Cidade dos Ossos - Vista por Outros Olhos escrita por Ann Wolf


Capítulo 3
O Perdão


Notas iniciais do capítulo

Uma noite atribulada para os nossos heróis mas será que ainda há mais aventuras à espreita sobre a lua. Veremos...



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Sou despertada de um leve sono com o barulho da porta da entrada a fechar-se. Levanto-me num pulo e corro em direção à entrada onde me deparo com a Clary nos braços do Jace. Ela estava com a pele muito roxa e o cabelo empapava-se na testa dela. Toco nesta e quase queimo a mão, dá para estrelar -lhe um ovo na testa da maneira como está febril.

— O que aconteceu? - Questiono Jace com a respiração descontrolada.

— Um Devorador. Ela foi atingida pelo veneno e precisa de ser tratada. - Ele não a larga, nem mesmo quando o Alec chegou para o auxiliar. Fomos chamar o Hodge, que começou a tratar-lhe dos ferimentos causados pelo demónio, retirando-lhe o veneno e colocando a mistura no pescoço dela.

Durante o resto da noite, eu e o Jace permanecemos ao lado da Clary. Eu recuso-me a abandoná-la numa situação tão grave em que eu mesma a havia colocado.

De manhã, as olheiras na minha cara chegam a assustar o Church. O coitado do gato mal me vê, foge logo na direção da porta sem olhar para trás. Foi então que observei que o Jace já não se encontrava na enfermaria, onde ontem tinha ficado antes de eu adormecer durante cerca de 15 a 30 minutos. 

Passo o resto da manhã ao lado da Clary, embora que dentro, de mim, algo me esteja a remoer para procurar o Jace e obriga-lo a ficar aqui comigo e eu precise de tratar da minha aparência.

Não me apercebo da passagem do tempo e acabo por passar pelas brasas, mesmo não querendo. A ruiva continuava inconsciente e eu comecei a desesperar. A minha respiração está irregular e sinto os tremores a subir à flor da pele.

Não admira que quando o Alec me coloca um cobertor nos ombros eu solte um soluço reprimido. Ele afasta-se um pouco para depois agachar-se ao meu lado. Os olhos deles são lindos à luz do luar que entra através dos vitrais da janela, lembra-me a cor dos oceanos num dia de sol.

— Queres sair um pouco e eu, esta noite, fico aqui?

Abano negativamente a cabeça, olhando pela janela vendo apenas a luz da lua. Esta, quando bate no rosto da Clary, dá-lhe uma aparência angelical disfarçando a palidez fantasmagórica e o suor que ás vezes lhe escorre pela face, provocado pelos pesadelos que deve ter.

— Alec? - A minha voz sai mais rouca do que eu esperava e os meus olhos insistem em quererem se fechar. - O Jace?

Ele para junto da porta.

— Deve estar na biblioteca. - Ele sai, não me dando tempo para lhe perguntar por quê ele não estava aqui.

Parece-me que ele se quer afastar de tudo aquilo que possa torná-lo mais humano e a Clary tem essa capacidade. Se só com alguns minutos de diálogo ele a achou interessante então numa semana ele ia esquecer-se completamente de como manter uma postura neutra e sarcástica.

Mas não estou com paciência para dar um puxão de orelhas a ninguém, nem mesmo ao Jace pela sua cobardia e idiotice que está a demonstrar, portanto volto a dormir na poltrona improvisada que criei para ficar ao lado da Clary.

 

O dia que se seque começa comigo a ser acordada pela Isabelle. Ela olha-me nos olhos e eu apercebo-me da reprovação que os seus olhos negros carregam.

— Eu não acredito! - Começa ela, cruzando os braços. - Já não me bastava o Alec e o Jace, agora também tenho que cuidar de ti.

Solto uma gargalhada fraca, quase ináudivel, e tento levantar-me no entanto, nesse mesmo momento, uma forte tontura, por causa da fraqueza e do pouco descanso  que tenho tido e ainda por cima não tendo usado runas para me restabelecer, abala-me com tanta força o corpo que levo as mãos à cabeça.

A Izzy só me faz um sinal para ir cuidar de mim. Sei que ela está preocupada comigo pela maneira como os seus olhos reprovadores também possuem ternura.

Embora eu esteja muito cansada e com uma aparência descuidada, eu não quero abandonar a Clary. Saber que o estado em que se encontra é, em parte, culpa minha provoca-me um aperto no peito e um sensação de remorso.

Quando chego ao meu quarto só me apetece atirar-me à cama para matar saudades. Mas sou assaltada pela recordação do pesadelo de quando dormi nela a ultima vez e recuo antes que o capricho se concretize.

Em vez de me dirigir à cama, vou para a minha casa de banho. As paredes pintadas de um azul-acinzentado, como os meus olhos, dão-me a impressão de que estou no céu e isso acalma um pouco o receio e a ansiedade que me domina.

Apenas a minha imagem refletida no espelho me traz de volta ao mundo real, mostrando que não estou nos meus melhores dias. O meu cabelo castanho aloirado em vez de estar liso como uma tábua, encontra-se desgrenhado. Os meus olhos azuis demonstram o cansaço que tenho pelas grandes e negras olheiras que os rodeiam. E por fim, a minha pele encontra-se num tom tão branco que parece cal. Se um caçador ou um Habitante do Mundo-à-Parte me visse confundir-me-ia com uma vampira. O que por acaso até poderia ter as suas vantagens porque poderia falar com o Rafael, o chefe provisório do clã de vampiros de Brooklyn e que até era muito atraente.

Desvio o olhar do meu reflexo, assim como do assunto "Rafael", e mergulho a cabeça debaixo da torneira para acordar um pouco. A água está gelada e o seu efeito é o esperado.

Quando me sinto o suficiente acordada, o suficiente para não adormecer em pé, preparo as coisas para o banho. Estou já a preparar a minha roupa quando o som de alguém a bater à porta chega do meu quarto. Questiono-me quem poderia ser e quase faço figas para não que não seja o Hodge pronto para me chatear. Respiro fundo antes de rodar a maçaneta e abrir a porta.

A primeira coisa com que me deparo é uma camisa branca e depois olho para cima e vejo a cabeleira loira e os olhos dourados.

— Jace? - Espanto-me com a presença dele.

Ele dá-me um sorriso sarcástico, aviso de que vai lançar um comentário.

— Surpreendida por me veres?

— Sem dúvida, para mim foi uma surpresa ver-te a fugir a sete pés de uma mundana. - Ele arregala os olhos e o seu sorriso desfaz-se.

Encosta-se ao vão da porta e vejo os músculos do pescoço a ficarem tensos.

— Eu vim aqui para te chamar. O Alec trouxe comida chinesa antes que a Izzy começa-se a cozinhar. - Faço um esgar.

A Izzy nunca foi uma boa dona de casa, embora se esforce para isso. Até a minha comida costuma ficar melhor que a dela e não estou a ser convencida. A verdade é que ambas fomos criadas da mesma maneira, para sermos guerreiras eximias e atraentes. Eu sou a rapariga angelical, a Izzy é a sensual, com o seu cabelo e olhos negros como azeviche e a figura esbelta, e por fim a Briana que é a rebelde do grupo, ou pelo menos assim o demonstra porque na verdade ela não é assim.

Retomando, a experiência no mundo dos mundanos deu-me algumas lições de vida e tive que aprender a safar-me sozinha.

— Eu já vou. - Lembro-me que deixei a água do banho a aquecer e faço uma careta. - Tenho de tomar banho.

O Jace solta uma gargalhada histérica e depois faz uma vénia improvisada. Antes que ele me diga mais alguma coisa, fecho-lhe a porta com um estrondo e depois deixo que um riso sonoro se apodere do meu corpo e me faça contorcer por falta de ar. Só mesmo o Jace para me fazer rir. Mas a nossa conversa ainda não havia terminado.

O banho sabe tão bem que demoro 20 minutos a sair da água. Fico contente, e um pouco desapontada de certa maneira, de que já não pareço uma vampira pois, embora ainda haja sinais das olheiras, a minha pele já recuperou a cor e o meu cabelo cai me em cachos até ao peito.

A fome começa a apresentar-se quando o meu estômago solta um pequeno ronco e recordo-me da comida chinesa que me espera. Só de pensar fico com água na boca.

Saio da casa de banho e visto um top preto e umas jeggings de ganga e depois ato um cabelo num rabo-de-cavalo, como o costumo usar nas missões, enquanto vou para a sala onde sei que vou encontrar o Alec, o Jace e talvez o Hodge a refugiarem-se da Isabelle. Nestes momentos tento ser mais paciente com o nosso tutor o que não é nada fácil pois assim ele pensa que podemos ser amigos e eu não estou disposta a isso.

Quando chego à sala apenas encontro o adulto da casa com o Hugo empoleirado no seu ombro. "Isto não é bom. Onde será que eles se meteram?" penso enquanto entro.

— Aconteceu alguma coisa? - O Hodge roda a cabeça ligeiramente na minha direção. - Onde estão o Jace e o Alec?

Ele vai buscar uma embalagem que está na mesinha no centro e estende-a na minha direção antes de falar.

— O Jace foi treinar e o Alec foi ter com a irmã.

— Entendo. - Sento-me numa das poltronas e ele senta-se logo a seguir na que está à minha frente.

Levanto a sobrancelha e ele sorri-me confiante. Não quero saber, então encolho os ombros e começo a comer. A comida no Taki's é sempre boa, gostava imenso de cozinhar assim.

Reparo nos movimentos do Hodge. Ele parece estar a tentar sentar-se de maneira a estar confortável e o Hugo, assim como eu, está a perder as estribeiras.

— Olhe, se precisa de falar algo fale agora. Se estiver esperando para outra altura pode não me apanhar de bom humor. 

Ele espanta-se com a minha observação, embora não muito porque ele sabe bem como sou perspicaz, e esfrega as mãos uma na outra.

— Eu sei que não sou a pessoa com que te dás melhor. Mas gostaria que isso mudasse. - Ele fica pensativo por um tempo, talvez para escolher as palavras certas que possam acalmar a minha fera. - Eu gostaria que a relação entre nós ficasse mais suportável.

Uma onda de sarcasmo invade-me e eu sou obrigada a libertá-lo sobre forma de palavras.

— Sabe, eu gosto como estou. Não penso mudar aquilo que sinto por si.

— Mas é isso que te peço. Eu acho que poderíamos ser amigáveis para o outro se cessasses esse ódio interno que sentes por mim.

— Impossível. - A comida está quase no final assim como, espero eu, esta conversa. - O ódio que sinto por si é do mais indestrutível possível. Eu não o consigo acalmar ou até mesmo destruir. E suponho que saiba quem é o culpado.

O Hugo estende as asas um pouco depois e solta um grasno. Com isso, fico um pouco arrepiada, como se aquilo fosse um grito de aviso.

O Hodge mudou a feição desconfortável que tinha para uma de desapontamento. Aquela não era a resposta que ele gostaria de ter recebido.

— Como posso fazer com que me perdoes? - Questiona ele.

Os seus olhos estão repletos de tristeza mas esta não é o suficiente para que este sentimento, acumulado por quase 4 anos, desapareça.

Por esta altura, o prato com a massa chinesa já está vazio o que significa que não serei mais obrigada a ficar nesta divisão por muito mais tempo.

— Nada. - Sussurro. - Não pode fazer nada. Nada os vais trazer de volta. A única coisa que pode fazer é suportar a ideia de que nunca terá o meu perdão.

Ele fica cabisbaixo mas eu sei que ainda tem esperança de que a próxima resposta à sua questão seja positiva. A minha clarividência nunca se engana.

— Mas podemos ao menos ser amigáveis um para o outro? - Levanto-me, pensando no que dizer e dirigindo-me para a saída da sala.

Olho para trás e sinto o olhar fixo do corvo, empoleirado no ombro do meu tutor, na minha cara. Quero dizer não mas de que adiantará? Mesmo que continue a odiar o Hodge isso não vai mudar o que aconteceu. Também não direi sim, isso seria mentir a mim mesma, então, opto pelo meio termo.

— Talvez. - Digo e fecho a porta, deixando o Hodge e o seu companheiro, vestido de negro, sozinhos.


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Notas finais do capítulo

Um perdão foi concedido ao Hodge. Agora resta saber se ele será digno disso.



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