50 Tons de Mentiras escrita por Carolina Muniz


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

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♥ Capítulo 1 ♥

"Então, eu acho que somos quem somos por várias razões. E talvez nunca conheçamos a maior parte delas."

— As Vantagens de Ser Invisível

➰➰➰

— Anastasia, não corra! - Elena murmurou, os dentes trincados, um tom baixo e cadenciado, apenas para que a filha escutasse.

A família Lincoln estava na casa dos Grey, era a festa anual para arrecadar fundos para a caridade Superando Juntos. Grace e Elena eram amigas desde que a família Grey havia se mudado de Los Angeles para Seattle, há anos.

Anastasia, filha de Elena, e Mia, a mais nova de Grace, não paravam um segundo. Duas crianças hiperativas e entediadas com aquela festa de gente com nariz em pé, como falava Mia. Não era bem culpa de Ana, fora Mia quem havia puxado seu cabelo, criando assim uma guerrinha entre as duas de forma a fazer uma correr da outra.

Porém, ao ouvir o aviso implícito da mãe, Ana parou ao lado do pai, Linc, ofegante e receosa.

Ela não admitiria para ninguém ali, mas tinha medo de sua mãe. Não que Elena fosse má, mas... Ana não sabia explicar. Sua mãe era... Diferente? Ela não era muito gentil, mas fazia tudo que a filha queria; não era atenciosa, mas sempre a levava em todos os lugares que a menina desejava; não era amorosa, mas dava todos os brinquedos e roupas da moda. Por isso Ana não conseguia explicar: sua mãe era um paradoxo.

Elena pediu licença a Grace e pegou Ana pela mão, levando-a em direção ao toalete do primeiro andar da casa, que ficava no corredor perto das escadas.

— Está vendo o que fez com o cabelo? - Elena se irritou, fechando a porta do recinto e soltando a mão da menina.

— Desculpe, mamãe - Ana disse, a voz meiga e delicada.

Elena suspirou.

— Venha até aqui - chamou a garota, virando-a de costas.

Ana havia acabado de fazer treze anos, mas era alta para sua idade e um pouco infantil também. Mesmo sua mãe com aquele salto altíssimo, a menina ficava apenas uma cabeça mais baixa.

— Ah, meu Deus, Anastasia, olha o seu vestido, todo amarrotado - Elena falava enquanto desprendia os grampos do cabelo da menina.

A garota ficou parada, quieta feito uma estátua enquanto sua mãe a arrumava. Ela não gostava de contrariar a mulher, muito menos irritá-la. Na verdade, nem sabia o porquê de sua mãe estar tão irritada de repente. Talvez seus pais tenham discutido e ela não viu. O que era raro: ela sempre sabia quando os pais brigavam. Eles não eram muito silenciosos na hora de gritar um com o outro. Mas isso era outra coisa, na frente dos outros, eles pareciam o casal perfeito.

Ana batia lentamente os dedos no vestido, ao som da música calma que tocava no jardim da casa, onde a festa acontecia. O som dentro do banheiro fechado, ficava abafado e longínquo, mas ela sabia identificar a sinfonia. Ela havia aprendido a tocar aquela música com Christian, o filho do meio dos Grey.

Christian...

Ele era bonito, muito bonito. Ana não conseguia parar de olhar para aquele cabelo revolto dele, ao qual ele não parava de mexer sempre que ela chegava com seus pais, como se ele ficasse nervoso. Mas Ana não se importava, achava que ele ficava mais bonito ainda mexendo no cabelo, deixando-o mais bagunçado a cada minuto. Aquele gesto até combinava com ele. E ele era talentoso também com o piano, e muito inteligente. Ana às vezes ficava com vergonha quando não entendia sobre algo que já havia lhe explicado duas vezes quando ele lhe dava aulas de reforço de matemática.

As aulas de reforço!

Havia ficado duas semanas inteiras de castigo após seu pai ver seu boletim com um F em matemática e um D- em álgebra.

E não houve escapatória nem para celular.

O que ela podia fazer? Era como se aquelas provas estivessem em chinês para ela.

Mas finalmente havia acabado, e ela havia recuperado seu boletim impecável depois de seu pai ter praticamente exigido que o antigo fosse apagado do sistema. Ana sabia que aquilo era errado, não se deve apagar um boletim, mas quando havia comentado com Christian sobre aquilo, ele apenas disse que era normal, ela estava ganhando uma segunda chance. E ela acatou aquela resposta, afinal, era Christian quem dizia, e ele nunca mentiria para ela.

Chegava a ser engraçado e constrangedor o jeito que Ana meio que idolatrava o garoto sem pudor algum, mas ela era uma garota entrando na adolescência, nem sabia como se portar perto de garotos bonitos, imagine perto de Christian Grey.

A garota sabia que ela se sentir daquele jeito, era porque estava possivelmente nutrindo uma paixão por ele.

Suspirou contente com aquela revelação de si mesma.

Precisava contar para Mia logo.

— Pronto - sua mãe disse, levantando-se após ajeitar seu vestido.

Ana se apressou a olhar a si mesma no espelho e sorriu para a mãe. Seus longos cabelos negros naquela noite estavam com ondas até sua cintura; seus olhos vividamente azuis se destacavam sobre a pele clara e sardas - que todo mundo achava fofo, menos ela - de seu rosto; o vestido azul dava contraste também, junto com as pedras de diamante no cinto prateado, assim como em sua sapatilha.

Olhou para a mãe novamente e lhe lançou um sorriso com direito a dentes a mostra e covinhas.

Elena piscou para a garota e a pegou pela mão novamente, guiando-a para fora do banheiro.

Ana deu alguns passou pelo corredor e olhou para trás, para ver se sua mãe vinha também, e quando voltou o olhar para frente quase bateu no corpo de alguém, que a segurou pelos ombros antes do contato que com certeza a faria ter um nariz doendo.

A menina olhou para cima e encarou de baixo os olhos cinzentos e nada reveladores que estava acostumada a ver no mesmo. Seu coração parou, deu um baque profundo e voltou a bater, dessa vez freneticamente.

Christian.

— Tudo bem? - ele perguntou.

Ana abriu a boca para dizer um pedido de desculpa, porém, sua mãe foi mais rápida.

— Ah, Christian, perdoe Ana, ela está totalmente aérea hoje.

A menina sorriu pequeno para o homem a sua frente.

Não era só aquela que ela estava aérea, Ana nasceu aérea!

E todos os três ali sabiam daquilo.

Christian deu um passo para trás, dando espaço para as duas passarem, sorrindo torto para Ana.

— Tudo bem - ele disse, dando de ombros.

A menina ainda o encarava, sem dizer uma palavra, e o silêncio e a situação, totalmente inocente para a mesma, se tornou desconfortável.

— Vamos - Elena disse, colocando uma mão sobre os cabelos de Ana, descendo-a até as costas da garota e a empurrando discretamente para que recomeçasse a andar.

Ela desviou o olhar para o chão quando percebeu que encarava fixo os olhos de Christian e voltou a andar em direção ao jardim, dessa vez sem olhar para trás para ver se sua mãe vinha também. Provavelmente, foi uma boa ideia, assim ela perdeu a troca de olhares, significante para qualquer um que olhasse, entre Christian e Elena.

— Mia - Ana chamou a filha mais nova dos Grey, que comia sem parar as trufas de chocolate em seu prato, num canto afastado do jardim, sentada numa pedra.

— Oi, Ana - Mia falou, levantando a cabeça do prato e olhando nos olhos azuis da menina. - O que houve? - perguntou, quando percebeu que a amiga ofegava.

— Nada, é que eu andei rápido - Ana respondeu, olhando diretamente para as trufas.

Ela amava chocolate, mas aparentemente ele engordava, e fora proibida de comer. Sua mãe não gostava quando ela comia coisas que engordava.

Era uma droga crescer, Ana não tinha que se preocupar com aquelas coisas antes, mas foi só fazer onze anos que de repente tinha até que passar maquiagem para ir para escola. Ela não dizia nada, mas era uma pressão e tanto tudo aquilo. Ela não via Grace falando aquelas coisas para Mia, a garota comia de tudo e a mãe a empurrava mais para comer, e a Sra. Grey era médica. Enquanto Elena apenas ficava mandando Ana parar de comer quando a garota ainda estava com fome, sem contar naquela droga de esteira que teve de começar a fazer há alguns meses depois de sua mãe constatar que ela "uma garota gorda demais para a própria idade". E então nos últimos dias ela até começou a se ver dizendo não para as "comidas que engordam" por não querer engordar mesmo, mais do que para não contrariar a própria mãe.

— Você quer? – Mia ofereceu suas trufas.

Ana balançou a cabeça com pesar e se sentou ao lado da menina na pedra. Realmente não queria engordar.

— Eu acho que estou apaixonada – declarou sem rodeios.

— Apaixonada? Pelas trufas? – Mia questionou.

Ana deu uma risadinha ao perceber a boa da amiga suja de chocolate já derretido.

— Pelo seu irmão - revelou de uma vez, pegando um dos guardanapos para ajudar Mia na limpeza do próprio rosto.

— Pelo Elliot? Como assim? Ele vivi te perturbando.

— Não o Elliot - Ana revirou os olhos. – Mia, presta atenção no que estou falando.

O Elliot era o irmão mais velho de Mia e Christian, ele era o cara mais chato do mundo, vivia perturbando-a e irritando-a até que ela gritasse com ele, e aí só piorava nas brincadeiras. Ela até gostava dele, mas com certeza não era apaixonada por ele.

Ew!

Sem contar, que Mia já deveria ter desconfiado sobre Ana gostar de Christian, a garota estava elogiando-o – não na frente dele, claro, somente para Mia.

— Espera, se não é o Elliot, é o Christian - Mia falou, finalmente largando o prato ao lado da enorme pedra.

— É - Ana suspirou.

— Como isso aconteceu?

— Não sei – suspirou.

— Tudo bem que o meu irmão é o maior gato, mas... Na verdade, nem sei o que te dizer.

— Eu também não sei o que te dizer. Sei lá, só aconteceu. Ele é legal comigo, e é sempre gentil, e nós passamos aquelas muitas horas por dia juntos quando ele me deu aula de matemática.

— É, você só falava dele o tempo todo.

O rosto de Ana corou.

— Acho estranho, foi mal – admitiu a Grey.

Ana franziu o cenho.

— Por que? Eu sei que ele é mais velho e tudo mais, e ele já está prestes a ir para a faculdade, e não é como se eu estivesse dizendo que vamos ficar juntos e tal...

— Ei, ei, calma! Eu só acho estranho porque ele é meu irmão, e meio que nós somos irmãs também, aí é como se ele fosse seu irmão também.

Ana gargalhou.

— Que horror, Mia! Isso não tem nada a ver, Deus me livre. Imagina se fosse assim, aí o Elliot seria meu irmão também. Que pesadelo!

As duas riram alto.

Elliot era realmente o pesadelo de Ana.

As duas ainda estavam rindo depois de um minuto inteiro, até pararam por estar sem ar.

— Então, você já disse para ele? – Mia perguntou, ainda recuperando o fôlego.

— Claro que não – Ana revirou os olhos. - Ficou louca? Ele mal fala comigo. Só o necessário, você sabe.

— Ah, não é pessoal. Meu irmão é assim, acho que ele não gosta muito de pessoas...

Mia foi interrompida pelo som da voz do maestro saindo pelos auto falantes: era hora do jantar. As duas se levantaram e cruzaram os braços uma com a outra, indo em direção às mesas.

— Onde está sua mãe? - Linc perguntou a filha, quando a mesma se sentou entre uma cadeira vazia com seu nome na mesa, e Mia, em seu respectivo lugar.

— Não sei... Ela estava comigo há alguns minutos - Ana respondeu distraidamente, olhando para seu nome escrito no cartão branco e o de sua mãe ao seu lado. - Quer saber? Vou procurá-la. Se bem conheço a mamãe, ela deve estar ao celular com alguém.

— Tudo bem, volte logo - Linc disse, quando a menina se levantou.

As pessoas ainda estavam andando até suas mesas, enquanto Ana atravessava o jardim em direção à casa principal. Estava tudo silencioso lá dentro, todos estavam lá fora, onde a festa acontecia, não havia motivos para alguém estar ali dentro.

Ela estava prestes a voltar para procurar sua mãe do lado de fora, quando ouviu um barulho abafado perto do corredor. Talvez fosse sua mãe. Caminhou devagar até lá e se virou, arregalando os olhos no mesmo segundo.

De fato, era sua mãe, porém, Ana preferia nunca ter saído da cadeira se fosse para ver o que estava vendo: Elena beijava Christian de forma possessiva, suas mãos seguravam seu rosto até delicadamente, mas seus lábios pareciam reivindicá-lo como seu. E Christian não estava nem um pouco resistindo.

Ana nunca havia visto sua mãe beijando seu pai daquele jeito, nem mesmo quando estavam fingindo ser o casal feliz para os outros.

Ela estava paralisada, olhando a cena a sua frente com repulsa, raiva e puro ódio. A repulsa era óbvia: aquilo era errado, sua mãe era casada e estava beijando outro homem. A raiva foi nascendo quando percebeu o que realmente estava vendo: eles estavam se beijando com seu pai no mesmo lugar, a alguns metros de distância. O ódio foi o último a aparecer, mas nem por isso foi em menor intensidade, pois a constatação de um fato foi concluída: Christian nunca a beijaria daquela forma.

A garota estava decidida a virar as costas e sair dali, porém não viu que, inconscientemente, havia dado passos para trás, e quando se virou sua mão bateu com tudo no relógio baixo e grande, com os ponteiros de aço para fora. O relógio caiu no chão com um baque ensurdecedor, tanto que Ana só percebeu que sua mão sangrava quando sua mãe exclamou.

A dor foi fina e horrível. Ela colocou a mão no peito e fechou os olhos com força, o sangue manchando todo o azul límpido do vestido.

— Ana, me deixa ver – Christian, após se livrar do choque, se ajoelhou a sua frente e tocou sua mão.

A garota abriu os olhos, injetados de ódio e lágrimas que já escorriam sem parar por seu rosto, se afastando dele.

— Não toca em mim - ela disse, e encarou sua mãe quando a mesma tentou se aproximar. - Nem você! Nenhum de vocês dois! Eu quero vocês longe de mim!

— Ana, você está machucada - Christian falou, mantendo uma calma impressionante com a menina.

— Anastasia, você está sangrando - Elena se irritou.

— Você não pareceu dar a mínima para mim quando estavam se agarrando - ela disse com dificuldade, prensando mais a mão contra o corpo. - Ai, que ódio! - gritou.

Ela dava mais passou para trás, até bater na parede e encostar a cabeça na mesma, tentando esquecer-se da dor. Não iria deixá-los tocar nela. Não mesmo. Sentia repulsa só de imaginar eles se aproximando dela depois de fazer aquela coisa nojenta.

— Ana, por favor, deixa eu ver sua mão – ele pediu novamente.

O tom era tão gentil, a voz suave, como ela estava acostumada a ter redirecionada a ela quando o mesmo lhe falava, mas naquele momento ela só sentia mais raiva por aquilo.

A garota abriu os olhos devagar, embaçado pelas lágrimas, ainda tem o ódio como a questão central no azul ainda mais claro de sua íris. Lentamente ela desencostou o braço do peito, fechando os olhos imediatamente pela dor latejante que sentia. A essa altura, até o chão já estava manchado de sangue, e ela tentou não pensar no quão profundo precisava ser para pingar.

— Está muito fundo, precisa de pontos – Christian falou.

Elena bufou irritada.

— Ótimo, seu pai vai me matar agora – ela vociferou.

Ana a encarou.

Ela era a culpada? Sua mãe beijava outro, e ela era a culpada por se machucar acidentalmente?

— Para, está doendo – ela pediu quando ele pressionou para ver se não havia ficado nenhum caco do ponteiro em seu braço.

— Deus, Ana será que você não podia ter olhado para a droga do relógio? O que eu faço com você agora?

Sua mãe apenas continuava irritada.

Uma vez, Mia havia caído do balanço no jardim, enquanto Ana estava empurrando-a, elas tinham onze e dez anos na época, Ana se sentiu extremamente culpada, pedia desculpas o tempo todo enquanto Grace fazia um curativo no joelho e um no cotovelo da menina. Ela pedia desculpas porque sentia que havia feito algo errado, e mesmo que Grace e Mia ficavam dizendo que não havia sido culpa dela, ela havia machucado alguém então aquilo era a resposta de que sim, havia feito algo errado. Mas o que ela mais se lembrava daquele dia era que quando chegou em casa, e contou para sua mãe o que houve, Elena apenas disse que estava tudo bem, que aquelas coisas aconteciam o tempo todo, Mia se machucou, mas logo iria sarar e Ana poderia empurrá-la no balanço de novo. Naquele dia, Ana decidiu que era uma pessoa boa, porque ela sabia que machucar alguém era errado, e mesmo que não tenha sido intencional, ela tomaria mais cuidado na hora de empurrar Mia no balanço a partir daquele dia.

Quantas vezes sua mãe havia beijado outro homem que não fosse seu pai durante os últimos anos? Ela sabia que aquilo poderia machucar?

E ali, Ana havia se machucado, e ela não se importava em dizer que tomaria mais cuidado com a filha.

Cada mãe é diferente. Ana sabia daquilo, ela vivia aquilo drasticamente desde que se entende por gente. Era momentos como aquele que mostrava a diferença quase trágica que existia entre Elena e Grace quando a Sra. Grey entrou no corredor de repente.

— Ana, o que houve? - Grace perguntou, andando apressada até onde os três estavam.

A mulher havia escutado o grito da menina enquanto caminhava em direção a casa para resolver algo com os cozinheiros.

— Não foi nada de mais, ela só se machucou. Não viu o relógio, e acabou batendo com a mão nele - Elena se apressou em explicar à Grace, logo depois dando um olhar semicerrado para a filha.

— Ela precisa de pontos – Christian falou.

Grace arregalou os olhos quando o filho saiu da frente da menina.

— Ah, meu Deus, está sangrando muito. Filho, pegue ela e a leve para um dos quartos, vou pegar meu kit de primeiros socorros. Vamos precisar dar pelo menos uns quatro pontos nisso - ela disse apressada, logo saindo, sem esperar uma resposta.

Ana respirou fundo e, sem encarar qualquer um dos dois, andou em direção as escadas.

Christian, perdendo a paciência com a infantilidade da garota, a pegou no colo sobre os protestos altos da mesma.

Elena foi logo atrás, sem escolha.

Grace, sob os olhos de Linc e Elena, dava pontos na mão de Ana sem hesitar, demonstrando os vários anos de experiência em medicina.

Após o curativo, deixou Ana descansando no quarto, indo até Carrick, que acalmava a todos narrando o "acontecido" com Ana e que a mesma já estava bem, ouvindo o suspiro de alívio em uníssono assim que chegou ao jardim. Christian estava com um copo de whisky numa das mãos, bebeu de uma vez só e colocou o copo com força na mesa.

— Você não tem idade para isso - Grace disse, aproximando-se do filho.

— Isso é o que me faz beber - falou, sorrindo para a mãe. - Como ela está?

— Bem, já está tudo resolvido.

— Que bom!

— Foi um corte profundo, deixará uma cicatriz, com certeza, ela está muito feliz com isso.

Christian sorriu.

Grace suspirou.

— Não entendo como isso foi acontecer - ela disse.

No fundo, se sentia culpada, pois foi ela mesma quem decidiu colocar o relógio no corredor perto das escadas, porém ainda estava encafifada com o fato acontecido com Ana.

— Mãe, não se sinta culpada. Sabe como são as crianças - Christian disse, desviando o olhar para a baía.

— É, pois é... Mas ainda estou confusa. Como ela não viu o relógio? Ana praticamente cresceu nesta casa, sabe onde fica cada coisa.

— Ela deve ter se atrapalhado.

— Deve ter? Você não viu?

— Não.

— Mas você estava lá, querido.

— O quê? - ele perguntou, virando-se novamente para a mãe. - É que... Eu tinha acabado de chegar. Hum... Acho que vou falar com a Mia - falou, olhando para a irmã que estava sentada ao longe, admirando triste as flores. - Ela está preocupada com a Ana.

Grace sorriu.

— É, as duas são muito amigas - disse, antes de sair.

— É, muito amigas - Christian sussurrou para si mesmo, passando a mão pelo cabelo.

Ana podia até não contar para os adultos, ela podia nem entender a gravidade do que viu, mas ela contaria para Mia. E Mia contaria para Grace... seria o caos.

Enquanto isso, no quarto, Linc e Elena discutia aos sussurros pela desatenção da mulher para com sua própria filha, com Ana com seus olhos fechados, tentando esquecer a cena que viu.

Ao ouvir, finalmente que seus pais estavam brigando, abriu os olhos e os encarou. Os mesmos a encararam de volta, parando de falar automaticamente. Elena nunca se importou em brigar com o marido na frente de Ana, mas Linc se estressava sempre que percebia isso. Ele saiu do quarto, deixando as duas sozinhas, sem dizer uma única palavra.

Elena podia não ser a maternidade em pessoa, mas até que se esforçava em pelo menos não pedir que o motorista levasse a garota a todo lugar, ela mesma levava, e até buscava Ana na escola a maioria dos dias da semans. Já Linc não queria nem descobrir o que era ser pai. Ele sabia que Elena só havia engravidado para segurá-lo, a filha era uma apólice da mulher, e isso o fazia ficar irritado só de olhar para aqueles pequenos olhos azuis. Linc sabia que Ana não gostava de algumas coisas que Elena fazia, como se sentir superior aos outros por ter dinheiro, mas com alguns minutos perto daquela criança, qualquer um podia ver o caminho traçado... Igualzinho ao da mãe. A filha era a cópia fiel da mulher, no jeito, no modo de falar, nas manias, e com certeza no futuro também.

— Ana - Elena se sentou ao lado da filha, chamando sua atenção.

A garota não respondeu, apenas virou o rosto.

— Anastasia, estou falando com você - a loira insistiu, o tom de ameaça.

Elena não tinha paciência com crianças, com Ana ela até se esforçava, mas apenas uma vez, o que já era um bônus. Mas odiava quando a menina se comportava daquele jeito, odiava aquele modus operandi que a garota adquiria quando estava com raiva.

— Okay, eu vou falar apenas uma vez e é melhor você me escutar bem: não diga nada do que você viu hoje para alguém. Entendeu?

— Por que eu faria isso? - a menina questionou petulante.

— Porque eu sou sua mãe e mando em você.

Era claro que Elena já esperava aquele tipo de prepotência da menina. A garota era teimosa, mimada e respondona. Podia até ser sua culpa aquele comportamento, mas não iria admitir.

— O que você estava fazendo é errado - Ana falou.

— As pessoas fazem coisas erradas o tempo todo - Elena rebateu.

Como ela podia falar daquele jeito? Ana não entendia. Era como se fosse algo normal.

— Eu vou contar tudo para o papai - declarou.

— Não, não vai.

— Vou sim!

— Não vai nada. Se eu não eu te mando para um convento, entendeu?

— Você não pode fazer isso.

— Quer apostar? O que você acha que vai acontecer se você contar para o seu pai? Que ele vai ficar com você? Ele vai querer se livrar de você. E eu vou te mandar para a Inglaterra, para um colégio interno de freiras para você aprender a obedecer. Como vai se sentir? Vai ficar longe de todo mundo. Da sua amiguinha Mia, dos seus amigos da escola, dos seus queridos professores e de sua babá que você tanto gosta. Ah, e também vai ficar longe do Christian.

Ana mordeu o lábio, engolindo em seco com a última frase de sua mãe.

— Acha que eu não sei que você gosta dele? É claro que eu sei, você não consegue nem disfarçar. Mas que bom que não tentou nada. Afinal, o que ele iria querer com uma criança gorda?

Elena se levantou e ajeitou o vestido, olhou para o espelho na parede a cima da cama e retocou o batom nos lábios.

Ouviu passos no corredor enquanto guardava o objeto na carteira e olhou para a menina, que a encarava impassível na cama, e logo se virou para a porta. Pegou seu queixo firmemente e a fez voltar a encará-la.

— Lembre-se: Inglaterra - sussurrou antes da porta se abrir e Linc entrar por ela.

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Notas finais do capítulo

XOXO