DeH; Arcaia escrita por P B Souza


Capítulo 11
O casulo de Arcaia


Notas iniciais do capítulo

Último capítulo. como estava sem internet eu programei a postagem de todos os anteriores.
espero que tenham gostado! :)
e boa leitura



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Os portões de Caienu só foram abertos no dia seguinte, estouraram, congelados. Caindo aos pedaços pelo chão.

O exército de Kedros havia, para a surpresa de Kedros, se desfeito e nada ele pode fazer. Agora com o portão de Caienu ruindo ele tremia de medo, mas apenas três pessoas atravessaram aquele portal.

— Meu exército se dispersou. — Kedros berrou para Arcaia, ainda a distância. — E o que ficou é um monstro como este que traz consigo. O que fizeste?

Atrás de Arcaia vinha Goevro, transformado em Nume. Ao lado dela vinha Eckat, agrilhoada e cabisbaixa, ainda chorosa. Eckat tinha apenas vinte ciclos e era a coisa mais bela que Arcaia havia visto em Caienu.

Já com Kedros havia ficado apenas Nadiro. O acampamento inteiro havia sido abandonado por todos os soldados que foram trabalhar na construção dos bastilhões apenas para agradar Arcaia, e os melhores dentre os soldados, transformados em Numes, foram supervisionar e ajudar na construção dos bastilhões. E quando as obras fossem concluídas os cinco Numes entrariam nos bastilhões construídos e, seguindo as ordens de Arcaia, nunca mais sairiam de lá. E Bastilhão por Bastilhão, todos receberiam a visita de Ornannis, transmutando e ativando cada um dos bastilhões, criando um perímetro em volta do Vulcão Dragão, criando uma cerca de magia por onde os dragões jamais sairiam. Livrando o mundo das feras.

— Você está péssima, Arcaia. Morrerá antes que consiga cumprir metade de suas promessas vazias...

— A fé move uns, o ceticismo move outros. — Arcaia disse, cansada, para Kedros enquanto andava até o acampamento. — Te transformarei em um deles ainda hoje. Só descansarei primeiro. E amanhã, quando acordar, você me carregará até Rubrum assim como Goevro carregará Eckat até Rubrum. E Nadiro nos protegera o caminho todo.

— Você é insana...

— Cumpri minha promessa, meu príncipe. — Arcaia disse para Kedros. — A guerra acabou e Caienu é uma cidade de ossos. Preciso entregar uma joia inestimável para sua irmã. E então iremos embora. E você virá comigo, Kedros. Estou certa?

— Eu fiz a promessa, por pior que seja.

— E cumprirá ela! — Arcaia parou e se apoiou no ombro de Kedros. Só imaginava seu próprio estado. Sentia-se à beira da morte, mas sabia que apenas com um bom descanso aquela sensação passaria, ainda estaria moribunda, mas sentiria menos. — Agora deixe-me dormir. E se eu morrer enquanto durmo. — Arfou em busca de ar, olhou para Goevro. — Mate todos eles!

E com isso deixou-os rumo a tenda de Kedros.

Naquela noite Goevro ficou sentado ao lado do leito de Arcaia, olhando sua respiração a cada expiração.

A viagem para Rubrum levou dezenas de dias, pois os Numes andavam lentamente carregando as duas, e por vezes paravam para a princesa Eckat que era cheia de necessidades e frescuras.

Kedros, havia sido transformado Nume no dia que partiram de Caienu, e custará, para Arcaia, o movimento do braço esquerdo que se tornara inútil e necrosava rapidamente.

Toda hora que pensava no que ainda teria de fazer temia se conseguiria fazer.

A recepção nas muralhas guarnecidas com adornos em metal precioso de Rubrum foi grande, o povo esperava o retorno do exército. Mas retornaram apenas eles, e isso deixou todos confusos, logo desapontados.

Foi ordenado que tratassem dela imediatamente. Quanto a princesa Eckat, foi levada para um quarto também e mantida bem alimentada, mas cativa.

Arcaia foi levada às pressas para dentro do palácio flutuante de Rubrum, exausta demais, e deixada para descansar por aquele dia.

Ninguém reconheceu Kedros naquela forma pitoresca que havia assumido.

E a primeira reunião só aconteceu no dia seguinte, ainda no quarto aonde Arcaia estava, e lá estavam Nenia, Kedros e Anker.

— Barganhou com meu filho e com minha filha. Causou uma guerra, venceu, mas os custos, Arcaia. Rubrum é a sombra do que fora antes de você chegar.

— E por isso partirei.

— Levando meu filho e herdeiro consigo. — Anker reclamou audivelmente.

— Pai. — Nenia pedia por compreensão. — Arcaia fez o melhor que pode, não é dela a culpa das desgraças de Rubrum.

— Queria que fosse verdade, doce rainha. — Arcaia disse sorrindo para Nenia. Seus dentes haviam apodrecido e seu sorriso era um caco quebradiço. Nada comera ou bebera desde a chegada em Rubrum. — Mas foi minha interferência mais que tudo a causadora do que ainda sequer aconteceu. Voltei, como prometi, para entregar uma joia. É o mínimo que posso fazer.

— Não entendo, Arcaia. — Nenia, quem governava após seu fraco pai haver cedido a coroa, disse para Arcaia.

— Explicarei, desde o começo, desde minha viagem para a Garvia.

E a história tomou horas.

Arcaia contou cada detalhe como se estivesse se lembrando ela mesma de cada coisa que fez de seu retorno de Ipeiros até sua chegada em Rubrum. Explicou seus planos e pediu desculpas pelos erros, mas sacrifícios eram necessários.

— Não os deixarei ao relento. A joia que trago é a derradeira proteção. Vrynfhar, é o nome. É a mesma magia que protegia Jhar Maar Kaagham, mas livre do erro que transformava a redoma em uma anomalia. Enquanto a joia descansar no coração desta cidade, Rubrum estará a salvo, das intempéries do clima e dos assédios das feras.

E com isso Arcaia passou seus últimos dias em Rubrum se dedicando aos estudos e ao aperfeiçoamento dos feitiços de defesa. Viram ainda uma das torres serem erguidas na própria cidade, e cinco Numes habitarem está torre. O próprio Ornannis visitou Rubrum para ativar aquele Bastilhão em dado tempo, e continuou sua viagem para os próximos.

Enquanto Rubrum se habituava ao novo modo de vida, o crime crescia lentamente.

Arcaia nada via sobre isso, pois passava os dias estudando junto de Kedros, Nadiro e Goevro. E por dias precisou discutir com Kedros sobre a necessidade de manter em mistério a identidade de Goevro. Pode ser cético, mas não pode me negar nem mesmo quando assim deseja. Arcaia olhava para Goevro, para o interior do homem, e via ódio misturado ao amor de forma tão intrínseca que saber qual era qual se tornava impossível. Ele não a trairia e a obedeceria, mas faria contra sua vontade, por um juramento e por um sentimento que sequer compreendia. No final, Goevro desejava dizer a verdade para sua família, mas desejava servir Arcaia com mais intensidade.

Então para não torturar Goevro além do necessário, Arcaia mantinha-o longe da sua família, servindo-a nos laboratórios com suas pesquisas.

— Logo partiremos, e não precisará mais se sujeitar a isto. — Ela dizia.

— Logo lhe odiarei menos. — Ele respondia.

— E então um dia sequer me odiará! — E Arcaia replicava, com um dócil sorriso.

Foi apenas depois de mais quatro partes-de-ciclo em Rubrum que Arcaia tinha tudo que precisava para sua última empreitada.

Caminhou pela cidade, perguntou às pessoas sobre suas vidas, tirou os últimos dias para entender Rubrum como um organismo complexo e funcional, mas doente, fraco e abalado.

E no último dia que ficaria ali, pela manhã, conversou com a Rainha Nenia.

— E quando partirá?

— Breve. — Disse.

— Rubrum definha, Arcaia. Não há magia que possa usar, que traga nossos homens de volta? Que faça a cidade melhorar...

— Quando Caienu caiu, pensei que de lá todos haviam morrido. Havia, entre os habitantes, aqueles que representam o pior tipo de inimigo. O traidor. Encontrei em Rubrum dezenas de homens e mulheres...

— Refugiados da guerra, pessoas miseráveis, não traidores...

— Rainha Nenia, não os vê como traidores, pois é inocente demais. É até mesmo possível os ver como invasores. Rubrum definha, você diz. Sim, pois em Rubrum há uma doença que necrosará do mais superficial ao mais profundo nível. Tentei salvá-los da influência destruidora de Caienu, mas Caienu vive entre as ruas de Rubrum agora. E já não há nada que eu possa fazer. Cumprirei minhas promessas, e partirei. Mas saiba, Nenia, o futuro de Rubrum é inexistente!

E com isso Arcaia pediu para Nadiro buscar Eckat e a levar para as catacumbas.

— O que fará lá? — Nenia não pode deixar de perguntar, em curiosidade.

— Disse que lhe entregaria uma joia que protegeria seu povo.

— E a menina?

— Eckat? — Arcaia olhou para Nenia com certa relutância. — Deveria ser a última sobrevivente de Caienu. Você tirou isso de mim, Nenia. Não merece essa resposta.

E deixou a Rainha para trás.

Foi até os fundos do palácio, em um corredor circular. Havia uma entrada para as catacumbas, uma escadaria como em um salão fúnebre repleto de estátuas na esquerda e direita. E então a descida se tornava maior e maior, rumo ao interior daquele rochedo sob o qual o palácio estava. Que a maré não suba. Arcaia pensava enquanto penetrava mais e mais fundo nas catacumbas. Haviam halls e precipícios para lugares tão fundos aonde era impossível ver qualquer coisa. Luz já não existia, mas Arcaia aprenderá, assim como os Numes, a ver nas trevas.

E quando chegou no final, havia um precipício para ainda mais fundo, uma escada circular com degraus pequeninos circundava a parede de rocha que mergulhava para fundo.

Em sua mente lembrou-se das palavras, lembrou-se dos desenhos, lembrou-se dos anciões. Concentrou-se até que Nadiro retornasse com sua presa.

Eckat, já acostumada com a visão moribunda de Arcaia, se aproximou dela sem recusas. Arcaia, porém, estava de costas para a entrada daquele último hall vazio com a escadaria.

— É hoje? — Eckat lhe perguntou olhando Arcaia pelas costas.

— Sim. — Arcaia respondeu a princesa de um reino esquecido. — Está pronta?

— Não.

Arcaia se virou olhando para a menina, bela de um rosto esculpido para impressionar e um olhar carinhoso. Braços finos e pele lisa, curvas delicadas e sutis como se ainda fosse tão pura quanto uma criança. Ideal. É o ideal.

— Pode nos deixar, Nadiro. Não permita que ninguém desça.

Nadiro fez que sim com a cabeça, e sem dizer uma palavra deixou as duas.

Arcaia pode ver o suor surgindo na testa de Eckat, que tremia.

Apontou o caminho para ela, fazendo a princesa ir na frente, mas guiando-a com cuidado. Arcaia penetrou, fundo, até o último degrau. E de lá de baixo não se via nada acima. Era pura treva. Havia água empossada, e ela podia ouvir o mar lá fora, abraçando as rochas. Logo isso inundará.

— Não há motivos para o choro que tem preso na garganta, ou os tremores. Isso não doerá, lhe garanto.

— Eu não quero.

— Lhe expliquei, é uma honra, você será eterna...

Não. — Eckat então explodiu. Saltou de sua posição puxando, de entre os seios, uma pequena faca de barbear sem cabo. E no seu primeiro movimento brusco, travou. Mãos, olhar, pernas, corpo... seus pés sequer tocavam o chão. Estava imóvel e por mais que tentasse, não conseguia se mexer.

— Tudo seria mais fácil se cooperasse. Não é justo, ou certo, que seu egoísmo ponha fim na esperança de milhares. — Arcaia passou ao redor de Eckat enquanto fechava os olhos e em sua lembrança Vrynfhar vinha lhe dizer para não continuar. Para morrer. Arcaia negou suas lembranças, negou Vrynfhar. — Quando terminarmos, você conhecerá a verdade, e então entenderá. Mas preciso que saiba de algo agora. É uma pena que sua relutância me force a tomar estas medidas, mas não posso arriscar ser ferida neste momento. Minha condição é tão frágil que até mesmo te manter em estases me custa... muito.

Arcaia terminara uma volta ao redor da princesa, e ao parar olhando nos olhos de Eckat, limpou o sangue quase negro escorrendo, fétido, de seu nariz.

—  Além-mar, em Ipeiros, fui ensinada por um grupo de homens que desejavam testar uma nova habilidade. Eles eram poderosos, mas mesmo assim temiam este poder, por isso as cobaias. Éramos várias. De todas, apenas eu sobrevivi. Dentre estes homens, Vainihr era o mais sábio e gentil para mim. Ele me explicou o que este feitiço era, para que serviria e porque eles mesmos não usavam. Veja bem, a ideia era entender como a chama da vida fluía de um corpo para outro, compreender como podia a energia do próprio véu consolidar vida, e se poderia ser transferida. Vainihr me explicou que embora minha vida toda fosse ser movida por este feitiço, isso seria apenas o começo dos estudos deles. Os Anciões Negros, é como chamavam eles. Mas se quer saber, os planos deles eram os únicos palpáveis e dignos de esperança para a salvação.

“Então eu fiz o que pediram, e como pediram. Foi como Vainihr disse. Minha vida inteira se resume a este feitiço por mais sem importância para os anciões que seja, para mim é o ponto alto. Vê? Cada pessoa tem um ponto alto em vida, Eckat. Esse, hoje, é o seu! ”

Arcaia então se abaixou, com o sangue ainda em seus dedos, e desenhou um símbolo no chão.

— Há muito tempo não preciso de guias, mas como disse. Estou tão fraca. Prefiro não arriscar. — Continuou a desenhar com o sangue que continuava a lhe escorrer pelo nariz, pois Eckat continuava em estase. — Como dizia, em Ipeiros eu não era nada e vivia em decorrência da necessidade de outros. Minha existência era para servir a um propósito maior, e no começo, admito, achei humilhante. Degradante até. Mas depois percebi que só existe propósito em nossas existências quando servirmos a algo maior que nós mesmos. Um princípio da raça humana é a servidão. Seja do empregado a seu patrão ou de um escravo a seu mestre e até mesmo de um povo ao seu governante. Lá, além-mar, eu aprendi a servir o maior dos mestres, e não eram os Anciões. Eles me ensinaram quem realmente servir, e eu entendi que embora eles sejam infinitamente mais poderosos do que eu ouso ser, para nosso mestre, eu não era diferente deles, assim como você, hoje, não é diferente de mim. Só precisa aceitar, só precisa compreender. — Arcaia havia desenhado com seu sangue os sinais de guia para o feitiço ao redor de Eckat. Então se levantou e com o dedo em sua testa desenhou mais um símbolo. Em seguida foi desenhar o último símbolo em Eckat. — Os anciões não podiam executar esse feitiço porque são eternos. Não há necessidade. Mas eles precisavam do feitiço para outrem. Para um plano maior do que eu. É isso que preciso que entenda, Eckat. Você não é o centro desta história. Eu não sou. Por mim opera uma ferramenta maior para um propósito maior. E quando terminarmos... Eckat, todos devem servir. O povo anseia por servidão, e olhe para nós. Sairemos daqui eu e você em uma. E nos chamaram de Deusa. Lhe ofereço a maior das dadivas. Mas não aceitarei recusas, este é seu propósito. — Arcaia foi perdendo o folego então. Deu um passo para trás e cambaleou. — E todos devem servir... — Meneou a cabeça para um lado e para o outro como se fosse desmaiar. — A mim.

E então, cambaleando em bamboleios como um bêbado, Arcaia esticou os braços, seus dedos enegrecidos indo de encontro com os ombros da então livre Eckat, que berrou o último dos berros quando o salão explodiu em gelo e as paredes se tornaram cobertas por uma película fina brilhante esbranquiçada, o chão repleto de água congelou no mesmo segundo em que a lâmina na mão de Eckat lhe escapou os dedos, gelada demais para segurar. Eckat foi abraçada por um cadáver que se decompôs aos seus braços. Em desespero gutural empurrou o corpo de Arcaia, mas o empurrão de nada adiantou, pois, as mãos de Eckat atravessaram o tecido podre de Arcaia, mergulhando dentro de seus órgãos e os restos daquele corpo caíram sob os pés de Eckat, que se sentiu tão enojada. Ajoelhou-se, virando de lado para vomitar. Mas não conseguiu.

Então ao olhar para o corpo de Arcaia uma vez mais, notou que ao fundo no meio daquele poço havia surgido um pilar sob o qual descansava, flutuante, uma energia estranha que não estava ali antes. “Muito bem. Eu disse. Seriamos uma. Eu lhe disse. Você serviu ao seu propósito”. Aquela energia flutuante emitia luz própria, uma luz gelada.

A voz dentro de sua cabeça não podia ser real. Não podia.

Eckat sabia o que viria a seguir, podia sentir que lentamente perdia o controle.

— Não deixarei. — Chorou suas últimas lágrimas se pondo de pé sob o chão congelado, escorregou e caiu, batendo a cabeça contra o chão, mas nenhum ferimento surgiu. Rastejou, pois não conseguia se levantar. Suas pernas não lhe obedeciam, mas ainda se mexiam. — Me solte, criatura. Me deixe.

Eckat berrava, solitária nas catacumbas. Rastejando até a beirada da escada em uma esperança vazia de fuga, mas não conseguiu chegar sequer perto deste degrau, seus braços não lhe respondiam mais. Seu corpo não era mais seu embora sua mente ainda estivesse ali.

— O que fez? — Perguntou com sua doce voz.

— Poderá ver o mundo por meus olhos, ou deseja a morte? — Arcaia perguntou pelos lábios de Eckat, uma voz mais profunda e gutural, nasal, perdida dentro de um corpo em ajuste.

Eckat choraria, mas já não controlava os olhos. Falaria, mas já não controlava os lábios ou a língua.

Aquele corpo era, agora, Arcaia. E Eckat só existia em parcela, presa tão fundo que não conseguia entender sequer como ainda vivia. Mas Arcaia possuía tanto conhecimento, e Eckat pode ver tudo aquilo. Entendeu em um segundo, como se tivesse ela mesmo vivido aquilo, como ainda podia existir. Entendeu os anciões, entendeu a magia, entendeu Ipeiros, e entendeu, acima de tudo, Vainihr.

“Ele lhe disse para nunca fazer isso”.

— Vainihr é um sábio, mas um egoísta. Temia que eu alcançasse o conhecimento e o poder dos anciões se fosse imortal. — Arcaia olhava para o novo corpo enquanto se habituava com as sutilezas e tremores, até controlar aquela casca levaria alguns minutos.

“E este é seu desejo, eu vejo”.

— Meu desejo... — A voz perdeu-se, tentou entender como funcionava as cordas de Eckat, e então tossiu, limpando a garganta, e quando voltou a falar, a voz era apenas de Eckat, mas quem falava não era a princesa. — Meu desejo é livrar todos...

“Um inocente bebê. Destruiu minha cidade porque achava meu povo fedido e ignorante? Você é um monstro”.

— Dirão isso. — Arcaia rolou os olhos. — Mas nem mesmo os anciões estavam livres dos julgamentos de seus menores. Por que haveria eu de estar?

“Não se compare com eles. Vainihr sacrificou tudo, junto dos outros, para salvar todos. Eles erraram sem saber, esperançosos. Você sabia. Ele lhe alertou do que aconteceria se repetisse essa magia profana. Agora caminha junto desta sombra, e caminhará sozinha. Não participarei, nem como espectadora, do seu destino que só trata horrores. Eu vejo o mal que deixou entrar. Eu vejo as trevas que habitam seu coração. E daí nada bom pode vir”.

Arcaia então fechou os olhos. E em um esforço quase nulo, Eckat se desfez. A morte era, no fim das contas, a devolução de um empréstimo.

— Descanse em paz. — Disse, sem nenhum pesar.

Foi necessário mais algumas horas nas catacumbas para encerrar cada um dos feitiços de proteção. E quando terminou, Arcaia tinha certeza que seria necessário mais do que um simples guerreiro para chegar ali. No entanto, jamais chegou a ativar o Vrynfhar, Rubrum estava doente, e estava isolada. Não valia a pena salvar aquelas pessoas, mas suas mãos já estavam afundadas demais no sangue dos inocentes. Caienu não era apenas podridão. Via agora que conhecia as verdades de Eckat. Mas era tarde demais.

Então subiu das catacumbas. Na entrada para os salões fúnebres encontrou-se com Anker de vigília, junto de seu Nume Nadiro.

— Aonde está Arcaia?

— Na sua frente, velho rei. — Arcaia respondera, mas Anker não pareceu acreditar. Foi apenas quando ela lançou o mais poderoso dos olhares já lançados, que Anker caiu em torpor. Era velho, e por isso parecia sábio. Arcaia refletiu por um minuto. — O que acha?

Perguntou à Nadiro ao seu lado.

— Se agradar, a minha senhora.

— Se despeça dos seus próximos, Anker. E me procure em Magmun, no Castelo Real. Se realmente me ama, sobreviverá a viagem. E diga para sua filha que os mortos não devem ser perturbados. Quando um novo rei nascer e o velho se deitar, seu corpo deve ser pousado nos portões dos salões fúnebres, mas nunca em seu interior. Os mortos cuidaram do resto.

Arcaia olhou para o Rei Anker uma última vez, e ele sorria para ela. Sentiu-se poderosa.

Então juntou os poucos pertences que tinha, encarregou Nadiro de encontrar Goevro e Kedros. E partiu.

Rubrum era história. Enterrado no passado, adoecido pela podridão de Caienu. Cairia ou prosperaria por conta e esforço de seus próprios. E veremos por quanto tempo um povo sem um mestre floresce. Veremos, Eckat, se estava certa. No final apenas a servidão salvará.


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