Através de um vidro escuro escrita por Scya


Capítulo 12
Capítulo 12


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo ficou realmente muito grande e por isso foi dificil terminá-lo. Existem uma ligação direta desse capítulo com uma one-shot que eu escrevi um tempo atrás, chamada As coisas que deixamos para trás... Quem tiver interesse em saber sobre essa ligação, pode conferir no meu perfil depois ou antes de ler o capítulo. Uma boa leitura para vocês.



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Através de um vidro escuro

Capítulo 12

Por Scya

 

Desde 1998, o dia 2 de maio nunca mais seria um dia qualquer em Hogwarts. Agora em seu quinto ano na escola, Teddy já havia presenciado a data de diversas maneiras possíveis dentro daquele castelo: quando era ainda muito pequeno e acompanhava sua avó até o Memorial todos os anos, quando entrou em Hogwarts e, no seu primeiro ano, percebeu a verdadeira magnitude do evento para toda a sociedade bruxa, mas acima de tudo quando percebeu como a data também era um sinônimo de responsabilidade agora que ele, Teddy Lupin, era Monitor da Lufa-Lufa.

— Muito bem... Você tem certeza? – Teddy respirou fundo enquanto observava minucioso os itens da sua lista de afazeres. Como Monitor, Teddy desempenhava um grande papel para que o Memorial se concretizasse e satisfizesse as expectativas de todos os envolvidos. Ele e os outros Monitores e Monitores-Chefe trabalharam arduamente durante semanas para se certificar de que tudo saísse como o planejado, embora curiosamente os pequenos detalhes parecessem sair do controle nos momentos mais inesperados.

— Ninguém se lembrou de tirar os troféus e as medalhas da Sala de Troféus... O corredor das Conquistas está vazio. – Confirmava Elliot, o melhor amigo de Teddy desde o primeiro ano. Ele era o principal auxiliar de Teddy para organizar os preparativos do evento e Teddy percebia como Elliot estava se esforçando para que tudo ocorresse como deveria ser.

— Tudo bem, tudo bem... – Teddy guardou sua lista de volta nos bolsos de seu uniforme. Ele levou uma mão até a nuca para limpar o suor frio e a outra usou para bagunçar ainda mais seus cabelos azuis celestes. – Eu me lembro de ter mandado os alunos do terceiro ano limpar esses troféus semana passada... Então só precisamos tirar de lá e colocar no corredor.

— Eu posso fazer isso! - Elliot se ofereceu prontamente. Ele era pelo menos trinta centímetros mais alto do que Teddy, sendo de fato o garoto mais alto de toda a escola. Era também bastante pesado e tinha braços largos, embora nunca conseguisse encontrar utilidade para seu porte físico exagerado: Elliot era tão desajeitado quanto Teddy e muitos diziam que ele tinha um semblante sério demais e era grosseiro quando falava as coisas sem pensar. Com seus cabelos curtos e encaracolados, ele parecia apenas uma criança que cresceu demais e, como bom Lufano que era, Teddy sabia que sua fama de grosseiro e agressivo não passava de um rumor exagerado.

— Você já ajudou demais, El. Eu posso resolver isso e depois... – Teddy começou a falar, mas Elliot o cortou com um gesto rápido de sua mão que quase fez Teddy cair para trás. Algumas vezes, Elliot não tinha muita noção de sua força.

— Eu vou resolver isso e você vê o que mais está dando errado por aí. É o seu trabalho... Eu te avisei que ganhar um distintivo brilhante significava trabalho extra vinte e quatro horas por dia... – Com sua voz alta e um pouco exagerada, Elliot saiu andando sem nem deixar Teddy ter a oportunidade de responder. Apenas apontou uma última vez para o distintivo de Monitor no peito de Teddy antes de sumir pela multidão crescente de alunos curiosos até Teddy perder sua gravata apertada e seu uniforme minuciosamente abotoado de vista.

O jovem Monitor respirou fundo. Elliot sempre quis se tornar Monitor e Teddy ter sido escolhido o deixou muito magoado na época, mas como melhores amigos que eram, Elliot logo se tornou o ajudante da Monitoria de Teddy e recentemente o encorajou a convidar a outra aluna que também era Monitora da Lufa-Lufa, Anna Spinnet, para sair. Para o desespero de Teddy, ela aceitou e os dois estavam se encontrando em finais de semana alternados em Hogsmeade, embora seus encontros fossem muito mais frequentes e diários por conta dos turnos de monitoria.

Elliot era um bom rapaz. Eles se tornaram amigos em primeiro lugar porque Elliot não havia conseguido fazer nenhum amigo em Hogwarts durante o primeiro mês de aula. Na época, Teddy já havia começado a andar com Adam, que era um bruxo nascido trouxa e que precisava de muita ajuda para entender como as coisas em Hogwarts e no seu mundo funcionavam. Havia também Oliver, agora mais conhecido como Ollie, que no primeiro mês de aula estava mais empenhado em conhecer cada corredor e sala, assim como todos os professores e alunos daquele castelo do que em realmente prestar atenção nas aulas. A popularidade de Ollie as vezes incomodava Teddy, mas isso não impediu que dos dois se tornassem também melhores amigos nos anos que se seguiram.

Agora, com relação a Elliot, Teddy se lembrava da primeira vez que conversou com o garoto. Eles haviam se visto em todas as aulas e inclusive dividiam um dormitório, mas Elliot era extremamente quieto e tímido, com uma voz baixa e quase imperceptível. Os alunos das demais casas rapidamente espalharam um rumor de que Elliot era um meio gigante, por conta de sua altura avantajada em relação aos outros garotos da sua idade. Os Sonserinos que foram pegos o chamando de tal maneira ganharam uma detenção, embora muitos outros tivessem feito o mesmo e saído impune.

Aquilo deixava Teddy extremamente incomodado, assim como todos os demais alunos da Lufa-Lufa. Elliot, porém, parecia não estar se importando. Ele era imparcial e parecia sempre sério e com um olhar distante.

Foi depois do primeiro mês de aula que Teddy realmente conheceu Elliot. Ele o encontrou debaixo de uma escada durante uma tarde, chorando. A partir dai, a amizade dos dois foi crescendo gradativamente e Teddy percebeu ter muito em comum com seu amigo grandalhão, inclusive acompanhando sua evolução de um garoto tímido para um garoto com uma voz estrondosa e alta, um pouco grosseiro, mas ainda sim um bom garoto.

O jeito extremamente correto de Elliot incomodava Teddy e o jeito desarrumado de Teddy o incomodava igualmente. Teddy sempre usava a gola do uniforme erguida, os primeiros botões da camiseta desabotoados, a gravata frouxa e os cadarços de seu tênis largos demais. Com seus cabelos azuis sempre diferentes, em constante mudança, todos os dias, Teddy havia conquistado sua própria popularidade em Hogwarts e seu estilo não parecia incomodar Anna de maneira nenhuma.

Agora sentindo o peso em seus ombros diminuir, ele voltou a caminhar pelos jardins do castelo. Sabia que seria uma questão de tempo até outro aluno do primeiro ano vir procurá-lo para saber se era verdade que Harry Potter estaria aqui hoje, por isso aproveitou seu tempo para contar as cadeiras que estavam sendo enfileiradas no gramado.

Os alunos caminhavam para lá e para cá, sem se importar em esbarrar uns com os outros ou com Teddy, que gritava constantemente para que eles olhassem por onde estavam andando ou ameaçava algum aluno mais grosseiro de receber uma detenção. Ele organizou para que as cadeiras fossem alinhadas corretamente e depois foi para dentro do castelo ver como estavam os preparativos.

Muitos alunos o pararam no caminho, incluindo outros Monitores perdidos ou procurando alguma coisa. No corredor das Lembranças, Teddy ajudou os alunos quartanistas a organizarem os quadros de bruxos famosos que sempre eram homenageados durante os discursos, assim como as fotografias histórias da Batalha de Hogwarts e de todo o período histórico da ameaça de Voldemort. Ele conhecia aquelas fotos com exatidão, cada detalhe, principalmente aquelas que mostravam os rostos mais jovens de seu padrinho e de toda a família Weasley, da Armada de Dumbledore e da Ordem da Fênix onde seus pais, Remus e Tonks, sorriam em diversas fotos e eram para sempre imortalizados em retratos envelhecidos.

Ollie o cumprimentou com um sorriso e um tapinha nos ombros. “Um grande dia!” Ele dizia em voz alta para todos a sua volta, tentando alegrar e trazer boas sensações para aquela noite. Um autêntico político, como Neville sempre o descrevia, sorrindo e acenando, conversando com todos que quisessem ouvi-lo.

Passando pelo corredor das Conquistas, Teddy avistou Elliot colocando os troféus e honrarias no expositor. Ele acenou para o amigo de longe e Elliot sinalizou com o polegar que estava tudo bem, embora suor escorresse por sua testa enquanto ele, juntamente com alunos do terceiro ano, tentavam erguer os troféus mais pesados.

Entre tantos prêmios, ele reconhecia de longe os que estavam ali por conta da Batalha, os que eram prêmios políticos e os que eram relacionados com o ensino. Seu padrinho Harry enviava vários de seus próprios prêmios para a exposição todo o ano, assim como Teddy também reconhecia de longe a Ordem de Merlin póstuma de seus pais que sua avó Andrômeda guardava durante todo o ano em uma estante de vidro na sala.

Retirando sua lista de afazeres de seu bolso, Teddy conferiu os itens novamente antes de perceber que ele deveria se dirigir até a Pedra Branca para se certificar de que a decoração estivesse concluída. A Pedra Branca era um memorial que foi construído quando Hogwarts foi reconstruída após a Guerra. Tratava-se de um grandioso pilar que era muito similar a um obelisco, com seu formato quadrangular alongado. Na Pedra Branca, estavam inscritos os nomes das vítimas da Primeira e Segunda Guerra bruxa, todos lembrados de uma maneira especial e com um espaço reservado para seu reconhecimento eterno nos jardins do castelo. Teddy por muitas vezes se encontrava parado de frente para o obelisco, apenas observando os vários nomes gravados na pedra branca. Por muitas vezes, ele se flagrava observando os nomes de seus pais. E por outras várias vezes, apenas observava as inscrições na pedra, facilmente legíveis de longe: “Vocês morreram para tornar a sociedade mágica um lugar melhor. Seremos eternamente gratos a vocês.”.

Para seguir até o outro lado do castelo, Teddy precisou passar novamente pelo corredor das Lembranças, onde percebeu que seu amigo Oliver parecia distraído, observando as fotografias com um olhar sonhador. Teddy se aproximou dele sorrateiramente, do jeito que apenas melhores amigos conseguem, tendo a intenção de simplesmente surpreendê-lo com um grito repentino. Exceto que antes mesmo de Teddy se aproximar, Oliver disse em voz alta:

— Preste atenção em como cada uma desses bruxos conseguiu o seu lugar de direito na história... E use-os de exemplo. – Seu companheiro de dormitório da Lufa-Lufa se virou em direção a Teddy e esboçou um sorriso convencido. Oliver vinha de uma família bruxa tradicional americana e ele era o típico garoto prodígio: bom em praticamente tudo, desde esportes até matérias mais complicadas da escola, especialmente talentoso em se relacionar com pessoas e conquistar sua confiança com facilidade. Ele tinha muitos amigos e inspirava todos ao seu redor com um sorriso carismático e dentes perfeitos.

— Suas férias nos Estados Unidos realmente te deixaram esquisito, Ollie. – Teddy comentou e parou ao lado do seu amigo. De ombro a ombro, Teddy ainda era mais alto do que Oliver, mesmo sendo bastante magricela, alto e desajeitado e Oliver sendo um atleta natural e nenhum pouco desengonçado, com um tipo físico bem desenvolvido, dando a impressão de ser muito mais alto e forte do que Teddy, embora ele fosse mais baixo. Nas últimas férias de fim de ano, Oliver foi visitar os Estados Unidos e uma parte da sua família que ainda vivia por lá.

— Eu não pude dizer não para ela dessa vez. Não parava de mandar corujas... Estava ficando constrangedor. – Oliver tentou explicar a situação para Teddy. Desde que se mudou para a Inglaterra com seu pai quando era criança, Oliver não teve muito contato com sua mãe e o restante de sua família que ficaram nos Estados Unidos. O que aconteceu para que Oliver e seu pai se separassem e mudassem de país permaneceu um mistério para Teddy por muito tempo, visto que Oliver, apesar de muito carismático, não era bom em compartilhar seus próprios problemas. - Meu pai disse que era uma boa ideia visitar ela e minha avó. E foi ele que me disse para usar os grandes bruxos do passado como exemplo, e não os Estados Unidos.

— Um verdadeiro visionário. – Teddy torceu o nariz para irritar Oliver, que imediatamente o lançou um olhar de advertência. Teddy não tinha uma boa impressão sobre o pai de Oliver, porque ele parecia ser um homem extremamente ligado a política e ao seu trabalho como Embaixador Internacional da Magia, deixando essa característica bastante evidente na maneira como havia educado seu próprio filho.

— Quem precisa dos ideais políticos dos bruxos americanos quando temos nosso próprio repertorio de heróis nacionais? – Oliver gesticulou para os quadros na parede com os braços abertos. Seu olhar admirado impressionou Teddy por um instante até a expressão de Oliver mudar para algo mais próximo da irritação. - Aliás, o time de Quadribol deles é uma droga, assim como a Escola de magia de lá....

— Você nasceu nos Estados Unidos, Ollie. Era para ser aluno da Escola Ilvermorny. – Teddy o lembrou, fazendo seu amigo novamente lançar-lhe um olhar irritado e continuar falando com indignação:

— Eu não seria tão ruim como aqueles malditos são! Quem não se lembra do último Campeonato de Quadribol entre as Escolas de Magia? Aqueles cretinos queriam jogar sujo o tempo todo! Ainda bem que a escola do Brasil os desclassificou rápido... – Ele gesticulava no ar como se estivesse apontando diretamente para os jogadores de Quadribol voando logo a frente. O estudante da Lufa-Lufa era goleiro do time de sua casa fazia dois anos e um assíduo admirador do esporte.

— Mas... – Teddy tentou interromper, embora soubesse que quando Oliver começava a falar sobre Quadribol dificilmente algo o faria parar.

— Hogwarts perdeu aquela partida arriscada contra Durmstrang... Fomos quase campeões. – Oliver lançou um olhar desapontado para as fotografias logo a sua frente, embora seu olhar parecesse passar direto por elas em direção á suas lembranças daquele jogo contra a Durmstrang.

— Ano que vem, quando Edgar Johnson se formar, você vai poder assumir como Capitão do time de Quadribol da Lufa-lufa... E conseguir uma revanche no Campeonato entre Escolas. – Teddy deu um tapinha animado no ombro de Oliver, para tentar recuperar seu bom humor característico e ainda irritá-lo um pouco. Ambos discutiam constantemente sobre diversos assuntos e Oliver já sabia detectar com facilidade quando Teddy estava tentando provocá-lo sobre algo.

— Está usando ironia de novo... – Ele o lançou um olhar cauteloso e sorriu fracamente. - Eu não pretendo ser o Capitão do Time ano que vem, eu já te disse. Os outros jogadores são fortes candidatos, mas eu admito que se me perguntarem sobre isso eu não vou dizer não...

— Sempre muito ambicioso, Ollie. Ser representante da Lufa-Lufa no Conselho Escolar não é o suficiente? Ser presidente do Diretório Administrativo e do Centro Acadêmico também não? – Teddy continuava provocando-o, observando o olhar de Oliver se estreitando com cada item citado por Teddy, onde ele fazia questão de iniciar uma contagem nos dedos da mão. - Ah sim, deixa eu ver... Fazer parte do grupo extraclasse de Línguas Antigas, de xadrez, de estudo de runas antigas....  Do grupo de estudo sobre Relações Mágicas Internacionais e, também...

— Chega de ironia, Teddy. Eu sei o que você quer dizer. Eu estou envolvido em muita coisa ultimamente, mas isso tudo vai fazer sentido algum dia. – Ele afirmou com convicção, usando a mesma tonalidade de voz que usava quando estava conversando com algum professor ou quando queria inspirar confiança. - Como meu pai diz, devemos começar a pensar no nosso futuro agora. Sobre como construímos nossa imagem... Desde nossa época em Hogwarts, é crucial ser um aluno proativo e participativo, com um bom senso de liderança e procurar um desenvolvimento profissional.

— Claro. – Teddy revirou os olhos e fingiu estar observando algo muito interessante em uma fotografia do Três Vassouras logo após a Batalha de Hogwarts, parcialmente destruído. Dificilmente algo entediava mais Teddy do que assuntos políticos e infelizmente tudo o que vinha de Oliver parecia relacionado, de um jeito ou de outro, com seu pai e com política.

— Vamos Teddy... – Oliver o puxou pelo braço e chocalhou o amigo pelos ombros para fazê-lo prestar atenção. - Como você se imagina daqui vinte anos? O seu futuro começa aqui, agora!

— Eu não me imagino daqui vinte anos... – Teddy piscou algumas vezes e realmente pensou sobre o assunto por alguns segundos quando conseguiu se desvencilhar das mãos de Oliver. - Agora você, com certeza será Juiz da Suprema Corte Bruxa, Ministro da Magia, Presidente da Organização Internacional de Regulamentação Mágica ou alguma coisa do tipo... Entediante e política.

— Eu tenho em mente onde eu quero chegar e como chegar lá e isso é muito importante... – Oliver apontou para Teddy com o indicador, como se fosse um pai dando uma lição de moral para seu filho desobediente. Teddy rapidamente imaginou o pai de Oliver repetindo o mesmo gesto e discurso para seu filho de apenas cinco anos. Porém, antes que Oliver pudesse continuar falando, Teddy viu o momento exato que os olhos do amigo se desviaram para algo mais distante que Oliver acompanhava com o olhar admirado. - Aquela é sua prima Victoire Weasley? Ah, Merlin... Você acha que eu sou muito velho pra ela? Quer dizer, são só dois anos, mas você sabe...

— Vic? Nem pensar! Fique longe dela! – Teddy rapidamente recuperou sua postura e se virou para ver que Oliver, de fato, acompanhava Victoire com o olhar. Um sentimento desconhecido percorreu Teddy pelo abdômen e subiu até o seu peito, deixando-o rapidamente com dificuldade para respirar e sentindo suas orelhas queimarem como fogo. Ele estufou o peito e encarou Oliver com um olhar incrédulo.

— O que? Por que? – Oliver encarou Teddy de volta com uma expressão confusa. - Você já viu aquela garota, Teddy? Mesmo ela sendo praticamente da sua família, você realmente já olhou pra ela?

Quando Teddy sentiu a sensação estranha em seu abdômen começar a queimar mais intensamente, ele sentiu uma força desconhecida subir por seus pulsos e uma pequena voz na sua cabeça dizendo que deveria socar Oliver até deixá-lo sem alguns daqueles dentes perfeitos, estragando o sorriso convencido que afetava todas as garotas que Teddy conhecia, mas que com certeza não poderia afetar Victoire Weasley. Provavelmente Teddy estava com uma expressão muita engraçada no seu rosto, porque Oliver sorriu de lado para ele e deu de ombros antes de voltar a falar:

— Outra coisa! Eu sou o garoto prodígio dessa escola, mas quem é o garoto de ouro aqui é você! Quem os professores confiam? Quem a diretora confia? Quem é o favorito para se tornar Monitor-Chefe? Você! – Oliver apontou com o indicador diretamente para o nariz de Teddy e o lançou um olhar pretensioso.

 - Eu? O que quer dizer? – Teddy perguntou confuso, tentando focar sua visão no dedo indicador de Oliver quase tocando seu nariz. Seu amigo abriu a boca para continuar falando, mas de repente uma voz urgente chamou seu nome no meio da multidão que se seguia no outro corredor. Parecendo desapontado por precisar terminar essa conversa, ele se virou e saiu correndo dali, mas não antes de deixar Teddy ainda mais confuso:

 - Você deveria se envolver mais com a Escola, participar de mais projetos e se destacar! Um pouco de ambição não matou ninguém... Ainda.

 Com uma piscadela, Oliver se dissipou pela multidão e Teddy voltou a ser empurrado por alunos que esbarravam nele todo instante, visto que o corredor estava ficando cada vez mais movimentado com o término das aulas dos alunos do segundo e sétimo ano que, mesmo sendo dia 2 de maio, ainda estavam tendo aula de História da Magia justamente sobre a história da comemoração daquela data histórica.

 Tentando se esquivar dos alunos do segundo ano impressionados que admiravam os quadros e retratos ao seu redor, caminhando distraídos e andando sem olhar para frente, Teddy procurou pela multidão crescente os cabelos loiros pérola que Oliver havia avistado com muito mais êxito minutos atrás.

 Não precisou procurar muito. Victoire estava andando com suas duas melhores amigas, Dinah e Daisy. Era bem característico localizar o trio de garotas da Grifinória caminhando pelos corredores por conta de todos os olhares que eram desviados para elas e também por conta dos cochichos que se seguiam depois. Victoire e suas amigas eram muito populares entre os alunos de Hogwarts e sem dúvida eram as garotas mais populares do terceiro ano. Teddy as seguiu por um tempo pelos corredores, não conseguindo alcançá-las com facilidade devido ao constante fluxo de alunos vindos da direção oposta. Quando chegaram ao gramado principal, onde o palanque de discursos era meticulosamente avaliado pelo professor Longbottom, Teddy percebeu que o trio de garotas se dissipou e ao mesmo tempo ele sentiu suas pernas congelarem.

 Dinah e Daisy foram conversar com o professor Longbottom enquanto Victoire foi chamada de lado pela Monitora da Grifinória, Charlotte. Sobre o que quer que as duas estivessem conversando, era evidente que Charlotte não gostava nenhum pouco de Victoire e Vic, por sua vez, estava adquirindo uma expressão de irritação durante a conversa.

 Em outras ocasiões, Teddy não interferiria nos afazeres de outro Monitor, especialmente Charlotte, mas desta vez Victoire estava sendo questionada pela Monitora de sua própria casa e Teddy pensou que se houvesse algo que pudesse fazer para ajudá-la, ele o faria, especialmente pro hoje ser o seu aniversário, mas não somente por isso: eles ainda eram melhores amigos.

 Teddy caminhou com passos rápidos e quase saltitantes em direção ao local onde as duas garotas conversavam. Ao perceber a aproximação repentina do garoto, a Monitora da Grifinória o observou com um olhar de reprovação que pareceu para Teddy como um toque de dedos frios na sua espinha. Ele se lembrava de como Charlotte conseguia fazer qualquer um parecer infantil ou imaturo, até mesmo a ponto de deixar Teddy desconfortável. Charlotte era uma garota excepcionalmente correta, que seguia todas as regras da escola (apenas quando sabia que ninguém estava vendo, Teddy sabia), era muito mandona e autoritária, além de sempre exigir o melhor das pessoas.

 - Feliz aniversário! – Teddy anunciou, com todo o seu entusiasmo, quando alcançou Victoire pelas costas. Ela poderia saber, pelo olhar curioso de Charlotte, que havia alguém se aproximando, mas não esperava encontrar com Teddy Lupin novamente hoje. Teddy a chacoalhou pelos ombros por trás, fazendo Victoire dar um pulo de surpresa. Quando viu que se tratava apenas de Teddy, ela relaxou e deixou que ele a segurasse por uma mão e conduzisse em um giro, como em uma dança.

— Você já me desejou feliz aniversário hoje, Teddy... Mais de dez vezes. – Victoire afirmou quando Teddy a soltou, não percebendo que suas bochechas estavam levemente coradas e muito menos percebendo o olhar inquieto que Charlotte os lançava.

— Eu prometi te dar feliz aniversário toda vez que eu te ver hoje... Então... Feliz aniversário! – Ele anunciou novamente e sorriu para ela, perdendo-se por vários segundos no sorriso que Victoire o retribuiu. Quando se lembrou do que estava fazendo ali, ele se virou para Charlotte e perguntou casualmente:

— Qual é o problema?

— Eu estava perguntando para Victoire quantas pessoas da sua família vão vir para o Memorial... – Charlotte explicou com uma voz forçadamente paciente que Teddy sabia que não duraria muito. A voz de Charlotte trazia várias lembranças de volta para sua cabeça, principalmente com os olhos escuros e imparciais observando-o com tanta atenção. - Estamos organizando as cadeiras e reservando os lugares...

— Bom, os lugares precisam ser todos na frente, são convidados de honra. Bem de frente ao palanque... Vovó Molly prefere por lá... – Quando Teddy percebeu sobre o que a conversa se tratava, ele começou a falar e a apontar para as cadeiras em frente ao palanque.       Imediatamente captou uma expressão irritada do rosto de Charlotte, visto que a garota detestava que a interrompessem e Teddy, sabendo disso, talvez tivesse feito de propósito.

— Eu estava dizendo isso a ela, mas parece que tem alguma coisa errada com a minha família. – Victoire se pronunciou em seguida, fazendo olhar de irritação de Charlotte se estender até ela.

— Não tem nada errado, eu só preciso saber o numero certo de convidados nas primeiras fileiras para liberar os demais lugares para os alunos e outros convidados... – A Monitora continuou falando, mas por algum motivo Teddy apenas conseguia pensar em como Charlotte o lembrava da transição entre duas estações do ano bem características: o verão e o outono. Particularmente daquele verão especifico, há talvez um ano atrás, quando Teddy foi convidado para passar um final de semana com Oliver e outros alunos na casa na praia que a família de Oliver possuía. Entre os convidados para a ocasião, Teddy se lembrava de Charlotte e de como seus olhos ficavam dourados quando a luz do sol era refletida da maneira certa neles, ou como sua expressão, sempre imparcial, se suavizava quando ela sorria para ele.  

— Não tem um número exato. Não da pra sabermos quem vem... – Victoire respondeu novamente, começando a perder sua paciência. Teddy percebia em sua voz a irritação crescendo. Ele a encarou e observou seus olhos azuis se estreitando. Se distraiu, então, com a maneira que seus cabelos caiam sobre os ombros quando ela movimentava a cabeça para argumentar com Charlotte. O que quer que estivesse acontecendo com Teddy desde uns tempos para cá estava fazendo-o distrair-se fácil demais com garotas.

— Bom, eu preciso de um numero aproximado... – Charlotte disse pausadamente, tentando manter sua voz forçadamente calma.

— Deixe os mesmos lugares do ano passado. Se ocorrer qualquer imprevisto é só adicionar lugares extras. Sempre fazem isso, você sabe... – Teddy piscou para Charlotte e continuou dizendo com uma voz calma, sua entonação sugerindo a solução final. – Eu participo desse memorial desde que eu era pequeno e isso é perfeitamente normal...

Charlotte revirou os olhos, claramente discordando com a solução proposta por Teddy. Para ela, tudo precisava sair exatamente como o planejado, sem imprevistos. Mas havia algo na maneira como Teddy havia se pronunciado que deixava claro que não haveria outra maneira de resolver isso, fazendo Charlotte respirar fundo e continuar falando:

— E quanto a vocês dois, devo contar o lugar de vocês com a sua família ou vão ficar com os demais alunos?

Ah, Teddy se recordava perfeitamente daquele final de semana na praia. E sem dúvida ele se lembrava de Charlotte, de como os dois passaram o final de semana juntos com seus amigos, trocaram cartas durante o restante das férias e até mesmo voltaram a sair quando retornaram para Hogwarts depois do verão, exceto que agora Teddy também havia se tornado Monitor e Charlotte, aluna do sexto ano em Hogwarts, não concordava com as opiniões de Teddy ou com o seu comportamento como Monitor e aluno. O que quer que tivesse existido entre eles terminou como começou: abrupto e inesperadamente.

— Eu vou ficar com a minha família. – Victoire respondeu prontamente.

Quando Teddy percebeu que a pergunta também havia sido direcionada para ele, levou uma mão até seus cabelos e demorou um instante para responder, fazendo Victoire observá-lo com dúvida.

— E-Eu... Eu preciso encontrar a Anna para ter certeza, mas... – Ele se sentiu imensamente constrangido por ter que falar aquilo em uma conversa com Charlotte e Victoire. Havia algo muito desconfortável naquela situação que Teddy só perceberia mais tarde. Ao ouvir o nome de Anna, Victoire imediatamente desviou o seu olhar de Teddy e respirou fundo, enquanto Charlotte o lançou um olhar inesperadamente furioso.

— Pois então, Teddy Lupin, decida logo com a sua namorada aonde vocês dois vão se agarrar durante o Memorial e me avise. Os lugares não vão se arrumar sozinhos! – Charlotte concluiu então, imediatamente puxando sua própria lista de afazeres de Monitoria e começando a conferir os itens conforme se afastava dali.

— Ela não é minha namorada! – Teddy sentiu-se na obrigação de se explicar, gritando para Charlotte enquanto ela se afastava e sentindo-se imensamente constrangido.

— Você não vai deixar sua avó sozinha hoje, vai? – Victoire perguntou para Teddy com uma voz baixa e quase inaudível. Teddy não conseguia ver seu rosto porque Victoire havia se virado de costas para Teddy e parecia observar a multidão a sua frente.

— O que? Não! Claro que não! – Teddy apressou-se para tentar explicar a situação para Victoire, mas ela já estava profundamente irritada e Teddy percebeu isso quando ela cruzou os braços na frente do corpo.

— Então o que precisa ser decidido? É a nossa família, Teddy. E hoje, nós ficamos com eles. Como sempre. – Ela costumava adquirir um pouco do sotaque francês da família da sua mãe quando algo a incomodava ou quando perdia a paciência.

— Eu posso ter comentado com a Anna de que talvez ela pudesse se sentar com a gente hoje durante o Memorial... Me pareceu uma boa ideia... Eu não estava pensando direito... Foi um pouco confuso. – Ele se apressou para interceptar Victoire e fazê-la encará-la de frente e tentar explicar a situação. Ele esperava que Vic pudesse entender o que ele estava dizendo por que suas palavras estavam sendo sinceras.

— Você não se lembra do que você falou com ela? Onde estava sua cabeça? – Victoire o encarou com um olhar furioso e Teddy viu os olhos azuis dela se escurecerem. Havia algo assustador em deixar Victoire furiosa com ele. - Ah! Eu não quero saber! Eu não quero saber o que você fica pensando quando está se agarrando com Anna Spinnet!

Ela fechou os seus olhos e quando os abriu novamente havia somente um olhar desapontado que ela lançou em Teddy antes de sair andando o mais rápido que conseguiu.

— Vic, espera! – Teddy se apressou para tentar alcançá-la, mas Victorie era muito mais baixa e delicada do que ele, de modo que conseguia se esquivar entre os demais alunos da escola sem muita dificuldade enquanto Teddy apenas conseguia esbarrar em um número considerável de pessoas durante o percurso.

— Pelas barbas de Merlin, Teddy! É a nossa família! Como você pode ser tão idiota? – Ela se virou para trás e gritou com ele uma última vez. Teddy viu que seus olhos estavam, por algum motivo, cheios de lágrimas e o sentimento de culpa cresceu dentro dele.

Quando ele empurrou os alunos ao seu redor para conseguir ir atrás dela, sentiu alguém o segurando pelo pulso.

— Hoje não, Eddie.

— É Teddy! – Ele se virou para trás e se esforçou para conseguir se soltar, mas a mão que o segurava era bastante insistente. Dinah, amiga de Victoire, o observava com um olhar decepcionado.

— Eu sei. Vic só precisa ficar sozinha. – Ela o advertiu.

— Você não conhece a Victoire... Eu sou o melhor amigo dela... – Ele ainda tentou se soltar, mas Dinah o segurou ainda mais forte pelo pulso e o puxou para mais perto. De repente, Daisy alcançou os dois com seus cabelos dourados contra a luz do sol. - Eu sei que quando ela quer ficar sozinha, na verdade ela só quer que alguém vá até ela saber o que há de errado!

— Nós somos as melhores amigas dela, também. E nós estamos mandando você ficar longe. – Dinah explicou, tentando convencer Teddy com um olhar de advertência.

— Daisy... Qual o problema? Victoire nunca agiu assim comigo... – Ele desistiu de tentar se soltar de Dinah e observou Daisy com esperanças de que ela pudesse dizer o que estava errado. A garota parecia intrigada enquanto ele continuava falando. - Ela tem estado diferente nos últimos meses... Aliás, desde antes das férias de fim de ano e...

— Teddy, você sabe que hoje é um dia muito delicado para a Vic. É aniversário dela e também é o dia mais triste para toda a família e.... – Dinah continuou tentando explicar para Teddy porque deveria deixar Victoire sozinha, mas ele conseguia ser muito insistente quando tinha certeza de algo.

— E geralmente é um dia que nós dois passamos juntos! Eu combinei com ela... – Ele respirou fundo e continuou olhando para trás, tentando encontrar Victoire novamente e ao mesmo tempo sua voz se tornava cada vez mais triste. - Hoje de manhã eu queria ser o primeiro a dar parabéns para ela... Ela prometeu acordar mais cedo para me encontrar no salão principal, mas ela não foi... Só bem mais tarde quando todo mundo estava tomando café que ela apareceu e aí todo o salão desejou feliz aniversário para ela...

— Teddy... – Dinah tentou chamar sua atenção, mas não parecia que Teddy estava falando com ela ou com Daisy em particular, parecia que estava falando consigo mesmo enquanto seus olhos vasculhavam atrás de qualquer sinal de Victoire Weasley.

— Por que ela não apareceu...? – Ele sussurrou para si mesmo.

— Teddy! – Dinah estalou os dedos na frente do rosto do garoto para fazê-lo olhar diretamente para ela.

— Por que ela me odeia tanto? – Ele perguntou simplesmente.

— Ela não odeia você... Ela gosta muito de você. – Dinah tentou confortá-lo com palavras gentis.

— Ela só não gosta muito da Anna. – Daisy disse simplesmente, dando de ombros em seguida e lançando um olhar insinuante para Teddy.

— O que...? – Teddy perguntou, mas rapidamente desistiu quando viu Dinah acotovelando Daisy bem nas costelas para que ela parasse de falar. Ele arqueou as sobrancelhas, bastante desconfiado.

— Bom, nós vamos cuidar dela hoje Teddy, eu prometo. Ela vai ficar bem. Eu acho que você não percebeu, mas seus cabelos estão mudando de cor sem parar... – Dinah avisou Teddy e ele instintivamente levou as mãos até seus cabelos e os desarrumou mais ainda. Seu cabelo estava com cores diferenças em vários lugares, desde rosa, roxo, laranja, vermelho, azul e verde. Rapidamente, Teddy sentiu seu rosto ruborizar.

— Eu odeio isso... – Ele reclamou e em seguida fechou os olhos, concentrando-se para que seus cabelos voltassem para a tonalidade de azul de sempre. No instante seguinte, Dinah e Daisy haviam saído dali.

Ainda frustrado e decepcionado consigo mesmo por ter conseguido deixar as coisas tão estranhas entre ele e Victoire e sentindo um aperto profundo em seu peito por conta disso, Teddy começou a andar. Não sabia se estava com a coragem necessária para encontrar Anna e dizer que talvez não fosse possível que ela se juntasse a ele durante os discursos de hoje. Não parecia justo com Anna, mas era o que ele precisaria fazer para que Victoire talvez voltasse a falar com ele algum dia.

Garotas. O que estava acontecendo com elas ultimamente? Tudo bem, o dia 2 de maio nunca foi uma data muito divertida para Teddy, mas especialmente nesse ano as coisas pareciam estar seguindo um rumo estranhamente oposto do que ele imaginava e agora, de repente, o Memorial parecia ser o último de seus problemas.

Determinado a encontrar Elliot e pedir ajuda para decidir o que fazer a respeito de Victoire, Teddy andou com rapidez no meio de tantos alunos até alcançar o outro lado dos jardins, onde de longe já conseguia ver a Pedra Branca e seus diversos admiradores, entre eles a silhueta grande e espaçosa de Elliot.

Havia também muitas pessoas desconhecidas por ali que não eram alunos do castelo, mas sim convidados e visitantes que já começavam a rondar pelos jardins, curiosos. Era dever de Teddy também, como Monitor, auxiliar os visitantes a encontrar o lugar adequado para a cerimônia e instruí-los sobre a programação da celebração.

Exceto que, no meio de tantos rostos desconhecidos, Teddy avistou um homem particularmente diferente e que chamou sua atenção imediatamente. Ele piscou algumas vezes e procurou se aproximar um pouco mais, ainda sem ter certeza de que se tratava da mesma pessoa. Seus pensamentos rodearam por entre suas lembranças mais antigas e que agora mais pareciam sonhos onde Teddy não sabia dizer se eram verdade e aquele homem era, de fato, real.

Tratava-se de um senhor de idade já muito avançada, com uma aparência cansada e roupas remendadas e empoeiradas. Ele tinha cabelos completamente brancos e segurava um chapéu contra seu peito. Teddy se lembraria daqueles traços em qualquer lugar, especialmente aqueles ao redor dos olhos e que contornavam a boca porque eram exatamente iguais aos seus e, consequentemente, do seu pai.

Teddy seguiu completamente imparcial, somente cumprindo sua tarefa como Monitor para procurar saber se o senhor de aparência cansada precisava de alguma coisa. Estaria mentindo se dissesse que nunca tinha visto Lyall Lupin em toda sua vida. O avô sempre estava presente de algum modo em suas lembranças, na maior parte delas como uma silhueta na penumbra em suas festas de aniversário durante muitos anos, assim como em algumas ocasiões era um sujeito completamente desconhecido e isolado durante ceias de natal. Ninguém nunca havia anunciado ou o apresentado formalmente, mas Teddy sempre soube de uma maneira completamente íntima e peculiar que aquele homem era seu avô.

Ele sempre manteve essa distância de Teddy, sempre parecendo com medo de se aproximar. Durante muito tempo, Teddy também teve medo dele. Já havia flagrado sua avó conversando com o senhor Lupin em diversas ocasiões e usando palavras nada delicadas. O problema é que para Teddy esse senhor, embora fizesse parte de sua vida, era um completo estranho. Nunca haviam conversado e agora, de repente, ele havia aparecido para visitá-lo em sua escola.

— Boa tarde senhor. – Cumprimentou Teddy, como sempre muito animado. – Precisa de alguma coisa? Está perdido? A cerimônia do memorial ás vítimas da Guerra vai ser realizada só durante a noite...

— Me desculpe. – Disse o homem. – Eu não costumo participar dessas cerimônias. Eu estou aqui para falar com o senhor, Edward Lupin.

— Eu já imaginava. – Disse Teddy, sem nenhuma emoção em sua voz. O senhor o observava com um olhar curioso, especialmente seus cabelos. No fundo, Teddy se perguntava se Lyall Lupin havia conhecido sua mãe ou se havia se importado o bastante para ter visitado seus pais quando ele nasceu. Várias perguntas acerca da vida de seu avô sempre percorreram seus pensamentos, embora ele nunca as tivesse verbalizado. No fundo, o sentimento que Teddy nutria por aquele homem era completamente controverso e nem mesmo ele sabia se havia sentimento algum em questão.

— Há algum lugar... Uh... Mais privado... Onde possamos conversar? – Lyall perguntou e Teddy percebeu que os lábios do avô, por baixo de um bigode branco e espesso, tremiam freneticamente quando ele falava, assim como os dedos que apertavam seu chapéu contra seu peito.

— Ah sim, é claro. O outro lado do jardim está vazio nesse horário. Se o senhor quiser me acompanhar... – Teddy respondeu automaticamente antes que pudesse pensar direito sobre o que estava fazendo. Ele indicou o caminho para que o senhor seguisse e Lyall apanhou uma bengala que estava encostada contra suas vestes antigas.

Eles continuaram andando lado a lado e Teddy se sentiu aliviado quando os demais alunos abriram espaço para os dois passarem. Seria bastante desconfortável te que explicar para o avô sobre a educação dos demais alunos ou ainda mais desconfortável caso eles o derrubassem no chão e Teddy precisasse ajudá-lo a se levantar.

Oh, por que você está pensando isso Teddy?

Eles seguiram caminhando até chegar à clareira perto da Floresta Proibida. Dali, Teddy ainda observava a movimentação dos alunos pelo castelo, assim como ouvia o murmúrio alto de centenas de pessoas mais adiante. A cabana do Hagrid estava há poucos metros dali, de modo que Teddy poderia correr para lá caso a conversa com Lyall se tornasse tão inconveniente quanto Teddy imaginava.

Lyall parecia ter bastante dificuldade para andar. Ele fazia um esforço tremendo para apoiar com firmeza sua bengala contra o chão e mais esforço ainda mais fazer seus passos acompanharem a própria bengala. Suas mãos tremiam e ele olhava para o chão, concentrado em não cometer um deslize e acabar caindo.

— Então, o que o senhor faz em Hogwarts em um dia tão movimentado como esse? – Teddy decidiu perguntar quando Lyall finalmente repousou a bengala ao seu lado e recuperou o fôlego. Havia incerteza dentro de Teddy sobre se ele queria mesmo ter essa conversa com seu avô em um dia como hoje, mas havia também a curiosidade sobre o por que agora, por que hoje e, principalmente, a curiosidade sobre o que ele tinha para dizer e, o mais importante para Teddy, o que aquilo despertaria dentro dele.

— Eu já disse... Estou aqui para falar com você. – Havia certa firmeza na voz do velho, quase como se ele tivesse sido um homem imponente e severo quando mais novo. Provavelmente esse comportamento era esperado para alguém que teve um lobisomem como único filho. Teddy esboçou um sorriso com a ironia.

— Eu estou bem aqui.

— Edward... Ou Teddy, como as pessoas costumam te chamar... – Ele começou dizendo e Teddy percebeu que Lyall havia notado que seu tom de voz não havia sido muito bem recebido por Teddy e agora ele tentava uma gentileza forçada.

— Edward está bom. – Teddy disse rispidamente, da maneira como sua avó costumava falar quando estava irritada com algo.

— Bom, eu não acho que tenhamos sido propriamente apresentados. Meu nome é Lyall Lupin e como eu imagino que você já deva saber ou sua avó deve ter comentado pelo menos... Eu sou seu avô. – Ele disse simplesmente enquanto encarava Teddy com um olhar ansioso. A maneira direta que ele havia usado para iniciar aquela conversa não havia agradado muito Teddy... O que ele estava pensando? Que Teddy e ele já se conheciam? Durante anos Teddy soube que aquele homem era seu avô e com certeza Lyall soube há muito tempo antes que Teddy era filho de Remus e, portanto, seu neto. Teddy não respondeu nada, apenas assentiu com a cabeça para que ele continuasse.

No fundo, Lyall não estava feliz com a reação de Teddy ou com o olhar incomodado e cauteloso com que ele observava cada um de seus movimentos. Ele se lembrava do garotinho que viu por tantos anos assoprando velas coloridas de cima de seus bolos de aniversário e em outras ocasiões, abrindo os presentes de natal do colo de seu padrinho Harry Potter e não esperava encontrar um adolescente que não se parecia nada com o seu Remus.

— Eu imagino que você tenha ouvido somente coisas terríveis a meu respeito... Mas eu gostaria, agora mais do que nunca, de dizer que eu sinto muito. Por ser um avô tão ausente para você por todos esses anos... Eu fui, realmente, muito fraco por deixar você sozinho com sua avó. – Lyall continuou falando, mas Teddy não estava mais olhando para ele. Os olhos castanhos de seu neto vagavam pelas árvores da floresta a sua frente e a respiração sua era forte e perfeitamente audível da distancia entre os dois. Lyall sabia que ele estava evitando olhá-lo diretamente nos olhos, mas mesmo assim ainda estava escutando.

O senhor precisou se apoiar novamente em sua bengala para recuperar o equilíbrio. Tossiu alto duas vezes e respirou fundo. Quando imaginou procurar Teddy, durante todas as vezes, as palavras vinham com muito mais facilidade até os seus pensamentos do que agora que estava de frente a frente com ele.

— É realmente uma pena você ter perdido os pais tão cedo, Teddy. Sem dúvida, se tivesse qualquer coisa que eu pudesse fazer para impedir... Eu teria feito. Eu teria, eu mesmo, impedido Remy de ir para a Guerra se eu soubesse no que ele estava se metendo... – Pela maneira que a voz do avô se tornava mais fraca e falha a cada palavra, assim como sua respiração se tornava mais pesada, Teddy não precisou esperar muito para que Lyall interrompesse suas palavras para tossir novamente. Ele conseguia sentir o pesar na voz do avô e ouvi-lo chamar seu pai de Remy o deixou subitamente interessado. - Mas como sempre, eu fui ausente, tanto para o seu pai, quando ele precisou de mim, quanto para você, quando você também precisou de mim e...

— Você não precisa. – Teddy respondeu com firmeza.

— O que? – Lyall parecia confuso. Ele segurou o chapéu com mais força contra o peito e encarou Teddy com olhos curiosos e repletos de expectativa.

— Fazer isso. Querer simplesmente pedir desculpas e entrar na minha vida agora, depois de todos esses anos. - Quando Teddy se virou para encará-lo, Lyall não encontrou o mesmo garoto imparcial que estava empenhado em ajudá-lo a se orientar no Memorial. Havia um novo sentimento ali, bem no fundo de seus olhos, algo que Lyall observou poucas vezes em Remus quando ele deixava a sombra do lobo habitava dentro de si transparecer: quando estava com raiva. Nesse momento, Lyall soube reconhecer seu neto. - Eu sei que eu sou a única pessoa que você têm, assim como eu fui por todos esses anos. E isso, por todo esse tempo, foi o suficiente para mudar qualquer coisa?

— Teddy... – Lyall recuperou a postura e respirou fundo, se apoiando prontamente com sua bengala, mas Teddy em, todo o seu vigor adolescente, não deixou o avô ter oportunidade para falar.

— É Edward, o meu nome. Eu não preciso que o senhor tenha pena de mim agora. Não precisa fingir que se importa só porque, depois de 15 anos, sua consciência começou a se tornar insuportável. – Quando Teddy soltou aquelas palavras, ele se arrependeu imediatamente de tê-lo feito. O olhar de Lyall caiu e ele não conseguiu encarar Teddy nos olhos. Havia algo tão profundo como a culpa e ao mesmo tempo tão doloroso quanto um coração partido.

Em circunstancias normais, Teddy teria retirado o que disse, se desculpado e dado outra oportunidade para seu avô se explicar, mas havia um sentimento inexplicável percorrendo os pensamentos de Teddy e abafando seu peito tão forte que ele sentia vontade somente de gritar até suas garganta doer para, assim, conseguir aliviar sua dor.

— Minha avó não me criou sozinho. Eu não preciso da sua ajuda. Eu não preciso de você. Eu tenho uma família inteira que me ama e que sempre esteve presente para mim, por todos esses anos. Não só a minha avó, mas também o meu padrinho e toda a família dele, assim como todos os antigos amigos que se importavam e conheciam os meus pais o suficiente para se importar de, no mínimo, me conhecer. – Quando Teddy se deu conta, ele estava gritando. Alguns alunos que estava passando ali perto pararam para saber o que estava acontecendo e observavam atentamente enquanto Teddy se afastava vários passos de seu avô e o observava de frente.

Teddy era muito mais alto e eles não eram tão parecidos assim, mas Teddy conseguia enxergar as semelhanças entre seu pai e aquele homem logo a sua frente. Não havia duvida, era mesmo o seu avô. Eram os mesmos olhos cansados, o mesmo formato do rosto... Teddy sentiu uma imensa vontade de chorar. Aquele homem era o mais próximo que ele tinha de seu pai, de conhecê-lo de verdade. Ele se sentia culpado, mas era como se não conseguisse controlar o que estava fazendo. Ele sentia que precisava gritar, gritar bem alto, para aliviar o que quer que estivesse sentindo em seu peito.  

— Teddy... – Lyall tentou falar novamente e até mesmo ergueu os olhos para procurar encontrar os olhos do seu neto. Teddy avistou os mesmos olhos castanhos que os seus e aquilo o deixou ainda mais profundamente ferido e irritado. Lyall, por sua vez, conseguia identificar na expressão de Teddy somente um único sentimento: ódio. Ele é só um adolescente, Lyall pensava consigo mesmo. Adolescentes sentem raiva o tempo todo.

Mas você merece esse ódio, Lyall. Seus pensamentos insistiam em conspirar.

— Por todos esses anos eu posso ter sido, sim, um órfão de Guerra. Eu posso não ter tido um pai e uma mãe, mas eu tive pessoas que me amaram e me criaram do melhor modo que eles conseguiram. Eu tenho certeza que se os meus pais estivessem vivos, eles estariam muito orgulhosos de mim e completamente agradecidos a todas as pessoas que me apoiaram por todos esses anos. Agora com relação a você... Eles sentiriam o completo oposto disso. – Teddy terminou suas palavras e sentiu que algo em seu peito fosse explodir. Ele estava respirando forte e sentia que seu rosto estava queimando e seus punhos, completamente fechados, estavam doloridos. Ele se virou para longe de seu avô e começou a andar rapidamente, não sabendo se suportaria ficar por muito mais tempo ali.

— Teddy, por favor... Espere... – Lyall chamou, se apressando para tentar alcançá-lo. Com sua bengala e seus passos lentos e desajeitados, ele não teve muito sucesso, mas Teddy se virou para trás para ver seu avô tentando acompanha-lo. Recuperando um pouco de fôlego que ainda restava, Teddy falou:

— Se o senhor me der licença, eu tenho uma cerimônia para ajudar a organizar. Uma cerimônia para homenagear as vítimas e os heróis que lutaram bravamente na Primeira e na Segunda Guerra Bruxa, o que está, novamente, intimamente relacionado comigo e com os meus pais. Agora, tenha um bom dia.

Lyall abriu a boca para chamar Teddy outra vez, mas duvidava que tivesse forças para gritar e Teddy, jovem como era, caminhava com passos largos e rápidos. Em poucos instantes, ele já havia cruzado o jardim até o outro lado e atravessado o amontoado de alunos que haviam se aglomerado para assistir. Lyall teve um ultimo vislumbre dos cabelos azuis arrepiados antes deles desaparecem para dentro do castelo.


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Notas finais do capítulo

Vejo vocês nos comentários? Espero muito as opiniões de vocês! Um abraço!



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