O despertar escrita por Tha


Capítulo 12
XII – Verdade ou consequência


Notas iniciais do capítulo

OPA, TUDO BOM? Tenho três avisos;
1 - Esse é o último capítulo de "Antes", tanto que nesse não tem o "Agora" porque o próximo já vai ser "De agora em diante", mas talvez eu ainda coloque uns flashbacks, vocês sabem que eu amo flashback kkk.
2 - Mudei o personagem do Miriel.
3 - Acho que a Clove vai ter um foco bem grande na vida da Ally nessa nova parte, digam aí nos comentários as expectativas :)



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Antes

Con.se.quên.ci.a: sf. Aquilo que resulta ou é produzido por causa de um efeito ou resultado. 

— É a Clove, vem! – Grito já a metros de distância dele.

Corro sem me importar em disfarçar a velocidade que as pessoas estão vendo, e quando entro novamente, a grande massa de corpos no salão me impede de ver um palmo à minha frente, mas encontro Kyla e Kaleesa com os mesmo olhares confusos que eu, então vou até elas, e juntas, olhamos ao redor.

Quando um cabelo curto com roupa de Branca de Neve surge no meu campo de visão, não hesitei e a tirei dos braços de um Chapeleiro Maluco.

— Você vai se afastar e esquecer o nome dela ou quem ela era – Digo ao rapaz e ele assente, andando atônito até estar consideravelmente longe da gente.

— Allyson! Você tá maluca? – Clove protesta limpando a boca.

— Ele machucou você? Alguém machucou você? – Segurei seus braços – Alguém te forçou a fazer alguma coisa? Persuasão, ou sei lá.

— Não, só você arruinou a minha tentativa de ter um encontro, obrigada – Ela andou até a mesa e virou um copo com alguma bebida estranha de uma vez.

— Te ouvi gritar – Me expliquei a seguindo.

— Bom, eu não gritei. Kyla, bebe isso aqui, vai – Clove empurrou um copo para Kyla, mas eu ainda estava tentando analisar a situação.

— Cadê o Jason? – Kaleesa perguntou.

— Jason está aqui? – Clove me encarou com um olhar mortal – Eu falei que era noite das garotas, caramba, Ally. Ally?

— É uma armadilha – Sussurrei olhando ao redor – Ela me atraiu aqui para dentro, para então... merda. É uma armadilha!

— Alguém me explica do que essa louca tá falando? – Clove resmunga, e então quase cai quando tropeça nos próprios pés enquanto tento sair daqui – Ei, me solta, eu tô bem, Ka.

— Vamos para o dormitório, tudo bem? – Kyla diz.

— É, pode ser – Ela se atrapalha com as palavras – Já acabaram com a minha noite mesmo. O fantasma do Adam vai me perseguir para sempre, por isso nunca vou arrumar um namorado, droga. Por que ele tinha que ir para...

— Clove, por favor – Me viro quando chegamos ao jardim e o ar fresco finalmente me invadiu – Cala essa boca e me segue.

O silêncio me engolia, me fazia ter dores de cabeça absurdas, me enjoava como um barco em alto mar. Todo esse silêncio acumulado dentro de mim, palavras que não disse por isso ou por aquilo, coisas que deixei de fazer por medo de errar. Meu maior erro, no entanto, era minha relutância em não sentir, quando na verdade eu sentia tudo, e da pior forma possível.

Não sei se esse sentimento de adeus era algo a ser levado a serio como um aviso do meu subconsciente, ou deveria deixar para lá. Mas eu não conseguia encontrar Jason em um lugar algum, e isso estava me preocupando pra caralho.

Quando chegamos na pequena casa, vi que uma luz estava acesa e imediatamente me coloquei na defensiva.

— Fiquem aqui, e pelo amor do Anjo, me escutem pelo menos uma vez na vida – Digo para as três e subo as escadas a passos firmes, ainda que cautelosa.

Abro a porta devagar, e a cena que encontro me deixa enjoada. Jason e minha cópia estão um de frente para o outro, e estão conversando. Fiquei atônita e lutei para me aproximar sem perder o controle. Ele não podia ver o que eu posso fazer, ainda não.

— Afaste-se dele.

— Você anda fazendo muitas exigências, Ally – Ela se vira, mas Jason não move um músculo – Ah, isso? Ele não pode te ver, nem te ouvir.

— O que você fez?

— Eu disse que você ia desaparecer e eu voltar, e ninguém ia ficar sabendo, mas você não me dá ouvidos. Escuta, nós vamos fazer um acordo, eu estou te dando... vinte e quatro horas para pegar suas coisas e deixar Ellicot, e então eu vou te caçar, e se eu perceber que está ao menos pensando em voltar, mato ele e seus amigos. Bom, para provar que eu não estou blefando... – A outra de mim estrala os dedos e Jason se vira, posicionando uma faca no pescoço. Arfo, e quando olho pela janela, as meninas fazem a mesma coisa – Eu também disse que não pode me vencer, porque ao contrário de você, não tenho piedade e não coloco meu destino nas mãos de outra pessoa – Ela repete.

— É, mas eu conheço você também, existem os dois lados da moeda, e eu sei por que, após tanto tempo, você não tem nada além de ameaças. Porque você não é nada. Nada além de uma menininha rancorosa, insegura e impossível de se amar. Não se esqueça, eu já te vi. A verdadeira você, no meu sonho. Cheia de sangue e coberta de arrependimento, eu estava lá, no espelho.

Vi que a atingi quando sua sobrancelha direita tremeu. Sei porque Hazel me falava que sempre que eu ficava remotamente nervosa acontecia isso.

— Você tem vinte e quatro horas – Dito isso ela joga em mim meu passaporte e sorri.

Não posso dar esse gosto de vitória a ela, não depois de que eu venho perdendo todas as batalhas da minha vida.

— Jason, sou eu, por favor – Suplico me aproximando aos poucos, mas quando faço isso, uma bola de fogo passa zumbindo por mim e eu tenho que me abaixar para não ser atingida, então a cortina atrás de mim começa a queimar – O que você está fazendo?!

— Eu já falei, não tente nada.

— Allyson, sai daqui – Miriel sai do meu quarto e eu franzo as sobrancelhas, sem entender o que ele estava fazendo ali – É serio, vamos achar um jeito.

— Escute seu amigo – Ela disse, então começou a andar para trás e pulou a outra janela, levando Jason consigo.

Eu não piscava, não me movia, nem sequer respirava, e quando minhas esperanças foram tiradas de mim a força eu caí de joelhos e gritei como nunca gritei antes. O fogo e os raios emanaram de mim como nunca tinha acontecido antes e de repente o dormitório explodiu, mas eu não fui atingida. Não precisei usar minhas mãos, minha dor era tanta que meu corpo criou um buraco negro, e ao mesmo tempo um escudo. Tudo ao meu redor eram minúsculas estrelas sendo sugadas para a morte por aquele magnifico buraco negro.

O fogo não fez nada contra Miriel, mas ele foi jogado para longe quando bateu em uma parede e a mesma se espedaçou.

As lágrimas que escorreram pelo meu rosto deixaram um rastro de fuligem pelas minhas bochechas quando braços me envolveram e me levaram para fora.

— Temos que sair daqui, Ally – Era ele mesmo, sempre seco. Minha morte salvadora. Miriel.

Quando ele me colocou no chão de novo, já do lado de fora, um carro pegava fogo, mas o que eu fiz não passou muito do jardim, então quando me virei, chorei de alívio por ver que as meninas não tinham sido atingidas.

No momento que suspirei a Persuasão delas acabou, e ficaram loucas quando viram o que estavam prestes a fazer.

— Mas que merda é essa? – Clove jogou a faca longe, e quando acompanhou o caminho da mesma, percebeu o que tinha acontecido – Nosso dormitório, Allyson! O que você fez?

— Eu não... – Continuei soluçando no chão – Ela... pegou ele e...

— Ela tentou se matar – Uma garota que passava por ali sussurrou para a amiga – O namorado dela ainda estava lá dentro, eu vi.

— Sorte que aquele menino estava aqui – A outra comentou e continuaram de braços cruzados, encarando a cena.

— Não, está tudo errado – Franzi as sobrancelhas – Tudo errado.

— Allyson... – Miriel se ajoelha e coloca a mão no meu ombro – A gente tem que sair daqui, antes que... – Meus ouvidos entopem – Voltar para Riverland... Alisha...Bruxas de East Bay...

Não ouvi mais, estava presa dentro dos meus próprios pensamentos. Foi como se o tempo tivesse parado, vi tudo em câmera lenta. Vi Clove se jogando de joelhos na frente da nossa varanda, Kyla brigando com Miriel, Kaleesa olhando para os dois lados, observando os bombeiros chegando e as pessoas começando a chegar para fofocar.

Consegui me levantar e com velocidade sobrenatural segurei todos e os levei para um local mais afastado, para uma praça com uma fonte no início do que começam as casas da universidade.

— Quero que fiquem parados e me escutem – Uso Persuasão – Clove, você vai para casa e vai me esperar, tudo não passou de um mal entendido. Aconteceu um vazamento de gás, somos azaradas e vamos passar a noite na casa da sua mãe. Kyla, eu forcei Miriel a ir para Riverland, não o contrário. Decidi ir embora por conta própria, eu deixei vocês e vocês nunca vão me perdoar ou me procurar. O mesmo vale para Kaleesa. Miriel, você decide se quer ir ou não, mas não vai me procurar depois dessa noite, e antes vai usar Persuasão em todo mundo que estava lá e dizer que foi um acidente, não que eu tentei me matar. Vão.

Quando uma lágrima involuntária cai do olho de Clove, já que ela não pode se mexer até eu terminar, um nó se forma na minha garganta.

— Vão!

Assim que eles saem, eu ligo para David e peço para ele me encontrar no prédio dele em uma hora e peço que avise Holland que preciso de um favor. Ele me pergunta pela faca e digo que explico tudo depois.

Assim que desligo me deixo escorregar pela parede de tijolos de um monumento qualquer

Escolhi não dizer ao meu namorado que havia uma cópia de mim fazendo ameaças para todos os meus amigos e família. Fazemos nossa cama. E parece indigno reclamar quando temos que deitar.

A poio a cabeça no muro e luto para manter os olhos abertos. As estrelas lá no alto ficam borradas e se juntam... tornando-se um raio de luz, a luz do sol, de onde Hazel sai, com folhas no cabelo, dizendo: “Não foi uma piada engraçada? Eu morri por você e agora você está desistindo”.

— Allyson? – A voz de Jason faz eu levantar a cabeça e pular em seus braços, mas eles não me envolvem.

— Graças a Deus você está bem, ela te machucou? Vem, vamos embora daqui.

— Não – Ele suspirou – Eu não vou com você, Allyson.

— O que? Não, nós vamos conseguir escapar, vamos embora juntos, não vou te soltar de novo – Digo.

Não sei se acredito ou não nisso. Ele aperta de leve a minha mão, o que me surpreende, então se afasta.

— Eu vou com ela.

— Ela usou Persuasão em você? – Conecto meus olhos com os seus.

— Não. Eu quero ir por contra própria.

Não entendo como tudo muda, como as camadas de vida vão sendo enterradas. Impossível. Em algum momento, em alguma hora, todos devemos explodir.

Em alguma parte do meu cérebro, provavelmente a parte sensata que parecia ter desaparecido no momento, sabia que eu deveria desistir e ir embora de uma vez, preservar o que restou da minha dignidade. Em vez disso, abracei a cintura dele com força e colei o rosto em seu peito. Definitivamente não era a razão que estava no comando do meu cérebro, era o desespero, e mesmo sabendo que desespero não era atraente, não consegui me controlar.

Jason suspirou e soltou um pouco de ar, o que me permitiu apertar ainda mais o abraço. Não é assim que as jiboias matam suas presas? Mas nem esse pensamento me fez soltá-lo.

Eu soluçava demais, mas não conseguia parar.

— Preciso ir, vá embora daqui, Allyson, o mais longe que der. Mesmo que eu quisesse me desculpar, você não me ouviria. Então vou deixar para quando nos vermos de novo.

— Olha o que você tá fazendo comigo, Jason, pelo amor de Deus, eu já perdi tudo! Você mentiu para mim, disse que seria para sempre. Por favor, não me deixe.

— Acho que não tenho escolha. Eu te amo, Flor, mais do que achei ser possível amar alguém.

— Então não vá, nós podemos dar um jeito.

— Allyson, eu quero ir – Ele conseguiu se desvencilhar de mim – Tchau.

Queria poder correr quando ele começou a se afastar, mas não consegui, em vez disso observei o amor da minha me deixando para ficar com outra que tinha a minha cara. Tive medo de explodir de novo, mas só o que me restou foi o vazio.

Passei a mão no nariz para tentar limpar um pouco do meu choro desesperado. Respirei fundo algumas vezes antes de começar a andar até o dormitório de David. É uma caminhada longa, então pude aproveitar para colocar os pensamentos em ordem.

Quando cheguei, ele estava de braços cruzados encostado no carro. Não disse nada, apenas abri a porta do passageiro e entrei colocando o cinto.

— Fiquei sabendo sobre o que aconteceu no dormitório, mas pode me explicar? – Ele ligou o carro.

— Ela pegou o Jason e me ameaçou – Foi só o que eu disse, então me virei para a janela enquanto ele manobrava e seguia o caminho para a minha casa.

Peguei a chave reserva que tinha dado ao David e entramos sem fazer o menor barulho, a essa altura eu já tinha perdido meus saltos. Cheguei no quarto e peguei a mochila que usava no ensino médio, coloquei algumas coisas que eu precisaria e fui em direção ao guarda-roupa. Quase chorei de novo quando vi as coroas. “Você merece uma dessas aqui de verdade, não pode deixar que alguém te trate como menos que realeza”, foi o que ele me disse quando as viu.

— Espera, onde você vai? – David perguntou segurando meu braço.

— Eu não posso, David, eu... não posso pensar no fato de que Jason e eu... meu Deus, ou que a gente perdeu mais um amigo, não dá – Quero gritar quando tento abrir uma gaveta e ela emperra, então esperneio como uma criança mimada – Eu não posso pensar em nada disso.

— Tudo bem, vem comigo.

— Ainda não acabei – Suspirei e peguei o passaporte que a vadia me deu e jogo na mochila também. Depois coloco as mãos na cintura e limpo as lágrimas com força – Preciso ir embora.

Peguei uma calça jeans e uma camiseta. Não me importei se David estava olhando, tirei o vestido ali mesmo e vesti as outras roupas. Acho que é isso que significa não sentir mais nada.

— Já acabou? – Ele perguntou com vergonha.

— Vamos.

Descemos as escadas e voltamos para sua picape antiga. Lembro do dia em que eu o ajudei a escolhê-la numa mecânica em East Bay.

— Pra onde?

— Holland – Cruzei os braços por cima da mochila.

— Eu estava bem aqui testando o som quando Hazel chegou com sua carta nas mãos, eu conseguia ver que ela estava triste, mas estão percebi que estava triste por mim, embora tenha dito que tudo ia ficar bem — Ele começa um discurso e confesso que não estava com saco para aquilo agora, mas o deixei continuar — Achei que tinha chegado ao fundo do poço aquele dia. Depois de tudo o que tinha acontecido entre a gente, eu não queria sentir mais nada. Mas aprendi que uma coisa tem que ser destruída para dar lugar a algo melhor, e alguém me disse que tudo bem ter sentimentos, por mais que doessem. Que as emoções é que nos tornam humanos, bons ou maus, e a não perder as esperanças.

— Quem te deu esse conselho péssimo? – O imito como no dia em que fui visita-lo no trabalho.

— Uma garota aí que eu namorei – Ele faz o mesmo.

— Eu não tenho mais ninguém, David, meu Deus.

— Você ainda tem a mim, ok? Sempre terá a mim – Ele pega minha mão e o esboço de um sorriso surge em meus lábios – E se ainda quiser ir embora, tudo bem, vou respeitar sua decisão, só pensa em quem está deixando para trás, e por Deus, não me dê a missão de contar a sua mãe.

— É por causa dessas pessoas que preciso ir.

Meu celular tocou e eu o peguei no bolso da calça jeans.

— Hey – Clove diz quando atendo – Eu tenho certeza que as coisas vão começar a melhorar, pode creditar em mim dessa vez – Ela parecia animada, e isso  me quebrou – Então vem logo para a minha casa e vamos esquecer essa história do dormitório por hoje, afinal, foi um vazamento de gás, e está mais do que provado que somos azaradas.

— Que tal fazermos uma noite do pijama pelos velhos tempos? – Tento rir para disfarçar a voz de choro e limpo o nariz na manga da blusa de frio.

— Tudo bem, te amo.

— Também te amo – Respiro fundo e desligo o celular, e a única coisa que me impede de bater a cabeça no painel do carro é o cinto de segurança.

Ao chegar no bar, chamo o vampiro e vamos para o seu escritório, lá eu conto toda a história.

Conto como aquela piranha usou o baile para me encurralar, como ela usou Persuasão nos meus amigos em algum momento da semana para que se matassem se eu não cooperasse, e como Jason pareceu satisfeito em ir com ela por livre e espontânea vontade.

— Não se preocupe, eu vou te mandar para algum lugar – Ele disse abrindo algumas gavetas da sua mesa e pegando o celular – Você é uma Jaguar, vai se sair bem. Esse é o preço da imortalidade, minha querida.

Sei que ele estava tentando me animar, mas isso acabou me fazendo pensar em algo muito pior.

— Eu descobri a parte boa disso, sabe? A... promessa de que o amor pode ser eterno. E eu tive isso com o Jason, ou seja, agora por toda a eternidade eu vou ter um buraco no meu coração onde ele deveria estar – Coloquei os cotovelos na mesa e voltei a chorar.

— Você confia em mim, Ally?

— Confio – Disse sem titubear.

— Então eu estou dizendo que você vai ficar bem. Conheço umas pessoas em Chicago que podem te arrumar um apartamento. Vou continuar te mandando o estoque de sangue toda semana.

— Tá – Funguei.

Depois de acertamos tudo, tirei o chip do meu celular e o quebrei no meio. Ninguém além de Holland e David poderia saber para onde eu estava indo, e quando todo o resto percebesse que eu não os encontraria de manhã, ou até mesmo Clove, quando sua ficha caísse que eu não ia dormir na casa dela, tentaria me ligar e deixar mensagens. Mensagens nas quais eu não poderia ouvir. Tinha que desligar meus sentimentos de uma vez por todas, é como um band-aid, a melhor maneira era puxar rapidamente, para não dar tempo de sentir dor.

Ser rastreada por aquela cobra era tudo o que eu não precisava, e sabia que ela iria me caçar, nunca se deve duvidar das palavras de uma vadia, o veneno destilava fácil, mas a morte era lenta.

A loja da senhora Killegan também fica em Old Port, era onde eu e as meninas comprávamos a maioria dos nossos vestidos; quando saímos para a rua e vejo a loja já fechada, lembranças boas e passadas me invadem, como um lembrete de que eu nunca mais viria aqui de novo. Se eu pudesse imaginar que aqueles seriam os últimos dias da minha vida, ou melhor, da vida com a qual eu estava acostumada, faria alguma diferença?

Inspiro o aroma familiar de algas secas e madeira velha. A noite aqui estava tranquila, mas o vento que vem da baía e frio. Poucos barcos se balançam na água, e a rua estava vazia, exceto por um casal caminhando pela calçada, a julgar pelo modo como andavam, deviam estar bêbados.

Um vazio escapou de mim quando percebi que talvez nunca mais veria aquele mar de novo.

Holland me levaria ao aeroporto para me ajudar com o passaporte falso, a identidade e as coordenadas em Chicago. Então David ficaria para cuidar do bar e quando me virei para me despedir dele, algo me dizia que nenhum dos dois estava, de fato, preparado para isso.

— Já percebeu que sempre que você faz uma escolha, boa ou ruim, alguma pessoa sempre sofre à distância? – Ele disse ao me abraçar.

— Bom, eu deveria mudar meu sobrenome para “Azar” – Respondi sorrindo.

— Pode ser que eu nunca mais te veja, Rainha do Baile, então boa sorte, e não deixa ela te pegar.

—Não vou – Fiquei o encarando por um bom tempo, então ele percebeu o que eu queria.

— Vai usar Persuasão em mim, não vai?

— Você vai ficar bem sem mim, mas por favor, não me esqueça. Não vai falar com ninguém sobre essa noite, você sabe para onde eu vou, mas não vai falar com ninguém. Eu fiz isso por vocês, David, e nada do contrário disso é verdade mas os outros não sabem e deve continuar assim.

— Eu prometo.

Uma vez eu li sobre um fungo que cresce em árvores. O fungo começa a invadir o sistema que leva os nutrientes das raízes aos galhos, inutilizando-os um a um, dominando-os. Em pouco tempo o fungo, e apenas o fungo está carregando a água, os nutrientes e tudo o que árvore precisa para sobreviver. Ao mesmo tempo em que decompõe a árvore lentamente por dentro. Apodrecendo-a minuto por minuto.

O ódio é isso. Alimenta você e ao mesmo tempo o faz apodrecer. É um sentimento difícil, profundo e inflexível, um sistema de bloqueio. O ódio é uma torre alta, e quando entro naquele avião, começo a construir e escalá-la.

P.O.V. Clove

— Oi, é a Allyson, deixe seu recado.

— Oi, sou eu de novo. Só faz... uma semana, se eu não me engano, e todos se separaram. É como se... todo mundo fingisse que consegue superar sozinho. Você sumiu, não voltou para casa e acho que tem tanto medo de aceitar o que aconteceu que se tornou outra pessoa, se mandou para algum lugar no mundo e Holland não quer me falar onde. E se quer saber, David está se escondendo no dormitório aqui na Ballard fingindo que está tudo bem. Nick e Jake voltaram para alcateia e mal falam com a gente agora, é como se existisse uma parede invisível entre nós e eles, e ninguém está fazendo nada a respeito; fico pensando se eles estão mais felizes agora que não estamos lá para levar o caos. Ava voltou para o acampamento assim que chegou, sem dar nenhuma explicação. Kaleesa e Kyla não saem do fosso, e se aparecem por aqui, agem como se nem me conhecessem enquanto Miriel foi para Riverland. E tem eu, em um bar em East Bay, procurando um jeito de consertar isso. Perdemos dois amigos muitos próximos, eu sei, e agora o Jason. Precisamos uns dos outros, precisamos ficar juntos, Ally, ou em breve vamos virar só uma foto no anuário jogado em uma gaveta. E é por isso que eu não vou parar de te ligar, até você atender o telefone e eu ouvir a sua voz e você dizer para mim que vai me ajudar a trazer o Jason de volta e consertar tudo, porque eu não vou desistir de nós, tá bem?


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