Através de um vidro escuro escrita por Scya


Capítulo 11
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

Hoje comemoramos 19 anos desde que a Batalha de Hogwarts terminou. Dezenove anos depois, e tudo estava bem. Ou pelo menos, bem o suficiente para Teddy Lupin.
Acharam mesmo que eu ia deixar vocês de lado hoje?
Boa leitura.



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Através de um vidro escuro

Capítulo 11

Por Scya

 

— Lily! – Teddy chamou a garotinha conforme tentava alcançá-la por entre as mesas e cadeiras espalhadas pelo quintal da casa de Bill Weasley. A tenda armada por magia no quintal, que se estendia logo adiante da varanda da frente, flutuava magicamente no ar enquanto protegia os convidados da luminosidade do sol, ou no caso de hoje, de possíveis imprevistos chuvosos.

Teddy já havia esbarrado por acidente em algumas pessoas e quase tropeçado nos pés de algumas cadeiras até que conseguiu alcançar a pequena Lily. Ele estendeu sua mão o suficiente para alcançá-la pelo braço, o que serviu para deixá-la ainda com mais raiva.

— Me solta! – Ela exigiu, se virando para encarar Teddy com o rosto tão vermelho quanto seus cabelos.

— Eu acho que você me deve desculpas. – Teddy a advertiu, lançando-a um olhar profundamente magoado e firme. Lily, porém, mostrou a língua para ele antes de desvencilhar-se de sua mão e sair correndo dali.

Teddy novamente tentou alcançá-la, mas ela era muito menor do que ele e conseguia uma vantagem ao passar no meio dos convidados sem ser notada enquanto Teddy, alto e magricela como era, sempre precisava abrir espaço. Quando passou pela mesa onde Percy Weasley e sua filha Molly estavam sentados, Teddy acidentalmente esbarrou com uma jarra de suco que espalhou líquido por toda a toalha da mesa.

— Ah, me desculpe... Eu juro que... – Teddy tentou se explicar, apressadamente tentando alcançar o cabo de sua varinha no paletó do seu casaco e ao mesmo tempo não encontrando as palavras certas. A pequena Molly o observava com um olhar divertido enquanto seus cabelos inconscientemente mudavam para uma coloração verde.

— Não tem problema, Teddy. – Percy respondeu pacientemente, alcançando sua própria varinha primeiro do que Teddy e reparando a jarra e o líquido derramados pela mesa com um simples aceno da varinha. Teddy ficou parado, sem reação, por longos segundos até Percy lançar-lhe um sorriso fraco indicando que estava tudo bem. Em seguida Audrey Weasley, a esposa de Percy, retornou até a mesa trazendo biscoitos para a filha mais nova do casal. Nesse momento, Teddy percebeu que era uma boa ideia sair dali. Quando deu meia volta, encontrou a pequena Lily Luna observando-o com os olhos castanhos curiosos e segurando-se para não rir.

— O que foi? Vai jogar mais bolo em mim? – Teddy perguntou, irritado.

— Você se redimiu e voltou a ser legal de novo. – Lily respondeu simplesmente e deu de ombros. Teddy deu a volta e começou a voltar para a festa, pensando em encontrar Victoire, mas Lily o seguiu de perto e suas mãos agarraram a manda de seu paletó fortemente.

— Teddy, volta aqui, por favor. Não fica bravo comigo... – Ela dizia.

— Você é impossível, Lily. – Ele respondeu ainda irritado e ignorando completamente Lily tentando puxá-lo pela manga do paletó.

— Eu juro que você mereceu. Você não quis me deixar ensinar uma lição para o Hugo... – Ela ainda tagarelava, segurando firme e fincando suas unhas para tentar puxar Teddy de volta.

— Vocês já estavam passando dos limites. – Ele se virou para ela de repente, fazendo-a perder o equilíbrio e quase cair no chão, mas Teddy a segurou com a mão firme.

— E você se redimiu. Podemos voltar a ser melhores amigos. – Ela sorriu para ele daquela maneira angelical e inocente que derretia o coração da maioria dos adultos. Teddy imediatamente sentiu um enorme impulso de jogá-la em cima de seus ombros e levá-la para correr na praia do Chalé das Conchas.

— E por quê? O que eu fiz? – Ele quis saber.

— Você veio atrás de mim e o melhor de tudo... Você voltou a ser legal. – Ela apontou para os cabelos de Teddy, que ainda estavam da coloração verde que havia adquirido inconscientemente.

— Ah sim. – Teddy riu consigo mesmo e rapidamente mudou seus cabelos para o mesmo tom de ruivo que os de Lily, fazendo-a sorrir radiante para ele antes que ele voltasse seus cabelos para o castanho escuro de sempre. – Só deixe Hugo em paz, está bem?

— Não mesmo! – Lily disse alegremente ao perceber que estava tudo bem de novo. – Ele é o meu outro melhor amigo, afinal.

A garotinha acenou alegremente para Teddy antes de sair andando, como se nada tivesse acontecido. Ele deu de ombros e estava disposto a finalmente sair para procurar Victoire quando percebeu Harry e Hermione caminhando em sua direção.

— Por que eu estou vendo glacê de bolo na sua orelha, Teddy? – Hermione perguntou gentilmente quando ela e Harry se aproximaram. O rapaz se apressou e tentou limpar os vestígios de glacê que ainda insistiam em persegui-lo.

— Ah isso... Foi a Lily. É complicado. – Teddy defendeu-se rapidamente, resultando em um sorriso compreensivo de seu padrinho.

— Bom Teddy, Hermione e eu já estamos de saída. Temos que cuidar de algumas coisas para o Ministério e eu não encontrei Victoire em lugar nenhum... Apenas diga a ela que estamos indo, certo? – Harry disse calmamente, ainda mantendo o mesmo olhar sereno e tranquilo que Teddy se lembrava de mais cedo. Ele suspeitava, porém, que por trás daquele olhar tranquilo havia muita coisa acontecendo. Hermione parecia um pouco aflita e havia um tipo de tristeza no fundo de seus olhos.

— Nós vamos nos ver novamente durante a noite. – Hermione completou e os dois se despediram logo em seguida.

Quando Teddy se viu sozinho outra vez, decidiu finalmente voltar a encontrar Victoire e torcer para ela não ter ficado brava por ele tê-la deixado sozinha. Ele passou por todas as mesas e vasculhou todos os cantos do Chalé das Conchas. Entrou na cozinha e viu Arthur Weasley servindo chá para Molly e George. O Chalé das Conchas era um casebre de dois andares que lembrava Teddy a arquitetura curiosa da Toca. No térreo havia a cozinha e a sala principal, no primeiro andar havia o quarto de Louis, o quarto de Dominique e de Victoire, o saguão com uma pequena sala de estar e um banheiro. No segundo andar havia o quarto de Bill e Fleur e o sótão.

Teddy subiu as escadas para procurar Victoire em seu quarto e encontrou Louis reclamando de dor para seu pai no saguão que dava acesso ao primeiro andar. O garoto estava sentando em um sofá   e Bill, a figura grande e imponente com um rabo de cavalo e uma cicatriz no rosto, observava seu filho com um olhar compreensivo.

Teddy abriu a porta do quarto de Victoire depois de bater e não ter nenhuma resposta. Os móveis brancos estavam organizados como sempre. Havia o espaço vazio onde costumava ficar o espelho que Victoire levou para o apartamento. Fora isso, havia a cama beliche que Victoire dividia com a irmã, um grande guarda-roupa, duas escrivaninhas e uma cômoda. Nenhum sinal de sua namorada ali também.

Retornando para a festa, ele se deu conta de que só haveria um lugar provável que Victoire Weasley poderia estar. Ele se dirigiu apressadamente para a outra parte do jardim, bem mais afastada da festa, onde havia o poleiro de corujas, a garagem e o jardim.

Aquela parte do jardim, escondida pela construção da garagem, era a parte favorita de Victoire. Havia uma coleção pessoal de flores que Victoire cultivava ali, todas seguindo tonalidades de azul. Havia também uma pequena casinha de madeira no meio do canteiro de flores, onde Victoire e Dominique um dia construíram um reino mágico onde Teddy era o invasor.

E mais adiante ainda havia um balanço feito de cordas e de aço onde Teddy avistou imediatamente o cabelo loiro pérola comprido caindo pelas costas da garota que estava procurando. Ela estava apoiada no suporte de aço do balanço, provavelmente por ser grande demais para sentar-se ali outra vez. Parecia absorta em seus próprios pensamentos, observando a movimentação do mar vários metros a frente.

— É seu aniversário, sabe? Não é nada educado fugir da família assim. – Teddy disse assim que a alcançou. Ele a abraçou por trás, envolvendo sua cintura e repousando sua cabeça em seu ombro. Logo ele percebeu um suspiro profundo de sua namorada e se apressou para perguntar:

— O que aconteceu, Vic? Você está bem?

— Eu só estou... Um pouco cansada. – Ela suspirou outra vez, ainda parecendo estranhamente quieta para Teddy.

— Cansada? – Ele questionou.

— É... É complicado. – Ela se remexeu incomodada e cruzou os braços na frente do corpo.

— Complicado? – Teddy imediatamente a soltou e se colocou do seu lado, onde poderia observar melhor o seu rosto. - E por quê?

— Como estão as coisas lá dentro? – Victoire perguntou, ainda sem olhar para ele e mantendo um olhar fixo no oceano. Teddy percebeu que ela tentou forjar uma falsa animação em sua voz.

— Bom... Harry acabou de sair para ir ao Ministério ou em algum lugar do tipo... Hermione foi com ele. Louis está reclamando de dor no joelho para o seu pai e eu acho que seu avô estava preparando um chá... – Ele começou a dizer, percebendo o rosto de Victoire se franzindo em algumas partes. Ela estava incomodada com alguma coisa. - Vai me dizer o que aconteceu ou não?

Ela desviou o olhar e se virou de costas para Teddy, tentando evitá-lo. Ele foi atrás dela e ficou na sua frente novamente, fazendo Victoire lançar-lhe um olhar irritado. Ela se virou novamente e voltou a se recostar no balanço, ainda sem querer olhar para ele. Teddy parou em frente dela novamente e cruzou os braços, fazendo uma careta para imitá-la. Ele ficou encarando-a por algum tempo e quando Victoire não pôde deixar de encontrar seus olhos observando-a, ela se rendeu.

— Tudo bem. – Seu rosto se suavizou por um instante quando ela começou a contar. - Eu recebi uma carta da Dominique. Ela enviou hoje de Hogwarts e foi muito gentil comigo.

— Mas isso é ótimo, Vic... Tenho certeza de que... – Teddy começou a dizer, sentindo-se aliviado por saber que o não havia nada errado, até que Victoire o interrompeu com um olhar sério e disse rispidamente:

— E minha mãe também falou comigo.

Teddy piscou algumas vezes e Victoire encarou o chão. Nenhum dos dois disse nenhuma palavra por um tempo, ambos sabendo como os problemas de Victoire com sua mãe já haviam rendido noites mal dormidas e discussões.

— Então? – Teddy perguntou pacientemente.

— Não foi nada tão ruim quanto eu pensei que fosse ser. – Ela disse com um olhar tranquilo que deixou Teddy profundamente aliviado. - Acho que nós vamos acabar nos entendendo no tempo certo. Ela é minha mãe, afinal de contas.

Victoire deu um sorriso fraco para Teddy, tentando refletir a alegria que ela sentiu quando teve a conversa com sua mãe mais cedo. Teddy esboçou um sorriso de orelha a orelha embora ainda continuasse desconfiado.

— Então, é uma boa noticia! E isso ainda não justifica porque você está triste assim se ficou feliz com a carta e com o que sua mãe disse e...

— Teddy, não é só por isso. – Victoire o cortou imediatamente.

— Então o que é? – Teddy piscou algumas vezes e se aproximou mais dela, disposto a entender o que estava acontecendo de verdade.

— É só que... É tão injusto! – Victoire fechou os punhos com força e sua voz se elevou, fazendo Teddy dar alguns passos para trás.

— O que é injusto? – Ele perguntou pacientemente.

— Meu aniversário... Justo em um dia como esse, quanta sorte! – Ela exclamou, serrando os punhos e agitando-os furiosamente na frente do corpo. - Em todos esses anos eu nunca consegui ter um aniversário normal como qualquer outra pessoa, nem mesmo quando eu estava em Hogwarts. É sempre tão carregado de tristeza, de inquietação, tanta melancolia, sabe?

Ela encarou Teddy com um par de olhos azuis ansiosos, esperando uma resposta que concordasse com o que ela estava sentindo, que transmitisse compreensão.

— Não é bem assim, Vic. – Quando Teddy respondeu, o olhar de Victoire caiu e antes que ela pudesse interrompê-lo ele continuou falando e se aproximando dela, embora Victoire caminhasse passos instintivos para trás. - O seu aniversário é principalmente o que nos une para que tenhamos um motivo para comemorar! É por você que toda sua família se esforça para lembrar que a Guerra terminou, que nós vencemos, que estamos livres de qualquer ameaça e...

— Essa é a ideia do meu nome, eu sei.  – Victoire revirou os olhos, gesticulando para que Teddy ficasse longe e parasse de tentar alcançá-la. Ele decidiu que talvez fosse uma boa ideia se afastar e deixar que ela dissesse o que estava pensando. Já havia caminhado vários metros instintivamente e agora Victoire estava com os pés na areia molhada da praia e Teddy percebeu tardiamente que ela estava descalça, embora isso não parecesse incomodá-la quando ela continuou:

“Mas eu não sei se você percebeu como as coisas funcionam... No dia do meu aniversário, nós temos toda a família com um clima muito estranho. Eles se esforçam para tentar agir normalmente, me dar os parabéns e comemorar, mas há aquele clima, sabe? Bem escondido, mas está lá”.

Ela apontou com o dedo indicador em direção a tenda onde estava acontecendo a festa. Sua testa estava franzida e irritada, embora seus olhos estivessem tristes. Victoire tinha movimentos bruscos quando movia as mãos para gesticular e agora não se parecia nada com a bailarina que costumava ser. Ela estava no seu limite e sua voz continuava alta para que Teddy pudesse escutá-la dos poucos metros de distância que os separavam.

“É uma sensação de que todos sabem que dia é hoje, o que vai acontecer depois e como tudo é terrivelmente triste. E tem as crianças também, que sempre ficam muito confusas ou não entendem o que está acontecendo, mas mesmo assim eles se divertem como Lily e Hugo correndo para lá e para cá, ou como Louis que quase quebrou a perna de novo naquelas pedras escorregadias... Eu sempre avisei para ele ficar longe de lá!”.

— Louis é muito teimoso, ele tem isso em comum com você e com Dominique... – Teddy tentou se pronunciar, mas Victoire fez um gesto ríspido para que ele permanecesse quieto. Ele cruzou os braços na frente do corpo e trocou o peso de uma perna para a outra, decidido a prestar atenção, embora fosse bastante difícil ver Victoire demonstrando toda sua preocupação de irmã mais velha, até quando estava furiosa, sem se apaixonar por ela novamente.

Ela fechou os olhos. O céu estava ficando nublado naquela hora da tarde, mas mesmo assim alguns raios estavam invadindo a vista de Victoire toda vez que ela insistia em olhar para cima. Era quase uma piada, o fato de tudo estar conspirando contra ela hoje. Seus pés estavam cheios de areia molhada e os ventos fortes vindos do oceano estavam esvoaçando seus cabelos contra seu rosto, mas ela não pareceu se importar. Seus olhos estavam fixos em Teddy, ela iria dizer tudo o que estava pensando e ele iria ouvi-la.

“Claro que também têm o tio George. Meu aniversário é a única época do ano em que as piadas dele são verdadeiramente vazias e sem emoção nenhuma. São piadas prontas que ele já contou tantas outras vezes e que se ele contasse de novo em outras ocasiões seria engraçado, mas hoje ele parece especialmente vazio. Tio Ron e tio Charlie ainda mantêm o humor, mas eles ficam receosos e preocupados se George vai mostrar algum sinal de que não está conseguindo lidar ou se simplesmente vai ter outra recaída”.

Ela parou para recuperar o fôlego e apoiou as mãos nos joelhos, fechando os olhos. Teddy, na parte seca da areia, observava sua namorada com muita curiosidade, mas também com um olhar profundamente triste. Ele pensava em como poderia ajudá-la com isso, mas infelizmente o que ele poderia fazer agora era ouvi-la. Era uma responsabilidade enorme dividir o seu aniversário com uma data tão controversa como esta. Para qualquer outra família bruxa, seria apenas uma coincidência ter um filho nascido no aniversário do fim da Guerra, mas Victoire não era nascida em uma família bruxa qualquer: ela era uma Weasley. Sua família inteira esteve presente na Guerra, todos participaram ativamente para que o Lord das Trevas fosse derrotado e, é claro, todos tinham o peso nas costas de terem presenciado e vivido dias horríveis e de interminável dor.

Ela abriu os olhos e respirou fundo quando se virou para Teddy. Não havia mais tanta irritação e raiva na voz da Victoire, embora esta ainda se mantivesse alta. Havia apenas uma pontada de frustração no meio de muita tristeza.

“E é claro que você sabe... Mais tarde depois do almoço do meu aniversário, depois de muito hidromel, chega a hora que meu pai e o tio George simplesmente não aguentam mais e acabam chorando baixo na sala, enquanto vovó Molly tenta ser forte e aguentar mais um pouco para não me magoar, mas na maioria dos anos ela também não aguenta e acaba chorando também, querendo que Fred estivesse aqui... E o vovô Arthur precisa sempre ser forte para conseguir acalmá-la, mas eu sei que ele se esforça para não chorar também”.

Há um diferencial nas pessoas que presenciaram e viveram dias horríveis e de interminável dor, pessoas que viveram nos tempos de Guerra e presenciaram seus piores pesadelos se tornando realidade. Essas pessoas ficam marcadas para sempre e embora seja um ato de tremenda coragem retomar a normalidade após terem visto e vividos tempos difíceis e indescritíveis, elas carregam para sempre uma marca no fundo de seus olhos, nas suas reflexões mais profundas e nos seus piores pesadelos, onde há sempre a certeza de ser capaz de reviver, com uma clareza assustadora, os piores dias da sua vida outra vez.

Retomar a normalidade é um ato de coragem e que requer forças inimagináveis para poder seguir em frente, especialmente enquanto tentam lidar com o luto e a dor de sentir-se para sempre quebrados. Voltar para a casa e reconstruir uma vida, continuar a viver um dia de cada vez e pensar em seguir adiante não é uma tarefa fácil. Para Victoire, que nasceu dois anos depois da Guerra terminar, ela cresceu com uma sombra assustadora desse passado que não chegou a conhecer, mas que sempre esteve intimamente relacionado com ela, com sua família e, não menos importante, com seu nome.

“Em algum momento no meio da tarde, o tio Harry acaba precisando sair mais cedo para comparecer em algum lugar... Aonde ele vai, é sempre um mistério. Geralmente Ron, Hermione e Ginny acabam o acompanhando também. Eu não faço ideia do que eles fazem, mas deve ser algo igualmente melancólico”.

Victoire recebeu o seu nome como um sinônimo de que o era possível seguir em frente, era possível construir um mundo melhor para a futura geração crescer e prosperar. Um mundo sem guerras onde seus filhos nunca teriam que viver com medo ou carregar uma cicatriz profunda que pudesse marcá-los para sempre e trazer constantes lembranças de que aquilo realmente aconteceu, mesmo que dentro de seus piores pesadelos.

Victoire significa, obviamente, vitória. Significa que eles poderiam acordar todos os dias seguintes sem se preocupar com uma nova Guerra que pudesse surgir durante a noite. Eles poderiam acordar para ver o sol nascer e saber que o resto do dia continuaria tranquilo, todos os dias, uma vitória.

“No final da tarde, todos vão visitar cemitérios e túmulos de amigos e da família e essa é a hora mais triste de todas. É tão mórbido ver todos se arrumando para sair e visitar cemitérios... As crianças geralmente não vão, as vezes um ou outro dos meus tios também não vai e acaba ficando aqui, mas na maioria das vezes eu e você Teddy é que temos que ficar para cuidar das crianças até eles voltarem das visitas aos cemitérios, com olhos inchados e um olhar ainda mais triste do que eu pensei ser humanamente possível”.

Talvez o principal medo dos sobreviventes que presenciaram e viveram dias horríveis e de interminável dor seja um dia, no meio de tantos pesadelos, sentir novamente a dor de perder alguém que se ama, de sentir a dor da culpa, da impotência e da dúvida. E se tivesse sido diferente? Ainda seria tão assustador sonhar com rostos que você sabe nunca mais ver pessoalmente quando acordar no dia seguinte para ver o nascer do sol?

“E tudo isso acaba sendo tão injusto! Por que precisa ser no meu aniversário? Por que eu? As coisas vão muito bem até a hora do almoço, mas de repente tudo saí do controle... Sempre saí do controle! Já faz vinte anos que a Guerra acabou Teddy, vinte anos! E todo ano eles trazem essa dor de volta... Isso me deixa tão triste...”

Quando ela terminou de falar, Teddy precisou esperar alguns segundos para se certificar de que ela não fosse continuar. Victoire abaixou a cabeça e fitou o chão enquanto Teddy decidiu finalmente se aproximar dela. Ele esfregou as mãos uma na outra e depois tirou seu paletó, ficando apelas com sua camiseta de manga comprida e de botões.

Ele levou o paletó em uma mão até se aproximar de sua namorada o suficiente para jogar seu casaco por cima dos ombros dela. Suas mãos percorreram os braços trêmulos de Victoire enquanto ela ainda fitava o chão. Os ventos que vinham do oceano estavam cada vez mais fortes e frios conforme as nuvens se juntavam e o céu se tornava cada vez mais nublado. Com toda a gentileza que conseguiu reunir, Teddy levou uma mão gentilmente até o rosto de Victoire e acariciou seu queixo por um instante antes de fazê-la olhar para cima, para ele, quando começou a falar:

— Eu acho que é mais fácil para eles, você sabe... Permitir se lembrar do que aconteceu e sentir a dor em um dia específico, talvez seja mais fácil do que carregar esse peso todos os dias...

Ele acariciou o rosto de Victoire com a ponta dos dedos e absorveu o olhar entristecido de sua namorada com um aperto no coração.

— E você acha que adianta alguma coisa? – Ela sussurrou para ele então, rendendo-se ao seu toque gentil e se aproximando de Teddy, encolhendo-se contra seu casaco e permitindo que ele a envolvesse em seus braços para mantê-la protegida de tudo o que a estivesse assombrando.

— Eu acho que dá a eles a ilusão de ter uma escolha, um controle. Eu acho que eles sentem o peso todos os dias de qualquer maneira, mas hoje é o único dia que eles se permitem demonstrar isso. – Ele respondeu, sentindo-se tranquilo quando Victoire encolheu-se contra seu peito e ele pôde afagar seus cabelos e acariciar suas costas.

— Parece terrível. – Ela concluiu.

— E deve ser mesmo, mas vai ficar tudo bem Vic, eu prometo. Estamos juntos nisso e eu vou te ajudar com o que você precisar. Não é justo com você, mas também não é justo para eles... Eles venceram uma Guerra, eles estavam lá e de certa forma uma cicatriz como essa nunca desaparece. – Os pensamentos de Teddy percorreram as lembranças que ele tinha de seu padrinho, das conversas que os dois tiveram anos atrás, quando Harry confidenciou para Teddy que muitas vezes, mesmo a Guerra tendo terminado anos atrás, ele ainda tinha pesadelos tão intensos que tiravam sua noite toda de sono ou faziam Harry pensar que eram tão reais que o faziam acordar no meio da noite e rapidamente alcançar sua varinha na cômoda ao lado da cama, para se proteger.

— Você está certo. Eu estou sendo um pouco... Egoísta. – A voz de Victoire estava abafada contra a camiseta de Teddy.

— Você está chateada e isso é perfeitamente normal. – Ele a convenceu.

— Mesmo? – Ela ergueu os olhos para ele e procurou no seu rosto o olhar que sempre conseguia confortá-la.

— Mesmo. – Ele assegurou-lhe.

Dessa vez, foi Victoire que ergueu suas mãos para tocar o rosto de Teddy. Ele estava um pouco frio por conta do tempo que ficou parado de frente para o vento, mas mesmo assim Victoire passou os dedos pelos traços de seu rosto.

— Obrigada por vir atrás de mim. Você sempre vem. – Ela sussurrou para ele novamente e Teddy sorriu para ela. Victoire precisou ficar na ponta dos pés para conseguir beijá-lo de surpresa, mas assim que Teddy percebeu, ele se inclinou para ajudá-la.

O beijo foi uma mistura das mais diversas sensações. Victoire havia chorado durante todo o tempo que havia ficado irritada e mesmo que as lágrimas já estivessem quase completamente secas, seu rosto estava úmido e o de Teddy um pouco frio. Apesar disso, Victoire foi completamente absorvida pela sensação que sempre a invadia quando beijava Teddy Lupin, desde a primeira vez: segurança. Teddy era seu porto seguro, era o que trazia a sensação de familiaridade e segurança, embora muitas vezes representasse também o inédito. Era como um sonho, quando você tem a impressão de estar em um lugar familiar que já esteve antes, mas mesmo assim consegue surpreender-se com os pequenos detalhes inéditos que tornam cada sonho único e inesquecível.

Ninguém poderia ter dúvidas de que Teddy e Victoire se completavam quando estavam juntos. Eles eram acima de tudo melhores amigos, conheciam cada insegurança e peculiaridade um do outro, sabiam sempre como fazer o outro se sentir bem e sabiam até mesmo quando Teddy precisava ficar sozinho ou quando Victoire queria gritar com alguém sobre o que estava passando pela sua cabeça.

Eles riam um do outro, se lembravam de situações embaraçosas e gargalhavam juntos enquanto caminhavam pela areia molhada de mãos dadas, com Victoire descalça e com o casaco de Teddy sobre seus ombros. Ela era uma graciosa bailarina, caminhando com a ponta dos pés sobre a areia enquanto Teddy era desajeitado e distraído, muitas vezes fixando o olhar em uma concha na superfície da areia e esquecendo-se de tudo ao redor.

E por mais que Victoire fosse inquestionavelmente linda com seus longos cabelos loiros pérola e os traços de seu rosto delicadamente desenhados por anjos, ela não conseguiria se imaginar estando naquela praia, naquele momento, com nenhuma outra pessoa no mundo que não fosse Teddy Lupin. Esse rapaz magricela e alto, com cabelos castanhos e um rosto fino, havia roubado o coração de Victoire Weasley antes mesmo que ela pudesse se dar conta. Teddy Lupin era parte de sua vida desde que nasceu e esteve presente durante suas primeiras lembranças brincando em parquinhos e correndo pelo quintal ou pela praia e principalmente quando Victoire precisou de alguém que a fizesse se sentir bem quando ela chorava.

Segurando os dedos excessivamente longos e curvados de Teddy com sua mão pequena e delicada, ela percebia que eles se encaixavam perfeitamente. As duas mãos de Teddy e as duas mãos de Victoire se entrelaçaram quando ela se virou de frente para ele e pulou no seu pescoço, beijando-o logo em seguida.

— Olá crianças. Eu espero não estar atrapalhando... – Disse uma voz envergonhada atrás dos dois. Victoire soltou o pescoço de Teddy no mesmo instante porque reconheceria a voz do avô Arthur Weasley em qualquer lugar. Imediatamente sentiu suas bochechas corarem, como não faziam há muito tempo. Era verdade que a família estava acostumada com a época em que Teddy e Victoire eram mais novos e criaram muitas manchetes polêmicas para o Profeta Diário por conta do seu namoro, mas mesmo assim o momento não deixava de ser constrangedor.

— Olá vovô. Alguma coisa errada? – Ela perguntou tentando fazer sua respiração voltar ao normal. Teddy ao seu lado levou as mãos até os cabelos e observava o avô Weasley com um sorriso no rosto, mas ainda sim completamente envergonhado.

— Ah não querida, nada errado... Só vim avisar vocês que estamos de saída... Vocês sabem... – Arthur arrumou os óculos no rosto e estava falando pausadamente, como costumava fazer desde que os dois eram crianças, para tentar explicar alguma coisa mais complicada. - Vamos fazer as visitas mais cedo porque sua avó não está muito bem e eu vim avisar também que...

— Eu espero que a vovó fique bem logo... – Victoire o interrompeu, percebendo onde o avô queria chegar e decidindo poupá-lo de explicações excessivas. - Tudo bem vovô, vamos cuidar das crianças e...

— Ah querida, é exatamente isso! Não há necessidade. Hoje eles vão com a gente para as visitas. – Ele sorriu para os dois, orgulhoso de suas palavras.

— É mesmo? – Disse Teddy com um tom de surpresa.

— Sim, sua avó concordou que é uma boa ideia. Eles não são tão pequenos assim, já não temos crianças tão pequenas na família há algum tempo. – Arthur explicou com a voz carregada de certa melancolia.

— Vovô... – Victoire tentou dizer que não seria um problema caso eles não se sentissem confortáveis levando as crianças, mas Arthur parecia estar disposto a continuar falando:

— E isso dá tempo para vocês dois fazerem os seus próprios planos. Eu soube que você e Fleur conversaram... – Arthur olhou para Victoire por cima da lente de seus óculos e  lançando-lhe um olhar paternal ele continuou dizendo:

— E eu peço que você não fique brava com a sua mãe. Eu te disse antes que Fleur acredita muito em você e ela vai apoiar qualquer decisão sua se você assegurá-la de que você vai ficar bem... É só o jeito que os pais têm de se preocupar e sua mãe se preocupa muito com você. É ótimo saber que vocês estão resolvendo isso. Eu sei o quanto você é uma menina forte e que qualquer coisa que você quiser fazer, qualquer decisão que você tomar, vai dar certo porque você vai lutar por isso.

— Vovô... – Victoire foi correndo em direção a Arthur assim que ele terminou suas palavras de aconselhamento. Ela o abraçou com força e ele retribuiu com o tipo de abraço que você só pode receber de seu avô favorito.

— Obrigada pelo primeiro pedaço de bolo, minha querida. Estava delicioso. E de novo, feliz aniversário. – Ele disse quando os dois se soltaram do abraço, dando um sorriso gentil para sua neta. Ele apalpou os bolsos do casaco e retirou um relógio antigo e enferrujado. Depois de olhar os ponteiros por um instante e concluir que já deveria ir, ele se virou para Teddy que observava os dois com um sorriso no rosto.

— Sabe Teddy, eu realmente acho que você deveria comprar um automóvel trouxa.

— Harry te disse? – Teddy perguntou com o seu rosto agora esboçando um sorriso divertido. Victoire não deixara Teddy terminar de mencionar um automóvel trouxa quando ele tocou no assunto de que seria uma boa ideia para que eles se misturassem melhor no meio dos trouxas. Para Victoire, um automóvel trouxa era sinônimo de acidentes gravíssimos e, portanto, uma ideia que era automaticamente descartada.

Vendo o olhar presunçoso de sua neta, Arthur continuou falando:

— Sua avó, na verdade. Você deveria comprar e ainda fazê-lo voar! Não existe nada mais emocionante. Eu me lembro de como foi difícil convencer Molly a me deixar ficar com o velho Ford Anglia e ainda pior quando eu consegui fazê-lo voar... Eu não me arrependo de nada do que aquele carro fez!

— Vovô! – Victoire exclamou com exasperação.

— Só precisa convencê-la, Teddy. – Ele aconselhou uma última vez antes de se virar para caminhar em direção a festa.


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Notas finais do capítulo

Eu só tenho uma coisa a dizer: para essa história, não haveria data mais apropriada para um novo capítulo.
Meus planos inicialmente eram terminar essa história no dia de hoje, 2 de maio. Infelizmente, isso não foi possível. Talvez porque eu não pude prever que a vida universitária fosse alterar tanto meus horários e rotinas.
Claramente, a história ainda não terminou. Espero vocês no próximo?



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