DeH; Arcaia escrita por P B Souza


Capítulo 4
O Rei, os Estudiosos e o Povo


Notas iniciais do capítulo

Como o capítulo de antes era curto demais, decidi postar esse em seguida também!
Espero que gostem.
Ps. Há um mapa da Ilha, mas só vou poder postar depois do capítulo 6 pelas mudanças no mapa e afins. xD



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A cidade perdia o brilho, mas continuava tão branca quanto antes, conforme Arcaia se aproximava. Era como se a proximidade revelasse as pedras como o que eram e não como grandes espelhos a refletir luz.

Não existia muralha ao redor de Jhar Maar Kaagham, e as casas menores eram feitas em rocha comum tal como as vendas de rua eram feitas em madeira. Apenas as construções mais imponentes eram feitas naquela rocha estoica branca. E estas construções eram grandes, alcançando até trinta metros de altura, abraçando as nuvens mais baixas, suas bases redondas com mais de quarenta metros de diâmetro se erguendo para o céu se tornando quadradas ao passo que no topo muitas dessas construções possuíam piras que queimavam algo em um fogo azul, mas não existia fumaça.

As vias eram elevadas, criadas em paralelepípedos grandes e cinzas fazendo com que água corresse por entre eles, nos vãos que existiam e estes vãos eram cobertos por grades de aço fundido em uma trama justa de forma que nem mesmo os cavalos prendiam seus cascos ali.

No entanto, a cidade era grandiosa ao ponto que se via, mas não era populosa como Arcaia esperava, pois as cabanas de vendas e as casas mais simples eram vazias não apenas de pessoa, mas de conteúdo. Olhando pelas janelas das casas era possível ver que não haviam moveis dentro delas ou mercadorias dentro das casas de vendas.

— O que aconteceste ao povo? — Arcaia perguntou, um tanto abismada se preocupando com os efeitos daquele domo e como eles afetariam a população do Império de Hero.

— Ao perceberem que não estavam envelhecendo a maioria escolheu deixar a cidade. — Berfut disse. — Foi difícil e feio.

— Dizes feio. Por quê? — Arcaia perguntou ainda olhando para as casas. Havia até mesmo um banco aonde o chão na sua entrada se encontrava cheio de moedas de ouro que pareciam estar ali há muitos ciclos.

— Imagina uma criança envelhecendo dez ciclos em dez segundos. — Berfut completou. — A pele rasgando com os ossos crescendo de uma só vez, a dor, o sangue…

— Por quê? — Arcaia perguntou, abismada.

— Isso é pergunta pros estudiosos, não pra gente. — Agirfut disse. — Vai ter chance para perguntar isso e muito mais hoje ainda, creio. Ou eles te jogaram para fora antes.

E eles guiaram Arcaia para o interior da cidade, construção por construção, via por via.

No caminho conversaram ainda sobre sorte e azar, maldição e destino e tempo. Para Agirfut eles eram sortudos por estarem ali para sempre já sem necessidade de comer ou de dormir, embora ainda comecem e dormissem quando sentissem vontade, não era necessário que o fizessem para continuarem vivos. A nulidade temporal havia resolvido todos os problemas. Mas para Berfut a nulidade temporal havia apenas criado novos problemas e jogado-os em uma maldição, pois podiam facilmente acabar com a maldição pondo fim nas próprias vidas, mas como o fariam? Com que coragem? Era uma provação diária aonde os que viviam eram os fracassados.

Arcaia entendia os temores de cada um deles, o tempo sempre fora seu principal inimigo até os anciões mostrarem para ela como burlar as barreiras, não do tempo, mas da forma frágil que a raça humana se prende, e por isso se faz vítima do tempo. Então por mais que compreendesse o ponto de vista de Berfut, concordava mais com Agirfut. Imortalidade era uma benção mais que uma maldição, mas tudo dependia de quem recebia tal benção, pois que nas mãos erradas poderia ser maldição, mas não para o imortal ao passo que aqueles sob seu governo quem sofreriam. Aquele era o grande debate de Ipeiros e ela não esperava se deparar com tais indagações nas quatro ilhas. No entanto, ali estava.

Arcaia não tinha a resposta, mas graças a eles conseguiu a imortalidade por formas inconvencionais. Graças a eles havia conseguido o trunfo para vencer seus inimigos. Havia conseguido tempo quando o tempo estava se acabando em sua vida! E, portanto, não cabia a ela julgar os anciões.

 

Quando chegaram no pátio central frente ao castelo de Kaagham, Arcaia viu outras pessoas, dispersas em pequenos grupos, pelo pátio e arredores nas esquinas.

— Ainda não perguntei, mas sois apenas vocês em toda a cidade?

Já havia entendido que não havia necessidade de comércio ou demanda. Quando alguém queria algo, essa pessoa podia fazer ela mesma o que quisesse, e se não soubesse tinha tempo para aprender. A escasses de tempo era a própria motivação que forçava a humanidade a criar, inovar e se reinventar. Quando o tempo não acabava não existiam motivadores fortes o bastante e então ali estavam todos, desmotivados pois não havia pressa porque não havia final. Arcaia compreendia essa determinação, os anciões haviam lhe ensinado, o tempo eterno não significa vida eterna, pois embora sua existência seja indefinida, as oportunidades ao redor não são iguais. E as chances virão e irão, pois então mesmo os imortais deveriam aproveitar as chances que a mortalidade alheia provesse, pois apenas assim se teria sentido no sempre. Aquele discurso era confuso para Arcaia porque implicava, acima de tudo, a finitude não apenas dos outros, mas do próprio mundo. E se assim fosse, do que adiantaria a imortalidade do ser ante o final de seu entorno?

Para aquelas indagações teve apenas uma resposta, repetida várias vezes, em Ipeiros “Tudo haverá de findar, e até mesmo os anciões um dia serão não mais. O que fazemos é protelar um evento inevitável, mas que um dia veremos”. Fosse como uma profecia ou fosse apenas dizeres populares, aquele prospecto não trazia alegria ao coração de Arcaia, que temia então viver para sempre, e mesmo assim não ter tempo, e mesmo assim não ser para sempre.

Do castelo de Kaagham saiu um grupo de homens fardados com capas aveludadas e coletes de couro já desbotados. Seus rostos eram lisos como madeira lixada, não possuíam expressões e pareciam calmos. Entre eles vinha um único diferente, com coroa na cabeça, brilhando com a luz do sol, dourada. Seu olhar era quente e seu rosto acalentava ambições, ambições impossíveis, pois ali estavam todos inertes no tempo.

— Agirfut, quem é a estrangeira que trouxeste e aonde está Jarfad? — Perguntou um dos que usavam capa. Sua capa era azul tão marinho quanto o céu noturno visto pelo oceano.

— Jarfad vem a passo lento, pois o cavalo caiu sob sua perna. — Berfut quem respondeu.

— E está que vem é Arcaia de longe, viajante que nos procura pois tem uma missão aqui. — Agirfut completou.

— E suponho que para ela ofereceram ajuda? — Perguntou outro dos com capa ignorando Arcaia e sua missão.

Ela notou distinção entre estes homens. Haviam dois grupos, um deles usavam marinho mais escuro e eram apenas sete homens. O outro grupo usavam um tom mais claro de marinho e eram dez homens.

Agirfut olhou para Berfut, e os dois olharam para Turam e Yuram que ainda nada haviam falado. Arcaia percebeu que eles não tinham respostas para aquela pergunta, então foi ela quem falou.

— Não os culpem, pois ao me verem os quatro caíram em torpor de desejo, e quando eu disse que seguiria viagem, os quatro me seguiram por vontade própria, mas tal vontade é carregada de segundas intenções que eles sequer entendem.

— Que tipo de mulher é você? — Perguntou o que usava uma coroa dourada sob os cabelos castanhos.

— E Jarfad não caiu nesta malícia tua por quais razões?

— Isso terás que perguntar para Jarfad. — Arcaia respondeu ao homem de capa. — Ou para o esposo dele, caso tenha um.

Ao redor deles, no pátio, reuniam-se pequenos grupos de pessoas diversificadas. Arcaia notou então que não existiam crianças ali em Kaagham.

— Mulher. Fiz-te uma pergunta. — O rei disse novamente, ajeitando sua coroa sob a cabeça.

— Sou o tipo de pessoa que causa espanto, amor, ódio, ruína e desejo. Sou incerta como uma tempestade de começo de vyrien, indecifrável como os mistérios da terra, objetiva como uma vida curta, constante como a imortalidade. Sou o passado que vocês desconhecem e o futuro que conhecerão em dado tempo. Sou eu hoje nada, mas amanhã tudo. E venho em nome de Hero Magmun, do Sul, Imperador do maior império das ilhas e também meu noivo.

— É uma bruxa. — Contradisse um dos com capa escura em uma acusação pouco amigável nem mesmo pela palavra, mas pelo tom no qual a disse.

— Tal como tu e os teus, creio. — Arcaia disse olhando para o homem, vendo-o por dentro e por fora, sentindo-o. Aquele não era como Jarfad que não caia em seus encantos por não nutrir paixão pelas mulheres. Aquele homem nutria paixão maior pelo saber, e havia desvendado os mistérios que alguns chamavam de magia. Sua mente não cairia em truques baratos e encantos simplórios como a maioria dos homens.

Enquanto isso um deles cochichava na orelha do rei.

— Trabalhamos para o bem de Kaagham. — Disse outro em capa. — Entenda que nossa temerosidade se dá com motivo, visto que é poderosa.

— Então enfeitiçou estes homens para conseguir chegar até aqui? — O rei inferiu.

— Não, majestade. — Disse o homem que havia cochichado. — Ela não precisa enfeitiçar. Sua simples presença afeta os que possuem cabeça fraca.

— Então Jarfad é entre eles o mais esperto?

— Jarfad gosta de homens, majestade. Por isso não caiu nos desejos da carne que os outros caíram. Temo eu. — Explicou o homem.

O rei olhou para ele com certo desconforto enquanto todos se calaram sem respostas àquilo. Arcaia quase riu. Era absurdo que em um mundo isolado e eterno ninguém soubesse das preferências de Jarfad.

— E eu serei enfeitiçado por essa mulher? — Então o rei quebrou o silêncio.

— Só se fores fraco, majestade. — Arcaia disse, sorrindo. — Mas, se permites, digo que não. Vejo em ti uma força aprisionada a qual temo não ter como conter. — Mentiu, pois aprendera que homens adoravam elogios e se fosse o caso, se o rei caísse em desejos por Arcaia, elogios viriam a calhar.

E após aquilo Arcaia foi convidada para entrar, assim como Agirfut e Berfut. E em uma sala privada conversaram os três, mais o rei e alguns dos estudiosos de Kaagham. Então se apresentaram com nomes e funções e Arcaia fez o mesmo. E então ela já sabia como chamá-los.

O rei se chamava Oric da casa Sirin, e reinava ali desde antes do tempo parar para Kaagham. Sua esposa fora uma das que não quiseram suportar a eternidade e deixou a cidade, sendo que seu destino era, para Oric e todos ali, desconhecido, mas a morte era uma certeza.

Jhar Maar Kaagham ainda contava com outra instituição burocrática chamada de Estudiosos. Oric explicara que fora seu avô quem decidira investir nos estudiosos elevando-os de simples guilda para membros efetivos do governo. O motivo era simples; dragões. A Ilha da Garvia sofria com uma infestação destas bestas que traziam para Arcaia nada além de pesadelos, pois seu passado era infestado por dragões; os com patas e escamas e os com armaduras e pés.

Naquele tempo, do avô de Oric, chamado Cosimo Sirin, havia apenas sonhos e esperanças distantes. E nas esperanças que a coroa confiou surgiu tamanho poder que desafiava a lógica. Jhar Maar Kaagham estaria salva se os rascunhos fossem feitos realidade. E então já era tempo do pai de Oric que viu a construção da cidade em torres, tal como aconselharam os estudiosos da guilda. E de geração em geração os planos foram passados de pai para filho e era como se nenhum deles conseguisse chegar ao final daquela jornada, pois as torres haviam sido erguidas, a rocha das torres haviam sido transmutada, os materiais haviam sido recolhidos, mas a guilda ainda assim não havia cumprido com sua promessa.

Então, Oric revelou a verdade para Arcaia.

— Meu pai fora sensato, pois ainda em seu reinado tudo estava pronto e o que chamamos de Vrynfahr, no idioma antigo…

— Frio absoluto. — Arcaia interrompeu, pois conhecia a palavra.

— É como um orbe de poder infinito. Eles criaram uma arma derradeira, pois até hoje a ilha jaz congelada e isso já faz mais de mil ciclos. Mas os estudiosos sabiam do erro, eles estavam cientes que Vrynfahr ao ser ativado causaria uma ruptura no tempo. Então avisaram meu pai das consequências desconhecidas, pois embora soubessem que o tempo seria afetado, não sabiam como. Poderia ser nosso fim, nossa ruína. E meu pai optou por conviver com os ataques dos dragões. Isso não agradou o povo que, ignorante, queriam a tecnologia ativada, pois havíamos prometido segurança, e isso já não era mais possível de se entregar. Então aconteceram revoltas, e em uma delas meu pai foi assassinado pelo povo tal como três dos estudiosos do círculo menor. Eu subi ao poder então. Vê, estava encurralado entre duas escolhas ruins, e, temendo a morte pelo mesmo caminho de meu pai, optei pela saída mais fácil. Hoje vivo com o peso de minhas ações e a eternidade para assombrar-me até o fim, caso um dia cheguemos ao fim.

Irão chegar. Tudo um dia chegará. Arcaia pensou, mas vociferou diferente.

— Eu hei de concertar. Encontrarei solução ao erro, se me permitirem, claro. Pois venho para isso e por isso. Toda uma ilha e um império perece e não é a imortalidade que busco aqui, mas a lendária arma que expulsou os dragões. Então, se me permitirem, eu hei de concertar tal erro e então poderei salvar meu povo, tal como tentaram fazer com o teu.

— Seu povo. — Oric disse como um eco à voz de Arcaia. — É rainha? Continuo esquecendo.

— Não. — Ela respondeu com honestidade. — Sou noiva de Hero, o Imperador. Voltarei para Hero com a solução aos nossos problemas, dragões. E então serei rainha. O que sou é o futuro de nossa espécie…

— Disse isso algumas vezes, sim, mas o que quer dizer com isso? É uma ameaça? — Perguntou Ozgu sob sua capa azul-marinho e seu colete de couro.

Ozgu era um dos estudiosos do círculo menor. A Guilda dos Estudiosos era dívida em dois círculos, um menor e outro maior. O menor possuía originalmente dez estudiosos, os mais sábios e aplicados da cidade. Três deles haviam morrido na revolta que aconteceu quando o Rei Segfig, pai de Oric, se negou a ativar o Vrynfahr. O círculo maior corresponde a um grupo de estudo para, conforme fossem morrendo os do círculo menor, os lugares serem reocupados por sábios estudados e treinados; e são compostos por quinze, mas dos quinze dois morreram na revolta de Segfig e três deixaram Kaagham junto da Rainha após Oric ativar Vrynfhar e congelar o tempo tal como a ilha.

Arcaia compreendia que os estudiosos haviam sido elevados para influentes diretos no governo, e por tal razão eles interferiam constantemente com suas perguntas, alegações e acusações.

— Não faço ameaças, não vejo sentido em tal jogo. O que digo é um aviso sincero como disse para Hero quando o conheci. Eu sou o futuro, eu sou a salvação, pois o inimigo virá. Os dragões de pernas e de asas virão. E apenas eu posso detê-los. Dediquei minha vida para isso. Cabe ao povo escolher e viver com as consequências de tal escolha. O futuro, eu. Ou os dragões e o final.

Agirfut pareceu sorrir àquilo.

— O futuro é você para o povo de Magmun, mas só se tiver nosso consentimento. — Eyo, outro dos estudiosos, disse como se acusasse Arcaia. — Logo somos nós os salvadores, somos nós o futuro…

— Com uma arma defeituosa? — Arcaia interrompeu Eyo com um sorriso de canto. — Teus estudiosos parecem duvidar de minhas intenções. Talvez eu deva mostrar-lhes um pouco da minha verdade, então entenderão, tenho certeza…

— Não é necessário. — Brehan disse.

— Não, não é. — Korikmaz emendou na fala de Brehan. — Majestade, essa mulher vem até nós buscando salvação para inocentes, tal como seu avô e vossa majestade próprio. Sugiro que escutamos suas propostas…

— Ela quererá levar nosso Vrynfahr embora. — Eyo acusou no mesmo instante. — E se sua magia for assim tão forte, conseguirá, Majestade. Deveria não dar ouvidos e sequer olhar para ela. Mande-a embora enquanto pode.

— Chamam-me de burro, ou apenas pareceu? — Oric perguntou olhando para Eyo, que corou e se calou. — Não podemos lhe dar Vrynfahr, isso é claro, e não são minhas as pesquisas que resultaram na construção do Vrynfahr. Seu povo é seu e arrumará forma de salvá-lo. A oferta que fizeste, para mim, interessa. Ver Vrynfahr concertado e esta anomalia temporal desfeita seria um sonho. Mas, como disse, certas coisas não cabem a mim. — Oric olhou para os estudiosos. — Deixo aqui meu desejo que Arcaia faça seus estudos e, com sorte, encontre a solução para os erros que acometeram Jhar Maar Kaagham há mil quinhentos e setenta e um ciclos atrás por escolha minha e erros de vocês, e assim tais erros não acometam o povo dela. Mas, estudiosos, cabem a vocês a decisão final. Espero que minha palavra pese sob suas escolhas como pesara outrora.

E com isso o Rei Oric pediu pela licença de Arcaia e se retirou deixando-a com Berfut e Agirfut e os estudiosos, pois Turam e Yuram haviam se retirado logo no começo da reunião.

Arcaia deixou que os estudiosos conversassem enquanto observava-os e eles falavam como se ela sequer ali estivesse. Ozgu e Eyo acusaram-na de bruxaria e feitiçaria, alertaram sobre seu perigo para Kaagham e como ela poderia causar desgraça para todos. Era como se na verdade eles alegassem também sobre profecias e certezas, como se soubessem que Arcaia fosse, invariavelmente, descobrir algo. Os dois conseguiram o apoio de Birkan e Dilek, somando quatro em oposição a sua permanência. Os quatro pareciam resolutos em negar-lhe qualquer benefício que fosse.

Foi então que pela porta entrou Jarfad, ao ver Arcaia ele fez uma careta de raiva misturada a de dor. E tomou lugar ao lado de Agirfut, a quem xingou e amaldiçoou por tê-lo abandonado.

— Pensei que fossemos mais que isso. — Jarfad disse, baixinho, mas não escapou aos ouvidos de Arcaia, que compreendeu.

Então, a seu favor, estavam os estudiosos Korikmaz, Brehan e Ozdes.

— A votação é definitiva. Ela partirá amanhã…

— Calma, Eyo. — Korikmaz interrompeu. — Não vê, ou se faz de cego, ao voto de Oric?

— Oric não tem voz nos assuntos que tocam o estudo e o saber. O dever dele é governar o povo. — Eyo disse em sua defesa.

— E Arcaia vem pelo interesse de salvar seu povo. Suas demandas são relativas ao governo tanto quanto ao saber. Ela toma para si ambos os pesos, de modo que a opinião de Oric cabe aqui. De modo que temos um empate. — Brehan disse com um sorriso para Arcaia.

Os que se opunham a ela olhavam-na com desdém. Arcaia tentava se manter austera. Então Birkan e Ozdes conversaram e chegaram a consenso.

— Os três que acompanham-na devem votar também. — Ozdes disse. — apenas para quebrar o impasse.

— E como Agirfut, Berfut e Jarfad não detém poder de governo ou de saber seus votos serão contados para sua estada em Kaagham. — Birkan completou. — De modo que o estudo de Vrynfahr ficará suspenso até nova votação.

— Que fique. — Disse Berfut.

— Que fique. — Disseram Agirfut.

Então tiveram primeiro que explicar para Jarfad o que votavam e o que Arcaia propusera. E às explicações ele respondeu;

— Que vá para os cinco infernos fazer propostas para Gaudun.

— Se lhe ofendi, peço desculpas, Jarfad. Sinto-me culpada pelo seu estado agora mais que quando o cavalo lhe caiu por sobre. — Arcaia disse em tom lamentoso para o homem que lhe olhava com ódio nos olhos.

Jarfad falara de Gaudun e dos cinco infernos, como nas lendas antigas que diziam que abaixo de todos existiam cinco infernos e cinco entidades supremas. Cada uma das cinco entidades haveria criado uma criatura para destruir a terra das quatro ilhas. Hirxun, a mais engenhosa das cinco entidades, havia criado os humanos como uma praga pequena, mas altamente destrutiva. Gaudun, outra entidade, havia criado os dragões para assolar e devastar a vida, deixando sob a terra apenas cinzas. Nas histórias antigas Hirxun havia sido ousado e dado para sua criação a mesma habilidade que as entidades, permitindo que os humanos fossem tão engenhosos quanto os cinco seres dos infernos, e, por isso, seus quatro irmãos prenderam Hirxun para sofrer eternamente, pois sua criação, os humanos, acabaram se tornando o inverso de destruição quando começaram a se organizar e se espalhar.

Arcaia sabia a origem daquelas lendas e sabia o fundo de verdade que existiam nelas. E sabia que não existiam cinco infernos. Mas havia conhecido pessoalmente as Cinco Entidades; Hirxun, Gaudun, Amoheux, Vainihr e Qeomon. Ali, nas quatro ilhas, eram apenas lenda. E poucos sabiam a verdade. Até mesmo em Ipeiros, poucos sabiam seus nomes. Chamavam-nos apenas de Anciões Negros, aqueles que habitavam o mundo quando nada habitava. Aqueles nascidos do Monstro Inominável, pura energia do véu tomado forma entre os mortais. E entre os mortais eles ganharam nomes. E os nomes foram temidos por muito tempo e então esquecidos. E agora viviam nas histórias, e as pessoas temiam contos sem saber a verdade. Gaudun habitava logo do outro lado do oceano junto de seus irmãos.

E, por isso, Arcaia sorriu. Pois conhecia as entidades, e não as temia. Na verdade, devia muito aos cinco. E Gaudun era inocente da culpa que lhe recaia nos ombros. Os dragões não eram criação dele, mas sim de seu oposto, pois eram mais, e dentre todos os anciões, alguns caíram nas trevas.

Por fim, quando discussão havia se montado pela maldição das palavras de Jarfad, e depois de muitos discursos exaltados, chagaram a conclusão;

— Então ficarás na cidade até que nova votação seja feita. E quando tal votação for feita, ou poderá estudar Vrynfahr, ou irá embora de Kaagham para sempre. — Dilek quem disse o ultimato. — E para tal votação, não será considerado a opinião de Oric ou de habitantes.

— Farei o meu melhor para me mostrar digna de seus estudos até a votação.

— Não há nada que faça que possa mudar minha resolução. — Eyo disse, doravante, como uma criança rabugenta.

— Não é problema, Eyo. — Arcaia disse, gentil. — Pois que não preciso de todos, apenas da maioria.

Com isso se levantou, olhou para Agirfut e Berfut, e sem nada dizer saiu andando e ambos saíram atrás dela quase que de forma inconciente.

Já possuía em mente um plano, um plano ambicioso para que não a chamassem de cópia de Kaagham. Não faria um segundo Vrynfahr, mas sim um Lrafhar. Calor absoluto.


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