Foclore Oculto. escrita por Júlia Riber


Capítulo 4
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Sei que estou postando com uma lerdeza mística, mas os capítulos são bem grandinhos então acho que compensa.



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4

Núbia acordou com a luz forte em seus olhos e batidas na porta.

— Quem é? —disse a garota sonolenta.

A porta se abriu e Iara colocou a cabeça para dentro do quarto.

— A tutora mais linda que você conhece — brincou ela e Núbia soltou uma risadinha enquanto sentava-se na cama.

— Eu me sinto como se uma rocha gigante estivesse em cima de mim.

— Depois da noite de ontem, imagino. Admito que... Ainda me sinto uma inútil por não ter feito nada.

Núbia fez um gesto como se dissesse "foi nada".

— Nem precisou. Você sabe, o Cissa me ajudou.

Iara fez cara feia.

— É... Admito que ainda não entendi essa atitude dele, na verdade... Estou bem angustiada com isso.

Núbia franziu os olhos.

— Não precisa, olha, não sei qual a história entre Cícero e Edgar que os fizeram inimigos, mas eu não tenho nada a ver com isso, Cissa sabe disse, o que quero dizer é.

— Ele não te culpa pelos erros de Edgar — supôs Iara a interrompendo, porém Núbia assentiu. Iara suspirou. — Está bem, não quero discutir esse assunto agora, o que importa é que você está bem, não é?

Núbia abriu um leve sorrisinho;

— É...

— Pois bem — prosseguiu Iara para mudar de assunto — Entendo você estar cansada, querida, mas já está na hora do almoço, vamos descer?

Núbia emburrou a cara e bocejou.

— Ah Iara, não estou com fome, e... Não conte para Ângela, mas depois de vê-la comendo cadáveres vou ficar um tempinho sem comer, ainda mais algo feito por ela. Nada pessoal.

Iara riu.

— Entendo... Ângela ainda está se sentindo muito culpada por tudo que fez, pobrezinha.

— E Edgar? Foi ele quem causou tudo isso. Falou algo? Pediu desculpas?

Iara gargalhou.

— Edgar não pede desculpas, Núbia, ao menos não com frequência. Mas ele também não está mais bravo com Ângela e nem comigo. Ontem à noite depois que você foi dormir, eu entreguei á Edgar os venenos que eu guardava, e para mostrar que ele não é tão mau assim, Edgar fez uns chás para cicatrizar as feridas que Ângela ganhou na forma de Mula sem cabeça e melhorar os mal-estares pós-transformação, e, se eu conheço bem seu avô, essa foi a maneira dele de pedir desculpas por tudo.

— Ah...            que bom que todo mundo se acertou — concluiu Núbia.

— Por enquanto, né queridinha. Bem, se sentir fome é só descer.

Iara mandou um beijinho para Núbia e se foi e a garota ficou um tempo imóvel pensando nas palavras da tutora. Se por um lado ela deu a Núbia boas noticias, também deixou claro que aquela paz não duraria muito.

A garota decidiu não remoer aquilo e se levantou. Analisou a si mesma no espelho, com aquele cabelo emaranhado, olheiras acima das sardas na bochecha e uma cara de quem ainda não descansou o quanto precisava. Não fazia uma semana que estava no sítio Cabrall e já tinha ganhado arranhões nos pulsos pelo Curupira e um hematoma enorme na testa pela Mula sem cabeça.

— Que lugar maravilhoso... — ironizou Núbia.

Após se banhar e vestir-se, Núbia enfim saiu do quarto para encarar mais um dia e quando descia as escadas algo negro voou á sua frente e quase a fez cair, logo pousando no corrimão da escada.

Núbia arregalou os olhos fitando aquele corvo totalmente negro que estava no corrimão, analisando a garota com interesse medonho.

— O que um corvo está fazendo aqui dentro? — perguntou Núbia ao nada.

Por via das dúvidas Núbia voltou a descer as escadas enquanto chamava:

— Iara! Vem aqui.

— Iara — disse uma voz roca e medonha logo á cima.

Núbia olhou para o andar de cima e não viu ninguém além do corvo pousado no corrimão.

Iara saiu da sala de jantar, andando de pés descalços como sempre fazia no casarão.

— O que foi querida? — perguntou ela e Núbia simplesmente apontou para o corvo. — Ah, Noite, venha aqui.

Iara deixou o braço esticado e o corvo voou em sua direção pousando no braço de Iara, que aproximou o corvo de Núbia.

— Núbia querida, esse é o Noite, nosso bichinho de estimação, do Edgar na verdade.

Núbia levantou uma sobrancelha, mas no fundo, quem sabe por seu lado gótico, a ideia de ter um corvo de estimação parecia bem interessante.

— Oi Noite — disse Núbia á ave.

— Oi — respondeu ele com uma voz grave, a mesma voz que havia dito o nome Iara. — Oi, oi.

Núbia deu passos para trás assustada.

— Iara, ele fala!

Iara deu uma risadinha.

— Poucos sabem, mas corvos, como papagaios e calopsitas podem repetir sons de outros animais, na selva ele usa isso para conseguir comida ou só para pregar peças mesmo, corvo é um bicho sádico, mas, se ele for criado por pessoas ele pode falar algumas palavras sim. A maioria não sabe disso por dois motivos: primeiro poucos têm corvos de estimação; segundo, mesmo tendo um corvo a maioria prefere não ensina-lo a falar por causa dessa voz medonha que eles possuem. Porém seu avô gosta de tudo que dê medo. É um estranho...

Iara revirou os olhos, já Núbia, após entender que aquilo não era nada de sobrenatural, voltou a se aproximar de Noite com interesse.

— Que legal — disse ela somente.

— Outra estranha — murmurou Iara com um sorrisinho.

— Ele é incrível, não é? — disse Edgar no andar de cima.

As duas o fitaram.

— Edgar, ele escapou do quarto? — perguntou Iara.

— Não, eu o soltei. Por causa da idade ele não pode fazer esforço, é verdade, mas deixá-lo esticar as asas e voar pela casa um dia ou outro também não deve fazer mal.

Iara assentiu e acariciou a ave, que pareceu adorar aquilo.

— Certamente. Tadinho do meu Noite está tão velhinho.

Núbia com certo cuidado acariciou o corvo, que esticou a cabecinha como se pedisse mais.

— Ele gostou de mim, eu acho — disse a garota com um sorrisinho.

— Por que não o segura? —disse Edgar que já estava quase no fim das escadas.

Núbia deu de ombros esticou o braço e com uma balançada Iara fez o corvo sair de seu braço e pousar no de Núbia, que por sorte estava de mangas compridas, pois a garras dele eram bem afiadas.

Edgar sentou em uma poltrona negra ao lado do sofá da sala, onde Iara e Núbia com o Noite no braço, sentaram-se.

— O que mais ele pode falar? — perguntou a garota ainda encantada.

— Poucas coisas, em geral, ele só repete o que mais escuta — explicou Edgar.

— Sangue, morte, sangue — disse o corvo e Núbia observou tanto Edgar quanto Iara com aquelas caras constrangidas.

— Ele tem um senso de humor e tanto — disse Iara com um sorrisinho tentando abafar o caso, mas Núbia somente revirou os olhos.

— Ele gosta muito do nome da Iara, por algum motivo — disse Edgar, querendo mudar de assunto.

— Iara, Iara, Iara — disse o corvo — Iara!

— Já entendemos — resmungou Edgar.

Iara riu.

— Aceita Edgar, sua ave de estimação gosta mais de mim do que de você.

— Ele gosta do seu nome, é diferente — disse Edgar. — Venha Noite.

O corvo logo se desfez de Núbia e pousou no ombro de Edgar, que deu um carinho no pescoço da ave.

Núbia ainda parecia uma criança que descobriu um novo brinquedo e continuou a fazer perguntas.

— Ele faz mais alguma coisa?

Edgar fitou Núbia com um sorrisinho sádico como se dissesse: Você ainda pergunta?

A partir daí Edgar começou a contar os vários talentos dos corvos e o porquê para muitos especialistas ele é considerado a ave mais inteligente do mundo. Como constroem ferramentas e brinquedos, fazem planos ardilosos para conseguir comida, enganar adversários, entre outros...

Pela primeira vez Edgar e Núbia conversaram, pareciam ter achado um assunto em comum.

Iara por sua vez não dizia nada só observava com um sorrisinho, orgulhosa de si mesma por ser tão genial. Ela tinha conseguido o que queria desde o inicio, ao menos, estava começando a conseguir. Edgar e Núbia estavam enfim notando os quão parecidos podiam ser.

Porém aquele bom momento passou rápido.

— Bem, vou leva-lo para cima — disse Edgar acariciando Noite — ele precisa se alimentar agora.

Núbia assentiu.

— Eu... Posso vê-lo depois?

Edgar abriu um sorrisinho torto.

— Claro, ás vezes eu deixo ele no escritório não no meu quarto como de costume, quando for assim, pode ficar o tempo que quiser com ele. Noite gostará deveras.

Núbia assentiu com um sorrisinho.

Enquanto Edgar subia com o corvo no ombro, Iara tentou disfarçar a satisfação dentro de si.

— Núbia, não está com fome?

— Muito — admitiu ela.

— Então venha, mocinha. Vamos comer algo.

E assim, elas foram até a cozinha, para ver o que Ângela preparava dessa vez. Por sorte a fome de Núbia era tanto que ela conseguiu comer uma torta mesmo sabendo que Ângela havia feito.

Alguns minutos depois, porém, Núbia lembrou-se da proposta que Cissa havia feito na noite anterior e não segurou a ansiedade. Pegou mais alguns pedaços de torta e de um pão de coco que Ângela preparara, colocou em um potinho e preparou-se para sua primeira aula de autodefesa.

Quando passou pela sala viu Iara sentada no sofá analisando uma porção de documentos que Messias havia buscado no correio aquela manhã.

— Vou sair, ok? — disse Núbia já indo em direção á porta.

Iara deixou os documentos de lado e levantou uma sobrancelha.

— Como? Núbia Cabrall, para onde você pensa que vai?

— Passear por aí, sei lá.

— Depois de tudo que aconteceu, você vai passear por ai? O "por ai" é meio perigoso, não acha?

— Me lembro que a primeira vez que explorei o sitio foi você que me deu a ideia.

— Me arrependo amargamente por isso e outra, o que está levando nesse potinho?

— Hum... Comida. Caso eu sinta fome.

— Caso você sinta fome não é mais fácil voltar para casa? Mocinha, o que está me escondendo?

Núbia não sabia mais o que mentir, pensou em falar a verdade, mas antes que fizesse isso, Iara fitou Núbia nos olhos e falou com uma doce voz:

— Querida, você não quer sair agora.

Núbia desviou o olhar, pensativa.

—É, eu não quero — concluiu.

Ela já estava voltando para seu quarto quando notou algo:

— Espera, eu quero sim!

Núbia olhou Iara com certo temor, se perguntando como ela havia feito aquilo e Iara notou o desconforto de Núbia e somente sorriu desviando o olhar.

— Como fez isso? — perguntou Núbia.

Iara deu uma risadinha.

— Eu não fiz nada querida! Então... Já que quer tanto sair, pode ir, quem sou eu pra te impedir.

Núbia pensou em questiona-la, mas somente saiu, não queria brigar, ao menos não ainda.

Quando enfim a garota se foi, Edgar que de forma sutil só observava no andar de cima, enfim se pronunciou:

— Não faça mais isso, Iara.

Iara um tanto surpresa olhou para cima.

— Edgar... Não sei do que está falando.

— Não se faça de desentendida comigo, tchê. Se quer a confiança da guria, como diz querer, enfeitiça-la não é a melhor maneira.

Iara não respondeu, somente fez cara feia e bufou.

...

Núbia caminhou pelo bosque á procura de Cissa. Estava ansiosa para ter sua primeira aula de como matar monstros, aquilo era insano e ela estava amando.

O problema, porém era como achar Cícero, sendo que seu maior talento era surgir do nada e sumir da mesma forma.

A garota então foi até a cachoeira do lago límpido, onde Cissa á levou alguns dias antes, mas não o encontrou, ao invés disso, visualizou o garoto mais belo que já vira em sua vida. Ele nadava no lago e quando se levantou o sol bateu em seu corpo deixando sua imagem ofusca, mas também com um toque divino. Não dava para saber a cor do cabelo, mas era uma bela cor, nem a dos olhos, mas era bonito. Núbia sequer conhecia o garoto, porém estava encantada. Ela se agachou atrás de uma pedra e ficou observando-o. Sem querer, porém, pisou em um galho seco, o que chamou a atenção do rapaz.

— Quem está aí?

A voz dele também era inexplicavelmente perfeita.

Núbia sempre fora bem direta e segundo Wiliam, uma garota de atitude em relação a romance, mas com aquele rapaz no lago era diferente. Ela estava nervosa, ela queria e não queria falar com ele e toda a atitude que ela costumava ter com garotos se foi a fazendo fugir. Ela correu um pouco, mas sem resistir em olhar para trás e acabou tropeçando, o que a fez rolar em uma depressão na mata. Quando conseguiu se levantar e tirar algumas folhas do cabelo, voltou a caminhar, mas sem parar de pensar naquele garoto e logo se deparou com uma Cabana de madeira.

Nem é necessário assistir muitos filmes para saber que cabanas no meio da mata não é bom sinal, mas ainda sim, Núbia não resistiu e foi bisbilhotar o local.

— Eu tenho sérios problemas — dizia ela a si mesma.

A porta estava entreaberta o que a permitiu espiar o lado de dentro, parecia um local antigo, mas não abandonado, na verdade, era até agradável e muito bem construída. O interior da casa era amplo, com pouca coisa. Somente um sofá num lado, uma mesa com três cadeiras de madeira velha e uma estante do mesmo material do lado oposto com diversos objetos. Havia mais duas entradas, provavelmente cômodos como o quarto e cozinha, mas só a estante já atraiu a atenção de Núbia.

Ela respirou fundo para tomar coragem e empurrou a porta entrando na casa. Foi logo em direção a estante e começou a observar o local. Eram tantos objetos: Muitas imagens de barro bem curiosas, uma local com colares de pedrinhas diferentes e coloridas, muitos livros, um binóculo e um facão. Núbia então notou que encostado na estante havia um grande machado, depois começou a reconhecer aquelas imagens de barros, eram orixás, aquilo tudo só podia significar uma coisa.

— É, você me achou — disse alguém.

Núbia em um sobressalto se virou e olhou em direção a entrada. Lá estava Cicero Akilah encostado na porta.

— É aqui que você mora? — perguntou Núbia com olhar de estranhamento.

— É sim, por quê? Até parece que há algo errado com pessoas que moram em cabanas no meio da mata. — Antes que Núbia dissesse algo, Cissa levantou uma mão — Por favor, sem comentários.

Núbia riu.

— Está bem. Mas então, o que são essas coisas? — disse ela apontando para estante.

— Alguns objetos da minha religião e outros de lembrança, sabe.

Núbia assentiu.

— Você gosta de ler — observou ela.

— Achou que eu era só um rostinho bonito?

A menção da palavra "bonito" fez com que a imagem do garoto do lago viesse à mente de Núbia a fazendo sorrir.

— Do que tá rindo? — disse Cissa ao seu lado. Núbia levou um susto.

— Você tem que parar de aparecer do nada!

— Ah não, eu gosto e com o tempo você se acostuma — disse Cissa e Núbia bufou. — Mas e aí, do que estava rindo?

— É que eu me lembrei... — Núbia cogitou se devia comentar sobre, mas considerando que Cissa era seu amigo por comida: — Ah, me lembrei de um garoto lindo que vi hoje no lago.

— Podia ser eu — disse Cissa dando de ombros. — Porque eu sou lindo.

— Não, não era você.

Cissa riu e Núbia revirou os olhos, porém, também expressou um sorrisinho.

— Tá então. Quer se sentar? — disse ele apontando para o sofá. — Precisamos conversar sobre nosso treinamento.

Núbia deu de ombros, assim ambos sentaram-se.

— Pois bem, quero deixa-la boa em luta corporal, isso pode não ajudar com uma Mula sem cabeça, mas deve ajudar com alguma coisa e claro, você precisa saber fugir.

— Isso não é covardia?

— Se chama: preservar a vida.

— Eu quero lutar com essas criaturas, Cissa.

Cicero revirou os olhos.

— Por Oxóssi, não sei se você é muito corajosa ou suicida, axé, menina. Eu te ensino a lutar também, mas fugir sempre é o plano A, está bem?

Núbia cruzou os braços.

— Ok — disse ela nada animada.

Cissa bagunçou os cabelos de Núbia o que a fez resmungar.

— Boa aluna — debochou ele.

Núbia afastou a mão dele, que somente esboçou um sorriso sapeca.

— Vamos bravinha. No quintal é melhor, não quero você destruindo minha casa.

— Como você fez com a igreja ontem? — questionou Núbia provocativa.

Cissa a encarou, mas depois, os dois riram e foram para o quintal.

No quintal Núbia e Cissa ficaram frente a frente, mantendo certa distancia.

— Está bem, se você estivesse numa aula formal de capoeira deveria aprender antes de tudo o gingado, mas quem sabe eu faça isso depois, você não está jogando capoeira por diversão e sim, lutando para sobreviver.

— É uma boa observação — concordou ela.

Cissa e Núbia então se alongaram, exercitaram-se e já nessa fase a garota sentiu-se para trás, ela não conseguia fazer nem metade das flexões que Cícero fazia. O lado bom é que como professor Cissa não era tão brincalhão e não caçoou dela por isso, somente disse que tudo era questão de prática e que com o tempo ela melhoraria.

Então eles foram para os golpes. Cissa ensinou os golpes simples de capoeira, que basicamente consistiam em chutes e possuíam nomes que Núbia estranhou um pouco, mas não comentou. Armada, martelo, chapa etc.

E depois foram ás defesas, como a posição de cócoras rápida (que quase quebrou os joelhos de Núbia), negativa, que aproveitava e dava uma rasteira, e, o desvio, fazendo uma ponte para trás com o corpo, o que para ela foi a defesa mais difícil, pois tentou diversas vezes a única coisa que conseguiu foi uma terrível dor nas costas.

Depois de entender aqueles golpes e repeti-los algumas vezes, Cissa disse:

— acho que por hoje basta.

Núbia que após tentar fazer uma ponte pela vigésima vez caiu e agora estava sentada no chão ofegante, fitou Cissa com cara fechada.

— Oque? A gente nem lutou.

— E você já tá toda quebrada, menina, a gente tem que ir com calma, ou você achou que ia sair da primeira aula dando voadora?

No fundo Núbia achou, mas não quis admitir isso.

— Eu fui muito ruim, né? — lamentou ela.

Cissa foi até ela e estendeu a mão a ajudando a se levantar.

A mão de ambos estava com terra e suor, mas nem um dos dois se importou com isso. Quando Núbia se levantou Cissa passou a mão no cabelo emaranhado dela arrumando sua franja.

— Você foi muito bem para o primeiro dia, menina. Mas infelizmente esse negócio de sair dando golpes mortais sem nunca ter treinado só acontece com protagonista de ficção.

Núbia conseguiu dar uma risadinha com aquilo e assentiu tentando ser confiante.

— Ok... Eu vou ter paciência.

— Isso aí. Bem. Eu tô morrendo de sede, imagino que você também.

Núbia assentiu e os dois seguiram, lado a lado, para dentro da cabana.

A porta perto próxima ao sofá, á esquerda da entrada, levava á cozinha, onde Cissa pegou dois copos de água e ofereceu um a Núbia.

Os dois sentaram-se na mesinha de madeira de lados contrários. Núbia amarrou os cabelos em um rabo de cavalo com o elástico que levava no pulso e Cissa abriu a camisa branca que usava, no primeiro instante ele pareceu querer tirá-la, mas desistiu da ideia, somente a deixou aberta.

Núbia deixou a cabeça cair sobre a mesa e Cissa somente levantou uma sobrancelha com o estrondo que aquilo fez.

— Eu tô morta... — disse ela.

Cissa riu.

— Ainda não. Mas se tivéssemos lutado como você queria, poderia estar.

— Agora que eu parei que percebi o quanto estou cansada.

— É sempre assim, com o tempo seu corpo costuma.

— Tomara.

Cissa foi á cozinha novamente e dessa vez pegou uma jarra de água e os dois a dividiram.

Núbia tirou a cara da mesa e enquanto bebia mais um copo de água ficou observando Cissa de forma um tanto aérea, tinha que admitir que algo dentro dela gostava muito daquele rapaz. Gostava de estar com ele, gostava de como ele lhe dava força, lhe fazia rir e principalmente, gostava da beleza dele.

Ela só percebeu que estava com cara de idiota o fitando quando ele começou a falar.

— E sobre aquele garoto que você viu no riu?

— O que tem?

— Fala mais. Praticamente ninguém vai para aquele lago, é propriedade particular do Cabrall e ninguém é louco de invadir o território de Edgar.

— Só você, claro.

— Claro — concordou ele com naturalidade.

Núbia deu uma risadinha e começou a falar sobre o rapaz do lago, um assunto que Cissa se arrependeu de puxar, pois simplesmente, a garota não parou mais de falar. Dizia o quanto o rapaz era maravilhoso, lindo e o quão ele a encantou mesmo não havendo verdadeiro contato entre eles.

Cissa passava a mão no próprio rosto começando a ficar entediado, logo, porém, seu tédio deu lugar a certa preocupação. Ele decidiu assim interromper a garota e compartilhar com ela a ideia que agora pairava em sua mente.

— Você não sabe dizer como era o cabelo, o rosto, a pele, nem falou com o cara. Então como pode gostar tanto dele? — exclamou Cissa fazendo a garota paralisar com expressão interrogativa. — Menina, você não percebe? Está diferente, parece encantada por ele e não é um encanto comum, digo, é encanto de magia mesmo, bruxaria na verdade.

— Que? Cissa do que está falando? — questionou Núbia com uma risada debochada

Cissa revirou os olhos.

— Sério, eu tenho que te emprestar livros de folclore o mais rápido possível. Acorda, esse cara que você viu só pode ser o Boto.

Núbia levantou uma sobrancelha.

— Boto? Tipo boto cor-de-rosa?

— Sim! E não vá me dizer que é loucura depois de ver o Curupira e a Mula sem cabeça em menos de uma semana.

Aquilo definitivamente fez Núbia cogitar a ideia.

— Aquele garoto não me parece uma ameaça.

— Ele nunca parece. Mas sério, fica longe do lago.

Núbia estreitou os olhos, Cissa estava sério de mais, de uma maneira que ele nunca tinha ficado antes.

— Cissa, vimos muitas coisas estranhas esses dias, mas isso não significa que todo mundo que aparece é sobrenatural, o boto é uma lenda ridícula e do norte do país, até onde sei.

— Toda lenda é ridícula até você se deparar com ela cara a cara, menina. E o Curupira também é do norte e ele atravessou o país só para te ver, e, pelo jeito não foi o único.

Núbia revirou os olhos, Cissa estava lhe irritando, mais que o costumeiro. Ela resolveu ir embora, sem dizer nada, mas Cissa pegou em seu braço.

— Ei, onde pensa que vai? — perguntou ele.

— Não te interessa, só me largue!

Cissa negou com a cabeça.

— Não enquanto você não me ouvir. Senta aí — disse Cissa empurrando a menina de volta para a cadeira.

— Cissa!

Cissa que estava de pé, sentou-se na cadeira ao lado da garota.

— Desculpa, às vezes é mais forte que eu, gentileza não é meu forte. Mas olha. Eu só quero te proteger. O boto não é só o rapazinho bonitinho que se conta nas histórias, na verdade as criaturas do folclore foram muito infantilizadas com o passar do tempo, uma droga, mas as historias reais sempre são cheia de sangue, violência e crueldade.

— A lenda diz algo sobre ele engravidar ribeirinhas, não é? — lembrou Núbia.

— É, por aí, ele engravida qualquer uma que vê e acha interessante e você é interessante — disse Cissa com seu sorriso sapeca, mas com o fuzilar dos olhos negros de Núbia seu sorriso sumiu. — Está bem, sendo mais direto: Ele primeiro encanta a moça só por olhar, a deixando fixada nele, mas depois, se esta beijá-lo será submetida a uma lavagem cerebral. Ela vai fazer tudo que o boto pedir, tudo mesmo. Todo o restante do mundo deixa de existir, ela perde memória e tudo mais. Depois, quando ele se cansa, desfaz o feitiço e a menina volta ao normal e lembra somente de algumas partes do que aconteceu enquanto estava hipnotizada, mas daí também já é tarde, ela pode já estar grávida contra a vontade e... Bem, muitas garotas sofrerem bastante com isso.

Núbia estreitou os olhos.

— Você quer dizer que o boto não seduz elas como nos contos, ele... abusa.

Cissa assentiu.

— Isso é horrível Cissa! — disse Núbia por fim.

— Sem dúvida é, por isso você tem que me ouvir e ficar o mais distante possível do Boto. A primeira fase do encanto já foi feita, você está fixada nele, mas ainda pode resistir, precisa.

Um lado de Núbia acreditava no que Cissa dizia, mas outro não conseguia temer o rapaz que vira no lago, isso tudo só lhe deixava mais confusa. Porém em um estouro de pensamentos uma ideia maluca passou pela cabeça e Núbia.

— Você está com ciúme?

Cissa inicialmente pareceu pasmo depois riu.

— Oque? Não!

— Isso explicaria sua preocupação e porque está tão nervoso — disse Núbia com os olhos estreitos.

— Não, eu posso estar preocupado sim, mas porque você é minha amiga, sem querer ofender, mas eu não me apaixonaria por você, menina.

Núbia segurou a raiva com aquela frase e tentou parecer indiferente.

— Nem eu por você.

Cissa estreitou os olhos não acreditando muito naquilo.

— Olha, você é muito nova sabe, não só em questão de idade, também, mas é pouco, eu digo em outros sentidos.

— Está me chamando de imatura? — disse Núbia já não sabendo esconder a raiva.

— Não... Não exatamente. Digo de alma sabe, ah, não sei explicar, é que apesar de ser meio doido eu já vivi o bastante e você... Você é só uma menina para mim.

Cissa tentava se explicar e concertar as coisas, mas só piorava a situação. Núbia por sua vez já havia entendido o suficiente. Cícero notou o olhar e o silencio raivoso de Núbia e tentou voltar para o assunto inicial.

— Eh... Então, acredita em mim, certo? Vai se proteger do boto?

— Eu vou me virar — disse ela simplesmente levantando e indo embora

— Espera Núbia, você não está brava por causa daquilo, está?

— Não, eu quero que se foda o que você pensa ou não de mim.

— Núbia é sério, fica longe do boto.

— Você não sabe de tudo, ele pode muito bem não ser o boto, a ameaça, aliás, pode ser você! Além do mais, quanta coisa sabe sobre você? Quase nada! Por que eu devia confiar em você, Cissa?

Núbia em um momento de impulso simplesmente saiu em disparada e Cissa tentou para-la, mas depois desistiu de segui-la, ele ficou na varanda ainda tentando processar o que havia acontecido enquanto Núbia adentrava o bosque em passos rápidos.

— Sua Louca! — exclamava ele. — Não confia em mim, tudo bem, mas não diga que eu não avisei! — Núbia sequer deu atenção as palavras de Cissa o que só o deixou mais nervoso — Espero que morra também!

Logo os avisos e insultos de Cissa ficaram distantes, Núbia correu aprofundando-se na mata, mas sem rumo certo, sua mente girava em devaneios, tudo lhe parecia um pesadelo, como se nada até então fosse real. Sentia uma raiva que fervia em seu peito, mas não entendia o porquê. Seus sentimentos estavam confusos e a as ideias também.

Logo se viu na beira do lago límpido outra vez, não sabia exatamente como chegara ali, mas resolveu sentar-se no chão mesmo, para descansar e ao menos tentar clarear as ideias.

Enquanto observava as águas da cachoeira caírem no lago e seguirem ao córrego que adentrava o bosque, Núbia refletiu sobre as palavras de Cissa. Definitivamente algo de estranho estava acontecendo com ela. Por que começou a brigar com Cissa por motivos tão fúteis? Por que preferiu acreditar que Cícero sentia ciúmes dela, em vez de ao menos considerar a ideia de que o Boto estava por perto? Se nem ela mesma sabia a resposta de tais perguntas, imaginou como Cissa se sentiu com tudo aquilo.

Ela suspirou e pensou em voltar para cabana. Depois de tudo que Cissa fez por ela, pedir desculpas por toda aquela discussão sem fundamento era o mínimo.

No entanto, nesse momento simultâneo, ela foi surpreendida por uma voz logo atrás.

— Olá. O que uma moça bela como tu, fazes aqui sozinha?

Núbia se virou e visualizou um rapaz alto, de porte atlético, com calça e chapéu branco, porém sem camisa. O rosto do jovem era ofuscado pelo sol, mas seu sorriso, era capaz de ofuscar o próprio.

— Eh... oi — conseguiu dizer Núbia sentindo-se congelada pelo nervosismo.

O Rapaz tocou a ponta do chapéu omitindo mais seu rosto e pegou o próprio braço de uma maneira acanhada, o que de alguma forma fez Núbia sentir-se mais a vontade, primeiro por se identificar com aquele nervosismo e segundo por achar aquele comportamento fofo por parte do estranho.

— Com licença — disse o rapaz sentando-se ao lado da garota.

Núbia fitou aquele rosto que era tão curiosamente atraente que parecia difícil seu cérebro caracteriza-lo. A pele dele era morena, algumas vezes parecia mais clara, outra mais escura. Os olhos dele pareciam mel e em alguns momentos cinza, e, seu cabelo era omitido pelo chapéu que, aliás, ornava muito bem com ele.

Núbia tentou deixar aquela atração repentina de lado e ser mais racional.

— Essa propriedade é privada sabia?

O rapaz desviou o olhar e sorriu nervoso.

— Oh, não, eu não sabia. Eu estava a passear por essas trilhas, me perdi e me deparei com essa cachoeira, fiquei encantado e nem pensei a quem poderia pertencer.

Núbia assentiu compreendendo e o rapaz fez um aceno com a cabeça.

— Mil perdões senhorita.

— De boa — Núbia fitou a cachoeira lembrando-se de quem lhe havia apresentado aquele local e suspirou —, você não é o único que gosta desse lugar. Aqui é lindo mesmo.

— Parece triste — observou o rapaz. — Uma moça bela como tu, não devias ficar assim.

Núbia conseguiu abrir um sorriso.

— Obrigada, eu acho. Mas... Não estou triste, só... Pensativa.

— Digas o que lhe ocorreste, pensar de mais e falar pouco faz mal até a mente mais saudável — incentivou o rapaz com um sorrisinho.

Núbia tinha que admitir ter achado bela a forma como o garoto falava, ela sequer o conhecia, o chapéu branco lhe cobria quase todo o rosto, ainda sim, a menina sentiu-se a vontade em falar sobre o que tinha ocorrido, a briga com Cissa, as dúvidas e tudo que conseguiu lembrar.

— O tal Cissa, não enxerga o que está na frente dele. Não dá valor a uma moça tão especial como você? Definitivamente, ele não merece sequer sua tristeza – disse o rapaz acariciando o rosto de Núbia.

Núbia deu de ombros desviando o olhar.

— Você sente algo grande por ele? — questionou o rapaz.

Núbia pareceu ter sido pega de surpresa.

— Não sei se é grande, eu... gosto dele, é isso.

— Pois deixe de gostar, claramente ele não dá a importância que você merece e assim deve ser tratado da mesma maneira.

Núbia levantou uma sobrancelha.

— O Cissa já salvou minha vida mais de uma vez, e... Ele é muito legal comigo, ele só não quer nada amoroso, eu... Nem sei por que estou brava, quero dizer, foi uma discussão idiota, sem sentido. O Cissa foi idiota, mas eu também fui, acho que somente devíamos fingir que nada daquilo aconteceu.

De inicio o rapaz ficou em silêncio, ele respirou fundo e por alguns segundos Núbia teve a impressão de que ele não havia gostado nada da decisão dela. No entanto, logo ele voltou-se a Núbia com um leve sorriso e pegou em sua mão.

— Você está agindo de maneira muito correta, madura. É uma moça de coração nobre, e... muito bonita também.

A garota sorriu e ele a correspondeu, então com a outra mão acariciou o cabelo dela. Logo os rostos se aproximaram e o beijo foi inevitável. Com isso, Núbia sentiu seus sentidos lesarem e suas memórias apagarem, como se tudo houvesse sido sugado pelo nada e agora só existisse ela e aquele rapaz a sua frente.

...

Cissa estava sentado no chão da varanda de sua cabana, ele olhava o bosque aflito e esperava realmente que Núbia voltasse arrependida, ou melhor, segura, mas nada. Ele também estava cansado de correr atrás daquela garota teimosa, ser herói nunca foi de seu feitio e mesmo que agora ele estivesse tentando mudar, ainda era de mais ficar ajudando quem não queria sua ajuda. Logo seus pensamentos foram interrompidos por uma mancha laranja que surgiu em velocidade absurda e só quando parou ao seu lado mostrou forma.

— Curupira? — disse Cissa. — O que faz aqui? De novo?

— Logo fará cinco dias, quero estar perto para ver tudo decorrer — disse a criatura o encarando, — Esqueceu-se de nosso trato?

— Sinceramente, sim, esqueci — disse ele natural. — Mas eu juro que resolvo tudo outro dia, hoje já estou com problemas de mais.

Cissa pensou que Curupira já faria seus chiliques, berraria com aquela voz irritante ou emitiria aquele assobio ensurdecedor, mas para sua surpresa, o monstrengo ruivo só deu de ombros.

— É, imagino quais sejam os problemas. Eu disse que os outros viriam, não disse? Então, vi o Boto no bosque hoje.

O coração de Cissa acelerou.

— Então ele realmente está aqui? — perguntou e Curupira assentiu com a cabeça. — Droga! Tenho que ir atrás da menina, agora!

O rapaz se levantou imediatamente e Curupira riu.

— Se estiver falando da descente do Mal, acho que já é meio tarde, eu não vi ele sozinho. O Boto estava com a menina ruivinha, e, acho que já era.

Cissa ficou sem reação por alguns segundos enquanto uma fúria perigosa o envolvia.

— Ele a beijou? — disse cerrando os dentes.

— Sim e não há mais o que fazer. Você já deve saber que o feitiço só quebra quando o próprio boto quer. Agora é esperar que ele canse logo dela para podermos continuar nosso plano.

Cissa não conseguiu aceitar aquilo tão bem quanto Curupira previu, muito pelo contrário, ficou desesperado e entrou em sua cabana a procura de uma solução. Avançou direção á estante e lá pegou alguns livros que folheou até achar algo de importante. O Curupira foi logo atrás observando de forma curiosa e surpresa a determinação de Cícero.

— Eu lembro que li algo sobre isso — dizia Cissa nervoso enquanto folheava os livros. — Todo feitiço quebra de alguma maneira, da mesma forma que toda poção tem antidoto e por ai vai. É sempre assim.

— E o feitiço do boto realmente tem solução, só que é uma solução que só ele pode exercer — esclareceu curupira dando de ombros.

Cissa fuzilou Curupira com os olhos e com um resmungo voltou-se aos livros na estante.

— Minha mãe sempre diz que há diversas soluções para tudo se quisermos realmente solucionar o problema.

Curupira balançou a cabeça com uma expressão de quem diz: Pobre coitado.

Ele então fitou as imagens dos principais orixás a esquerda da estante e franziu os olhos, quem sabe por já ter sido uma divindade que com o tempo deixou de ser adorada, Curupira tinha certa raiva de tudo que recebia adoração, deuses, entidades, orixás, pagão ou não.

— Não sei quem são, mas não gosto deles — disse ele aproximando as mãos peludas dos objetos.

— Ei! — exclamou Cissa afastando a mão do Curupira. — Você não gosta deles exatamente por não conhecê-los.

— São seus deuses? — Perguntou Curupira curvando a cabeça.

— Se diz Orixás. Mas é algo parecido — respondeu Cissa, mas com os olhos focados no livro que segurava.

Curupira fez cara feia.

— Tupã é melhor — resmungou o monstro, o que somente fez Cissa revirar os olhos.

Logo Cícero soltou um gritinho achando o que procurava. No livro de mitos antigos, escrito a mão, havia cinco páginas reservada somente ao boto. Lá dizia que haver sim outra forma de quebrar o encanto: "Se a moça em questão já estiver apaixonada por outro rapaz, o encanto do boto pode ser quebrado pelo o encontro da moça com seu amor".

— Droga de livro — disse Cissa jogando este no chão. — Além de não ajudar em nada, é meloso de mais. Isso aqui é folclore ou conto de fadas? Quem escreveu isso devia estar bêbado.

— O que o livro diz?

— Que a menina precisaria estar apaixonada — disse Cissa —, o que ela não está!

— Nunca se sabe. Sem contar que por ser neta de Edgar, o boto pode decidir mata-la ao invés de liberta-la como faz quando se cansa das garotas, e, morta aquela garota não vai ajudar nada em nosso plano— lembrou o Curupira. — Vai desistir de salva-la?

— Claro que não! — disse Cissa pegando seu machado e avançando para porta. — Eu vou salva-la, não sei como, mas vou! — dizia enquanto entrava no bosque.

Curupira riu e por fim resolveu ir atrás de Cícero Akilah, mais para ver o circo pegar fogo do que para ajudar.

Enquanto caminhavam, Cissa contou a Curupira sobre Núbia parecer gostar de animais, além de ter quebrado a maldição de Ângela e isso foi um incentivo e tanto para que o Curupira quisesse salvar a garota, é claro que em troca, Cissa teria que cumprir o acordo feito sem discutir, mas aquilo não lhe parecia problema até então.

O que interessava a Cissa era que com Curupira ele tinha mais força contra o boto. Curupira era insuportável, verdade, mas tinha alguns poderes. Enquanto Cissa montava o plano de resgate a criatura discutiu e reclamou de quase tudo, mas quando enfim entraram em um acordo, Curupira se mostrou muito útil e usou alguns dons rastreadores achando o esconderijo de boto e localizando Núbia.

 Cissa olhou para cima, entre os galhos das árvores era possível ver o céu escurecendo. Ele e Curupira estavam se distanciando daquele ponto estratégico, bem no centro do sítio Cabrall e caminhando rumo à localização de Núbia.

— Como tem certeza que é a Núbia que você está sentindo? — questionou Cissa curioso.

Curupira caminhava logo á frente e toda vez que sua lança tocava o chão os galhos das árvores se movimentavam abrindo caminho para ele.

— É impossível não reconhecer o sangue ruim de um Cabrall, sinto o odor pobre do sangue misturado de Edgar de longe e o cheiro da Núbia é parecido com de quem ela descente, só que mais puro. — Curupira fitou Cissa com um sorriso maldoso — Acho que ela nunca matou ninguém, pobrezinha.

Cissa assentiu fingindo ter entendido e assim ambos prosseguiram suas caminhadas, dessa vez calados, porém, logo se depararam com alguém que saia da mata com olhar atento e ao ver os dois, ergueu o facão.

— Curupira e Cícero? — disse Messias fazendo cara feia. — O que fazem no sítio do senhor Cabrall? Seus abusados!

— Salvando a neta dele, já que nem para isso Edgar presta — disse Cissa —, agora se me der licença.

— Núbia? Vocês sabem onde ela está? Estou procurando aquela garota há horas!

— Ela está servindo de escrava para o boto — disse Curupira, curto e grosso.

— O... Boto, boto cor-de-rosa?

— Boto azul-claro, animal — disse Curupira como sempre irritado. — Sai logo da frente antes que eu te vire do avesso.

Messias o encarou com cara feia e Curupira o retribuiu da mesma forma.

— Ei, parem de competir quem é mais feio que a disputa é acirrada — disse Cissa — Messias, se está procurando a menina é por que Edgar ou Iara pediram, certo?

— É, meus senhores sentiram má presença no sitio, o Boto provavelmente.

— Pois bem, eu e o Curupira podemos salva-la agora, ou, podemos sentar em uma roda e conversar, o que acha? — ironizou Cicero.

Messias resmungou.

— Está bem, salvem a garota, mas salvem mesmo, se não meus patrões vão me matar.

— E você não vai nem ajudar? — disse Cissa pasmo.

— Eu não, se vocês querem tanto salvá-la, eu que não vou atrapalhar.

— Inútil — disse Cissa.

— Covarde — disse Curupira.

Messias deu de ombros indiferente ás ofensas, ele já havia lutado contra o boto da ultima vez que tal invadiu o sitio Cabrall e apesar de ser um rival a altura, Messias não estava afim daquele segundo round, não lhe parecia necessário arriscar a própria pele por uma garota que sequer era importante para seus patrões, tão pouco a ele próprio.

Curupira e Cissa fitaram Messias com desprezo, mas somente o tiraram do caminho e foram ao resgate sem olhar para trás.

...

Poucos sabiam, mas havia uma pequena e não muito profunda caverna omitida pela cachoeira do sitio. Tendo como entrada uma queda de água, o local era úmido e frio, ainda mais a noite, entretanto o boto achou o lugar muito apropriado e aconchegante para manter uma prisioneira.

Núbia estava sentada no chão fria e com as mãos presas por um pedaço de pano, mas prosseguia sorridente, a palavra certa seria samonga. Já Boto estava de pé a sua com os braços cruzados e um sorriso maldoso.

— Ainda estou decidindo o que fazer com você, garota — dizia o boto analisando Núbia. — Que perversidade seria interessante? O que lhe deixaria traumatizada para o resto de sua vida?

Núbia deu de ombros toda sorridente e o boto riu.

— Eu pensei que como neta de Edgar, você seria mais forte, mas estava enganado, é tão tola quanto as outras.

Núbia riu.

— Você é engraçado, querido — disse ela sorridente.

Boto estão se aproximou dela e se agachou.

— Sabe, acho que mesmo que não fosse neta de Edgar, eu te enfeitiçaria — ele começou a subir as mãos pelas pernas dela — és tão deliciosa.

Boto ficou sobre ela e beijou-lhe o pescoço e quando começava a colocar as mãos por dentro de sua camiseta um assobio ecoou na caverna fazendo boto colocar as mãos nos ouvidos.

— O que é isso? — protestou ele.

Núbia estava preocupada de mais para se importar com o som.

— Querido, está bem? — perguntou ela tentando toca-lo, mas ele a empurrou para trás.

— Estou, deixe de ser idiota — falou o Boto ríspido, ainda sim Núbia sorriu, estava realmente bem retardada. 

Logo algo entrou na caverna e com rapidez sobrenatural começou a correr sobre o teto e as paredes enquanto gargalhava maleficamente.

— Curupira! — exclamou o boto.

Logo a criatura pulou a frente do Boto e apontou sua lança para o pescoço dele.

— Olá Boto — disse o Curupira curvando a cabeça como uma criança curiosa. — Que chapéu interessante, deixa eu ver?

O boto se esquivou, mas era tarde, o Curupira pegou seu chapéu com agilidade e deu passos para trás. Sem seu chapéu encantado, um enorme nariz de boto surgia no rosto do rapaz o que fez Curupira gargalhar e Núbia arregalar os olhos.

— Você é feio para cacete! — zombou Curupira.

Boto fitou Curupira ardendo em raiva, mas ao dar um único passo o monstrengo saiu como um raio para fora da caverna.

— Oh não! Sem meu chapéu... eu fico horrível! — disse ele desesperado.

— Mas eu continuo te amando — disse Núbia com seu sorriso apaixonado.

— Cale a boca e fique aí, vou capturar aquele monstrengo dos pés virados e pegar meu chapéu de volta.

O Boto estendeu as mãos e a água que caia na entrada da caverna lhe envolveu, logo, o rapaz não estava mais lá.

Núbia fez biquinho sentindo-se sozinha, porém segundos depois houve companhia. Alguém surgiu dentre a cachoeira, o que fez Núbia abrir um amplo sorriso pensando ser o Boto, mas não, era Cissa, que estava todo encharcado e de cara fechada.

— Tanto lugar para esse infeliz se esconder e o cara fica dentro de uma cacheira! Deu um baita trabalho achar isso aqui. — Depois de reclamar ele voltou-se para Núbia e sorriu. — Mas ao menos eu consegui te encontrar, menina.

Núbia fez cara feia.

— Quem é você? — perguntou confusa — espere, eu sei quem é você! Não, não sei... Sei sim! Não, acho que não...

Cissa foi até ela e pôs um dedo sobre seus lábios.

— Melhor você não falar nada, não, tá muito retardadinha. Mas não se preocupe, vou te tirar daqui e não deixar ele te tocar jamais.

Cissa a desamarrou e lhe estendeu a mão, mas a menina somente o fitava sem reação alguma, ele então pegou-lhe a mão e tentou leva-la a força mesmo, mas Núbia resistia.

— Não! — dizia ela. — Eu tenho que ficar aqui, ele me mandou ficar aqui!

Cissa revirou os olhos.

— Você vai vir comigo nem que seja a força — avisou ele e Núbia negou com a cabeça.

Cissa então tentou a pegar no colo, mas ela se debateu, chutou a barriga dele e deu-lhe um tapa na cara.

— Caramba menina, nem tudo mudou em você, né? — disse ele passando a mão no próprio rosto.

— Eu vou ficar aqui – insistiu ela.

Cissa então se agachou e a fez olha-lo nos olhos.

— Me diz, você o ama?

Uma voz na mente de Núbia dizia que sim, mas algo mais profundo dizia que não.

— Eu... Não sei.

Cissa sorriu, depois de tudo que já leu e ouviu sobre boto, ele sabia que a resposta a essa pergunta jamais seria "não sei" teria que ser SIM, amenos que:

— Menina, você está apaixonada? — perguntou Cissa com seu sorriso sapeca.

Aquele sorriso sapeca, Núbia lembrava claramente dele, mas não entendia como, na verdade, sua memoria até então barrada por uma porta, mexia a maçaneta tentando entrar pelo simples fato de ver tão de perto aqueles olhos cinza de Cicero Akilah.

— Eu... Não tenho certeza — disse Núbia ainda com a mente girando. Cissa então voltou a segurar sua mão e tudo começou a fazer sentido, a memoria de Núbia voltara por completo, seus sentidos, sua independência e uma raiva tamanha do boto-cor-de-rosa. — Eu não sei se estou ou não apaixonada, mas de uma coisa eu sei, estou com muita raiva daquele Boto maldito e quando eu o ver vou dar um bom murro na cara dele!

Cissa não segurou um amplo sorriso ao ver sua menina sendo ela novamente. Os dois se levantaram decididos a sair daquele lugar, porém, quase que em simultâneo instante o boto apareceu, já com seu chapéu.

Boto e Cissa se encararam.

— Tu és quem penso que seja? — disse o boto.

— Não sei — disse Cissa. — Não penso que nem tu, Boto Cor-de-Rosa, — debochou Cissa.

— É, sem dúvida é você — concluiu o Boto. — Mas o que faz em meu aposento e com minha nova escrava?

— Ela não é sua — disse Cissa segurando a raiva. — Você nunca vai tocar num fio de cabelo dessa menina, eu não vou deixar!

O Boto riu mordaz.

— E o que pode fazer contra mim, demônio? Olhe para ti, não és nada, não tem poder algum, é só um rapaz como outro qualquer.

— E você? — protestou Núbia. — O que faz além de conquistar garotas e usa-las? Você é tão ridículo quanto nome.

Cissa levantou as sobrancelhas surpreso e ao mesmo tempo, orgulhoso.

— Hum... Agora tu és corajosa — disse o Boto —, mas até pouco era uma retardada apaixonada, não está mais enfeitiçada?

Núbia simplesmente se aproximou e socou a cara dele.

— O que acha? — disse ela cruzando os braços.

— Garota maldita! — disse o Boto colocando a mão sobre o rosto, pasmo pelo murro. — Duvidam de meu poder? Vou lhes mostrar do que sou capaz.

Em um estale de dedos, litros e litros de água empurraram Cissa e Núbia contra a parede.

— As histórias não contavam sobre ele controlar a água! — reclamou Núbia.

— As histórias não contam muitas coisas — disse Cissa.

Uma mão gigante de água se formou e agarrou Núbia. Cissa tentou pega-la pelo braço, mas já não havia como. Núbia foi jogada contra parede desabando no chão.

Cissa correu na direção de boto para golpeá-lo, mas outra barreira de água o empurrou para a direção da cachoeira onde ele despereceu dentre a cachoeira.

— Cícero! — gritou Núbia tentando ignorar a dor do corpo e se levantando, mas boto flutuou pela água até a garota a pegando pelo pescoço e a erguendo contra a parede. Núbia tentou se soltar e chuta-lo, mas a forma como Boto a segurava o distanciava dela, sendo assim, ela não conseguia atingi-lo com a força necessária.

Boto sorriu e aproximou o rosto do da garota que já ficava sem ar.

— Gosto de te ver se debatendo, mas prefiro quando está retardada.

Ele aproximou os lábios dos dela para beija-la, mas Núbia o pegou de surpresa e aproveitou-se da situação, ela mordeu os lábios inferiores dele com tanta força, que ao tentar se afastar, o boto teve parte da boca arrancada. Imediatamente ele largou Núbia que caiu no chão tentando recuperar o ar e com o rosto vermelho.

O boto colocou a mão sobre o rosto olhando o próprio sangue com fúria.

— Garota Maldita! — voltou a dizer.

Núbia mesmo com toda aquela situação, conseguiu sorrir ao ver o estrago que fez nos lábios dele.

— Gostou desse beijo? — ela debochou.

— Eu vou acabar com você — rosnou boto fechando os punhos, mas antes que agredisse Núbia, Cissa que corria em sua direção logo atrás, chutou em um giro no ar a cabeça do boto o fazendo cair no chão.

Aquilo só deixou boto mais nervoso, ele rosnou e vários litros de água foram com toda fúria em direção de Cissa e Núbia, porém, respectivamente, Curupira surgiu e ficou a frente deles e com uma rajada de vento fez um campo e força os defendendo da água.

— Curupira? — disse Núbia, surpresa.

— Curupira! — repetiu Cissa, alegre.

— Eu não aguento por muito tempo, idiotas! — disse ele com os braços estendidos e tremendo já fraquejando ao poder da água. — Pensa logo em algo, demônio.

Cissa assentiu.

— Vento pode com água. Então é isso que devo usar — disse ele com um sorrisinho.

— Oque? — questionou Núbia nervosa.

 Cissa a ignorou e voltou-se para o Curupira.

— Pé virado, leva Núbia daqui. Me viro com o boto.

— Como? — Núbia e Curupira perguntaram juntos.

O Boto se levantou e encarou com fúria cada um dos três.

Ainda sim, Cissa tentou demostrar confiança e voltou-se para Curupira com seu sorriso sacana.

— Digamos que guardei algumas lembranças boas dos velhos tempos.

Curupira sorriu maldoso, já Núbia estava — como se diz popularmente— boiando com tudo aquilo.

— Cissa... — Núbia não tinha palavras.

— Vai menina, que eu te alcanço.

Núbia negou com a cabeça, a última coisa que queria era deixar Cissa sozinho lá, mas não teve muita escolha, Curupira lhe pegou pelo braço e a levou sem sequer lhe dar tempo de protestar. Atrás deles a caverna emundava, e, em segundos ambos já estavam na beira do lago. De lá só se ouvia estrondos vindos da caverna, as águas se agitavam, uma briga ocorria lá dentro e Cissa estava sozinho.

— Não podemos deixa-lo lá! — protestou Núbia. — E... Espera, Curupira? Por que está me ajudando?

O Curupira revirou os olhos.

— Porque você tirou a maldição de Ângela, só por isso.

— Conhece Ângela? Ah esquece; precisamos salvar o Cissa!

— Não — disse ele firmemente.

Logo se ouvira uma explosão e redemoinhos de vento levantaram a água em alturas incríveis, era como um mine tsunami, ou uma tempestade apocalíptica, se formasse somente na região isolada da cachoeira. O Curupira voltou a levar Núbia contra sua vontade, desta vez para bem mais distante. Mesmo longe do lago, se ouvia as explosões, de água e vento, contudo, mais forte do que isso eram os batimentos cardíacos de Núbia.

Do nada, tudo ficou silencioso e Núbia não teve outra reação a não ser correr de volta para o lago e dessa vez, Curupira não a impediu. Ao chegar lá, se deparou com a cachoeira caindo normalmente, porém, o lago já não estava tão límpido como de costume, havia destroços da caverna, pedaços de rocha por todo o lago e a água estava um tanto barrenta devido às explosões, contudo, a única coisa que chamou a atenção de Núbia era Cissa, que felizmente, porém surpreendentemente, estava vivo e tentando se arrastar para fora do lago.

Sua roupa estava encharcada, seu cabelo mais bagunçado que o comum, além de estar visivelmente ofegante e cansado, entretanto, sem nem um ferimento. Núbia se aproximou devagar, mas quando Cissa a fitou, ela não resistiu, correu em sua direção, caiu de joelhos e o abraçou.

— Você está bem? — perguntou Núbia.

— É claro que estou, sou incrível esqueceu? — disse ele com dificuldade.

Núbia riu.

— Não, não me esqueci.

Eles trocaram olhares com o rosto próximo e por alguns segundos Núbia pensou em beija-lo, mas logo essa ideia foi ignorada e ela somente se levantou e estendeu a mão para Cissa se levantar também.

Já de pé, Núbia e Cissa voltaram a se abraçar um abraço longo e forte, mas logo olharam para o lado, onde Curupira fitava a cena com cara de nojo, ambos, no entanto somente riram com isso.

— O que houve com o Boto? — perguntou Núbia se afastando.

— Voltou pro lugar de onde veio.

— Amazônia? — supôs Curupira.

— Inferno — respondeu Cissa.

Núbia e Curupira o olharam, incrédulos.

— Está bem, não sou tão incrível assim — admitiu Cissa —, mas acho que o convenci a nos deixar em paz, vamos dizer que ele voltou pra terrinha dele com as barbatanas entre as pernas.

Núbia riu e deu de ombros.

— Um a menos — disse ela. Então segurou firme a mão de Cissa. — Obrigada de novo, Cissa, e... eu prometo que nunca mais vou deixar de confiar em você. — Ela então voltou-se para o Curupira. — E obrigada a você também, Curupira, obrigada mesmo.

O Curupira estreitou os olhos, como se não confiasse muito na gratidão de Núbia, mas por fim:

— De nada, descendente do mal, acho... que vou ficar por aqui, para resolver uns assuntos e não vou mais te atormentar.

— Na língua dele — falou Cissa, — quer dizer que ele será nosso amigo.

— É pode ser isso também — disse o Curupira fazendo cara feia.

...

No corredor de cima do Casarão, Messias era colocado contra parede por Iara, enquanto Edgar somente observava pela grande janela no final do corredor a lua ficando cada vez mais clara.

Noite estava em seu ombro e com os olhos tão atentos quanto o do dono.

— Você é um grande empestável! — bradou Iara para Messias. — Mandamos você buscar a garota, então é isso que devia ter feito!

— Eu sei, mas como eu já havia dito, procurei aquela garota o dia todo, mas não descobri onde havia se enfiado. Então ouvi o Cicero e Curupira dizerem algo sobre resgata-la e... deixei eles a salvarem.

— Por acaso a viu segura? Por acaso trouxe Núbia para nós? Está vendo ela aqui? Seu idiota — barrava Iara.

— Não, mas... ela deve estar bem não é? Não seria a primeira vez que aquele Cicero salva a garota.

— E você acha isso bom? — questionou Edgar até então calado, ele encarou Messias com seus olhos gélidos, o que fez um frio percorrer a espinha do capataz. — Você acha bom colocar a segurança da guria nas mãos do meu rival? Tu disseste que até o Curupira estava na história e acha realmente que isso é um bom sinal? Bah...

Messias engoliu seco.

— Eu... Não sei... O Cícero parecia determinado a salvar a garota, então eu deixei que ele fizesse isso porque...

— Porque era mais seguro para você NÃO É? — disse Iara segurando a raiva.

Messias não respondeu somente baixou a cabeça.

— Pois saiba — começou Edgar — que se seu objetivo era não se colocar em risco, falhou miseravelmente, porque se Núbia Cabrall não voltar segura para casa... Bah, tchê. Tu sabes o que acontece com quem decepciona a mim ou a Iara. Não sabe?

O capataz engoliu seco, estava prestes a sair correndo ou ajoelhar pedindo misericórdia quando o corvo Noite começou a bater as asas de leve e apontar com a cabeça para a janela.

Iara se aproximou de Edgar e os dois olharam pela janela, já Messias ficou em uma distancia segura, mas também deu uma espiada.

— Minha mocinha! — disse Iara toda sorridente e dando alguns pulinhos de alegria.

Edgar queria profundamente prosseguir com a expressão imudável, mas não resistiu em abrir um sutil sorriso torto, tanto pela volta de Núbia quanto pelo sorriso lindo que Iara tinha.

Núbia junto a Cissa e Curupira saia do bosque e adentrava o quintal do casarão

— Falei que ela ia ficar bem — disse Messias. Edgar e Iara o fitaram raivosos — Está bem, melhor eu sair daqui né?

— Se quiser viver, sim — disse Iara e o capataz imediatamente tratou de correr. — Idiota, ele ainda vai se ver comigo.

— Conversamos com Messias depois — murmurou Edgar enquanto fitava Núbia já bem próxima do casarão — O que importa é que sua querida órfã está viva.

Iara levantou uma sobrancelha depois aproximou o rosto do de Edgar.

— Nossa órfã — corrigiu ela.

Edgar franziu os olhos nada contente com o comentário, mas antes que dissesse algo Iara lhe beijou, depois se afastou com um sorrisinho.

— Bem vou receber nossa órfã e fingir que não sei o que aconteceu, com licença — disse ela com uma risadinha e assim foi em direção as escadas. Edgar por sua vez revirou os olhos e seguiu para o quarto na esperança de esquecer-se daquele dia.

...

Núbia foi levada ao casarão por Curupira e Cissa, companhias estranhas, mas que ela começava a adorar. Antes de ir, Cissa e Núbia bateram as mãos.

— Te vejo amanhã? Aluna— perguntou.

— É claro, professor — respondeu Núbia.

Ela caminhou um pouco em direção ao casarão e logo não resistiu olhando para trás, mas como já era de se esperar, tanto Cissa quanto Curupira não estavam mais lá.

Núbia abriu um sorrisinho enquanto dizia:

— Ele tem que me ensinar a fazer isso.


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Notas finais do capítulo

Como podem notar, Edgar está começando a participar mais da história e algo que eu devo informar, é que depois que ele entra na jogada, a história vira de ponta cabeça, preparados? haha...
Até a próxima seus lindos.



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