Coroa de Vidro escrita por Sof1A


Capítulo 5
Cinco


Notas iniciais do capítulo

Mais um pra vcs! Espero que gostem!



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Lady Kerenna Laris é o melhor nome que eles podiam inventar? Sério mesmo? Filha de Samantha Gliacon e Grant Laris, uma das herdeiras da casa Laris. Uma princesa. Nada disso comina comigo, pelo menos eu não sou a única com um nome estranho. Mareena Titanos é minha irmã de criação na história que eles inventaram. Mareena é também Mare, uma vermelha que não deveria ter poderes, assim como eu. Só que no meu caso eu nem deveria estar aqui.

As criadas me arrumam silenciosamente, sua mãos ágeis e delicadas. Elas não falam nada, me lembro então da primeira regra dita por Walsh: Não diga nada, não ouça nada e não escute nada.

Já havia usado maquiagem antes, mas nunca havia usado tanta. Mesmo minha pele sendo pálida as criadas usam um pote inteiro de base para cobrir qualquer imperfeição que poderia existir em mim. Quando me olho no espelho eu vejo eu mesma, porém mais pálida e fria, se é que é possível deixar uma garota que controla o gelo ainda mais fria. A camada de maquiagem está tão grossa que mesmo se eu corasse ninguém veria o tom vermelho de minha pele.

As criadas me colocam em meu vestido que é cinza e branco. As cores da Casa Laris. Tudo isso uma mentira. Provavelmente eles irão encontrar um jeito de eliminar eu e Mare, mas é claro que eles nunca chegam nesse ponto. Me olho no espelho grande no canto de meu quarto, o vestido parece flutuar conforme me movimento, a Casa Laris é dos dobra-ventos e é lógico que suas roupas devem combinar com isso.

— A cor combina com você.

Me viro e vejo Cal de pé no centro do quarto. Com um movimento das mãos ele dispensa as criadas, que saem com pressa do quarto. Toda aquela maquiagem cumpre sua função de esconder minhas bochechas coradas.

— Até onde sei você não deveria estar aqui, Príncipe Encantado — Não consegui segurar a piada. Cal dá um passo em minha direção e eu decido ficar parada, não estou acostumada a andar de salto alto e não quero levar um tombo. Penso ter visto um leve sorriso em seu rosto mas ele desaparece tão rápido quanto apareceu.

— Vim pedir desculpas, algo que não há como fazer durante uma audiência. Sinto muito ter envolvido você nisso, Kenna.

— Kerenna — Nossa como esse nome é estranho! — Esse é meu nome agora, lembra?

— Que bom que Kenna é um bom apelido para esse nome — Agora é minha vez de abrir um fraco e rápido sorriso. Toda essa situação é engraçada, pra falar a verdade.

— O que achou de Lucas? — ele diz afinal, recuando educadamente.

— Normal, eu acho.

— Ele é um homem bom. Sua família o considera fraco por essa bondade — Cal comenta. Seus olhos escurecem um pouco, como se conhecesse a sensação. — Mas ele a servirá bem e com justiça. Garanto.

— Obrigada, alteza — Coloco um leve tom de ironia na última palavra.

— Você sabe que meu nome é Cal.

— E você sabe o meu. Mas não tem ideia de onde eu vim. — A frase sai como um sussurro, um lembrete de que aqui não é o meu lugar. Mas se não é o meu lugar, por que eu sou uma sangue-nova? Ele mal confirma com a cabeça. De fato, ele não conhece Palafitas, lugar de onde ele pensa que eu vim.

— Você precisa cuidar da família de Mare. De todos eles, pelo tempo que puder.

— Claro que cuidarei.

Antes de continuar, o príncipe dá um passo na minha direção, preenchendo o espaço entre nós.

— Me desculpe — Diz ele mais uma vez, me lembrando de ontem à noite. A parede de fogo, a fumaça. Foi ele quem me segurou. Dou um passo para trás na tentativa de me afastar dele, mas eu acabo pisando na barra do vestido e caindo contra o chão de mármore. Cal estende sua mão e me ajuda a levantar.

— Você está bem? — Pergunta ele preocupado.

— Eu acordei hoje como uma pessoa diferente, e pelo jeito eu não levo jeito pra coisa.

— Você vai ficar bem. Vai conseguir.

— Como você sabe? Além de controlar o fogo também pode ver o futuro?

— Porque você precisa — Ele diz. Seus olhos quentes me fitando.

— Este mundo é tão perigoso quanto belo — começa. — Quem não é útil, quem comete erros, pode ser descartado. Você pode ser descartada.

— Isso eu já imaginava. Um passo em falso e eu estou fora.

Ele não comenta mais nada sobre, mas seus olhos apenas concordam com o que eu falei. Ajeito meu vestido levemente amaçado por causa da queda.

— E eu? Digo... — Estendo minhas mãos — Isso?

— Acho que você vai aprender a lidar — Ele ergue a mão, em seu pulso um bracelete que produz uma faísca, mas ao invés da faísca desaparecer ela cresce se tornando uma chama vermelha. Que desaparece deixando para trás um sorriso encorajador no rosto do garoto. Eu mesma abri um sorriso depois disso.

*****

Me encontro com Mare no corredor. Cal já havia me deixado sozinha há algum tempo. Os guardas são um claro lembrete de nossa situação aqui. Apenas Lucas é calmo, os outros são severos e calados.

— Uau. Você está bem diferente — Digo para Mare que caminha ao meu lado.

— E eu digo o mesmo. Mas parece que combina com você.

— É. Eu já era branca, agora então. — Soltamos uma leve risada que morreu logo em seguida, estamos em uma situação bastante delicada. Durante o resto do caminho eu repito em minha mente a história contada por Elara. O belo conto que terei que contar à corte.

Nasci na frente de batalha. Meus pais foram mortos num acidente aéreo. Um soldado vermelho me salvou dos escombros e me levou para sua casa, junto de uma outra bebê, Mareena, pois sua mulher sempre quis ter filhas. Criaram-me junto de Lady Titanos num vilarejo chamado Palafitas, e vivi na ignorância dos meus direitos de nascença e dos meus poderes até esta manhã. Agora, fomos devolvidas ao nosso lugar de direito.

Mas meu lugar de direito não é aqui. Ele fica em outra dimensão.

Os sentinelas nos conduzem por um labirinto de passagens nos andares superiores do palácio. Como o Jardim Espiral, a arquitetura é toda de curvas de pedra, vidro e metal, que aos poucos o inclinam para baixo. Os cristais de diamante estão em todo canto, revelando uma vista capaz de tirar o fôlego: o mercado, o vale e as florestas além. Dessa altura, posso avistar as montanhas que desconhecia se erguerem à distância e recortarem o sol com sua sombra.

— Os últimos dois andares são os aposentos reais — Lucas explica, apontado para um corredor espiralado e íngreme. O sol brilha forte e salpica luz sobre nós — O elevador nos levará até o salão de festas. É logo ali.

Nós paramos diante de uma porta de metal que mais parecia um espelho. Duas garotas vermelhas, Mare e Kenna, aparecem refletidas ali mas elas estão escondidas debaixo de uma cortina prateada chamadas Mareena e Kerenna. A porta se abre com um aceno da mão de Lucas.

Os sentinelas nos conduzem para dentro do elevador. Mare parece levar um susto quando ele começa a se mover, mas de onde venho elevadores são bastante comuns. Fico até feliz por não precisar usar escadas.

— O elevador sobe e desce para que não precisemos andar. Este lugar é muito grande, Lady Titanos — Escuto Lucas sussurrar para Mare, com um pequeno sorriso nos lábios.

Saímos do elevador e avançamos pelo corredor espelhado por onde eu e Mare corremos. Os espelhos quebrados já foram consertados. Parece que não aconteceu nada.

Quando a rainha Elara surge ao fim do caminho — com sua própria escolta de sentinelas a tiracolo —, Lucas desaba numa reverência. As roupas dela agora são pretas, vermelhas e prateadas, as cores do marido. O cabelo loiro e a pele pálida lhe dão uma aparência fria. Depois eu que sou a garotinha gelada.

Elara toma eu e Mare pelo braço, ficando no meio entre nós duas. Sua boca permanece fechada mas sua voz começa a ecoar em minha mente. Ela deve estar fazendo o mesmo com Mare. Os Laris são uma família de dobra-ventos, quer dizer que eles podem controlar o vento. Sua mãe, Samantha Gliacon, era uma calafria e assim como todos os Gliacon podia controlar e criar gelo, até um certo ponto. Não é comum, e assim como sua amiguinha ali, a união dos dois resultou em seu poder único de controlar o gelo e voar com o vento. E é isso que você dirá caso alguém perguntar. Nada mais, nada menos. Lembre-se da pessoa que você dever ser, e lembre-se bem, ela continua. Você está fingindo que é uma prateada de sangue criada como vermelha. Você é agora vermelha na cabeça, prateada no coração. De hoje até o fim dos seus dias, você precisa mentir. Sua vida depende disso, menininha gelada.

Ter Elara invadindo meus pensamentos é uma sensação estranha, fazendo um arrepio descer por minha espinha. E não faço nada para tentar tirá-la de lá, fico apenas em silêncio esperando ela parar. Tudo para não sentir aquela sensação horrível de novo.

*****

Estou num salão ainda maior do que a sala do trono. Mare e eu estamos ambas impressionadas com o tamanho exagerado das salas desse lugar. Assim como na Prova Real, aqui as pessoas de dividem de acordo com suas Casas, todos esperando impacientes por nossa chegada.

Numa plataforma mais elevada está a família real, que se levantam quando nos veem. Os dois príncipes estão combinando com os pais, usando preto, prata e vermelho.

— O rito da Prova Real é sempre um evento afortunado, representando o futuro do nosso grande reino e os elos que nos mantêm fortemente ligados diante dos inimigos — fala o rei dirigindo-se à multidão, que ainda não nos vê no canto do salão. — Mas, como vocês viram hoje, a Prova Real trouxe-nos mais do que somente a futura rainha.

Ele se volta para Elara, que enlaça sua mão na dele com um sorriso devoto. A mudança de vilã demoníaca para rainha pudica é impressionante.

— Todos recordamos nossa luminosa esperança contra a escuridão da guerra, nosso capitão, nosso amigo, general Ethan Titanos e capitão Grant Laris — Elara diz — O general Titanos liderou a Legião de Ferro à vitória, fazendo as linhas da guerra que já haviam durado quase cem anos recuar. Temido por Lakeland, amado por nossos soldados. E capitão Laris comendou um esquadrão de nossa força aérea em uma missão considerada suicida. Espiões de Lakeland assassinaram nosso amado amigo Ethan. Esgueiraram-se pelas trincheiras e destruíram nossa única esperança de paz. Sua esposa, Lady Nora, uma mulher boa e justa, morreu com o marido. Grant acabou morrendo em sua tão planejada missão, tendo seu avião derrubado por nossos inimigos. Sua esposa, Lady Samantha morreu dias depois do acidente. Naquele dia fatídico há quinze anos. Amigos foram arrancados de nós. Nosso sangue foi derrubado.

O salão inteiro fica em silêncio para uma pausa da rainha para enxugar suas lágrimas de crocodilo. Elara não é do tipo de pessoa sentimental, se é que você me entende. Algumas das participantes da Prova Real se inquietam em seus assentos. Não se importam com um general morto; nem a rainha se importa, não de verdade. A questão aqui sou eu e Mare, é como botar a coroa na cabeça de duas vermelhas sem que ninguém perceba. É um truque de mágica, e a rainha é habilidosa nisso.

Seus olhos nos veem no topo das escadas e se fixam em em nós duas. A multidão segue seu olhar. Alguns parecem confusos, outros nos reconhecem do evento. Uns poucos focam em nossos vestidos. Sabem as cores da Casa Lari e Titanos. Sabem quem somos ou pelo menos quem nos obrigam a ser.

— Nesta manhã presenciamos não um, mas dois milagres — retoma a rainha. — Assistimos a duas garotas vermelhas cair na arena e demonstrarem um poder que não deveria ter.

Começaram alguns burburinhos vindos da plateia prateada que intercalava seus olharem entre nós e a rainha, que merece até o Oscar de melhor atriz.

— O rei e eu entrevistamos as garotas demoradamente na tentativa de descobrir suas origens. Elas não são vermelhas, mas ainda assim é um milagre. Meus amigos, por favor deem as boas-vindas àquelas que voltaram para nós: Lady Mareena Titanos, filha de Ethan Titanos, e Lady Kerenna Laris, filha de Grant Laris. Antes perdidas, agora encontradas.

O discurso da Rainha foi realmente bom, convincente, que é o que importa. Elara estende uma mão e nos chama para perto de si. Encaro Mare, que me encara de volta. Ela balança a cabeça positivamente e nós começamos nossa caminhada em meio a aplausos forçados. Tento manter uma expressão séria, Mare é melhor nisso do que eu. A maquiagem me ajuda a parecer fria. Mais do que o normal.

Caminhamos em direção a dois acentos vagos na primeira fila, indicados pela rainha com um gesto. As garotas da Prova Real nos observam, perguntando-se o porquê de nós duas estarmos aqui e ser de repente tão importantes. Mas estão apenas curiosas, não zangadas. Olham para nós com pena, solidarizam-se o máximo que podem 'com nossa triste história. Menos Evangeline Samos, concordo plenamente com o que Lucas disse para Mare hoje cedo: "Evangeline é uma vaca".

Finalmente chegamos em nossos lugares e Mare tem o azar de se sentar ao lado de Evangeline que lança a ela um olhar fulminante. Longe de suas roupas de couro e detalhes de ferro, ela traja agora um vestido de anéis metálicos entrelaçados. Pelo seu jeito de apertar os dedos, posso ver que sua vontade não é outra senão a de pular no pescoço de Mare. E provavelmente no meu logo depois.

— Salvas do destino dos pais, Lady Mareena e Lady Kerenna foram levadas do front para um vilarejo vermelho a menos de vinte quilômetros daqui — continua o rei, retomando a palavra para que seja ele a anunciar a grande virada da minha história. — Criada como irmãs por pais vermelhos, elas trabalhavam como criadas vermelhas. E, até esta manhã, acreditavam ser uma deles. Mareena e Kerenna eram diamantes brutos, trabalhando no meu próprio palácio, Mareena sendo a filha de meu falecido amigo bem debaixo do meu nariz. Mas isso é passado. Em expiação da minha ignorância e em retribuição às grandes contribuições ao reino prestadas pelos pais de ambas, gostaria de aproveitar este momento para anunciar a união entre a Casa Calore e a ressurrecta Casa Titanos. E de eleger Lady Kerenna como princesa protegida de Norta.

Uma onda de alívio passou por mim. Tanto por não estar noiva de alguém como Maven e tanto pela história estar seguindo seu curso. As concorrentes da Prova Real parecem se estressar. Evangeline agarra a mão de Mare, tão forte que parece que quer arrancá-la fora, seu pai coloca a mão em seu braço para acalmá-la. Quando Maven dá um passo à frente a tensão desaparece como fumaça. Ele gagueja um pouco, atrapalhando-se com as palavras que lhe ensinaram, mas sua voz finalmente sai:

— Lady Mareena — Mare se levanta com dificuldade, encarando Maven nos olhos — Sob o olhar do meu magnífico pai e desta nobre corte, gostaria de pedir sua mão em casamento. Prometo-me a você, Mareena Titanos. Aceita?

Entendo Mare, se ela pudesse não aceitaria se casar com alguém que acabou de conhecer. infelizmente eu conheço Maven e conheço o que ele planeja fazer, mas não posso dizer ou fazer nada. Preciso deixar a história seguir seu curso.

— Prometo-me a você, Maven Calore. Aceito.


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Notas finais do capítulo

Eai?O que acharam?Coloquem nos comentários!
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Beijos e até o próximo ♥



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