O despertar escrita por Tha


Capítulo 3
III – Eu só preciso gritar


Notas iniciais do capítulo

OPA CAMBADA, TUDO BOM?



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E.qui.lí.bri.o: sf. Força que age de maneira igual entre duas ou mais coisas (ou pessoas).Em que há harmonia; que se distribui de maneira proporcional: equilíbrio de uma estátua. 

Antes

— Eu tinha poucos recursos na cela para o que eu estava planejando. Havia uma cadeira, a haste de metal que segurava as bolsas de sangue, os tubos em mim e uma cama com lençóis sempre limpos e travesseiros. Então tive que me virar – Cruzo os dedos das mãos e respiro fundo – Enfiei a haste bem alto na parede, amarrei um lençol e me pendurei. Lembro de ter desmaiado por falta de ar, mas na verdade acho que morri. Mas então eu acordei no chão ainda com o tecido enrolado na garganta. Eu estava pronta para morrer, estava pronta para... me entregar e não ligava se esse não era o meu destino.

— Mas como... – David não completa a frase, e ainda olha pra mim com aquela expressão pavorosa no escuro do meu dormitório.

— Meu corpo se recusava a sucumbir, e eu tentei outras vezes, David, mas ele se recuperava e recuperava, como se todas as vezes eu tivesse nascido de novo. Me limpavam, limpavam o quarto e me colocavam para dormir como se nada tivesse acontecido. Aí Jason... a voz dele, apareceu ali do outro lado da parede, e foi como se a vida tivesse me dado outra chance. Que ela queria que eu me lembrasse que tinha gente aqui em cima que ainda precisava de mim. Agora eu sei que foi tudo um truque da minha própria cabeça para eu continuar lutando, também ouvia a voz da Adina gritando para mim. Eu não queria decepcionar o Jason, não queria decepcionar ninguém.

— Eu não sabia disso – Ele pega minha mão e sorrio, observando os pelos do braço dele sob a luz fraca da luminária ao lado da minha cama.

— É porque não contei a ninguém. Também não contei que... eu não queria sair de lá, a ideia de voltar à superfície sabendo que eu enfrentaria esse desejo louco de caçar a minha própria espécie era impossível pra mim. Eu teria ficado lá, teria aguentado todas as torturas, todas as sessões com o intensificador, todos os soros que ferviam meu sangue ainda dentro de mim, teria aguentado tudo isso de novo se isso significasse saber que Hazel e Adam estariam seguros, que todos do fosso estariam seguros.

— Eu sei que você ainda não superou – David diz fazendo a mesma coisa que eu, se vira na cama, apoia os cotovelos nos joelhos e balança as pernas no ar.

— Não é só uma questão de superar, eu não aceito, não aceito que os dois tenham morrido por mim e agora sou uma versão feminina de Darko, como se tudo tivesse sido em vão, sabe? Eu ainda ligo para o celular dela toda semana, encho sua caixa postal de recados que ela nunca vai ouvir, só para dizer como foi meu dia e escutar aquela mesma frase toda vez.

— Não pode fazer isso, Ally – David agora me abraça e fungo em seu ombro – Tem que deixar ela ir.

— Eu sei que tenho, mas é mais forte do que eu… Sinto que se eu deixá-la ir, eu acabo me perdendo também.

— Eu acho que você tem que... sei lá, é mais fácil acreditar em mim.

— Sei que como é a morte, David, eu sei como é, passei por isso, muito. Não tem essa de seguir em frente. É mentira. Caímos no limbo esperando alguém nos puxar de volta, mas uma parte de nós sempre fica lá – Me solto dele e abraço as pernas, apoiando o queixo nos joelhos – Este mundo é tão perigoso quanto belo. Quem não é útil, comete erros, pode ser descartado. Você pode ser descartado. Sabe o que eu vejo? Vejo um mundo na corda bamba, e sem equilíbrio ele cai.

— Você é o equilíbrio, pelo menos sempre foi pra mim.

— Conversa – Sorrio.

— Você é a mudança controlada, Ally, do tipo que as pessoas podem confiar. Você é aquela chama lenta que pode dissipar uma revolução inteira com um punhado de discursos e sorrisos.

— Como você consegue?

— O que? – David ri e cruza as pernas, ficando de frente para mim.

— Ficar tão calmo enquanto está tudo ruindo lá fora. Me fazer esquecer dos problemas assim tão fácil. Acho que, na verdade, você acabou se tornando meu equilíbrio, me ajudou tanto nos últimos meses.

— E o Jason?

— É diferente – Começo a me irritar. Diferente porque ele pensa em outras enquanto está comigo.

— É o que amigos fazem. Mas ah, você sabe, eu fico aqui dentro e deixo os problemas lá fora mesmo – Ele sorri e eu suspiro mexendo no travesseiro – Aqui, tenho uma ideia. E se eu for sua nova Hazel? Seu diário. Pode me contar as coisas quando não aguentar mais segurar tudo aqui dentro e eu tento fingir que sou intimidador e super seguro.

— Seria maravilhoso – Balanço a cabeça e depois de um tempo em silêncio solto uma risadinha, logo depois outra. É simples. Gargalhadas fáceis me escapam e quando me dou por mim já estou com as mãos na barriga e as bochechas doendo de tanto rir – Isso é ridículo!

— Já sei do que você precisa. Precisa gritar - David se levanta na cama e me puxa consigo, rindo comigo igual um idiotia.

 Estamos os dois de pé, pulando e gritando como duas crianças em um pula-pula de alguma festa de aniversário. E, de alguma forma, é realmente libertador. Depois de um tempo já me sinto infinitamente mais leve.

Até Jason entrar pela porta e nos jogar um olhar acusatório.

— Ei, vem aqui, é divertido demais! – Grito, mas David já parou e está calçando os tênis.

— Eu vou nessa, a gente se fala, Rainha do Baile – Ele diz indo até a porta – Até mais, cara.

— Tchau! – Digo ainda ofegante pelo exercício.

— Flor...

— Ah Jason, nem vem, ele está me ajudando – Desço também, tiro o cabelo do rosto e o amarro em um coque frouxo – Aliás, como está a Ayla? Sua memória está bem fresca hoje, né? Então não me julgue, porque eu acho que...

Eu estava preparada para um monólogo, mas então eu o vi com um sorriso sapeca no rosto e me detive.

— Flor.

— Não, não me olha com essa cara. Essa não. Sabe que eu...

— Não consegue se segurar?

— Isso mesmo – Me rendo e relaxo os ombros quando ele me abraça.

— Está tudo bem. Esses dias vêm sendo tensos para nós dois. Você está escutando as vozes de novo e eu me sinto culpado, então acabo descontando em coisas que nem deveria estar pensando.

— Como as suas ex’s.

— Como as minhas ex’s. Venha aqui – Ele me conduz até a cama e se senta. Passou os dedos por uma mecha do meu cabelo, como sempre fazia quando queria começar um assunto sério – Por todos esses anos, guardei um segredo do Paraíso. Um pouquinho de fé. Eu nunca acreditei que a vida, o universo, o poder supremo, ou como queira chamar, quero dizer que... nada me permitiria sofrer tanto, para depois morrer... sem conhecer o amor verdadeiro. Seria cruel demais. Então fui mandado para vigiar a Adina e o resto você sabe, das outras depois dela, já que você recuperou a memória de todas, sabe como foi. E sabe que com você foi completamente diferente, não estava procurando outra Adina entre outros rostos, você é única. E acontece quando conheci você, foi que minha fé foi recompensada e um amor puro e mágico nasceu. 

— Então, basicamente sou um anjo – Me gabo e ele ri.

— Allyson Hale, para mim, você é tudo. Nunca se esqueça disso, que você, é só você... – Antes que ele complete a frase, eu o beijo, e esse beijo é como uma promessa, de que nunca, nunca mais, vão conseguir nos separar de novo. Ele não deixaria, e muito menos eu ou as loucuras de nossas sequelas – Deus, não me deixe soltá-la mais.

— Não deixarei. Vai dormir aqui hoje?

— Clove não vai achar ruim?

— Não adianta fingir que já não são amiguinhos tipo “bff”.

— Ela é uma pessoa boa.

— Clove é maravilhosa. 

Agora

Dizem que, não importa qual seja a verdade, as pessoas veem o que querem ver. Algumas pessoas podem dar um passo para trás e descobrirem que estavam olhando a mesma cena por todo o tempo. Algumas pessoas podem ver que suas mentiras quase acabaram com elas. Algumas pessoas podem ver o que estava na sua frente o tempo todo. E ainda há aquelas pessoas que correm o máximo que podem para não terem que olhar para si mesmas.

Tive certeza que eu era uma dessas pessoas, porque assim que me encaro no espelho, não vejo mais meu reflexo, vejo... ela.

O problema dos novos começos é que eles precisam de algo para terminar. Alguns finais levam um tempo para se revelarem. Mas quando isso acontece, eles são mais fáceis de ignorar.

Me lembro de algo que Clara Mason sempre me dizia, que não importa por quanto tempo você gasta tentando ser boa, você não consegue esconder uma menina má. E se tem algo que aprendi em viagens por esses anos é que quando você cai, você precisa aprender a se levantar, mas nunca me disseram que depois de se levantar, você precisa andar como se não sentisse nenhuma dor. Era isso o que eu fazia e sempre fiz. Teatro.

— Quinze pratas nas vinte perguntas que eu acerto o que você tanto pensa – Vanessa se aproxima com um copo de cerveja nas mãos e eu sorrio dando espaço para ela sentar na escada ao meu lado.

— Desafio aceito, perua.

Conheci a Van na aula de anatomia, eu era nova na classe e tinha decidido que não faria amigos dessa vez, tinha pintado o cabelo, voltado a usar óculos e estava pronta para não deixar meu passado me atrapalhar. Até então a magia estava funcionando e tinha acabado de “lanchar”. Depois de Harvard e uma faculdade pouco conhecida na Califórnia, era hora de mudar o radar.

Mas ela sentou do meu lado e puxou assunto como se conhecesse há anos:

— Vinte perguntas. O que o Senhor Carrancudo vai estar usando hoje?

— O que?

— O professor de anatomia, Cam e eu sempre apostamos sobre a cor do suéter ou algo do tipo, eu o vi antes de vir pra sala e agora você tá na bolada também, vamos, pense em alguma coisa.

— Eaí novata! – O garoto de cabelos castanhos se sentou do meu outro lado e de cara percebi que ele era nephilim. Apólice de seguro – Então, Van, alguma pista?

Daquele dia em diante ficamos inseparáveis, “Vinte Perguntas” virou o nosso jogo interno para todos os problemas que tínhamos e eu para sempre seria “A novata”.

— Algo a ver com aquela menina de cabelos curtos lá fora? – Van perguntou e voltei para a realidade.

— Sim.

— Passado obscuro da menina que finge ser uma nerd?

— Sim, você é boa – Ri e ela me ofereceu a cerveja – Já sentiu como se tivesse as melhores intenções, mas só cometesse um erro atrás do outro?

— Todos nós se sentimos assim pelo menos uma vez na vida, Ally.

— Acho que quero ir para casa – Suspiro e me levanto para procurar Clove.

— Leve o Cam antes que ele faça besteira.

Dirigi o caminho inteiro sem trocar uma palavra com a Clove enquanto Cam dormia no banco de trás. Quando chegamos ao apartamento, meu amigo foi cambaleando para o quarto dele enquanto peguei cobertores extras para a Clove dormir na minha cama, e assim que terminei, comecei a sair com um colchão quando ela me chamou.

— O que foi? – Cruzei os braços e me apoiei no batente da porta.

— Me desculpe por hoje.

— Vou comprar uma passagem para você amanhã bem cedo antes de eu ir para a aula.

— Tenho dinheiro para comprar minhas próprias passagens. Só quero que se abra comigo, como costumávamos fazer, eu não te vejo há quatro anos.

— Não venha com esse papo de psicóloga para cima de mim – Arqueio as sobrancelhas.

— Não é papo de psicóloga, é papo de amiga. Não posso acreditar que você realmente desistiu de tudo, desistiu de mim. Entendo que não queira saber de Jason, mas ele é meu amigo, e eu não mudei, ainda não deixo os amigos para trás. Então se não vai fazer isso por ele, faça por mim.

— Desculpe, mas você não sabe como é isso – Começo a sair de novo, mas ela me grita se ajoelhando na cama.

— Então me conte!

— É sério Clove? – Me viro e ando até ela – Eu não consigo ver, mas sinto todos os dias, para o resto da minha vida. Como se fosse uma escuridão em volta do coração, uma áurea negra pairando por ali, ameaçando chegar perto. Estou tentando te proteger, sua idiota! Por que não vai logo embora e me deixa ser uma ninguém aqui?

— Sei o que está fazendo, tentando me deixar com raiva de você, mas não vai funcionar. E outra, você não é uma ninguém – Clove agora se senta e aproveita minha aproximação para afagar meus braços – Você é alguém. Allyson, você é minha melhor amiga, e eu preciso de você, não pense nos outros agora, pese em mim. Você é minha irmã, Ally. Isso não significa nada?

— Não – Engulo em seco e me solto, mas ela me conhece mais do que ninguém, e me olha com aquela cara que me faz contar todos os segredos, aquele olhar de psicóloga – Tudo começou naquela noite. No meu aniversário – Comprimo os lábios – Lembra como éramos antes disso? Você, eu e a Hazel... Éramos normais, sabe, andávamos pelos corredores do colégio e não tínhamos que nos preocupar com morte, íamos tomar sorvete como pessoas normais e reclamávamos de garotos, caramba, íamos ao shopping.

— Não precisa acabar.

— Só você não percebeu que já acabou.

— E só você não percebeu que eu não vou embora. Ah Ally, você sempre levou a vida com rédeas curtas, né?

— O que quer dizer, senhorita Eu-Sei-De-Tudo?

— Que tem medo daquilo que não consegue controlar.

— Eu não sou mais a mesma pessoa – Pego o colchão de novo – Magoei o Jason, ele me magoou, sofremos um com o outro tantas vezes que nem posso contar, você lembra, a história do David, quando eu estava com Darko, quando voltei de Riverland...

— Você o amou quando...

— Não. Eu fui totalmente fiel ao Jason, eu fiz tudo por ele, eu lutei demais por ele.

— Eu sei que lutou. Nunca quis admitir por causa da Adina e porque pareceria que você traiu ele, mas isso não vai dar certo se continuar mentindo para si mesma, garota.

— Eu amei o Jason, nunca magoaria ele assim de novo, mas ele... ele me machucou e eu... o David...

— Ally, você teve a sorte de amar duas pessoas tanto assim, e você é tão jovem, não há nada de errado nisso. Foi bonito.

— Tudo bem, amar os dois – Sorrio – Era o que a Allyson má dizia. Você não acha triste, Clove? – Suspiro e olho para a cômoda, onde a foto com meus amigos está guardada no fundo da gaveta debaixo de todas as roupas – Ver que a minha “gêmea” era mais inteligente que eu?

— Tá tudo bem, Ally, pode falar. Lembra? Se duas pessoas estão destinadas a ficar juntas, eventualmente, eles encontrarão o caminho de volta uma para a outra. Você ainda o ama, ainda faria tudo por ele se ele aparecesse aqui na tua frente agora. Quando começou a amá-lo?

— Você ainda estava parecendo uma vadia – Começo, e quando ela está prestes a reclamar eu sorrio – Fiquei parada por muito tempo esperando algo ruim acontecer. Ele foi comigo até o cemitério e me deu apoio enquanto eu tentava superar a morte de Jake. Eu estava tentando fazer uma cara boa porque era isso que esperavam de mim na escola. Aí teve o dia que os diurnos chegaram e eu cansei, armei um plano e os atraí. Não deu muito certo, claro – Ri baixo e andei até a gaveta para pegar a foto – Eu estava quase decidindo que desistiria de tudo, quando tive um sonho, e era a Marie, logo depois uma lembrança do dia que Jake e eu nos conhecemos. Jason entrou na minha cabeça e mesmo me amando, ele me deu a única coisa que ainda representava que Jake estava comigo, que eu tinha uma mãe que me amava tanto que enfrentou Darko. Sei como doeu nele, mas mesmo assim fez isso. Foi... a coisa mais altruísta que eu já vi, e naquele momento, eu o amei. Eu não queria, meu namorado tinha acabado de morrer. Fiquei apavorada, mas por um momento, eu o amei.

— Sabe que precisa voltar. Acabou de provar para mim que precisa voltar.

— Clove... – Desisto e coloco a foto de volta no lugar.

— A gente precisa de você.

— Eu... – Fecho os olhos me lembrando de todos os momentos felizes possíveis que tive com o amor épico da minha vida, tudo o que passamos, tudo o que ele fez por mim. Ate... até me lembrar do momento em que ele me deixou — A gente conversa amanhã.

— Tem medo sim, de enfrentar seus sentimentos.

— Talvez Clove, talvez.

Ergui o colchão e joguei no chão do quarto do Cam. Ele estava acordado agora, estudando para uma prova que teríamos essa semana, antes das férias de primavera, então sorri e me sentei na outra cadeira da escrivaninha. Ele pegou minha mão.

— Pode ir, Ally, você precisa de uma pessoa que fique, mesmo que você esteja dando todos os motivos para que ela se vá. Afinal, quem ama insiste, luta, aguenta, sofre, perdoa, e até cansa. Mas não desiste nunca. 

— Eu o amo Cam, por mais que eu tente lutar contra isso, eu o amo demais.

— Então o que vai fazer?

— Sinceramente? Não faço a menor ideia.


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