Olhe nos meus olhos escrita por Kikyo


Capítulo 2
Espumas


Notas iniciais do capítulo

O início em negrito é um trecho de um conto, pode pular se não quiser ler.

Então, como perceberam, algumas coisas foram mudadas, o motivo é a adequação as personalidades de Regina e Emma, sem perder alguns pontos fortes e fracos da Lena e da outra que nunca decoro o nome.
Boa leitura



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Miguel: (examinando o globo) Para que serve isto, Lorena?

Lorena: É um peso de papel, amor.

Miguel: Mas se não está pesando em nenhum papel... (olhando para escrivaninha) E este anjinho? O que significa este anjinho?

Lorena: (franzindo as sobrancelhas) É um anjo, ora.

Miguel: Eu sei. Mas para que serve? Veja, Lorena, aqui na mesa este anjinho vale tanto quanto o peso de papel sem papel ou aquele cinzeiro sem cinza, quer dizer, não tem sentido nenhum. Quando olhamos para as coisas, quando tocamos nelas é que começam a viver como nós, muito mais importantes do que nós, porque continuam. O cinzeiro recebe a cinza e fica cinzeiro, o vidro pisa o papel e se impõe, esse colar que você está enfiando... É um colar ou um terço?

Lorena: Um colar.

Miguel: Podia ser um terço?

Lorena: Podia.

Miguel: Então é você que decide... Os objetos só têm sentido quando têm sentido, fora disso... Eles precisam ser olhados, manuseados. Como nós. Se ninguém me ama, viro uma coisa ainda mais triste do que essas porque ando, falo, indo e vindo como uma sombra, vazio. Vazio.É o peso de papel sem papel, o cinzeiro sem cinza, o anjo sem anjo, fico aquela adaga ali fora do peito. Para que serve uma adaga fora do peito?

Lygia Fagundes Telles, "(in "Os Objetos")"

 

 

####

 

— Combinamos que tudo relacionado aos nossos filhos seria discutido entre nós, antes de uma decisão. – Emma sussurrou, puxando Regina para a sala.

 

— Eu sei Emma, mas você não atendia ao telefone.

 

— Eu estava patrulhando, amor. Alguém precisa botar medo nas pessoas... além de você, é claro.

 

Regina sorriu, essa era uma das coisas que a morena mais admirava em sua esposa, a capacidade de fazê-la rir, de deixar tudo mais leve. Sentaram no sofá.

 

— Vai falar nada não? — Emma tentou fazer uma cara brava, vacilando nas covinhas que apareceram, Regina riu, colocando a mão na frente da boca, como se tal ato fosse reprimir o riso.

 

— Emma, você é uma palhaça, sempre me fazendo rir. A conversa aqui é séria.

 

— A sua risada é tão bonita que tenho sempre vontade de ser engraçada. – Pegou as mãos da esposa, colocando-as em seu colo— Confio em você, apesar de achar que foi uma loucura, mas confio em você.

 

— Você tinha que ver como ela me olhou, Emma.

 

— E você tinha que ver como estou olhando pra falta de espaço na nossa casa, Regina.

 

— É temporário. E ela ficará no sofá

 

— Como eu disse, confio em você. Suas loucuras costumam ser medidas.

 

— Não faço loucuras.

 

— A menina sentada a nossa mesa de jantar discorda. E o que aconteceu com ela?

 

— Os papéis ainda não chegaram do departamento criminal, tudo que sei é que ela morava com o padrasto, aconteceu um incêndio. Ele sumiu e, eu não queria que ela fosse para um orfanato.

 

— Peraí que não entendi nada. Teve um incêndio e levaram ela pro reformatório?

 

— Foi criminoso. Acharam que foi ela. Mas... Parece que não foi.

Emma permaneceu em silêncio por alguns segundos.

 

— Emma, fala alguma coisa.

 

— Estou refletindo se nos meus votos matrimonial inclui não trazer incendiários pra casa.

 

— Não foi ela. Já disse. – Regina revirou os olhos

 

— Ok, já falei que confio em você. Mas amanhã mesmo pesquisarei mais informações. Só que, ainda não desculpei sobre você ter feito algo sem me consultar.

 

— Fiz lasanha com batatas à dorê pra janta.

 

— Ok, está perdoada. Vamos jantar. – Emma selou os lábios da esposa e levantou, sentando à mesa com seus filhos e nova hospede.


***

Regina estava no banheiro retirando as ataduras dos braços e dedos de Lara, preocupada com possíveis dores que a menina poderia sentir.

 

— Notei que você machucou mais as mãos do que o resto do corpo. Por que?

 

A garotinha não respondeu, seus olhos marejando aos poucos. Tempo. Precisamos de tempo para falar certas coisas, Regina pensou.

 

— Vamos entrar na banheira? A água está uma delicia.

 

— Tigra pode ir junto?

 

Regina olhou receosa para a pelúcia encardida.— Tenho uma ideia melhor, vou te ajudar com o banho e mais tarde você me ajuda a dar banho na Tigra na máquina de lavar, pode ser?

 

— Pode! – Lara falou animada, fazendo Regina sorrir. Gostava do sorriso da pequena.

 

— Não tenho brinquedos pra banheira porque meus filhos já passaram dessa idade

 

— Onde eu tava não tinha brinquedos também. – Deu de ombros. Apesar da frase triste, a morena ficou satisfeita por fazer Lara falar mais.

Regina pegou um pote de shampo e colocou espuma sobre ele, tentando fazer um moicano. – Viu? Ele é stiler. – Lara riu, sorridente, Regina abriu o pote e passou sobre os cabelos loiros

 

— Você é legal – Lara falou, bochechas coradas, mãos sobre o colo.

 

— Hum, colocarei isso na porta da diretoria, que sou legal. Gostei. - Colocou a cabeça da menina para trás e jogou água morna com a mangueirinha, passando as mãos delicadamente sobre os cabelos loiros. Em um rompante Lara chorou, cobrindo o rosto com as mãos. Regina não perguntou, não era a hora. Apenas abraçou a menina, não se importando em molhar sua blusa. As vezes a única necessidade é estar presente, em silêncio, esperando que toda a represa seja desaguada, que toda a dor dê espaço para novos sentimentos.

 

O banho percorreu calmo, Lara não mais sorriu. Porém, se alegrou um pouco assistindo ao banho de Tigra.

 

— Ela não vai ficar tonta? – A pequena perguntou a Emma que colocava algumas roupas na secadora.

 

— Não. Dei um remédio pra ela não ficar tonta, pode ficar tranquila – Pensou por alguns segundos— Mas, isso não quer dizer que é pra você entrar aí dentro, heim?

 

Lara sorriu sapeca— Não sou tão boba.

 

— Sei lá, tirei Jesus de dentro daí quando ele tinha 4 anos. – Emma pensou a respeito das atitudes da menina. O apreço pela pelúcia condizia com um de uma menina de cinco anos para menos, já todas as outras atitudes eram de sete anos. Talvez, aquela pelúcia fosse mais importante que aparentava.

 

— Merda! – Emma xingou, se arrependendo devido a presença ao seu lado, no entanto, notou que a menina não se importou, estava acostumada com tal palavra. Isso é ruim, pensou olhando a menina

 

— O que aconteceu? – Lara perguntou, seus olhos não saiam de Tigra rodando na máquina.

 

— A secadora estragou de novo. – Lara a olhou preocupada— Relaxa que damos um jeito de secar sua pelúcia.

 

— Tigra. O nome dela é Tigra.

 

***

 

— Bom dia, amor – Regina virou na cama, selando os lábios de sua esposa que já se vestia para trabalhar— Já vai tão cedo?

 

— Hoje trocarei meu parceiro, então... tenho que ir mais cedo.

 

— Nem te vi deitando ontem – Esfregou os olhos

 

— Passei algumas horinhas secando uma ovelha de pelúcia chamada Tigra... com um secador. Vou pro céu, não vou?

 

— Vou falar com a Mariane parar de colocar aquelas coisas na secadora. Mas foi fofo o que você fez por Lara.

 

— Mereço um beijo por isso? – Emma deitou na cama, se aproximando e beijando os lábios de sua mulher.

 

— Você sabe o quanto amo você com farda. Não faça isso. – Puxou a lapela da blusa de Emma, aprofundando o beijo. Aos poucos seus corpos se entrelaçavam, o coque de Emma ficando frouxo. Mãos escorregando pela pele morena. Mordidas e lambidas no pescoço.

 

— Mãe, mamãe! A Marianne ta enrolando no banheiro! Eu quero entrar. – Blandon gritou do corredor.

 

— Tem certeza que ele é o nosso filho mais velho? – Emma resmungou.

 

— As vezes tenho dúvida. – Regina levantou, vestindo seu hobby para resolver “o problema.”

 

Banhos tomados, pratos e pães na mesa, cheiro de manhã familiar. Porém, Regina sentiu falta de um membro da família.— Alguém viu a Lara?

 

— Faz um tempo que não a vejo. Desde ontem, eu acho – Marianne comentou ao beber seu leite.

 

— Liga pra sua mãe, temos um problema. – Regina retornou da sala.

 

***

 

— Sumiu algo da casa? – Emma perguntou, mãos na cintura olhando ao redor da sala.

 

— Você acha que ela roubou algo? Mão acho que...

 

— Não, é outra coisa.

 

— Notei o sumiço de alguns biscoitos. Mas, pode ser que os...

 

— Provisão. Foi premeditado. Lara levou provisões, provavelmente levou água ou suco também.

 

— Você ta achando que uma menina de quase oito anos fugiu de casa pra ir a algum lugar sozinha?

 

— Vi uma série em que um menino de 10 anos saiu do Maine e pegou ônibus e táxi sozinho, pra chegar a casa da mãe biológica em Nova York. – discou um número em seu celular. – E só Deus sabe como ele arrumou o endereço.

 

— O que vamos fazer, Emma?

 

— Primeiro, encontrar Lara.


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Notas finais do capítulo

Comentem please, estou adorando a recepção