Olhe nos meus olhos escrita por Kikyo


Capítulo 20
A macieira


Notas iniciais do capítulo

Confesso que chorei escrevendo esse cap.
E desculpa, estou colocando com itálico, mas não esta indo.



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Minha solidão custou caro. Custou toda a minha sinceridade. Custou todas as minhas verdades. Poderia ter me facilitado, mas me dificultou.

A solidão é a dificuldade de ser.
A solidão é uma velhice que tenho desde que nasci. A solidão é sempre cuidar para a liberdade não virar egoísmo. A solidão é uma dieta para a vaidade.

Por não mentir, fiquei sozinho. Por não suportar bajulação, fiquei sozinho. Por não me sujeitar a ter vantagem, fiquei sozinho. Por defender as minhas ideias, fiquei sozinho. Minha solidão não foi barata.

Mas minha solidão tem dois filhos. Minha solidão tem seis amigos fiéis.  Minha solidão tem uma imensa biblioteca.
Carpinejar.



Regina parou diante da grande porta de madeira, a porta que na infância passou tantas vezes.

Não sabia ao certo o que fazer, teria que enfrentar a mãe... Mas seu coração estava doendo.

Durante todo o trajeto de carro, Emma esteve em silêncio ao seu lado, respeitando sua dor. Essa era uma das coisas que mais admirava na esposa, sabia a hora de consolar e de ficar em silêncio. Conhecia Regina o bastante para saber a hora de muitas coisas, mas desconhecia a dor que Regina sentiu um dia, todo o medo e traumas mais profundos.

Seis anos de terapia não apagou o medo do abandono, o medo de não saber o que poderia acontecer em seguida e, principalmente não apagou a dor de gritar e saber que não é ouvida... Era obrigada a sofrer em silêncio.

Olhou para trás, o carro amarelo ainda estava parado lá, atrás daquelas grades de ferro. Regina jamais havia reparado como aquela casa lembrava uma prisão, muros altos e portão de grade. Sua mãe era prisioneira de si mesma literalmente também. Respirou fundo, sabia que Emma estaria ali fora, naquele carro, quando tudo acabasse. Emma sempre estaria ali por ela, essa era sua maior confiança.
Demorou para Regina perceber que amar e confiar são quase a mesma coisa, o diferencial era pequeno:  Podemos amar sem confiar, mas não é possível confiar sem amar.

Amar e confiar exige tempo, disciplina, lealdade, sinceridade, somas de atitudes. Não é porque é mãe ou pai ou irmão que vamos confiar. Família não traz garantia. Tudo é apenas uma soma de pequenas experiências...
Regina amava a mãe, mas não confiava deixar ninguém que amava perto daquela mulher. Em todas as visitas dos filhos, sempre esteve presente. Aquela havia sido a primeira que não estava, e seria a última. Voltou seus olhos para a porta e girou a chave. O barulho do trinco fez seu coração disparar.

Passou pela soleira, colocou sua bolsa na cômoda de mogno, a madeira estava brilhando. Olhou ao redor, havia uma cristaleira linda e limpa, sofás e criado mudo refletindo qualquer luz. Sua mãe sempre foi exigente com a limpeza, era quase uma doença mental. 'Será que herdei essa mania de limpeza dela? Seus ensinamentos estão tão encravados em mim?'

Passou pela sala, lembranças de sua infância solitária estava em cada canto, em cada mobília. Lembrou de uma irmã que jamais conheceu, a "filha bastarda de seu pai", sua mãe dizia. Regina teria sido menos sozinha se sua irmã tivesse crescido com ela? Se seu pai fosse corajoso o bastante para lutar pelas filhas? Isso ela jamais saberia, sua vida sempre foi recheada por "e se".

Passou pela cozinha, Gênova estava varrendo algumas migalhas. Se olham de modo triste, sempre faziam isso. Uma conhecia a dor da outra, mas jamais trocaram uma palavra sobre isso.

Gênova abriu uma gaveta e tirou Tigreza. A pelúcia estava amassada e fria, sentia falta do calor e proteção de sua dona.

— Aquela menina teve sorte que não joguei isso fora. Já tá muito grandinha pra ficar arrastando isso pelos cantos. - Cora entrou na cozinha, cruzando os braços para a filha.

— Lara tem 7 anos e resgatou essa pelúcia do fogo. Ela chegou em minha casa com as mãos queimadas, mas sem arrependimentos por ter salvo isso. - virou a pelúcia, mostrando uma pata da ovelha que estava derretida.– Essa é a única lembrança que ela tem da mãe.

— É por isso mesmo que tem que jogar fora. Os mortos precisam ser enterrados.

— É por isso que não há nenhuma foto do meu pai pela casa?

Cora deu as costas, indo para sala, evitando responder a filha. Regina a seguiu, não ficaria apenas por isso, era a primeira vez que enfrentava a mãe.

— Me responde, mãe? Por que não há fotos do meu pai pela casa? Por que nunca pude falar dele? Eu nunca tive a chance de chorar por sua morte! - Estava quase gritando.

— Que diferença faz? Ele morreu! Pra que ficar chorando em cima de foto ou falando de quem já foi? As pessoas achariam que somos fracos ao nos ver chorando atoa. - sua voz era indiferente, talvez fria.

— O amor é uma fraqueza? É isso que você quer dizer? Porque isso foi o que você falou a minha inteira.

— Te ensinei como ser mais forte. - Cora se aproximou da janela, fechando o casaco que vestia, olhando para a janela.

— Não mãe, você me ensinou a me fechar para tudo. Com Emma e com nossos filhos eu descobri que o amor não é fraqueza, na verdade, ele nos faz mais forte.

Cora revirou os olhos com a citação de Emma.– Os filhos daquela mulher são todos mal educados.

— São meus filhos também. Errei ao deixar que eles viessem aqui, você nunca os amou. - apertou a ovelha de pelúcia. – Eu só queria que eles tivessem um tempo com a avó.

— Eles não são meus netos!  Você nunca me deu um. A única coisa que te pedi foi um Mills. - aquelas palavras foram frias e ríspidas.

Há algo mais forte do que o amor: a decepção.
Regina teve o direito de sentir indignação e raiva, no entanto, tudo que sentiu foi decepção.
Foi quando descobriu que não conhecia realmente sua mãe. Como amava de maneira pura, enxergava as palavras e perdoava as atitudes.
'Quando ela se tornou essa pessoa tão fria? Como não percebi isso antes?'

Regina tentou buscar algo que mudasse essa cena, para se defender, não parecer uma tola por não ter percebido, mas… não lembrava sequer um elogio, um reconhecimento, de um agradecimento. Até as brincadeiras revelavam a única intenção de diminuir e mostrar que nunca seria capaz de contentar Cora.

 

Uma mãe que jamais pediu desculpas e contabilizou o pouco que fez como se fosse muito.

O muito é troco. O muito é esmola. O muito é nada.

— Não se preocupe, meus filhos não virão mais aqui te incomodar. Não por você não aceitar eles como netos, não virão porque não quero que eles sofram o que sofri. Não quero que eles sejam desprezados ou presos no banheiro porque você não suporta uma criança chorando.


— Eu te prendi pra te ensinar, Regina. Tudo que fiz foi por amor.

— Amor é jamais anular a possibilidade do outro de errar, mãe. É conversar e manter a porta aberta em vez de chavear pelo medo de perder ou se proteger com ameaças. O que você fez não foi demonstração de amor, mas de controle. - Regina sentia seu coração desesperado.

— Você não entende.

— O que não entendo? Me fala. - Qualquer coisa, queria que a mãe dissesse qualquer coisa, teria assim uma chance de entender a mulher que a criou, que a fez cheia de medos e dores.

Cora nada disse, se limitou a observar a árvore pela janela, a macieira que Regina e Henry plantaram juntos. Regina seguiu os olhos da mãe, a saudade acelerou seu coração.

Em segundos foi enviada para sua infância, quando plantou aquela árvore com o pai. Havia escolhido a pequena árvore na loja, e toda tarde regava a pequena planta junto com o pai. "Lembre sempre de cuidar de tudo na sua vida com o mesmo cuidado que você cuida dessa árvore, Regina. O jardim que não regamos diariamente, não nasce flores e morre." Seu pai dizia. Não houve um único dia que Henry não tivesse regado aquela árvore, não houve um único dia que ele não tenha dito a Regina um eu te amo, seja em palavras ou atos. Sorriu ao lembrar dos chocolates escondidos debaixo do travesseiro, os "presentes secretos do papai".

— Depois que meu pai morreu, eu me senti muito solitária, mãe. Por isso chorei, por isso gritei. Foi você que nunca me entendeu.

— Tudo que fiz foi pra te educar, Regina! Você não foi solitária! - Cora gritou enervada - Eu estive aqui, Gênova esteve aqui sempre cuidando da casa! - Encarava a filha com uma frieza diferente no olhar. ‘Não compreendia a dor que havia causado? Não percebia seu erro?

Regina limpou uma lágrima teimosa. - Solidão não é o sentimento de não ter ninguém por perto, é o sentimento de não ter alguém que se importe com a gente. - Outra lágrima, que Regina limpou com a manga da sua blusa, sentia seu coração pequeno, palavras presas na garganta, queimando a cada segundo. Olhou para cima, recusando o choro, quem nunca fez isso? Olhou para o céu para não deixar as lágrimas caírem.
As pessoas que mais amamos são as que podem nos infligir as dores mais profundas e são, também,  as pessoas que temos mais dificuldades de entender.
Seus olhos pararam no grande relógio a corda na parede, o tempo passava mais devagar naquela casa.

— Mãe, sabe o que mais dói? É saber que estou a quinze minutos aqui e, em nenhum momento você me chamou de filha. Pelo nome todos me chamam, você deveria ser diferente.

Regina teria realmente visto uma lágrima represada nos olhos da mãe? Ou seria sua vontade imaginando coisas?

— Você me cobra coisas irrisórias, Regina. Te dei teto, comida e educação, o que mais você quer de mim?

Contrariando a física, o coração de Regina acelerou mais, dessa vez doía a cada batida.

— Eu vou embora, mãe. Vou pra uma casa onde sou amada, onde sou abraçada todos os dias e nunca, nem por um segundo me senti solitária.

Solitária, era assim que Regina se sentiu entre as paredes daquela casa por tantos anos. Na infância ficou presa entre as paredes de um banheiro, na adolescência na de um quarto e agora, adulta, nada mais a prendia.

Deu as costas a mãe, não valia a pena discutir. Ficar só causava dor, amar também é saber a hora de desistir.



— Agradeça a mim a pessoa que você é hoje. Eu te eduquei bem. Eu sempre te amei, Regina. - Cora ainda olhava a janela, não ousou olhar para filha.

— Mas eu nunca tive seu abraço…. Cora. - Doeu dizer aquelas palavras, era como se cada letra cortasse como faca. Não conseguiu dizer mais nada, não por falta de frases, mas por excesso de sentimentos.

Regina, triste, deu alguns passos, pegando sua bolsa na mesa da sala. - Serei mãe outra vez, terei mais um filho com Emma. Esse você não colocará as mãos, se não sabe cuidar e amar os que adotei, não tem o direito de conhecer o que possui seu sangue. - sua voz saiu falhada, denunciando o choro.

Regina andou em direção a porta, deixou a chave na cômoda e colocou a mão na maçaneta, ainda tinha esperança que sua mãe falasse algo, mas nada aconteceu. Ela passou sozinha pela soleira da porta, mas sozinha, jamais estaria de agora em diante.

 

Puxou a porta e olhou o portão, só queria o carro amarelo e a pessoa que esperava dentro dele.

 

Sorriu ao ver Emma pelo lado de fora. Ela estava encostada no carro, braços cruzados olhando para a macieira.

 

Regina abriu o portão e olhou sua esposa, tudo que ela queria naquele momento era conforto, um abraço e uma falsa promessa que tudo ficaria bem… só queria se sentir amada.

 

Emma abriu os braços, sorrindo ao ver Regina correr de encontro a eles, chorar e molhar a jaqueta vermelha.

— Você quer que eu vou lá bater nela? - Emma ofereceu após ver que Regina havia acalmado.

Regina riu em meio as lágrimas. – Não precisa.

— Tem certeza? Tenho um ótimo gancho de direita. - Apertou mais a esposa dentro do abraço.

— Tenho. Só quero você e os abraços dos nossos filhos.

— E terá, meu amor. Vamos devolver todos os abraços que você não recebeu nessa casa. - afastou um pouco, olhando nos olhos de Regina. - Você é a pessoa mais importante da nossa vidas.

O caminha de volta não foi silencioso, Regina contou cada detalhe da conversa. Contou também, todas as lembranças que voltaram a sua mente, só as boas, só as do seu pai.

Entraram na garagem de casa. Emma fez questão de dar a volta pelo carro e abrir a porta para Regina sair. Sorrindo pegou a mão da esposa, mas não entraram na casa, Emma quis ir direto para o jardim dos fundos.

Regina sorriu ao ver todos os filhos reunidos, aguardando por ela. Lara foi a primeira que correu, abraçando e espalhando beijos pelo rosto da mulher que aprendeu a amar.

— Oi, meu amorzinho. Você tem que agasalhar melhor pra ficar aqui fora. - Regina estava abaixada na altura de Lara, acariciando o rosto daquela menina tão doce.

— Queria dar um abraço na minha mamãe. Nico não acreditou quando eu falei que você disse que vai ser minha mamãe. - disse olhando feio para o irmão.

Regina chorou, estava emotiva. Abraçou Lara mais uma vez, feliz por ela lembrar.– Claro que serei. De vocês dois, se vocês quiserem, é claro.

Nicholas não mexeu, não esboçou nenhuma reação, apenas ficou ali, parado, duvidando do que seus ouvidos haviam escutado, não acreditava merecer tanto.

Brandon se aproximou, Regina abraçou o jovem homem, aquele que sempre a respeitou como uma mãe. Que quando criança chorava quando ela ia embora e  que foi o primeiro a pular de alegria quando Emma e Regina decidiram morar juntas. Jamais esqueceria a alegria do garoto quando recebeu a notícia que receberia novos irmãos. Desde o primeiro dia ela foi amada pelas pessoas que rodeavam Emma.

— Mãe. - Bradon desapertou o abraço. - Temos uma surpresa pra você. - abriu os braços, deixando que ela fosse abraçada por Jesus e Mariana.

Os gêmeos, aquelas duas crianças inocentes que a aceitaram como mãe.

Foi apertada nos braços do filho. Jesus, o garoto protetor que brigava na escola quando algum coleguinha falava "sua mãe é gostosa". O garoto que sempre a segurou nos braços nos momentos ruins e sempre fez palhaçadas para arrancar alguma risada. Ele sempre tinha olhos ternos para ela e o abraço mais macio do mundo.

Foi abraçada por Mariana, sua companheira de fofocas, de salão e spar. Jamais conseguiria uma melhor amiga que ela. Aquela garotinha que sempre estava ali, pronta para agradar, pronta para rir ou chorar junto. Sempre preocupada, sempre presente, sempre sendo a filha que Regina jamais ousou pensar merecer.

Abraçou Nico, o garotinho sábio e calado. Não conseguia mais ver uma vida sem a presença daquela alma iluminada.


— Surpresa, qual surpresa? - perguntou finalmente. Limpando as lágrimas, dessa vez ela chorava de alegria, chorava agradecendo.

— Mãe ligou pra gente e deu uma ótima ideia. - Brandon falou com um sorriso sapeca no rosto.

— Acho que está faltando alguma coisa nesse jardim. - Mariana falou rápido, estava animada.

Emma e Jesus trouxeram uma árvore pequena, pronta para ser plantada e cuidada.

— Uma macieira. - Regina falou com a voz falha de emoção. De nada adiantou secar as lágrimas, todas voltaram ainda mais intensas.


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Notas finais do capítulo

Entonnnnn, tem uma bombinha vindo, pensei em jogar ela nesse cap, mas ta tao fofo que não quis apanhar das minhas leitoras.
Pra quem não viu, estou com fic nova aí, swanqueen também.

Comente se achar que mereço um feedback ou se esse cap te fez refletir, please.



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