Contágio escrita por Orpheu


Capítulo 2
Capítulo 1 - 1º Fase: Contaminação


Notas iniciais do capítulo

Agora a história começa para valer. Agradeço a todos que clicaram e espero que goste.



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Samara parecia estar de péssimo humor naquela manhã. Todos os voluntários que chegavam, evitavam encarar aquele olhar assustador e distante.  Os que se arriscavam sentiam-se invadidos, como se aqueles enigmáticos olhos azuis fossem capazes de revelar os pecados mais íntimos de qualquer um. 

O único dos ativistas corajoso o bastante ao ponto de arriscar um dialogo com a mulher era Samuel. O jovem rapaz cumprimentava todos a sua volta com um largo sorriso no rosto, parecia não ser afetado pelo hábito de acordar cedo. Alguns temiam esse seu bom-humor constante.

— Eu conheço esse olhar. Temos uma missão de resgate, certo? – disse, apoiando as duas mãos na mesa que Samara se encontrava debruçada e pensativa, assustando levemente a mulher que direcionava seu olhar para o garoto jovem e sorridente, lhe trazendo lembranças de quando tinha essa idade, fazendo a mesma sorrir.

— Parece que temos um metido a Sherlock Holmes aqui. Mas você está certo, chegaram até mim umas imagens de animais em cativeiro no Centro de Pesquisa e Controle de Doenças de um laboratório da Organização Valhaha.

— Esses caras de novo?! Parece que sentem prazer em usar animais em seus experimentos. Era por isso que você estava tão pensativa? Estava pensando em um plano de ação?

— Sim... - Era uma mentira. Uma das preocupações era realmente um plano de ação, mas enquanto tinha seu olhar direcionado ao vazio, a mulher de meia idade pensava no comportamento suspeito de seu marido. Sabia que seu esposo era importante para a empresa, mas não ao ponto de representá-la em tantas viagens de negócio.

— E então, qual é o plano? Você está mais aérea do que o normal. Está tudo bem?

— Desculpe, talvez seja o sono. Fui dormir muito tarde e acordei cedo demais. O plano é o de sempre, vamos libertar o máximo de animais que pudermos. Já convoquei aqueles que irão participar e você está na lista.

— Sim, Senhora - o rapaz, debochadamente, prestava continência e tentou ficar o mais sério possível enquanto suas bochechas se enchiam por causa da risada segurada. Aquilo arrancou uma gargalhada de Samara que chamou a atenção de todos que estavam no velho galpão abandonado.

Embora tivesse vinte e cinco anos e uma diferença de idade de dezessete anos entre o garoto e a mulher, Samuel já estava no Grupo Liberty tempo o bastante para saber que o resgate não era a única preocupação de Samara.

Inúmeros ativistas que participavam do grupo diziam que ele era o único com coragem o suficiente para conversar com a líder quando seu olhar estava vago e indecifrável, mas o rapaz não via o ato de conversar com ela como algo ruim, sentia prazer em fazer isso.

A reunião para discutir o plano de ação é direta e feita ali mesmo. O galpão abandonado que se encontravam não possuía divisórias, era apenas um grande quadrado cujas paredes eram feitas de metal ondulado. A iluminação se dava pelas janelas da frente, única passagem livre que a luz do sol encontrava, além dos buracos no teto.

Após alguns minutos discutindo, o planejamento estava feito. O plano foi arquitetado por Samara, fundadora da Liberty e a última remanescente da liderança original. Samuel era responsável pela organização e execução dos planos.

 A invasão seria feita no período da noite.

•••

O dia após a invasão e resgate dos animais foi de festa e brigas.

Para carregar os animais libertos foi preciso três caminhões, que somente no outro dia estacionaram dentro do galpão para não chamar a atenção da polícia.

Por causa de alguns novatos, com o pensamento de que ativistas são vândalos, algumas coisas acabaram saindo do controle. Não estava programada uma destruição daquela forma, o objetivo do grupo era apenas o resgate dos animais. 

Samara acabou discutindo com diversos membros e muitos foram expulsos da organização ou passaram para o setor mais burocrático. O humor da líder não era um dos melhores, porém melhoraria ao libertar os animais.

— Muito bem, rapazes, vocês não vão soltar esses animais todos aqui no meio da cidade. Entrem nos caminhões e se preparem para uma longa viagem até a reserva Monte Verde.

A agitação dentro do galpão aumentou. O fluxo de pessoas transitando e indo em direção aos caminhões era crescente. Samara entrou no mais próximo enquanto Samuel ficou na garupa junto com os animais que estavam bem agitados ainda.

A Província do Sul abrigava a grande reserva florestal Monte Verde, local onde a caça era proibida e os animais podiam viver tranquilamente. A viagem do norte - local onde eles se encontravam - até o Sul foi um pouco demorada, era preciso cruzar o país de uma ponta para à outra, mas para eles valia a pena o esforço.

Liberty possuía contatos no sul que permitiam a passagem deles para dentro da reserva, e então a libertação dos animais ali dentro.

Assim que os caminhões pararam, a agitação voltou.

Jaulas eram colocadas no chão, alguns dos animais acordavam com o chacoalhar, enquanto outros se mostravam bem agitados. O resgate de animais não era uma tarefa fácil.

Samara olhava para aquelas criaturas e entendia o motivo de tanta ansiedade e medo dos humanos por parte delas.

— Tem um ali que parece bem irritado. - Samuel se aproximava da líder que com um graveto retirado do chão, brincava de desenhar na terra molhada pelo sereno da manhã. Haviam virado a noite naquela breve ida até o sul.

— Vamos o deixar por último e tomar todo cuidado para não tornar essa experiência desagradável para ele. Liberte primeiro os roedores e depois partimos para os macacos.

Assim como havia sido orientado, Samuel deu a ordem de soltura dos animais na ordem estabelecida pela mulher. Pouco a pouco, todos ganharam o direito de viverem livres na natureza. Alguns pareciam receosos, mas outros corriam floresta adentro sem olhar para trás.

Restava apenas um, o raivoso. O macaco possuía diversas cicatrizes em seu corpo e não parecia gostar muito de humanos, chegando a cuspir no rosto de muitos voluntários, inclusive no de Samuel.

Foi necessário muito cuidado, segurando a porta da grade com um suporte, e preparando-se para destrancá-la, Samara passava as instruções para que ninguém acabasse ferido. Não adiantou.

Quando teve sua jaula aberta o macaco avançou para cima de Samara, babando sobre seu rosto e a arranhando com suas garras. Samuel tentou tirar o animal de cima da mulher, mas apenas para que esse se voltasse contra ele com uma mordida feroz.

Fazendo o uso de um sinalizador, conseguiram afastar o animal e assustá-lo o bastante para que fugisse em direção à floresta. A mão de Samuel sangrava no local da mordida embora o sorriso de “vai ficar tudo bem” não saísse do semblante do rapaz.

— O filho da mãe ainda é ingrato - finalizou, tentando animar todos que torciam a cara quando viam a situação de sua mão.

— Sem piadas, você precisa ser tratado imediatamente! Vamos ao hospital. - Samara se pronunciou, quebrando o clima tenso que ficara. Pegou o garoto pela mão e, sem perceber que o fazia corar, colocou-o dentro de um dos carros e deu ordens para que todos voltassem.

•••

Liberty não tinha nenhuma atividade programada para o mês seguinte, logo, o galpão voltou a ficar vazio. Os únicos seres viventes que ainda visitavam o local, eram Samara e Samuel, que se recuperava bem do ferimento na mão, mas em compensação, acabou pegando um resfriado que estava bastante relutante em ir embora.

Samara adorava aqueles momentos em que não havia ninguém, somente os dois conversando bobagens e rindo de trivialidades. Seu casamento não estava indo bem e no Dia do Beijo, o casal completaria mais um ano juntos apesar de não saber o que dar ao marido, pois há tempos não conversavam.

Depois de algum tempo, Samuel deixou de aparecer no galpão, e disse que a gripe havia desenvolvido uma forte febre. Estava com uma grande moleza para sequer sair de sua casa.

Sem nada para fazer em um local abandonado, a mulher passou o restante de seus dias em casa.

•••

Como é costume em muitos lares, a data do aniversário de casamento não passa despercebida. É o momento onde ambas as partes relembram porque escolheram um ao outro e deixam de lado todos os desgostos que tiveram por causa de uma escolha mal feita.

Samara não foi diferente com seu esposo. Bastou que ele desse um pouco de atenção para ela - e a fizesse chorar com uma declaração copiada de um site qualquer -, e os dois já se encontravam aos beijos na cama.

A relação sexual que teriam foi interrompida por uma crise de tosse da mulher, acabando com toda excitação do marido, e fazendo com que o mesmo a culpasse pelo casamento desastroso e sem amor.

No fim, o aniversário de casamento foi como qualquer outro dia, repleto de discussões e com um homem furioso saindo pela porta alegando que iria ao bar.

•••

Roberto já estava cansado de Samara, não entendia porque a relação havia se esfriado tanto, todavia desvendar esse mistério estava longe de ser uma de suas metas. Naquela tarde, tudo que ele queria era finalizar o que havia começado naquele quarto.

Entrando em uma boate, o homem acaba sendo conquistado por uma das dançarinas, Patrícia, uma das celebridades daquele local. Disposto à comemorar, o homem retira uma boa quantia da conta corrente dele e de sua esposa para pagar por alguns minutos com a garota de programa.

Enquanto sua esposa estava em casa, com uma crise de tosse fortíssima, Roberto realizava suas fantasias sexuais, beijava, tocava e sentia Patrícia. Naquele momento, esquecia seu péssimo casamento e o motivo de não pedir um divórcio.

•••

Patrícia nunca desejou a prostituição como carreira a seguir pelo restante de sua vida. A quantidade de homens com que se deitava era algo que ela jamais se imaginou fazendo.

 Em certo momento de sua vida, não via mais os rostos de seus clientes, apenas uma imagem borrada do que deveria ser um humano. Sabia o que precisava fazer, já havia memorizado as formas dos corpos com que lidava e tinha conhecimento sobre como proporcionar prazer aos que a procuravam.

No final do expediente, pegava um táxi e voltava para seu apartamento medíocre localizado na área pobre da região. Havia noites em que não comia nada, entretanto o essencial nunca faltou que era uma boa garrafa de whisky.

A bebida a tirava desse mundo e a levava para seu pequeno paraíso, sua fortaleza, onde homens não eram aceitos. No entanto, quando acordava e se dava conta da realidade, caía em profunda amargura.

O que fazia alguém com uma vida sem sonhos se levantar todos os dias e continuar a respirar? Nem mesmo ela sabia responder. Patrícia já se encontrava no piloto automático há um bom tempo, suportando dia após dia, e este não era diferente.

Saindo cambaleante pela portaria, se deparou com pessoas alegres e vestidas dos mais diversos tons de cores. Por um momento, pensou que estivesse em seu mundo particular e, alegremente seguiu a multidão, abraçando aqueles que encontrava no caminho e alguns mais ousados até mesmo a beijavam.

Quando se deu conta, encontrava-se no centro da cidade, cercada de barulho e pessoas beijando uma às outras ao seu redor. O Dia Internacional do Beijo havia chegado. A prostituta entendeu aquilo como um sinal divino de que a vida que ela escolhera não mudaria e resolveu fazer aquilo que sabia: beijar até não poder mais.

•••

Em apenas um beijo duas pessoas trocam, em média, duzentos e cinquenta bactérias.

Para um vírus desconhecido, o Dia Internacional do Beijo é a época perfeita para sua propagação.

Dessa forma, de maneira silenciosa e sutil, o que seria conhecido como o pior vírus que a Ilha de Monoki veria, foi se espalhando lentamente, tendo como ponto inicial uma prostituta desamparada com a vida.

Patrícia nunca saberia, mas aquele foi seu maior e último feito em vida.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: 04/02/2017

Provavelmente a primeira fase, que possui cinco capítulos, será postada inteiramente nos sábados, mas caso você tenha um dia postagem que acha melhor e mais fácil pode dizer. Pretendo mudar para as quartas na 2º fase da história.

Espero que tenham gostado desse capítulo :)



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