Implicito escrita por Meizo


Capítulo 1
Não é, mas é?


Notas iniciais do capítulo

Ia sair mais cedo, mas como sempre... Imprevistos! @-@



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Já tinha uns dias que eu vinha percebendo minha irmã agindo de modo estranho. Ou melhor, meses. Quando ia para o quarto fechava a porta para que eu não bisbilhotasse, reclamava quando eu ficava muito “grudento” e na escola tinha passado a me evitar quando estava com as amigas. Contudo, naquele dia em especial, ela estava mais suspeita ainda. Sara tinha vestido umas de suas melhores roupas, passado seu batom preferido e estava toda sorrisos desde que acordara. Foi inevitável ficar com uma pulga atrás da orelha.

— Para onde vai? — perguntei quando ela já estava de saída.

— Pra onde não é do seu interesse. — disse e saiu sem se preocupar com meu queixo caído.

A resposta com tamanha rudeza me pegou desprevenido, mas não foi o suficiente para me deixar fora do ar por muito tempo. Calcei um par de sapatos qualquer, enfiei a carteira e as chaves de casa no bolso e parti atrás de Sara. Confiando plenamente em minha capacidade de stalkear, segui-a até a frente do grande parque de diversões da cidade. Ali Sara parou esperando junto a fonte que ficava logo à frente da entrada do parque. Pelo modo como olhava de tempos em tempos para o relógio de pulso, logo conclui que aquele era o ponto de encontro.

Mas quem ela estaria esperando?

Escondi-me atrás de um carrinho de pipoca – não ligando para o olhar torto que recebi do vendedor – e fiquei esperando aparecer a tal pessoa que vinha fazendo-a distanciar-se de mim, com milhões de teorias brotando na minha cabeça. Uma das teorias que mais me irritava envolvia um certo jovem petulante chamado Emil Nekola. Rangi os dentes só de lembrar dos boatos que ouvia desde a época do colégio sobre ele gostar de um dos Crispino.

Oh, eu não o deixaria tocar num fio sequer do cabelo de minha preciosa irmãzinha. Tantos anos a protegendo para deixa-la cair nas mãos daquele traste? Não mesmo!

Por isso, por mais que estivesse sofrendo com aquele dia quente e por ter que ficar agachado (afinal essa não era uma das posições mais confortáveis para se ficar por tanto tempo) para me esconder melhor atrás do carrinho de pipoca, resisti firme esperando a oportunidade de salvar Sara das garras de Emil.

— O que está olhando tanto, Mickey? — a voz de Emil soou bem ao meu lado, quase me causando uma parada cardíaca. — É alguma brincadeira? Esconde-esconde, talvez?

Olhei para ele de olhos arregalados, vendo Emil agachado ao meu lado tentando achar o que eu tanto observava segundos atrás. Mas o que...?

— O que você está fazendo aqui, idiota?! Não era para você estar ali?! — apontei para onde minha irmã permanecia esperando por alguém.

Emil franziu as sobrancelhas, avistando Sara.

— Hm? E porque eu deveria estar ali?

Fez cara de confuso. Mas era muita cara de pau esse Nekola!

— Talvez porque você tem um encontro marcado com Sara?!

Emil ficou com uma expressão ainda mais confusa.

— Mas eu não tenho nada marcado com ela. Não vejo ela faz mais de mês.

— E o que faz aqui então?!

Ele sorriu pra mim.

— Estava passeando, aí te vi e vim cumprimentar. Oi, Mickey.

Revirei os olhos. Sério isso? Não sabia nem porque tentava manter uma conversa com aquela criatura. Na minha lista mental de possíveis corruptores de Sara, risquei o nome de Emil. Ele era idiota demais para ser capaz disso.

 Desistindo de me importar com a presença dele ali, voltei a atenção para o lugar na ponte e me surpreendi um pouco ao ver Sara conversando com Mila. Coloquei a mão no queixo. Então tudo não passava de um encontro de amigas? Senti-me meio bobo por ter se desconfiado tanto.

— Ah, elas estão entrando no parque. Soube que instalaram atrações novas. — informou Emil, mas eu não liguei muito. Estava ocupado demais com novas suposições.

Afinal, se Sara apenas vinha ao parque passear com a amiga, porque ela negou-se a me responder mais cedo? E se, na verdade, a presença de Mila ali fosse apenas para mascarar o encontro com outra pessoa? Louco com a ideia de Sara se encontrando com alguém desconhecido, não consegui refrear minhas ações a seguir. Agarrando um dos pulsos de Emil, o arrastei para comprar duas entradas.

— Vamos vigiá-las. — disse firme, sem deixar Emil ter chance de opinar.

Ingressos pagos e marcas carimbadas nas costas da mão, logo estávamos a procura da garota de olhos idênticos aos meus. Tendo o cuidado de sempre manter uma distância segura, as acompanhamos ao longo de duas longas filas para brinquedos. Depois do terceiro brinquedo, que foi a famosa montanha russa dali, precisamos fazer uma pausa visto que fiquei enjoado demais para continuar seguindo elas no mesmo ritmo.

— Tome. — Emil estendeu uma garrafinha d’água que tinha acabado de comprar e se acomodou ao meu lado. — Fazia tempo que eu não gritava tanto assim. É revigorante!

Olhei feio pra ele.

— Revigorante o caramba. Esse brinquedo é demoníaco, isso sim! — tomei um longo gole da água, logo passando o restante de volta a Emil.

— Não vai querer mais?

Fiz que não com a cabeça, então Emil bebeu o resto de líquido na garrafa. O pensamento de aquilo ter sido um beijo indireto de repente cruzou meus pensamentos, mas me belisquei pra não me distrair. Eu tinha um objetivo e não restava tempo pra tolices.

Com o mal-estar relativamente diminuído, prosseguimos a perseguição. Contudo, como tínhamos parado para dar uma pausa mais longa, acabamos demorando um pouco para encontra-las. Andamos a esmo pelo parque que estava bem cheio naquele dia e até deu tempo de pararmos para comer um cachorro-quente antes de eu avistar a cabeleira ruiva de Mila próximo aos carrinhos de bate-bate.

Até esse momento eu vinha me sentindo aliviado por não ter aparecido garoto algum para incomodar minha irmã, mas ao ver certas cenas a pulga voltou a ficar inquieta atrás da minha orelha. As vezes tinha a impressão de que elas davam as mãos por mais tempo do que seria considerado o habitual entre elas. Também achava ter visto um ou dois sussurros dados por Mila e que fizeram Sara corar visivelmente apesar de ter a pele mais escura.

Agora mesmo eu achava ter visto Mila dar um beijo perto demais da boca de Sara, mas não deu pra ter certeza já que um grupo de pré-adolescentes passou bem no meio do caminho.

Teria sido apenas impressão?

— Quer o azul ou o roxo? — Emil apareceu na minha frente segurando dois palitos com algodão doce.

— O roxo.

Emil entregou o escolhido por mim e me distraí por alguns segundos ao saborear a guloseima que era puro açúcar. Eu nem era tão fã assim de doces, mas andar estava me dando uma fome enorme. Quando me lembrei da questão que cercava minha mente anteriormente já era tarde. Mila e Sara tinham desaparecido da minha vista outra vez.

— Argh. Porque hoje tinha que estar tão cheio?

— Talvez por hoje ser feriado?

Franzi o cenho. Não fazia a menor ideia de qual era o feriado, mas não me importei com isso.

— Vamos. Temos que encontrá-las. — falei, me levantando. Mas percebendo que Emil não seguia meus passos, parei e virei para ele. — O que foi?

Emil coçou a nuca, depois apontando para uma máquina de pegar bichinhos de pelúcia ali perto.

— Ah, é que eu quero tentar pegar um daqueles.

Uma bufada incrédula me escapou, pois achei risível um homem daquele tamanho querendo pegar bichinhos de pelúcia. No entanto, esses comentários ficaram apenas na minha cabeça. Nem eu sabia porque achei melhor não debochar dele, mas também não perdi muito tempo pensando nisso. Dando de ombros, o acompanhei até a máquina e fiquei quieto enquanto assistia um Emil empenhadíssimo mover o joystick. Porém depois de Emil falhar mais de cinco vezes e não parecer disposto a se render a máquina, eu o empurrei e tomei seu lugar.

— Nesse ritmo vamos passar o resto do dia aqui... Deixa que eu faço isso pra você.

— Ah... Tá bom... — Emil fez uma ligeira cara de decepção, mas foi tão rápido que achei ter sido coisa da minha cabeça.

Coloquei o dinheiro na máquina e mexi a garra na direção de um bichinho qualquer. Porém, acabei o deixando cair antes da hora. Certo, eu estava um pouco sem prática. Fazia quanto tempo desde a última que eu pegara um daqueles bichinhos pra Sara? Alonguei os braços rapidamente e tentei de novo. Dessa vez consegui sem muito esforço, me virando sorridente para Emil com o bicho de pelúcia em mãos.

Só então percebi que tinha pegado inconscientemente um lobinho roxo porque era minha cor favorita. Hm. Devia ter perguntado antes qual ele queria, mas agora era tarde.

— Aqui. — ele pegou sem pensar duas vezes.

— Nossa, você é bom!

Por algum motivo me senti um pouco constrangido com todo o fascínio que ele me dedicava. E nem era uma dessas habilidades da qual as pessoas costumam se gabar por aí... A cada dia eu ficava mais convicto que Emil tinha uns parafusos a menos.

— Não é nada demais. Vamos indo. — apressei o passo pra não ter que precisar encara-lo com aquele sorriso bobo na cara.

Outra vez ficamos zanzando por quase meia hora no meio de casais sorridentes e pré-adolescentes barulhentos. Aliás, porque tinha tantos casais ali?

— Hm, que tal tentarmos na casa mal-assombrada?

Rejeitei a sugestão com um gesto de mão.

— Sara acha esse tipo de coisa muito fraco. Ela gosta dos que são emocionantes.

— Oh, ela é como eu então!

Encarei-o descrente. Eles não se pareciam em nada. E ia lhe dizer isso quando vi pelo canto do olho dois contornos familiares. Quando me virei na direção deles percebi que Sara e Mila estavam na fila para a roda gigante. Apertei os olhos não acreditando no que eu estava vendo. Esse era um dos brinquedos que Sara mais odiava, então porque raios estavam indo pra ele?

— Porquê não esquecemos um pouco delas e vamos em outras atrações do parque? — sugeriu Emil aparentando certa ansiedade.

Ignorei sua sugestão tola e corri para alcançar a fileira que já estava entrando nas cabines. Como imaginava, ele me seguiu de perto embora estivesse obviamente insatisfeito. Ficamos logo na cabine após a que elas estavam e pra isso foi preciso furar, discretamente, a fila. (Nenhum dos moleques na fila ousaram reclamar quando os olhei feio.)

Espiei a cabine da frente quando a roda gigante começou a girar e vi que as duas estavam sentadas lado a lado, de costas para a nossa cabine. Elas não estavam perto demais? Mordi o lábio querendo poder me materializar no meio delas, só pra acalmar minha paranoia.

Emil soltou um suspiro audível e olhei pra ele.

— O que foi?

Emil ajeitou o lobo no colo, cruzado as mãos em cima dele. Não parecia estar muito afim de me responder, mas mesmo assim me olhou firme nos olhos. Havia uma seriedade nas íris azuis que estranhei. Emil tinha perdido o ar divertido que vinha carregando desde que entramos no parque.

— Você não acha que está na hora de deixar sua irmã viver em paz? Ela já não é uma criança que precise do irmão mais velho a defendendo o tempo todo. Sara já sabe tomar as próprias decisões, Michele.

A ausência do “Mickey” na frase me deu um certo incômodo, que preferi ignorar.

— Do que está falando?

— Você já deve ter percebido. — volveu sério, olhando para além de mim.

Quando olhei para a cabine da frente pude ver Mila e Sara se beijando – apenas um leve selinho – e no susto me afastei de onde estava, sentando-me completamente consternado do lado de Emil. Arregalei os olhos sentindo-me sem chão. Então todos as impressões que eu tinha tido ao longo do dia tinham sido reais!

— Ela é... lésbica? — não pude evitar a pergunta de sair e ao verbaliza-la o sentimento de traição se intensificou dentro de mim. — Mas ela nunca me contou isso!

Outro suspiro escapou de Emil.

— E você também sabe o porquê disso.

Engoli em seco.

Sim, eu sabia.

Tinha me habituado a protege-la de tudo e todos quando éramos crianças e tentei manter esse comportamento mesmo depois de crescermos. Eu me sentia importante, indispensável. Ela era minha metade da laranja, assim como eu era a dela. Contudo, como é natural entre irmãos, ela começou a buscar independência e eu não consegui lidar bem com isso. Ela era o centro da minha vida, estávamos juntos desde que nascemos! O que eu poderia fazer sozinho?

Grunhi sentindo os olhos arderem. Eu tinha afastado Sara ao ponto dela não me contar mais sobre coisas importantes. Ela estava seguindo em frente sem mim e eu agora estava vazio.

— Você só tem que se encontrar, Mickey. Vocês são irmãos gêmeos, mas cada um é cada um. — comentou Emil como se soubesse tudo o que se passava na minha cabeça. E dessa vez ele usou meu apelido. Confesso que meu coração deu um descompasso irritante. — Aliás, o nosso encontro hoje foi bem divertido.

— O quê?! Isso não foi um encontro! — fiz questão de afirmar, mas sinto que não soei tão sério quanto gostaria. Principalmente porque senti o rosto em brasa.

Ele sorriu pra mim e saiu da cabine assim que a portinhola foi aberta por um funcionário. As voltas na roda gigante já tinham terminado e eu nem percebi elas acontecerem. Acabei saindo logo após, preparado para continuar enfatizando que aquilo não era um encontro quando me deparei com uma Sara me encarando furiosa.

Fui descoberto.

*

Sara disse que conversaríamos em casa, mas que, por hora, era melhor eu desaparecer da frente dela. E foi assim que acabei dividindo um táxi com Emil.

O trajeto até minha casa foi silencioso, mas não totalmente desagradável. Eu só estava um pouco sem graça pela cena que tive com Sara e preferi me abster de comentários. Na hora da despedida, entreguei umas notas para Emil pagar ao taxista e fiquei encarando ele por uns segundos. Até cogitei a possibilidade de agradecer a companhia dele durante o dia, mas acabei me irritando com o sorrisinho besta que ele ostentava e desisti. Dei as costas para ir embora.

— Mickey, espera! — Emil chamou acenando da janela do táxi. Dei meu melhor olhar de desinteresse. — Pensa rápido! — disse e jogou algo pra mim.

Claro que consegui pegar no ar e ao ver que era o lobo de mais cedo, fiquei sem entender. Depois de todo o esforço pra conseguir pegá-lo ele simplesmente se desfazia do bicho de pelúcia?

— Na verdade ele era pra você. Tentei parecer legal pegando um brinde daquelas máquinas, mas acabou que você era bem melhor que eu. — deu um risinho desanimado. — De qualquer modo, é seu.

Continuei sem entender e como eu não respondi, ele continuou.

— E, bem, costuma-se ter um encontro depois que acontece a declaração, mas como a gente sempre faz tudo ao contrário... — limpou a garganta, me dando outro olhar sério similar ao da roda gigante. Prendi a respiração sem perceber. — Eu estou apaixonado por você desde que jogou aquele copo de suco em mim por achar que eu estava dando em cima da sua irmã. E, sim, eu quero sair com você. Pense com carinho na minha proposta, viu? Ah, e feliz dia dos namorados! Agora pisa fundo, motorista! — gritou e logo o táxi tinha entrado em movimento.

Pisquei aturdido, sentindo o coração acelerado como se tivesse corrido uma maratona e meu rosto quente como o inferno.

— NÃO FOI UM MALDITO ENCONTRO! — gritei em resposta assim que a alma voltou pro meu corpo, mas duvido muito que ele tenha ouvido. Afinal, o táxi já tinha virado a esquina.

Tive vontade de jogar o infeliz lobo no chão e deixa-lo a mercê da chuva e do sol. Contudo, apesar de erguer o braço para jogá-lo, algo em mim me impediu de completar o movimento. Resmungando coisas que nem eu entendia, apertei firme o bicho de pelúcia e marchei pra dentro de casa.

Infelizmente (ou felizmente) tinha muito o que pensar.

 

 


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Notas finais do capítulo

E é isso~



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