Através de um vidro escuro escrita por Scya


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

E finalmente, depois de muito tempo, é com orgulho que eu digo que essa história está disponível. Eu espero que vocês gostem de ler sobre Teddy Lupin tanto quanto eu me diverti escrevendo. Bom capítulo e boa leitura.



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Através de um vidro escuro

Capítulo 1

Por Scya

 

 

Os sinos no alto da igreja ressoaram por toda a catedral. Era possível sentir um arrepio conforme as ondas sonoras alcançavam seus ouvidos em intervalos regulares, badalada após badalada. Se continuasse com os olhos fechados, conseguiria sentir o som atravessando toda a extensão da basílica até chegar ao altar de mármore branco, alcançando as estátuas sagradas e em seguida os vitrais coloridos, onde a luz do sol iluminava através das cores pintadas nos desenhos.

Andrômeda se remexeu incomodada conforme os sons das badaladas continuavam a ressoar. Ela estava ajoelhada em um banco da catedral com um terço de madeira esculpido á mão entrelaçado nos dedos, em uma oração. Seu neto, sentado no banco ao seu lado, observava conforme a respiração um pouco falha e lenta da avó movimentava seu peito para cima e para baixo enquanto seus dedos tremiam freneticamente.  Quando as badaladas finalmente cessaram, seus dedos pararam de tremer e Andrômeda abriu os olhos.

— Que horas são? – Ainda ajoelhada, ela perguntou para o neto ao seu lado.

— São dez horas. – Respondeu Teddy conforme retirava o relógio do bolso de dentro do paletó do casaco e conferia o movimento regular dos ponteiros de bronze.

— Precisamos ir. – Disse a avó, ríspida.

— Precisamos. – Concordou Teddy, levantando-se primeiro para ajudar a avó a levantar em seguida. A senhora enrolou o terço de madeira entre os dedos de uma mão e com a outra alcançou o braço do neto, que há muito tempo já era mais alto do que ela.

Os dois caminharam em passos lentos por entre as fileiras de bancos de madeira maciça conforme saiam da catedral. Silenciosos, nenhuma palavra era preciso ser dita. Dentro da catedral, os vitrais davam a impressão de que o dia lá fora estava dourado como se fosse iluminado por anjos, mas Teddy sabia, desde que era muito pequeno para entender, que o dia 2 de maio nunca seria um dia iluminado por anjos e tampouco seria abençoado por qualquer deus.

Ele poderia recordar perfeitamente todas as vezes que vivenciou a data. Em todos esses anos, 2 de maio era um dia que sempre amanhecia cinzento e chuvoso, como um insulto, um desafio, feito especialmente para colocar os sentimentos ruins a deriva de novo. Ele podia sentir a amargura de repetir a mesma programação, todas as vezes, na mesma data, todos os anos. A única coisa que mudou, ironicamente, em todo esse tempo, foi ele mesmo, com toda a desenvoltura de um jovem de 20 anos.

Ao atravessarem a majestosa porta de madeira na saída da igreja para a rua, Teddy sentiu todo o peso esmagador que momentos antes ocupavam seus ombros se esvaindo. Sentiu-se livre de todo o sufoco e culpa que sentia todas as vezes que acompanhava a avó até a catedral, localizada há poucos quarteirões da casa onde cresceu. Desceu os degraus de saída da igreja segurando firmemente a avó em um braço, como seu protetor e único neto. Quando alcançaram a calçada, aceleraram o passo conforme percorriam a rua.

Teddy já estava acostumado com o silêncio prolongado e característico de sua avó. Ela sempre foi uma mulher muito severa e fechada, de pouquíssimas palavras, mas uma imensa sabedoria e compreensão. Não deixaria transparecer qualquer incomodo ou sentimento desnecessário, sua verdadeira tristeza era visível apenas àqueles capazes de reconhecer seu passado e sua dor.

Conforme avançavam pelas casas da vizinhança tão familiar, Andrômeda começou a demonstrar os primeiros sinais de cansaço. Não que o caminho fosse muito longo ou que a casa deles estivesse longe, o problema era que Andrômeda, já fazia muitos anos, era uma mulher cansada. Os cabelos já estavam quase completamente grisalhos, a silhueta curvada marcava sua idade já um pouco mais avançada do que Teddy gostaria. Em seu rosto, as feições e traços mostravam como o tempo havia passado, marcando de forma sutil a longa história que Andrômeda viveu durante toda sua vida, desde sua infância com suas duas irmãs e seus dois primos na mui antiga e nobre casa dos Black, até sua adolescência repleta de reviravoltas e escolhas que levaria consigo pelo resto da vida, como o casamento com o bruxo nascido trouxa Ted Tonks e, como fruto dessa união indesejável por sua família, nascera sua única filha, Nymphadora.

É claro que Teddy conhecia a história em detalhes meticulosamente calculados por sua avó. Ela não era muito aberta a expressar seus sentimentos ou a dizer muito mais do que o que fosse necessário sobre sua vida. A grande maioria dos detalhes e até mesmo alguns acontecimentos foram descobertos por Teddy após anos de investigação. Foi seu padrinho Harry Potter, sua família e amigos próximos que contaram todas as histórias e recordações que tinham a respeito dos seus pais, Remus Lupin e Nymphadora Tonks.

Não foi muito difícil para ele, desde muito cedo, se sentir familiarizado com uma imagem criada em sua mente a respeito de seus pais. Por muitos anos, se fechasse os olhos, conseguiria ver com clareza os traços do rosto de Remus Lupin, com seu cabelo castanho claro marcado por uma quantidade considerável de fios grisalhos e um sorriso fraco. Já Nymphadora, sua mãe, tinha uma aparência completamente diferente cada vez que Teddy se esforçava para reconstruir os traços de seu rosto no fundo de seus pensamentos. Ela era exatamente como ele sempre foi, desde muito jovem, imprevisível. Os dois compartilhavam da mesma habilidade que permitia sempre uma nova surpresa em cada fotografia. Ele gostava de carregar consigo a imagem de Nymphadora sorrindo, algumas vezes com o cabelo rosa, outras com o cabelo azul. Gostava de imaginar, como Ginny sempre fazia questão de lembrá-lo, como Nymphadora frequentemente mudava as feições de seu rosto, especialmente de seu nariz, para divertir e descontrair todos nos tempos mais difíceis durante a Guerra.

Desde que era muito pequeno, conseguia sempre encontrar o conforto que precisava quando pensava em seus pais, na imagem deles, em como eles um dia foram presentes na vida de tantas pessoas, como foram queridos por muitos, heróis de uma Guerra que Teddy só entenderia anos mais tarde, após incansáveis explicações tanto de sua avó quanto de seu padrinho, que tentavam fazer Teddy entender que seus pais não tinham morrido em vão e o deixado sozinho de propósito, como a mente do garotinho de quatro anos insistia em conspirar.

— Teddy... – Chamava Harry, sempre muito paciente conforme secava as lágrimas do afilhado que escorriam por seu rosto infantil. – Teddy, está tudo...

— Não está tudo bem! – Ele insistia, soluçando desesperadamente. É claro que desde que tivera consciência do que se passava ao seu redor, Teddy percebeu que havia alguma coisa terrivelmente errada, a ausência de um pai e de uma mãe que não fossem tão velhos quanto sua avó ou tão novos quanto seu padrinho. Ele só queria poder ter um pai e uma mãe como todas as outras crianças tinham e mesmo percebendo a ausência dessas duas pessoas em sua vida, ele nunca imaginou que algo tão terrível existia por trás de tudo.

— Teddy, querido – Começou sua avó, sentando-se no outro lado de sua cama e segurando o porta retrato de Remus e Nymphadora que sempre deixara repousado na cômoda de seu neto. – Seus pais foram muito corajosos. Eles ajudaram a salvar o mundo bruxo e são lembrados por muitos como verdadeiros heróis.

— Eles estão mortos. – Teddy disse entre soluços, o cabelo mudando para uma tonalidade cada vez mais escura. – Você me disse que eles tinham morrido e não que foram assassinados!

— Eles ajudaram a tornar o mundo bruxo um lugar melhor. – Repetia Harry novamente, acariciando os cabelos desarrumados de Teddy com a ponta dos dedos. – Eles escolheram lutar para tornar o mundo um lugar melhor para todos... Um lugar melhor para o filho deles crescer, sem nenhuma preocupação com Guerras e sem nenhum sofrimento.

— Harry... – Ele se rendeu, cansado de protestar contra os dois. Seus olhos ainda estavam cintilantes, completamente cheios de lágrimas. Seu rosto estava úmido, vermelho e um pouco inchado. Seus cabelos estavam completamente escuros agora, tão arrepiados e desarrumados quanto os do padrinho. Seu olhar refletia exatamente a inocência de uma criança sentindo dor e tristeza, o olhar desesperado de um coração partido. – Eu só não entendo...

— O que você não entende, Teddy? – Perguntou Harry, empurrando os óculos da ponta do nariz. Ele tinha um olhar de compreensão e de equivalente tristeza, quase como se a imagem de Teddy descobrindo a verdade por trás da morte dos pais fosse um reflexo exato de si mesmo. Ele sempre viu muito de si, por todos esses anos, quando observou Teddy crescer. Os dois eram muito parecidos em vários aspectos, entre eles na perda tão precoce dos pais.

— Eles não precisavam ter lutado na Guerra, não é? – O garoto ergueu os olhos para encarar diretamente os de Harry e depois se virou para a avó. – Se eu era tão pequeno como vocês disseram, por que eles me deixaram sozinho? Por que eles tiveram que ir?

— Eles precisaram ajudar, Teddy. Precisávamos da ajuda deles para conseguir vencer essa Guerra e derrotar de uma vez por todas o bruxo das trevas que aterrorizava todo o mundo... – Andrômeda explicou, a voz um pouco falha pelos incontáveis esforços de fazê-lo entender o que realmente tinha acontecido. – Foi uma Guerra horrível, devastadora e com muitas perdas, querido.

Harry assentiu, concordando com Andrômeda. Ele passou os braços gentilmente pelos ombros de Teddy, tentando acalmar sua respiração e os incontroláveis soluços. O garotinho encolheu-se no abraço do padrinho, as lágrimas voltaram a escorrer ainda mais urgentemente por seu rosto. Ele abaixou a cabeça e não conseguiu olhar nos olhos de nenhum dos dois por um bom tempo, apenas ficou ali, encolhido contra o peito de seu padrinho, se sentindo seguro e ao mesmo tempo sentindo um aperto no coração.

Hoje mais cedo, coincidentemente sendo 2 de maio, eles haviam levado Teddy para a catedral no fim da rua. Ele havia caminhado por todo o caminho cheio de muita energia, segurando a mão de Harry e a mão de sua avó. Quando chegaram à catedral, ele se sentiu imediatamente intimidado pela majestosidade daquela construção, como se sentiu todas as outras vezes que a avó o tinha trazido até ali. O lugar era repleto de estátuas sagradas, com vitrais coloridos e desenhados com imagens de anjos. O altar era feito de mármore, os bancos todos feitos de madeira. Lá dentro predominava um silêncio ao mesmo tempo tranquilizador e intimidante. Ele não conseguia desviar o olhar da maneira como a luz do sol penetrava os vitrais, assim como não conseguia parar de observar as pinturas e as estátuas, tão incrivelmente bem feitas e maravilhosamente lindas para os olhos facilmente impressionáveis de uma criança de quatro anos.

Teddy sentiu a necessidade de perguntar o que eles vieram fazer ali, por que eles vinham ali todo o ano e o traziam junto. É claro que Teddy, desde muito pequeno, foi ensinado a acreditar em Deus pelos costumes antigos de sua avó e da família de seu avô, os Tonks, que eram trouxas. Havia poucos Tonks ainda vivos naquela cidadezinha que eram parentes de seu falecido avô e, consequentemente, dele. Os poucos que existiam, assim como seus vizinhos mais próximos e melhores amigos de sua avó, o senhor e senhora Bradley, eram fiéis daquela catedral e desde muitos anos atrás, quando Andrômeda se mudou para aquela cidade quando se casou com Ted Tonks, ela passou a frequentar a catedral com similar entusiasmo.

Se procurasse nos álbuns de fotografias que Andrômeda guardava com muito zelo em um armário de vidro na sala de sua casa, Teddy encontraria com facilidade fotos de sua mãe, Nymphadora, em sua infância e adolescência, sentada nos bancos daquela mesma catedral, com os cabelos diferentes em cada fotografia e com um olhar tão maravilhado quanto o do filho conforme admirava as estátuas angelicais e a majestosidade daquela construção.

Ao alcançarem um banco bem próximo ao altar, Andrômeda se adiantou e se ajoelhou, retirando um terço de madeira de sua bolsa e o enrolando entre os dedos conforme fechou os olhos e ficou em silêncio. Harry se ajoelhou também, ao lado de Andrômeda. Ele fechou os olhos serenamente e ficou em silêncio.

Os dois ficaram em silêncio por um bom tempo, enquanto o pequeno Teddy sentou-se no banco do lado dos dois e os observou com um olhar repleto de curiosidade e ansiedade, esperando que alguma coisa fosse acontecer. Ao invés disso, algum tempo se passou até que Andrômeda e Harry levantassem e, segurando na mão de Teddy, o levassem para a casa.

De volta à casa dos Tonks, Teddy continuava encolhido em sua cama, com a cabeça baixa e com os olhos fechados com força para tentar fazer as lágrimas pararem de cair. Ao seu lado, Harry continuava abraçando seus ombros com delicadeza. Nenhum dos três disse uma única palavra por um bom tempo, apenas permaneceram em silencio conforme Harry escutava com atenção a respiração de Teddy, antes ofegante, se normalizar aos poucos. Andrômeda permanecia sentada na cama do neto, com sua postura impecável e um olhar de expressiva preocupação.

Ninguém poderia, de fato, conseguir imaginar o que estava passando pelos pensamentos de um garotinho de quatro anos que acabara de se dar conta sobre o quão azarado realmente era. Sobre como sua vida sempre foi rodeada de muito sofrimento e dor e que todo mundo sabia exatamente o porquê, quando o observavam de longe com um olhar repleto de pena e tristeza que Teddy nunca soube reconhecer ou identificar de fato. Nunca soube o motivo exato de por que, também, haver um clima muito estranho ao redor dos adultos em determinadas épocas do ano.

Era e sempre foi esperto o bastante para entender que tudo estava ligado com a perda de pessoas queridas e lembranças não muito agradáveis a respeito de uma guerra anos atrás, mas ele nunca chegou a imaginar que a guerra, na verdade, sempre esteve tão próxima dele, relacionada tão intimamente com sua vida. Ele nunca imaginaria que seus pais tivessem sido mortos daquela maneira assim como também nunca imaginaria, como iria descobrir um pouco depois, que houvera tantas outras vítimas.

Depois de um tempo indeterminado em silêncio, Teddy finalmente parecia mais calmo. No olhar de Andrômeda havia alívio e no de Harry uma pequena porção de triunfo. Quanto Teddy finalmente pareceu ter parado de chorar, ele murmurou baixinho uma coisa que nenhum dos dois adultos foi capaz de identificar.

— O que você disse, querido? – Questionou Andrômeda, visivelmente ansiosa.

O pequeno então finalmente se moveu. Ele parecia hesitante quando esticou o braço até a avó e retirou das mãos dela o porta retrato com a foto do casal peculiar que eram seus pais. Ele levou a foto para junto de si e observou por um longo período o retrato. Não conseguiu desviar os olhos da foto por um bom tempo, assim como em momento nenhum ergueu os olhos para encarar os adultos. Andrômeda sentiu que talvez fosse melhor deixá-lo sozinho, embora tivesse muito medo de fazê-lo.

— Teddy? – Chamou Harry, preocupado para saber se o afilhado estava bem. Ele, porém, não ergueu os olhos da foto. Parecia que estava absorvendo cada detalhe da imagem que se mexia discretamente, ressaltando o sorriso de Nymphadora. Teddy observou a foto, vendo a feição dos dois como se estivesse vendo-os pela primeira vez, embora o porta retrato estivesse em sua cômoda desde que nasceu.

Ele observou seu pai, com feições profundas e bem marcadas pelo cansaço, a pele pálida, os cabelos castanhos com muitas manchas grisalhas. Observou ainda as cicatrizes bem características e bem marcadas em seu rosto, assim como seu sorriso tímido e uma barba rala e áspera.

A presença de sua mãe dava um forte contraste na fotografia. Para Remus, desde suas roupas até sua expressão, tudo parecia uma variação de tons de marrom e branco, simples, discretos e comuns. Nymphadora, por outro lado, era completamente diferente. Usava roupas coloridas, com cores vivas e extremamente brilhantes.  Seu sorriso era deslumbrante e ofuscava completamente o sorriso tímido de Remus. Tinha os olhos muito expressivos e felizes, os cabelos estavam em uma tonalidade bem forte de roxo, bem vivos e bagunçados.

Naquele momento, Teddy absorveu pela primeira vez as poucas informações que conseguiu recolher sobre os seus pais naquela fotografia que nunca havia observado com tanta atenção. Não havia nada naquelas feições que pudessem indicar o que estava prestes a acontecer. Naquela foto, Nymphadora ainda não sabia que estava grávida. Não havia preocupações, não havia medo, não havia nada além da mais pura felicidade por finalmente estarem juntos. Não havia nada que indicasse que os dois estavam em seus últimos meses de vida.

Uma única lágrima quente escorreu pelo rosto de Teddy conforme ele se levantou e repousou o porta retrato na cômoda ao lado da cama, com os olhos de Harry e Andrômeda seguindo cada um de seus movimentos. Inesperadamente, ele não deixou o porta retrato virado para sua cama, como de costume. Ele virou a imagem dos pais para a parede. Em seguida, ele finalmente ergueu o rosto e olhou bem profundamente para os olhos de Harry. O padrinho percebeu rapidamente que aquele se tratava de outro tipo de olhar, não mais desamparado e inocente. Teddy estava com raiva.

— Eles me abandonaram, foi isso que eles fizeram! – Disse Teddy para o padrinho, com uma voz muito mais alta do que o normal. – Eles me abandonaram, escolheram participar dessa Guerra idiota ao invés de ficar em casa, comigo, como deveria ser!

— Teddy! – Andrômeda o repreendeu, completamente surpresa.

— Eu odeio eles! – Teddy continuou, olhando bem fundo nos olhos do padrinho. – Eu odeio eles! Eles me abandonaram! Eu odeio eles! É tudo culpa deles! Eu odeio eles!

Ele não conseguiu perceber, também, quando as lágrimas retornaram a escorrer por seu rosto, sem o seu consentimento prévio ou aprovação. Ele não queria mais chorar, ele não aguentava mais chorar. Ele não compreendia.

“É melhor deixarmos ele sozinho agora, Harry. Tenho certeza que ele precisa de tempo para compreender o que realmente aconteceu, precisa ficar sozinho.” Essas foram as palavras de Andrômeda para seu padrinho poucos instantes depois da explosão de Teddy, onde os dois se retiraram do quarto com um olhar de profunda reprovação. Teddy sabia que na verdade Harry havia ficado parado do outro lado da porta por mais algum tempo, apenas para poder ouvi-lo chorar contra o travesseiro e se certificar de que ele ficaria bem. O garoto podia ver a sombra do padrinho por debaixo da porta e isso foi o suficiente para acalmá-lo algum tempo depois.

No presente, o jovem de 20 anos que seguida com sua avó pela vizinhança estranhamente deserta alcançou o portão de sua casa. O portão de ferro envelhecido na frente da casa dos Tonks estava fechado, sendo necessário somente um aceno da varinha de Andrômeda para abri-lo o suficiente para que ela e Teddy pudessem passar. Com outro aceno, o portão se fechou após alguns rangidos metálicos.

Teddy se adiantou então para abrir a porta de frente e entrou na sala de estar. Imediatamente, o cheiro característico e familiar o invadiu. Ele observou por um instante os móveis sempre impecavelmente bem arrumados. Retirou então o paletó que estava usando para pendurá-lo ao lado da porta.

Sentou-se na poltrona mais espaçosa e confortável sem nenhuma cerimônia. Seus olhos se ergueram quase automaticamente para o armário de vidro a sua frente, onde os álbuns de fotografia eram guardados nas gavetas e havia várias prateleiras com porta retratos meticulosamente arrumados por sua avó e organizados com muito cuidado e atenção. Todos tinham molduras de madeira e todos se mexiam em ritmos e contrastes diferentes. Ele poderia ficar observando o movimento das fotos o dia todo, mas infelizmente havia outras coisas que precisavam de sua atenção.

Ele sabia exatamente o que precisava fazer no dia de hoje. Conhecia os horários e os locais onde ainda deveria ir, sabia o que o esperava em cada um deles e sabia também, acima de tudo, que não seria a última vez que repetiria o mesmo procedimento. Tentou desviar seus pensamentos por um momento conforme permitiu-se olhar através da porta ainda aberta e encontrar sua avó ainda na varanda de fora, observando e separando as correspondências do correio trouxa.

No instante seguinte, antes que percebesse, Teddy estava observando com atenção a prateleira de fotografias, com destaque para a última prateleira mais recentemente arrumada por sua avó. A primeira foto presente na prateleira era um retrato seu, em seu último ano em Hogwarts, vestindo orgulhosamente o uniforme da Lufa-Lufa e com o distintivo de Monitor Chefe cintilando em seu peito. Nesta época, Teddy ainda costumava usar o cabelo azul arrepiado e tinha um sorriso idêntico ao que já vira em outras várias fotografias de sua mãe.

As outras fotos da prateleira variavam muito. A próxima se tratava de uma foto de James e Albus Potter, filhos de seu padrinho e muito próximos de sua avó também. Os dois vestiam uniformes de Hogwarts. James era mais alto e mais forte do que Albus, além de ter um sorriso muito mais confiante e convencido. Teddy sorriu ao se lembrar de como James era irritante na maioria das vezes. Albus já era mais baixo que o irmão e tinha um sorriso fraco e tímido.

A próxima foto era uma fotografia de Victoire Weasley, sua namorada. Se Teddy se permitisse, poderia ficar admirando o foto de Victoire por um tempo indeterminado. Sentia-se completamente apaixonado pela neta mais velha dos Weasley desde que tinha 14 anos, quando começou a pensar que talvez aquela atração toda fosse culpa repentina dos hormônios e também do fato de Victoire ter uma fração de sangue de Veela herdada de sua mãe. Ele se lembrava de como foi inseguro naquela época, pensando que Victoire estava em um nível completamente inalcançável para ele, tendo um grande complexo de inferioridade, apesar dos dois serem melhores amigos desde crianças. Eram os dois que sempre ficaram responsáveis por todas as outras crianças da família, os netos Weasley, por serem justamente os mais velhos.

Foi apenas uma questão de tempo para que os dois percebessem que sempre foram apaixonados um pelo outro. Depois de várias brigas e discussões, crises de ciúmes e desentendimentos, Teddy e Victoire estavam finalmente juntos, como deveria ser. Eles eram primeiro e acima de tudo melhores amigos, para depois se tornarem o casal que mais criou manchetes polêmicas no Profeta Diário durante a adolescência.

Sem se dar conta, Teddy esboçou um sorriso completamente verdadeiro e feliz apenas por ter o mínimo pensamento e lembrança sobre Victoire. Apesar de ser o dia mais triste para toda a família e amigos, era também o aniversário de Victoire. Não era segredo para ninguém que o seu nome, Victoire, era justamente uma referência a isso. Ela nasceu no aniversário de dois anos do fim da Segunda Guerra Bruxa e desde muito pequena teve que fazer um tremendo esforço ao compartilhar o aniversário com uma data tão melancólica.

Sendo assim, hoje era seu aniversário de 18 anos. Teddy se lembrava, pelo seu cronograma programado ao longo dos anos para se adequar com a data em questão, que o próximo local que deveria estar era junto de Victoire no almoço de seu aniversário.

Respirou fundo em seguida quando seus olhos alcançaram a última foto na prateleira e também a mais recente. Era uma foto dele mesmo, Teddy Lupin, tirada há quase dois anos atrás, quando se formou em Hogwarts e começou a trilhar os primeiros caminhos de uma vida adulta. Tratava-se de uma fotografia de Teddy vestindo seu uniforme de trabalho, um terno marrom escuro com uma pequena identificação no peito.

Ele era funcionário do Ministério da Magia, nada muito surpreendente. Desde muito jovem, quando começou a ter um controle maior sobre suas habilidades como metamorfomago, despertou um interesse muito grande sobre Transfiguração, sua matéria favorita em Hogwarts e que ele mostrava maior aptidão. Estava tudo relacionado, de um jeito ou de outro. Ele conseguia alterar sua aparência de acordo com a sua vontade e a Transfiguração estudava a transformação e alteração de objetos e animais. Ele buscou, em seu tempo em Hogwarts, se dedicar a esta matéria justamente para conseguir um conhecimento maior sobre si mesmo. Como exímio em Transfiguração, conseguiu um emprego no Departamento de Acidentes e Catástrofes Mágicas, como um dos membros do Esquadrão de Reversão de Feitiços Acidentais.

Não era o emprego dos sonhos de Teddy e, sinceramente, era difícil pensar se Teddy realmente tinha um emprego dos sonhos. Ele nunca foi um rapaz ambicioso, sempre se contentou com o que tinha e com o que conseguira adquirir, não precisando se esforçar muito para encontrar o conforto que tanto precisava.

Na fotografia em questão, Teddy gostava de reparar o grande contraste com a sua fotografia anterior. Refletia muito como ele havia crescido. Na foto anterior, vimos um Teddy de cabelos rebeldes e azuis, bastante sorridente, enquanto na fotografia mais atual, Teddy tinha os cabelos castanhos claros como os do pai, tinha um sorrido bem mais reprimido e parecia muito mais centrado. Era verdade que na foto com cabelos azuis ele se parecia muito com sua mãe, enquanto que nesta, ele se parecia muito com Remus, seu pai.

Após perceber que o tempo estava passando com ele sentado na poltrona da sala, Teddy se levantou em um salto. A porta da frente estava trancada, indicando que Andrômeda já havia entrado em casa e ele nem havia percebido. Era muito característico de Teddy, também, ser um pouco desatento e desastrado, exatamente como sua mãe um dia fora.

— Vovó? – Ele chamou.

— Aqui em cima, querido. – Respondeu Andrômeda logo em seguida, com sua voz vinda do andar de cima da casa. Teddy se adiantou então e subiu as escadas. No andar de cima, havia um banheiro e três quartos, sendo um deles o seu próprio quarto, o outro de sua avó e outro um quarto com quadros e móveis antigos, que um dia foi o quarto onde Teddy guardava seus brinquedos.

Ele se adiantou pelo pequeno corredor até parar no batente da porta do quarto da avó. Andrômeda estava prendendo seu cabelo grisalho em um penteado apertado, enquanto as roupas de seu guarda roupa eram dobradas e organizadas por magia.

— Você vai comparecer ao aniversário da Vic hoje, não vai? – Perguntou Teddy, recostando-se no batente da porta.

— É claro que eu vou. – Respondeu simplesmente a avó conforme terminava de prender seu cabelo. – Não perderia essa ocasião por nada, você sabe que eu acho Victoire uma moça muito adorável.

— Você se importa de ir sozinha? – Continuou Teddy, um pouco receoso em deixar a avó chateada. – Queria encontrar a Vic mais cedo.

Andrômeda se virou para ele e o encarou com os olhos escuros expressando curiosidade. No instante seguinte, ela assentiu.

— Se não tem jeito... Só não esqueça aquele pacote no seu quarto, Teddy. Victoire não te perdoaria por isso. – Advertiu a avó, recuperando o tom severo de sempre.

— Obrigado Vovó! – Teddy, alegremente, se aproximou de Andrômeda e despediu-se dela com um abraço sincero. No instante seguinte, estava atravessando o corredor novamente até o seu quarto, onde o pacote de presente estava repousado em cima de sua cama, exatamente como havia deixado hoje mais cedo. Ele apanhou o pacote e rapidamente desceu as escadas, sempre muito desajeitado. Apanhou o paletó e no instante seguinte, sentiu um puxão no umbigo quando aparatou.


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Notas finais do capítulo

E esse foi o fim do primeiro capítulo. Eu espero que tenham gostado e que estejam presentes para o próximo. Opiniões construtivas e comentários são sempre bem vindos. Um abraço!