DeH; Arcaia escrita por P B Souza


Capítulo 9
Os Bastilhões de Arcaia




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— O que isso quer dizer? — Nenia perguntou.

— Que eu preciso tomar mais cuidado, não apenas com o que vou fazer, mas com as coisas que eu já fiz. — Arcaia respondeu, preocupada. — Você não entende. Não sabe... ainda não. Mas vai descobrir em tempo.

— Tem a ver com suas viagens para o Vulcão, não?

Arcaia não respondeu, não precisou.

Havia voltado ao Vulcão Dragão para estudar com cuidado o trabalho que havia feito lá. E encontrado dragões já sobrevoando aquela montanha. Teve que fugir deles, enfrenta-los. Estava cansada e sentindo-se vazia como se a vida estivesse para se acabar. Se sentia velha sem ter envelhecido, gasta como carvão que queima por muito tempo, prestes a virar cinzas. E seu trabalho estava apenas começando.

Sua viagem, porém, foi motivada para entender qual desenho precisaria dar aos seus planos futuros, qual forma as torres deveriam assumir.

Em sua pressa e dor enquanto o Monstro Inominável lhe abraçava nas trevas do véu, Arcaia havia transmutado a rocha do Vulcão Dragão para aquela pedra esbranquiçada e indestrutível da qual as torres de Jhar Maar Kaagham eram feitas. Em sua pressa Arcaia esqueceu-se que a cidade de Kaagham era simétrica, e um lado espelhava o outro com perfeição, pois a rocha transmutada servia não como enfeite ou como proteção do Vrynfhar, mas como um inibidor de seu efeito, diminuindo sua área de efeito.

A magia era forte demais, e precisava ser contida. Daí as torres estrategicamente posicionadas. E eu não tive esse cuidado. Agora, além de tudo, não tinha também o tempo ou a vitalidade para destruir e recomeçar. Então retornou para o vulcão, analisou a espessura e densidade das paredes transmutadas e criou um mapa da área de efeito que Lrafhar já estava afetando. E então, a partir deste mapa, Arcaia poderia traçar seus próximos passos.

Em seus desenhos, após retornar para Rubrum, notou que, diferente da área segura circular de Jhar Maar, a área afetada pelo Lrafhar seria disforme como as fronteiras de um país, mas grande demais para Sul e pequena demais para o Norte até mesmo para os planos originais de Arcaia. O efeito da magia atingiria até mesmo quilômetros mar adentro.

Então em seus pensamentos entendeu a necessidade das torres mais do que nunca, pois não adiantaria ter os dragões atraídos para aquele vulcão se os mesmos não fossem ser aprisionados, e a prisão só poderia ser feita com a imortalidade de Kaagham recriada para alimentar as barreiras mágicas que fluiriam das torres negras, e tais torres seriam a inversão da própria transmutação que criava aquela tão estranha rocha branca, pois os dragões poderiam vir ao calor por instinto, mas até quando ficariam ali? Preciso prendê-los, depressa!

Arcaia tinha muito o que fazer, e muito não dependia sequer dela, mas das construções que já se iniciavam ao redor de toda a costa.

Nos dias de calmaria em Rubrum, o governo se desdobrava para atender as necessidades do povo enquanto boa parte dos homens da cidade estavam na guerra e a outra grande parte havia, misteriosamente, abandonado a cidade junto de algumas poucas mulheres. Como maior parte da população era, agora, composta por mulheres, Arcaia aconselhou o Rei Anker a deixar que sua filha Nenia cuidasse do governo, pois isto acalmaria os ânimos das mulheres de uma forma positiva.

— A representatividade é a única forma de conter barulho, desordem e insatisfação. Rubrum é uma cidade de mulheres, porque elas obedeceriam a um homem?

— Sou o rei delas. O homem, por costume...

— Morre. — Arcaia havia interrompido Anker tocando-lhe por baixo, no queixo e olhando seu rosto, pois o Rei Anker era mais baixo que ela. — Não seja tolo. Use as armas que tem em seu alcance para manter a coroa sob sua cabeça e a cabeça sob seu pescoço.

E com isso Nenia terminou de assumir o controle de Rubrum enquanto Kedros estava longe na guerra e Aetya ocupada demais vivendo o sonho da gravidez.

Aetya e seu marido, Goevro, estavam vivendo um sonho impróprio. Arcaia sabia, não era momento para felicidade, mas sim para preparativos. O futuro lhe aguardava e ela seria o próprio futuro. E naquele momento, precisava de Goevro para grandes planos.

O cerco de Caienu prosperava, mas as muralhas eram fortes e penetrá-las era complicado. Então o exército de Kedros havia viajado até a floresta do Carbo para derrubar árvores e erguer armas de cerco. O que levou considerável tempo que Arcaia não tinha. Pretendia usar os moribundos quando retornassem, mas não me deixam escolha.

Ela esperava que Kedros fosse ser um estrategista melhor. Mas mesmo depois de tantos exemplos em sua vida, Arcaia não entendera que confiar em um homem era se decepcionar. Sem poder esperar pelo momento em que o exército fosse invadir as muralhas de Caienu, Arcaia precisava buscar sua marionete do interior da cidade. Precisava dar continuidade em seus planos ignorando os planos de Kedros.

— Vá para Caienu, o exército e Kedros deixará que passe, pois era tu um militar. Entre na cidade da forma que achar melhor e não cause caos, transmita uma mensagem para um homem que trabalha como guarda para o Rei Damazo. Diga para Ornannis; Ornannis, Arcaia lhe chama em Rubrum. Apenas.

E no dia seguinte, enquanto desjejuavam, Aetya invadiu o salão, aos prantos, e esbofeteou Arcaia, que se levantou, assustada, recuando. Ouvindo as acusações de bruxa e feiticeira.

— O que isso significa? — Anker perguntou, em fúria, quando Aetya finalmente fora separada de Arcaia, que não havia revidado nenhum ataque, apenas aparado os tapas e recuado.

— Essa bruxa enfeitiçou Goevro. Eles conversaram ontem, minha aia viu. E hoje quando eu acordei ele havia sumido. O que fez com meu marido, Bruxa?

— Arcaia? — Nenia perguntou, com um olhar confuso e a voz em um tom de descrença.

— Conversei com Goevro, pois tive um sonho horrível... Anker entende, levei a notícia primeiro para o marido, ele saberia como lhe consolar. É o papel do homem. — Arcaia disse olhando para Aetya, que não caia por seus truques.

— Consolar? Dormiste com ele, sua imunda? — Aetya, em ira, não racionava o bastante, então Arcaia foi até Nenia e cochichou em sua orelha. Nenia levou as mãos à boca, em um suspiro de espanto.

— Irmã, por favor, considere...

— BRUXA. — Arcaia viu Aetya se livrar dos guardas que a seguravam, agarrar um prato da mesa que jogou imediatamente contra ela. Os cereais e o leite de cabra que estavam no prato voaram pelo salão.

Arcaia ergueu o braço para se defender e o prato encostou em sua pele, o bronze de qual o prato era feito lhe tocou sem machucar e caiu no chão em seguida, congelado, trincou e se partiu em dezenas de fragmentos.

Todos no salão se calaram por um momento então, até mesmo Arcaia se surpreendeu com o descontrole. Isso não pode acontecer. Não pode! Pensou, tentando entender como deixou que Vrynfahr agisse por conta própria. É uma arma, é uma parte do véu. É a energia da própria vida. E Vida, quando ameaçada, se defende.

— Eu disse. — Aetya olhou para todos, então se livrou dos guardas uma vez mais e cuspindo no chão terminou; — Bruxa. — E saiu deixando-os em passos rápidos ecoando no salão.

— O que foi isso, Nenia? — Anker perguntou para sua filha e a Rainha Nenia olhou para o pai em desolação.

— Arcaia possuí poderes além do que imaginamos, pai. Isso não a faz bruxa, mas sim uma dádiva para Rubrum, mas não para Aetya. Arcaia teve uma visão do futuro, contou para Goevro pois esperava que ele soubesse consolar minha irmã, o filho que ela carrega não chegará a nascer. Se Goevro não possuí honradez para suportar a perda de um filho e sustentar sua esposa em um momento tão difícil... isso não é culpa de Arcaia. Ele fugiu, e tal crime é dele e apenas.

Àquelas acusações, Arcaia nada pronunciou. Deixou que os eventos se desenrolassem como havia planejado. Goevro indo em busca de Ornannis era um segredo que apenas Goevro sabia e Aetya precisava de uma desculpa plausível para o que viria a ocorrer. Um natimorto não era incomum, e ela sempre poderia casar de novo e ter outro filho. Mas aquele, aquela criança que Aetya carregava... Arcaia precisava daquela criança.

O aborto era real. Só não era profecia.

Nos primeiros dias após o escândalo, Arcaia focou em seus estudos e o planejamento da imortalidade controlada, reproduzindo precisamente o erro que havia concertado em Kaagham. Isolou o erro dos Estudiosos para ter não frio ou calor, mas a própria aberração temporal, o distúrbio no véu, e criou uma forma de controlar tal distúrbio através da magia. Tudo, claro, na teoria. Não teria como usar mais magia que já tinha usado sem causar danos irreversíveis.

Quando tirava suas roupas via a necrose se espalhar pelas costelas, seios, coxas. As marcas nos braços pareciam como se fosse açoitada diariamente. Estava se tornando difícil até mesmo andar e a dor era insuportável. Arcaia fingia bem, havia se acostumado com a dor, mas a dor era horrível mesmo assim. No entanto, precisava daquilo. Precisava da magia que não podia usar sem se condenar a morte, e não podia morrer. Jamais morrerei. Então precisava de uma fonte alternativa.

 

Quando nascemos a chama da vida queima forte, é o começo de um incêndio que só se encerra com a morte quando a chama da vida se extingue e os restos retornam ao véu, de onde viemos.

Então foi como se estivesse de volta em Ipeiros. Pode ouvir Vainihr lhe falando sobre aquele feitiço;

— De onde vens, assassinato é um crime porque vocês veem a vida como algo único e precioso. Para nós a vida que carregam é parte de algo maior, do véu, e o véu nos pertence. Nós somos os percursores de tudo. A morte não é o roubo, mas a devolução deste fragmento para o véu. A tomada deste fragmento é como um empréstimo. Não importa o caminho, Arcaia, no final de todas as estradas, sua espécie e você retornarão ao véu como a energia que você canalizará hoje. No final o ciclo sempre se completa.

Aprender aquilo havia sido parte do treinamento para o grande feitiço que os anciões haviam criado e queriam testar para o grande plano. A tomada de uma vida, para eles, era nada além de um empréstimo. Minha espécie não entende. Minha raça não sabe a verdade. Não precisam saber. Era um crime, mas apenas para os homens ignorantes. Para aqueles esclarecidos o bastante era apenas uma forma de empréstimo.

Então, prevendo que Ornannis estava para chegar dado o tempo que Goevro havia partido, Arcaia precisou mover seus planos. Em uma madrugada calma se esgueirou pelas sombras até o quarto de Aetya, e com os olhos cheios de lágrimas se aproximou da princesa que dormia indefesa. Tocou-lhe a barriga que começava a ganhar forma, fechou os olhos e sentindo a culpa de executar um bebe que não chegou a nascer... não posso fazer isso.

Enquanto não executava o feitiço, prendia Aetya com outras magias, pois quando começasse, ela acordaria. Ela gritaria.

— Desculpa, mas é preciso. — Disse o mais baixo possível com os olhos fechados. — Milhares de vidas por milhares de anos. Vocês todos vão morrer de qualquer forma. Antes que tenham utilidade em vida. — E quando abriu os olhos viu que Aetya havia acordado, ela lhe ouvira, mas não conseguia se mexer ou falar. Sua testa já suava e ela parecia desesperada, mas não podia mover sequer um dedo.

Arcaia olhou para os olhos dela o tempo todo. Quando começou, quando sentiu a vida se esvair e quando sentiu suas feridas e sua necrose diminuir. Quando o sangue escorria pelas pernas de Aetya manchando os lençóis e quando Aetya possuía aquele olhar de quem pede apenas pela misericórdia de uma morte indolor. Ela olhou nos olhos de Aetya todo esse tempo.

E quando acabou sussurrou;

— Se lhe servir de algo, não se lembrará de nada disso, nem da dor, nem de mim aqui. — Então tirou a mão da barriga de Aetya, que fechou os olhos, adormecendo na poça de sangue na cama, e Arcaia saiu do quarto como se sequer tivesse estado ali em primeiro lugar.

E no outro dia foi acordada por uma das aias de Nenia.

— A senhora Aetya teve o aborto que nem a senhora previu. E depois ela se jogou pela janela. Acharam o corpo na praia, toda inchada e roxa, trazido pelo mar.

Naquele dia Arcaia nada fez, ficou de luto junto de Nenia, e se desculpou por ter causado aquela tragédia

— Não posso deixar de pensar, se nada tivesse dito para Goevro ele não teria fugido e talvez nada disso tivesse acontecido, o bebe podia morrer, mas ele estaria junto, ele não permitiria que ela... foi minha culpa.

E todos lhe disseram palavras de consolo.

Mais dois dias se passaram até que Ornannis chegasse de Rubrum, exausto de uma viagem incessante, os pés sangrando de tanto andar e as roupas secas e rasgadas, cheias de areia. Quando o homem chegou, pronto para lhe servir, Arcaia levou-o para os laboratórios que estava usando para estudar e mostrou para ele a pequena massa de energia flutuante, transparente, visível apenas como se fosse uma gota de água que nunca cai.

— O que é isso? — Ele perguntou para ela. Sua voz ainda tinha o mesmo teor de apreço e servidão de antes. Era como se não houvesse passado sequer um dia desde que se viram pela última vez. Ornannis ainda amava Arcaia como no dia em que conhecera ela.

— Imortalidade. — Arcaia disse para ele. — É nisso que venho trabalhando, e é isso que quero lhe entregar, disse que haveria uma recompensa por sua servidão. Agora toque.

Ornannis obedeceu, como era de se esperar, e sucumbiu em um profundo sono assim que aquela magia errônea o penetrou. Arcaia observou seu sono por horas enquanto a pele de sua cobaia se destorcia e ressecava, rachava, sangrava. Sua cobaia continuava dormindo em total paz. Arcaia tentou acordá-lo, mas nada funcionava. Abriu até mesmo os olhos de sua cobaia, apenas para ver uma luz vermelha queimando dentro de seu globo ocular. A pele se transformando em rocha, os cabelos caindo, e os olhos como carvões em chama.

Foi assim que Ornannis acordou, arfando como se tivesse corrido, mas sem nenhum movimento brusco.

Olhou ao redor, e então para Arcaia, se sentando.

— Quem é você? — Ela perguntou para ele. E Ornannis olhava para as próprias mãos, para sua pele.

— O que fez comigo?

Arcaia ajudou ele a se colocar em pé, então, segurando-o pelos ombros, usou o Vrynfhar que tinha dentro de si. O gelo passou pelos seus dedos para Ornannis, congelando-o, trincando sua já trincada casca que escondia a pele e o brilho vermelho como fogo nos olhos se apagaram e Ornannis caiu de joelho só para, por um segundo, perder o ar. Então Arcaia recuou, fascinada vendo o gelo que matava e quebrava tudo sequer ferir Ornannis.

— Te transformei em algo melhor. — Ela disse enquanto Ornannis se levantava e seus olhos voltavam a queimar como antes, e ele a olhava com ainda mais amor. — Meu Nume. Meu guardião.

Arcaia deixou Ornannis aprisionado no laboratório, em segredo, mas sem correntes. Só precisou pedir que ele não saísse dali. E todo dia vinha com algo novo para testar. Veneno, espada, flecha, fogo, gelo, lanças, fome, sede. Nada parecia ser capaz de ferir ou matar aquela criatura que também não dormia. E, para sua surpresa, mais uma habilidade foi descoberta. Ornannis era capaz de, não apenas aprender, mas reproduzir magia sem ser afetado pelo peso contrário que custava para Arcaia a própria vida se usado em demasia.

— Você não consegue? — Ornannis perguntou enquanto entre seus dedos chamas flutuavam, indo até o pulso e retornando ao polegar, contornando os dedos e se extinguindo só para surgir novamente com uma pequena faísca.

— Ninguém consegue. — Arcaia explicara para ele. Nem mesmo os anciões. — Magia é uma arma que fere ambos os lados. É impossível não se queimar quando usa a energia do véu. Ou era. Vocês são a prova, eu fiz algo que nem mesmo os anciões fizeram.

— Quem?

— Ninguém. — Arcaia sorriu, feliz. Havia valido a pena, tudo aquilo valera as dores, as punições, os sacrifícios. — Vê, eu tenho esse plano para terminar o que comecei quase dois ciclos atrás quando cheguei aqui. Mas eu preciso do exército e do povo da sua cidade. Você será o único escolhido entre eles, todos os outros vão morrer.

— Do exército?

— Do povo da sua cidade. — Arcaia explicou. Ornannis abusava da ignorância. Mas Arcaia colocava tal defeito na sociedade distorcida de Caienu e não em Ornannis. Todos daquele lugar eram simplórios assim, por isso apenas Ornannis ficaria, eterno, para contar a história através dos ciclos. — Eu vou lhe dizer o que fazer. São torres, simples assim. Você erguerá dezenas de torres, cada uma delas em um lugar diferente, vem, veja no mapa. — Mostrou para Ornannis. — Você e seu povo construíram meus Bastilhões. Já possuo alguns homens retificando os terrenos aonde os bastilhões ficaram, mas eles são poucos e morreram logo. Preciso do seu povo. E então você passará de bastilhão em bastilhão, inspecionando-os, garantindo que eles estão prontos para operar. Se a torre for construída do jeito certo, você fará isso...

Arcaia procurou uma pedra no chão, pegou-a e voltou para Ornannis que olhava um pergaminho aonde Arcaia havia feito longas anotações.

— O que é isso? — Ele perguntou, olhando ávido o pergaminho.

— Olhe minha mão. — Ela mostrou a pedra, uma pedra regular e indiferente. Então, subitamente, a pedra se tornou branca como prata sem brilho e tão rápido, veios negros surgiram de dentro dela, e a pedra se tornou negra e notavelmente mais pesada. — Esse pergaminho contém este feitiço. E você aprenderá, e passará de Bastilhão em Bastilhão transformando as estruturas originais nesta rocha transmutada. Fara isso por mim?

— Farei tudo por você. E depois?

— Me encontrará, aonde quer que eu esteja, e me servirá para toda a eternidade.

— Você não morrerá? — Ele perguntou então.

Arcaia abriu um sorriso ao ouvir aquilo. O medo de Ornannis não era pela morte de Arcaia, mas por ter de viver a eternidade sem ela. Àquilo ele não havia porque temer.

— Nunca. — Ela respondeu, certa e confiante. — Jamais!

Precisou ensinar os feitiços e magias e encantamentos essenciais para Ornannis. O primeiro do seu exército de Numes. E então, quando terminou de ensinar ao Nume tudo que ele precisava aprender, mandou-o para Rubrum novamente, pois entre os ensinamentos estava aquele truque que forçava as pessoas de mente simples a seguirem ordens mesmo sem saberem o porquê de estarem seguindo tais ordens.

Após a partida do Nume Ornannis, Arcaia retornou para o castelo flutuante, apenas para descobrir que não era verdade. A maré estava absurdamente baixa pela primeira vez, sendo que a água do mar havia recuado dezenas de metros e ela podia ver o firmamento no qual a cidade se sustentava. Dezenas de pilares de rocha sólida e o próprio castelo ficava em cima do maior dos pilares, na verdade, era como uma coluna que compreendia toda a área do castelo. E o fundo do mar, repleto de areia e rochas, estava ali em baixo das escadas. Era uma visão perturbadora que causava enjoo até mesmo em Arcaia. Como detalhe à visão, peixes se debatiam nas poças d’água entre as rochas.

— O que tem em baixo do Castelo? — Perguntou para Anker quando o encontrou no castelo repleto de ouro e vitrais com belos desenhos.

— Quando a maré baixa, as criptas aonde os reis de Rubrum são enterrados em seus tronos eternos. Quando a maré sobe, apenas cavernas inundadas e inacessíveis. A cidade toda após a praia é assim. Todas as casas nesta costa pedregosa estão firmadas em colunas de rocha sólida. Foi uma ideia para enriquecer o visual de Rubrum, antes os pilares de rocha eram apenas observados, então, nossos antepassados cansaram de observar e decidiram construir em cima deles.

— Interessante. — Arcaia disse para o Rei, então suspirou e tentou ser direta. — Estou deixando Rubrum para uma viagem em nome do Império.

— Sim, seus planos com Hero...

— Exato. Meus planos requerem que eu esteja no Cerco de Caienu o mais rápido possível.

— No Cerco? Uma mulher?

— Ainda dúvida do poder que uma mulher pode exercer, Anker? Sua filha envergando sua coroa não é prova o bastante? Mas se essa é sua preocupação, que não seja. Não usarei espada ou batalharei. O que tenho para fazer em Caienu é um discurso que acabará com a guerra. Então retornarei. Transmita estas mensagens para Nenia, sim. Quando retornar trarei comigo, além da vitória, uma joia inestimável para salvar Rubrum da desolação dos dragões e barganhar com ela.

— Todo esse mistério... vitória, joias, discursos e barganhas, todos esses dias indo e vindo do laboratório. O que está planejando, Arcaia?

— Algo grandioso. — Arcaia garantiu para Anker. — Mas agora devo partir, já limpei o laboratório, caso queiram usar. Agradeço a hospitalidade...

— E quando partirá? Façamos um jantar antes...

— Temo que isso não será possível. Parto agora. Essa guerra precisa acabar, mas faremos jantar de grande pompa quando eu retornar, que tal?

— Parece uma boa ideia.

— Sim, parece.

E com isso Arcaia deixou Rubrum, Nenia e Anker para trás, enquanto todos esperavam seu retorno como uma salvadora, sem saber que as desgraças de Rubrum, das envolvendo a família real, até o desfecho que culminaria com a cidade se tornando praticamente inabitável, eram todas culpa dela.

Mas fora uma cidade, apenas uma cidade em troca de um Império.

E se fosse necessário fazer tudo de novo, Arcaia faria!


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