Seven Sisters escrita por Petit Ange


Capítulo 1
O Gato de Schröndinger (I)




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/722627/chapter/1

Prólogo:
O GATO DE SCHRÖDINGER (I)

 

 


“Crianças devem dormir cedo. Exceto as de Seven Sisters.”

Onde foi que ouviu esta frase mesmo?...

Não conseguia se lembrar. Talvez fosse o céu – ele estava excepcionalmente bonito hoje, por algum motivo, com aquelas nuvens acinzentadas cobrindo de salpicos de prata o bronze do fim da tarde que caía sobre as lojas – que a estivesse distraindo. Nunca ia se acostumar com a beleza daquele lugar. Porque, infelizmente, não podia mentir: a cidadezinha era bonita.

... Ah, mas é claro.

O primeiro dia em que chegou àquela cidade. Foi lá que ouviu, pela primeira vez, isso.

Ela parecia adorável, a princípio. Seven Sisters. Lembrava-se dessa impressão em particular de seu novo lar porque tinha dito em voz alta, ainda no carro, e isso valeu de seu irmão uma risada. Ele sempre ria do vocabulário que ela escolhia, palavras que mais associaria às de uma pessoa mais velha.

(De quem ouviu isso mesmo?)

Fixou os olhos na porta da pequena loja da senhora Owen, lá embaixo. Havia uma sujeira lá. Uma mancha que lembrava um braço. A velha senhora, dona de um sorriso cansado e de olhos afáveis, nunca conseguia se livrar daquela mancha, não importava o quanto limpasse os vidros. Não conseguia distinguir aquele detalhe com a distância, com a luz poente do sol, mas se fechasse os olhos poderia claramente vê-la atrás de suas pálpebras.

... Onde será que estaria seu irmão?

No meio de todas aquelas criaturas vagantes que se disfarçavam de humanos que seguiam suas vidas ilusórias, qual delas era Robert?

E, quando a noite chegasse, qual dos lobos que finalmente sairiam da pele de cordeiro que vestiam seria Robert outra vez?

Ela também seria como seu irmão?

Como seu pai e sua mãe?

Como todos os habitantes daquele lugar adorável?

O vento soprou e a pegou de surpresa, fazendo-a perder o equilíbrio por um décimo de segundo. Até parecia que a cidade tinha vida própria, foi sua conclusão tirada daquele fenômeno, e a tivesse incitado. Empurrado. Convidando-a a pular da borda daquele edifício de dez andares, onde agora se encontrava. O lugar que ela conhecia mais do que poderia admitir para qualquer adulto.

Tinha doze anos.

Mas Robert também era jovem. Ele tinha apenas quinze.

Por que ele precisou morrer?...

Ela não se importava – ao contrário de muitos adultos, tanto da ficção que tanto adorava quanto da própria realidade, ela já estava em paz com sua própria morte. Era uma resignação que ela não poderia explicar com palavras, apenas sentir em seu sangue, circulando em suas veias, preenchendo sua mente de um vazio bem-vindo.

Mas Robert implorou tanto, até o último segundo, para não morrer.

Ela não queria ter o mesmo destino do irmão. Porque isso significaria...

— LISA.

Só ao ouvir o seu nome, exclamado como um grito de dor que cortou o silêncio da tarde, ela percebeu que o feitiço do vento que a convidou a cair estava de fato empurrando-a. Tinha colocado o primeiro pé em pleno ar, e parou.

(Ah, sim. Foi dele que ouviu.)

Muito lentamente, como se cada movimento seu fosse deliberado, ela virou a cabeça.

Os olhos azuis – ah, aquela pessoa era bela, tão bela que a própria não seria capaz de compreender, mas especialmente, aqueles olhos. Eram inexplicáveis— faiscavam. Estavam amedrontados, furiosos, confusos, surpresos... Uma miríade tão intensa de emoções que a deixou tonta por ele. Ela conseguia ler aquela pessoa em sua totalidade, em sua mais íntima molécula, uma habilidade que apenas alguém como ela, no limite entre a infância e a adolescência, poderia ter, e por isso estava fazendo aquilo.

Porque sabia que aquela pessoa jamais seria capaz de deixá-la ir embora.

— Desce daí, pelo amor de Deus...

Descer para onde?

Para a segurança de um mundo louco?

A sinfonia já havia começado – e Lisa era apenas uma parte da orquestra. Alguém que chegou atrasado, mas que agora indubitavelmente iria tocar com todos.

Com Robert.

Com sua mãe e seu pai.

Com toda aquela cidade.

— Já é tarde – respondeu. Sorriu. Nem soube a razão, apenas sentiu vontade de sorrir. Ah, a morte era realmente estranha...

— Nós... Nós podemos dar um jeito – ele continuou, e a jovem percebeu que aquela pessoa nunca daria ouvidos à razão. Aquela pessoa realmente tentaria até o fim, teimosamente, salvá-la de algo que já estava decidido. – Apenas desça daí...

Ele sabia o que significava tentar salvá-la. Ela tinha certeza que ele – mais do que todos os outros – sabia.

Mesmo assim...

— O Gato de Schröndinger.

Ouviu-o dar um passo, ao mesmo tempo em que soube que não poderia mais encará-lo sem sentir que aqueles olhos iriam devorá-la

(outra vez. Era o seu destino, morrer assim.)

e voltava a prestar atenção na calçada lá embaixo, tão imaculada e distante. Tão solitária. Tão familiar. Hesitante, assustado, apreensivo. As palavras perfuravam o vazio de sua cabeça como a luz atravessa as folhas de uma árvore. Mas uma impressão permaneceu, acima das outras: a de que até mesmo os passos daquela pessoa falavam com sua alma numa totalidade impressionante. Sentiu pena dele, mas apenas por um segundo.

— O quê...?

— É uma teoria da Física. Nunca ouviu falar dela?

— Eu não... – ele murmurou, confuso. Ela queria ter visto o rosto dele nesse momento. – Lisa, desça daí, é sério...

— É um paradoxo. O gato dentro da caixa pode estar morto e vivo ao mesmo tempo. Você não acha que é muito parecido com esse lugar?

Curiosamente, pensando bem, ela sempre associou mais a cidade com ovelhas e lobos, mas até que um gato não era tão ruim assim...

— Eu morri ontem.

Silêncio.

Um novo sopro de ar, como um bufar impaciente, desajeitado, de alguém, interrompeu-os. “Eu entendi”, pensou. “Já vou pular”.

— Eu morri ontem, e mesmo assim... Eu estou aqui.

Virou-se, uma última vez.

Queria desesperadamente levar aquele menino consigo, para seu verdadeiro e último descanso. Não no sentido literal, apenas uma imagem dele. Uma cópia.

Observou-o, desesperado e confuso. Os olhos azuis contrastando com toda a cidade, como uma pintura de uma só cor. Um azul tão vivo. Era assim que ela queria que aquela cor continuasse.

Eles eram brilhantes demais. Mas ela forçou-se a encará-los.

— Eu estou aqui. Sabe por que eu estou aqui...?

— Lisa, não...

— Porque eu me transformei num gato. Num gato dentro da caixa – sua voz não foi mais alta que um suspiro e, mesmo assim, cortou a ambos como uma espada. – Assim como todos os outros.

Apenas um passo.

Um passo e tudo acabaria.

Aqueles terríveis gemidos, a caixa, a cidade, Robert, o garoto, seus olhos azuis, as manhãs e as noites, o medo de perder o controle.

— Você é tudo o que resta. Se eu não fizer isso agora, eu vou...

Só precisava de um pequeno passo.

Deu sua total atenção ao chão. Àquela borda.

Aquela pessoa pareceu perceber que não haveria mais palavras – talvez o corpo da garota tivesse anunciado que a negociação (ou sua tentativa de) acabou – porque o ouviu correr. Para tentar salvá-la, como previu. Um esforço inútil, pontuou mentalmente.

— Um dia você vai compreender.

Eu o amo”, ela quis dizer. Mas seria demais. Seria prendê-lo em demasia.

... Eu o amo...

E pulou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Correndo o risco de parecer desesperada (E QUEM NÃO É?), um review significa um autor feliz e bem mais motivado a continuar sua obra. Por favor, não esqueça de comentar se gostou. ♥ :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Seven Sisters" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.