos são levados para lá para servirem de suporte e proteção, graças ao poder de Nefelim que carregamos nas veias, mesmo já estando mortos. A maioria dos caçadores almeja esse destino pois iriam continuar a servir o propósito da sua existência. Eu não quero esse futuro.

Quando os meus pais morreram, não foram encontrados quaisquer vestígios dos seus corpos. Apenas uma enorme poça de sangue e tecidos das suas roupas. Foi tudo queimado e atirado para o cemitério da nossa família, em Idris, como se fossem lixo devido aos boatos de que estavam com resíduos demoníacos.

Eu salvei-me desses comentários, embora ainda haja boatos e mexericos sobre a família Ashbue que ainda perduram nos nossos dias.

— Só espero que a Clary não arranje sarilhos. – Recordo-me de quando ela acordou no instituto e decidiu deambular pelos corredores sem a nossa supervisão. – Ela é muito impulsiva.

— Estás assim tão preocupada com a mundi? – A Briana fala-me de uma forma tão ríspida que sinto uma pontada de dor no peito.

— Ela não é uma mundi e já deve ter dado sinais disso. – Não reconheço o tom de voz com que fala, parece-se com o do Alec. – Eles devem ter descoberto algo, ontem á noite. Não?

O moreno acena afirmativamente, enquanto a Briana o olha com o sobrolho carregado e cara feia. Ele não diz nada mas, pela maneira como a feição da sua cara pede-lhe desculpas por me ter falado.

— Ontem estivemos a discutir sobre a mãe dessa rapariga ser uma caçadora de sombras que pertencia a um grupo chamado Circulo que provocou a Insurreição. – O meu queixo quase caí. – Ao que parece o chefe do grupo, Valentine Morgenstern, era o marido dela.

 O nome Valentine causa-me uma sensação estranha. Medo, familiaridade, ódio, tudo isso e muito mais. É como se eu já o tivesse conhecido de algum lado.

— Mais alguma coisa? – Pergunto, talvez esperando alguma pista que pudesse justificar aqueles sentimentos.

— Lauren, estás a irritar-me, sabias? – A voz da Briana faz se ouvir. – Por quê te importas tanto com a ruiva. Se ela é uma caçadora, então deve conseguir defender-se sozinha.

Ignorando todos os sentimentos que pareciam surgir no meu peito, falo calmamente, não sendo intimidada pelos olhos de Briana que começavam agora a adotar um laranja carregado á volta da pupila. Eu compreendia a irritação dela mas estava a passar dos limites.

— Briana, para de ser mimada. Há poucos minutos disseste que ela era uma mundi quando sabias já as origens dela, e tudo só porque a querias ver fora do instituto, e agora dizes o contrário e esperas que ela ande por aí a matar demónios como se já o tivesse feito vezes sem conta.

A fúria nos olhos dela estava a crescer a olhos visto e ela já tinha retirado o braço de cima do ombro do Alec.

— Eu não gosto dela. E não sou a única. – Ela aproxima-se de mim a cada palavra que profere. – Ela dá me nojo e quero-a bem longe do meu irmão e de mim. Para ser sincera, eu preferia que quando aquele Devorador a atacou, a tivesse morto naquele instante!

No momento em que ela diz isto, a minha mão move-se sozinha. Sinto o coração a pesar-me os batimentos a ouvirem-se nos meus ouvidos. A Briana está com a cara ligeiramente virada para o lado, num estado atónico, e tem uma marca vermelha na face esquerda. A chapada vai com certeza deixar-lhe uma nódoa negra durante um tempo.

Não demoro, muito a recompor-me enquanto ela apenas leva uma das mãos á bochecha, mostrando surpresa e ódio no seu olhar.

— Engole esse teu ciúme, Briana! Para de ser tão cruel. – Ela recua. – O Jace não te vai abandonar como aconteceu com os teus pais. E tu tens nos sempre ao teu lado, então não precisas de ser assim com a Clary.

Ela não me responde, mas noto algumas lágrimas a escorrerem-lhe pela face magoada no momento em que ela baixa a cabeça. O Alec tenta dizer-lhe alguma coisa, no entanto ele apenas se afasta, com os punhos cerrados agora ao lado do corpo.

— Precisavas de ter feito aquilo. – Ele fita-me tentando-me provocar medo mas não resulta pois mantenho impávida.

— Eu sei que não devia ter sido precipitada. – Admito que não agi bem só que não foi por mal. – Tu sabes que não sou assim mas ela precisa entender e tu também. A Clary não é uma ameaça.

— Para ti. – Ele já não parece tão calmo como á 10 minutos. – Acontece que ela está a por em risco todos do instituto e está a afastar o Jace de nós.

— Ela não está a afastar ninguém. – Exalto-me e sinto o sangue a subir-me á cabeça. – Vocês tem um medo sem sentido dela. Vocês não percebem que mais cedo ou mais tarde isto ia acontecer? Achavam mesmo que o Jace ia ficar um velho solteirão como o Hodge?

— Obrigada pelo elogio.

Uma voz ressoa atrás de Alec e é quando ouvimos o grasnar do corvo e a silhueta do nosso tutor. A minha clarividência mostra que ela já estava ali á um bom tempo e que ouviu o meu comentário acerca de ele ser um solteirão.

— Hodge? – O Alec está surpreendido, não sei bem o por quê.

— Alec, posso falar com a Lauren por uns minutos.

O olhar do Lightwood desloca-se entre mim e o Hodge, como se lhe estivesse a escapar algum pormenor. O que por acaso era verdade já que eu me tinha esquecido completamente de lhe contar acerca das tréguas que eu e o nosso tutor tínhamos decidido á duas noites. Ele sabe bem que eu pouco ou nada falava com o Hodge quando nos encontrávamos sozinhos.

Ele saí silenciosamente, dando um último relance antes de cruzar ao final do corredor. Miro o Hodge e noto que ele está estranho, como se algo o preocupasse em relação a mim. Talvez um segredo, diz uma voz na minha cabeça.

— Já te contaram acerca do Circulo, não foi? – Vejo que tem algumas gotas de suor nas têmporas.

— Algumas coisas. Mas o que é assim tão importante para que o Alec tivesse que sair. – Franzo um pouco a testa e isso dá-lhe coragem para continuar.

O Hugo parece estar um pouco mais calmo do que pouco. O seu olhar parece mais terno, mesmo que eu ainda sinta uma ameaça por detrás daquela máscara inofensiva.

— Acho melhor que me acompanhes até á biblioteca. Tenho algo a te mostrar. – O meu coração bate furiosamente que temo que este me saia pela boca. – É sobre os teus pais.


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Notas finais do capítulo

É dificil lidar com a personalidade da Briana. Por vezes é necessário usar medidas mais drásticas mas, de que modo irá isso afetar ambas? O que Hodge irá revelar a Lauren sobre os pais desta?



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