Coroa de Vidro escrita por Sof1A


Capítulo 2
Dois


Notas iniciais do capítulo

Oieee. Eu voltei! No dia seguinte! Espero que gostem mesmo estando grande.



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— Ladra — Diz o príncipe de ohos flamejantes, um pouco surpreso. Nossa, ele é mais bonito do que eu imaginei

— Fazer o que. — Solto sem querer, estar de frente com um cara que não era pra existir te deixa distraída. Ele me olha de cima a baixo, quase como se me analisasse desde meu rosto até meus tênis sujos de barro, então respira fundo e me solta. Deveria sair correndo, buscar Mare Barrow onde quer que ela esteja e fazer ela conhecer ele, mas por algum motivo eu fico aqui encarando seus olhos que parecem mudar conforme a luz. Então uma moeda prateada voa e por muito pouco não cai no chão lamacento. 

— Isso deve ser mais do que o suficiente para te ajudar. — A luz muda mais uma vez a cor de seus olhos, ficando mais avermelhados. 

— Não precisava. — Penso em estender-lhe de volta a moeda, mas meu estômago vazio me lembra de que não é uma boa ideia. 

— Você precisa mais do que eu. — Seguro uma risada. Claro, por que você tem um monte dessas lá no palácio. O agradeço brevemente. Por dentro eu estava torcendo para que ele não puxasse assunto, não sou eu quem deveria estar tendo essa conversa. — Você mora na vila? — Droga, essa se tornou a palavra do dia, um dia tão confuso.

— Sim. — Minto, não posso simplesmente dizer que minha casa fica em outra dimensão. Mas pelo jeito, vou ter que ficar aqui por um tempo. 

— E você gosta, digo, de viver lá? — Como eu poderia responder essa pergunta? Cheguei hoje de manhã aqui. 

— Não, e alguém gosta? — Realmente, minha experiência em Palafitas não está sendo nada agradável, me deram um documento de Norta mas não me deram dinheiro e nem um lugar para dormir. Sério, essa pessoa merece um prêmio de pior recepção, seja lá quem ela for. 

— E você vai voltar? — Por que ele ainda ta falando comigo? Por que eu ainda não sai correndo? Nunca pensei que iria me irritar com ele. 

— Lógico né. Não posso ficar aqui plantada no meio da rua. — Digo sendo totalmente sarcástica. 

— Só quero ter certeza de que você não se encrenque tentando roubar mais pessoas. Claramente você não é muito boa nisso. — Ele solta uma leve risada. Preciso entrar nesse joguinho, fazer parecer que sou só uma vermelha qualquer, que não faz a mínima ideia de quem ele seja. — A propósito, sou Cal. — Ele estende uma mão para me cumprimentar.

— Kenna Flake — Aperto sua mão e logo saio andando, na esperança de que ele me deixe ir e seja roubado novamente, só que por Mare. Mas ele parece não desistir e me segue.

— Uau. Como você é simpática. — Ele diz com ironia. 

— Não é a primeira vez que escuto isso. — solto uma leve risada. Entre no jogo Kenna. Quem sabe eu não consigo que a Mare seja empregada e a história continua seu rumo normal. — Devem te pagar muito bem pra você andar com esse dinheiro todo.

— Eu tenho um bom emprego. — Ele explica, tentando disfarçar. Mas realmente, ser o príncipe herdeiro de Norta deve pagar muito bem.

— Pelo menos um de nós tem. 

— Mas você tem... 

— Dezessete, falta pouco pro... — Somente agora pensei no recrutamento, e além de estar aqui vou morrer aqui. — Recrutamento. Tenho uma amiga, ela tem a mesma idade que eu também não tem emprego, vamos ser recrutadas juntas, Mare Barrow é o nome dela.—  Cal parece pensar, seus olhos ficam mais sérios. 

— E não tem emprego, ou seja, sem chance de fugir do recrutamento. — Ele diz, mais para ele mesmo do que para mim. 

— Fazer o que. É a vida. 

— Então vocês roubam, você e sua amiga...

— É o que a gente consegue fazer pra não morrer de fome. — Digo pensando em Mare, Gisa era a única que trabalhava, mas agora não mais.

Cal me observa enquanto andamos pelas árvores, tento ao máximo parecer uma pessoa normal e não surtar e começar a gritar por estar num mundo que não existe. Pelo menos não deveria existir. 

— Você estava no Palacete hoje? — Me lembro do ocorrido com minha "amiga" Mare. — O tumulto foi horrível.

— Foi mesmo. 

— Você estava.... 

— Não, mas minha amiga estava. — Conto a ele o ocorrido com Mare e Gisa. E é lógico que exclui a Guarda Escarlate disso tudo. Acabei contando um pouco sobre mim, tirando a parte de que vim de outra dimensão. Cal apenas me escuta, sem fazer perguntas, mesmo quando pulo pedaços ou invento algo na hora que parece não fazer sentido. Ele é um bom ouvinte.

No canto de meu olho vejo um brilho prateado, outra moeda, Cal a coloca em minha mão, agora não sinto mais seu calor. Queria recusar a moeda, ele já me deu mais do que o suficiente, mas penso melhor. Talvez eu possa ajudar os Barrow com ela.

— Eu sinto muito Kenna, as coisas não deveriam ser dessa maneira.

— Não sinta. Coisas piores poderiam acontecer. E não há nada que você possa fazer. — solto uma leve risada. Consegui disfarçar o fato de eu saber quem ele é, mas foi por pouco, a vontade de surtar ainda existe. Ele me deixa na entrada da vila, desaparecendo repentinamente antes que eu possa me despedir do príncipe de olhos flamejantes. 

*****

Tento encontrar a casa dos Barrow, aquela segunda moeda pode ajudar eles, Mare já deve estar em casa a essa hora. Quando finalmente acho a casa eu paro na frente da porta. tiro do meu bolso o envelope amarelo, que agora está vazio, e coloco uma das moedas prateadas dadas por Cal. Coloco o envelope no chão, bato na porta e saio correndo.

Não cheguei a ver se eles abriram a porta e recolheram o envelope, só sei que depois de um tempo procurando um lugar para dormir encontrei um depósito destrancado, me deitei no chão mesmo e dormi.

Acordo antes do sol nascer, o conforto daqui é igual a zero, saio silenciosamente do depósito e sigo até a casa dos Barrow, para ver se vieram chamar ela assim como no livro. Me sentei em frente à casa dos Barrow. Não demora muito para uma jovem vestida de vermelho chegasse acompanhada de dois oficiais. Para minha surpresa, eles não param na casa de Mare, eles param em minha frente.

— Kenna Flake? Você foi intimada a ir a Summerton.

— O-oi? — Digo, chocada com a situação. Não esperava ser chamada, esperava que quando descobrissem que não tenho endereço eles chamariam apenas Mare.

— Kenna Flake, você foi intimada a ir a Summerton. — A jovem repete, acho que agora estreguei tudo de vez.

— Tudo bem. — Digo, acredito que posso morrer se não aceitar. 

— Espere aqui. — A jovem criada diz, se virando para a porta da casa dos Barrow, ela deixa um dos guardas comigo. Não me deixando alternativa se não ficar.

Depois de alguns minutos a jovem sai da casa acompanhada de Mare, agora que estou em frente a ela posso ver que ela é exatamente como imaginava, ela é poucos centímetros mais baixa do que eu e nós duas temos a mesma idade. A criada e os guardas nos levam até um carro na saída da vila. Me lembro que a maioria dos vermelhos nem sabem o que é um carro. O pensamento quase me faz rir, mas seguro a risada e mantenho uma expressão natural. Colocam nós duas no banco traseiro. A criada encara nós duas.

— Meu nome é Ann, a propósito, mas aqui quase sempre atendemos pelo sobrenome. Você pode me chamar de Walsh. — na hora me lembro de Walsh e o que lhe acontece. E não há nada que eu possa fazer para lhe ajudar.

— Você é...? — Mare pergunta, quebrando o silêncio.

— De Palafitas, como você. Conheci seu irmão Tramy e gostaria de não ter conhecido Bree, aquele safado.

Quase abro um sorriso ao ouvir isso, mas novamente, devo parecer apenas uma vermelha qualquer.

— Não conheço vocês, mas logo conhecerei muito bem.

— O que isso quer dizer? — Dessa vez quem fala sou eu. 

— Quer dizer que sua jornada de trabalho aqui vai ser longa. Não sei quem contratou vocês ou o que disseram sobre o emprego, mas cedo ou tarde vocês vão sentir o peso. Não é só trocar lençóis e fronhas e lavar pratos. Você precisa olhar sem ver, ouvir sem escutar. Somos objetos aqui, estátuas vivas feitas para servir. — Ela suspira baixo e abre uma porta pesada construída bem ao lado do portão. — Especialmente com esse negócio de Guarda Escarlate. Nunca é bom ser vermelho, mas agora é pior.

Walsh cruza a porta, eu e Mare descemos as escadas atrás dela, entrando numa semiescuridão.

— O emprego? Que emprego? O que é isso? — Ela pergunta, deve estar mais confusa do que eu, afinal não foi ela que conheceu Cal.

— Vocês duas foram intimadas a assumir postos de criada. — Diz Walsh, como se fosse óbvio. Lados positivos disso tudo: não para a guerra; não vou morar na rua; Mare vai se descobrir uma sangue-nova e a história do livro continua a mesma. 

— Nem me apresentei a você, se vamos trabalhar juntas podemos pelo menos nos conhecer, Kenna Flake. — Digo, tentando parecer simpática.

— Mare Barrow. — Ela parece feliz, bom, ela deve estar feliz mesmo, não vai mais para a guerra e tudo o mais. 

— Continuem andando por favor. Não tenho tempo pra levar vocês pela mão.

Passamos por um corredor escuro com apenas luzes de manutenção que iluminam o teto coberto por canos e fios elétricos. Se Mare soubesse o que a espera.

— Onde vamos? — Eu e Mare perguntamos ao mesmo tempo, saltamos uma risadinha logo em sequencia.

— Para o Palacete do Sol, claro. Vocês servem ao rei agora.

Prepararam dois uniformes, um para mim, outro para Mare. Mas o cenário é bonito demais e acabou me distraindo. Acho que nunca seria capaz de imaginar aqui dessa maneira. Criados vestidos de vermelho correm pra lá e pra cá. Nem perco meu tempo procurando por Cal, pois nem um criado ele é. Walsh está entre nós duas sussurrando conselhos.

— Não digam nada. Não escutem nada. Não falem com ninguém, pois ninguém vai falar com vocês. Vocês chegaram num dia cheio, talvez o pior que veremos.

— Vi os barcos e dirigíveis. Faz semanas que os prateados estão subindo o rio — Comenta Mare.

— Não é normal, mesmo para esta época do ano.

Walsh nos apressa colocando uma bandeja cheia de taças brilhantes nas mãos de cada uma. Os prateados não desperdiçam a chance de ostentar sua riqueza e humilhar os vermelhos que qualquer jeito possível. 

— O que vai acontecer hoje? — Pergunto. Walsh começa a arrumar o cabelo de Mare que caiu em seu rosto.

— Hoje é a Prova Real. As filhas das Grandes Casas, das mais ilustres famílias prateadas, vieram se oferecer ao príncipe. Vai acontecer uma grande festa, mas agora elas estão no Jardim Espiral, preparando-se para se apresentar ao príncipe na esperança de serem escolhidas. Uma dessas meninas será a próxima rainha. Estão brigando com unhas e dentes pela chance.

Pássaros me vieram a cabeça, com aquelas danças e musicas engraçadas de acasalamento. Animal Planet iria pirar com isso aqui.

— Mas como é? Elas dão uma voltinha, dizem umas palavras e piscam pra ele? — Comenta Mare. Walsh torce o nariz e balança a cabeça.

— Vocês estão escaladas para hoje a noite, verão com os próprios olhos.

Uma porta gigante de madeira se abre e uma fila de criadas de vermelho segue a diante, logo é minha vez e a de Mare. Ela pergunta se Walsh viria, mas é respondida com silêncio e logo segue adiante para o Jardim Espiral.


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Notas finais do capítulo

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