DeH; Arcaia escrita por P B Souza


Capítulo 1
PARTE I; Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Não tenho muito a dizer. Apenas espero que gostem do prólogo.
A história vai ter 10 capítulos divididos em 2 partes de 5 capítulos cada.
Boa leitura!



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As águas escuras do Golfo Magmun em nada se assemelhavam às cristalinas ondulações esbranquiçadas do mar de prata. Lá a água parecia uma mistura espessa de milhares de espadas sem punho, balançando afiadas a espera de um marujo insensato com braços frouxos. Ali, no Golfo Magmun, a água era densa e pouco se mexia, escura até mesmo sob a luz do sol. E era ali, em uma costa coberta por floresta aonde não havia nenhum rastro de civilização, que o navio soltou sua âncora.

Até o fim do dia tudo estava preparado para aportarem, os barcos a remo preparados para descer e os marujos preparados para trabalhar. No dia seguinte, antes que o sol nascesse, eles partiriam para terra cortar madeira, que trariam para o navio usando de cordas e contrapesos. Mas nada disso importava para a única mulher a bordo.

Se fordes agora serás tu a agente de tua própria desgraça. — Alertará o capitão com o sotaque forte do idioma de Ipeiros. A língua podia ser a mesma, mas a forma como falavam no continente era completamente diferente a forma que falavam ali nas ilhas. — Intempéries além dos dizíveis habitam uma floresta pelas horas escuras.

Agradeço pelos avisos, saudoso capitão, e agradeço pelo espaço em sua cama. Mas minha viagem não depende mais da sua, e nossos caminhos já não mais se cruzam. Sendo assim, eu devo partir mesmo que sem ti. — Arcaia respondeu ao capitão do navio ipeirano, e com isso deixou a tripulação a dormir para jamais voltar a vê-los.

Antes ela teria temido, quando era ainda moça frágil filha de fazendeiro, teria temido o salto, teria temido a correnteza e o próprio mar, temido a costa e a floresta. Teria temido até mesmo a noite. Mas Arcaia já não sabia se um dia voltaria a temer qualquer coisa que fosse.

Então pulou do navio para o mar e do mar nadou mesmo que contra a correnteza para a costa e ao chegar na costa andou até a floresta e lá fez caminho por entre as raízes e a terra, conhecendo aquele mundo escuro que a noite trazia, mas ia embora ao amanhecer, pois com a luz era como se a floresta fosse outra.

E pela manhã caçou e colheu, e descansou até a tarde, fazendo cama nas árvores, lá dormiu pela noite e pela manhã do dia partiu em caminhada seguindo apenas seus extintos. E na floresta encontrou rios e lagos, encontrou animais, e encontrou flores, encontrou espinhos e encontrou a morte várias vezes. Mas Arcaia aprendera como não morrer. Sensata, evitou os venenos, evitou as armadilhas de caçadores que desbravavam fundo na mata, evitou animais que lhe destroçariam com os dentes, evitou colheitas perigosas de se comer, evitou andar sem água para beber e beber água que não era própria para tais fins.

E assim Arcaia atravessou aquela enorme floresta evitando a morte que vinha atrás dela há tantos tempo desde que deixará aquela ilha, há dezenas de ciclos atrás, quando ainda era apenas a filha amedrontada do fazendeiro.

Ao sair da floresta Arcaia sabia aonde estava; as terras do imperador. Conhecia o horizonte, conhecia a montanha que via tanto ao Leste como ao Norte. E foi para o Norte que caminhou novamente. Nestes caminhos, do navio até a Cidade Imperial, Arcaia levou dois ciclos inteiros chegando aos portões da cidade em 2380 da Segunda Era.

Arcaia já não reconhecia mais aqueles portões, eram outros. Há mais de cem ciclos, quando havia sido raptada pelo exército Kognar em uma guerra sem sentido, a cidade ainda era pequena e sua muralha era feita com toras fincadas e estacas. Mas agora a cidade havia crescido e o portão de madeira era a única coisa de madeira, pois a muralha era de pedregulhos empilhados formando um muro reto de quase três metros de altura.

A ela foi permitida passagem para dentro da cidade desde que não pedisse esmolas, caso o fizesse, alertará um guarda, seria espancada.

Pouco precisou andar para que lhe oferecessem trabalho como faxineira ou como ama de leite, pois Arcaia mesmo estando com aparência debilitada dada as condições duras da viagem feita a pé, ainda possuía uma beleza singular difícil de se ver naquelas terras, já que seu corpo era de Ipeiros, mesmo ela sendo nativa daquelas ilhas.

Negou todas as ofertas, e perambulou por toda a cidade. Dos homens recebia comida de graça sem muito esforço, teto para dormir também. E poucas foram as vezes que tentaram abusar de seu corpo contra sua vontade. Mesmo assim, nas vezes que isso aconteceu, Arcaia puniu os homens. Pois podia ser bela e quando limpa ter aparência frágil, mas dentro de seu corpo um espírito indomável existia, e força não lhe faltava, fosse para resistir às intempéries da viagem, aos abusos de um homem, ou ao desgaste emocional de uma vida tão longa.

Foi ainda no mesmo ciclo que Arcaia encontrou seu caminho para uma audiência com a Majestade Imperial. O Imperador se chamava Hero Magmun, descendente direto da linhagem mais antiga e nobre de todas as quatro ilhas.

Esperou em fila para conseguir falar, assim como todos os peticionários, mas diferentes de todos, ela não vinha pedir. Arcaia vinha para barganhar.

Quando chegou sua vez de falar, despiu-se do manto que usava se revelando bela em um vestido fino repleto de rendas em tecido verde-água, seus cabelos lisos e compridos caiam pelas costas até a cintura e sua postura tortuosa como de uma plebeia que trabalha corcunda, se desfez e Arcaia se endireitou ficando mais alta, mais bela, confiante, e atraindo olhares de todos. O Imperador Hero que fora pego de surpresa, ficou sem reação. E os guardas se puseram em posição, amedrontados demais que Arcaia fosse revelar algum outro segredo além de estupenda beleza.

Então ela olhou ao redor, e com o devido silêncio dado a surpresa, ela falou, e sua voz ecoou pelo salão.

Eu venho de longe, tão longe quanto sabeis e mais longe ainda. E venho com uma proposta…

Enviaram uma mulher como mensageira? Que reino faria isso? — Perguntou um dos homens ao lado do Imperador, que àquilo nada disse, pois observava com demasiada atenção os movimentos de Arcaia, que começara a andar pelo salão.

Reino algum, pois não represento reis, quão menos países. Sou dona do meu próprio caminho e forjadora do destino, não apenas do meu, mas daqueles que se encontram atrás de mim e dos que se encontram na minha frente em oposição. Pois os terei de joelhos, não apenas os súditos, mas também os reis, pois sou eu superior a ambos. — Ela disse em um tom poderoso que denotava superioridade a qual alegava ter. Então com a voz acalentadora como a de uma mãe disse, para o homem que a interrompeu; — Por sua ignorância, não haverá punição. Mas agora que já sabes, não repita tamanha insolência.

Todos pareceram ver graça em tal discurso e Arcaia sorriu para o próprio Imperador, que era o único que olhava para ela com seriedade, pois Hero via a verdade por trás daquela beleza. Ele via que Arcaia não mentia ou exagerava. Ele via porque Arcaia assim queria. E então todos puderam ver também.

Era como se uma sombra houvesse posado no salão. As risadas se calaram e cada um deles sentiu medo.

Haverão de descobrir, pelo caminho da obediência e da servidão, que o futuro sou eu. — Disse em tom de ameaça se virando para os súditos atrás dela. Então virou-se para Hero novamente. — Mas justa também serei, e não tomarei de teu Imperador o controle da cidade ou do próprio Império, pois haverei de merecer tal poder.

Fala muito e fala belo. — Hero disse por fim, sua voz sem fraquejar, mas Arcaia podia olhar dentro do coração dos homens, e em Hero via vazio. — Mas se é assim tão poderosa, porque não toma para ti o poder? O que deseja provar?

Tomaria o trono de bom grado, mas não mereceria então amor do povo o qual desejo proteger. E reinar sem amor dos súditos não é ser o futuro, mas sim ser o final. Minha vinda, vocês dirão, pode ser confusa. Mas eu vos digo, eu não venho, eu retorno. Pois aqui já estive, e fui como vocês — Apontou para os súditos. — Mas descobri algo maior, um destino maior. E um inimigo maior. Acredite, Hero, seu povo perecerá em breve e você sabe que é verdade. Quando me olha, vê não apenas hoje, mas vê também o porvir e no seu coração flui não sangue, mas medo, porque entende que eu sou o caminho, mas teme o que eles dirão, o que seu povo dirá de você, cedendo o poder a uma mulher. Quando olha pra mim vê a verdade, e eu posso permitir que todos a vejam, devo, majestade?

Do que essa mulher está falando? — Perguntaram para Hero, que empalidecera, pois Arcaia lhe mostrara o futuro, não o verdadeiro, mas o que ela imaginava ser real. E pelos olhos de Hero ele testemunhou os temores de Arcaia.

E nesses sonhos a cidade queimava pela noite e não sobrava nada além de cinzas pela manhã. E nas cinzas eles podiam ver as pegadas de dragões.

Essas bestas não nos atacam há ciclos. — Hero disse, tentando ser forte, mas sua voz começava a vacilar.

É seu povo que perecerá. — Arcaia disse com quem dá de ombros. — Mas escute-me, pois venho não para roubar seu trono, mas sim fazer oferta. Não precisará depor de seus poderes, mas sim de sua solteirice. Desposa-me, toma-me como tua esposa, e contigo eu salvarei seu povo, e seu povo será meu povo, e juntos lideraremos este Império à eternidade, pois ao me ter como esposa descobrirá que eu jamais envelhecerei, lhe darei mais filhos do que pode contar, me livrarei de todos os dragões, os com pernas e armaduras que vem em navios do Sul, e os com patas e escamas que vem voando pelos céus. Eu erguerei um exército tão poderoso que em cinco mil ciclos ainda falarão deste dia, e de como Hero Magmun, Imperador da Ilha Magmun, foi sábio e se casou com Arcaia, derrotou seus inimigos e se livrou do Grande Inimigo Alado, ou falarão de como Hero Magmun sucumbiu por orgulho e levou junto seu inocente povo.

Ninguém pode derrotar os dragões. Eles são forças enviadas dos infernos para punir a maldade dos homens…

Eu pareço um homem? — Arcaia perguntou ao mesmo homem que antes havia lhe interrompido. — Avisei-te do que aconteceria se fosse novamente insolente, não o fiz?

Estou sob proteção de dezenas de guardas e armado. — O homem puxou a espada. — E você?

Não preciso de armas. E os guardas obedecem ao Imperador e sua esposa. — Arcaia olhou para o homem insolente, então o mesmo caiu de joelhos, a boca aberta, mas não respirava, dos olhos duas gordas lágrimas vermelhas de sangue escorreram pelas bochechas e então, com a pele arroxeando, ele caiu morto. — Temos um acordo?

Hero então se levantou.

Esvaziem o salão. Todos vocês saiam daqui. Todos. Já!

Ordenou, e em seguida o salão se esvaziou e até mesmo os guardas foram embora.

Arcaia estava a sós com o Imperador e o defunto.

Não posso me casar com você esperando por suas promessas sem saber se um dia elas se tornaram verdade, tens poder, não nego. Me fizeste ver coisas, sentir coisas. Morte e desgraça, mas também salvação. Temo esse poder da mesma forma que o admiro e o desconheço. O que você é?

Como me chamarão é irrelevante para ti. — Arcaia disse em seu tom de voz mais macio. — O que sou é o futuro. E aquele que negar o futuro, não chegará a vê-lo. Basta olhar para o corpo no chão. Um homem comanda apenas sua vida, e quando me nega, condena apenas sua vida. Mas um Rei… — Arcaia se aproximou de Hero, tão próximo que podia ouvir o coração acelerado dele, podia ver Hero se excitar. — Quantas vidas um rei comanda? E um Imperador? Está pronto para me negar, Hero?

Hero caiu em silêncio encarando o chão, então, subitamente lhe veio uma resposta aos lábios, mas ao olhar para Arcaia perdeu a fala, pois sentia-se vítima de tamanha beleza, sentia-se fraco e despojado de suas habilidades, sentia-se envergonhado por estar visivelmente excitado, e sentia-se infantil por desejar com tanto ardor aquela mulher que sequer conhecia. Ele queria ela como sua rainha, mas em sua mente ainda habitava juízo e Hero sabia que não podia, que nada era fácil assim naquele jogo da política.

Arcaia via tudo isso, podia entrar na cabeça de Hero, vasculhar seus pensamentos, e deliciava-se com o que via no interior daquele homem que conseguia resistir a sua sedução ponderando entre o apoio das famílias ricas, dos religiosos influentes, dos militares conservadores e do grande povo. Foi assim que ela soube, Hero era a escolha correta. Nem forte demais para não poder ser controlado por ela, nem fraco demais para ser controlado por qualquer um.

Se eu aceitar… essas visões do fim, essa cidade de cinzas…

Eu trago salvação no futuro, mas não controlo o futuro. As cinzas mostram suas escolhas, esse poder é apenas de vocês. Essa é a escolha de vocês. Essa, Hero, é sua escolha. Eu sou apenas a consequência!


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Notas finais do capítulo

Obrigado por lerem até aqui!
Espero que tenham gostado. Comentem, digam o que acharam. E semana que vem tem capítulo novo. :)
Até mais



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