Este ano o natal vai estar cheio escrita por Segunda Estrela


Capítulo 11
Só eu chamo meu pai de velho


Notas iniciais do capítulo

Caracolis, eu fiquei total perdida sobre o que escrever nessa parte. Maior bloqueio, que doideira. Tomara que esteja ok agora.



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Ele tinha feito algo horrível, não que nunca tivesse feito coisas horríveis antes, mas dessa vez era atormentado pelo sentimento de culpa. Dessa vez, talvez, ele nem mesmo conseguisse se justificar, embora com certeza ainda tentaria. Quando suas ações causavam, o que ele chamaria, incômodos aos outros; tentava remendar com gestos sutis, mas assumir a responsabilidade? Nunca. Tinha lutado contra seu carácter e consciência por tempo demais para saber que podia ignorá-los sem remorso. Então o que era o problema agora? Gostaria de poder dizer que foi a mudança repentina em sua índole provocada pelo que sentia pela garota. Bem, “o que sentia por ela” era o culpado? Sim, mas longe de ser porque o tinha tornado uma pessoa melhor, e sim porque agora encarava uma consequência para a qual não tinha se preparado.

E Kylo Ren tinha passado a última hora tentando explicar isso para uma desconhecida.

— É um motivo egoísta no fim das contas, entende? Eu não sou a pessoa boa que ela pensa, e nem tenho motivos para ser. Não é minha culpa se ela se iludiu.

A mulher na frente de Kylo Ren tinha longuíssimos cabelos ruivos, ondulados meticulosamente por um trabalho que deveria ter tomado horas. Maquiagem impecável em um suave toque de marrom; provavelmente algum tom específico de nome exótico de uma marca cara, como torrado rosé ou algo assim. O vestido que usava não tinha sido feito para ser ignorado, muito menos a noite que ela planejara.

— Mas me conta mais uma vez, meu bem, se vocês eram amigos na infância, porque quis magoar ela? – A mulher tinha olhos astutos.

O rapaz enrugou a testa, como se pensasse profundamente. Realmente não era burro, apenas estava em negação, durante a vida toda.

— Eu fiquei com raiva porque ela não se lembrou de mim. Durante muito tempo, eu guardei as lembranças daquela garota com cuidado. Não era como se fosse uma paixonite, nem nada do tipo, eu era muito abestalhado na época. – Nesse momento o jovem Ben fez uma pausa, apertou o copo que uma hora antes estava gelado e suspirou fundo – Ver ela de novo foi uma sensação estranha, era como se de repente aquilo tudo que passamos quando crianças fosse muito mais importante agora. Perceber que ela não ligava, nem mesmo me reconhecia, acabou comigo.

— Então fez questão de dar o troco? – A mulher perguntou segurando uma taça de um líquido vermelho incandescente, parecia pegar fogo nas suas mãos.

Ele não admitiria algo assim. Em sua concepção, se tratava mais de orgulho pessoal, e de como não suportava ser negligenciado. A defesa da sua honra.

Talvez fosse o leve estupor do álcool em sua mente, ou porque desejasse que alguém o entendesse, e qualquer um servia, porque ele confirmou com a cabeça. E por mais simples que fosse o gesto, sentiu como se traísse o exército bem encabeçado, e cuidadosamente planejado, que defendia o seu coração.  Atacava diretamente a muralha de soldados e mirava no ditador tirano que dizia que não podia ser fraco na frente dos outros.

Por um segundo, se deixou levar pela ideia de um pelotão de um homem só invadindo aquele forte e derrubando suas paredes, pedra por pedra. A visão era arrebatadora em sua mente, apenas nela, no entanto.

— Viu só? Não foi tão difícil assim admitir para si mesmo.

Ben riu para ela com escárnio, o rosto em uma das mãos.

— Não, tenho certeza que acabaram de me fuzilar por traição dentro da minha cabeça.

Por mais que não entendesse, ela riu da mente estranha daquele homem. A mulher descruzou suas pernas longas e levantou tremulando o seu cabelo nas luzes coloridas que refletiam nas garrafas e copos.

— Ache a garota, se desculpa e vê no que vai dar. Ninguém pode ficar com raiva pra sempre.

— Eu posso. – Respondeu.

— Bom, sorte que dessa vez não é você que está com raiva, certo? Gostaria de poder dizer que vou ajudar outras almas em desespero, mas sinceramente, espero que não aconteça de novo. – Surpreendentemente, ela não soava amarga.

— Deixa eu pagar alguma coisa para me desculpar por ficar tagarelando.

— Eu pareço que preciso disso? Mas você está começando bem. Paga uma bebida pra ela e tenho certeza que vai te perdoar. – A ironia em sua voz passou despercebida.

— Você acha mesmo?

— Não, é claro que não, não se compra coisas para se desculpar.

— Então por que disse pra eu fazer isso?

— Não achei que ia levar uma coisa dessas a sério. Nossa, pobre dessa garota por quem você está apaixonado.

— Eu não... – Mas sua voz morreu antes de terminar a frase.

De que adiantaria confrontar alguém, que tinha acabado de conhecer, sobre um assunto desses? Se aquela mulher quisesse se iludir e acreditar que ele amava Rey ou alguma bobagem dessas, podia ir em frente, porque ele não faria a mesma coisa. Tinha certeza disso.

— Sem contar que, honestamente... – E a ruiva fez uma longa pausa, olhando dos cabelos negros até os sapatos engraxados do homem. – Eu não acho que ela teria aguentado tudo isso se não gostasse de você.

— Obrigado.

— Não foi bem um elogio, mas que bom que entendeu assim.

Ela esticou os braços para o alto, se espreguiçando. Entortou o corpo por cima do balcão e puxou a gola do garçom atarefado que passava.

— Traz mais um desse pro meu amigo, coloca no meu cartão.

E virando-se para Kylo, disse:

— Você é até bonitinho, mas não tenho interesse em me envolver em um relacionamento sério agora. E mesmo se tivesse, acho que você é mais bagagem do que eu posso aguentar.

— Obrigado.

— Lá vai você de novo, que graça. – E sorrindo, ela contornou sua cadeira e deu uns tapinhas em seu ombro. – Mas sério, só pede desculpa.

Ela se virou com seus saltos altos e foi andando para mais fundo no bar, com a intenção de fazer sua noite valer.

Kylo Ren suspirou fundo, sentia-se estranhamente desanimado. Rey não saíra do quarto na manhã de natal, pelo menos não que ele tivesse visto. E como não aguentava a ansiedade de esperar ela aparecer e decidir esmurrar sua cara, acabou vindo para o bar. Era um lugarzinho pequeno e sujo com paredes descascadas e cheiro de cigarro. Não podia reclamar, ele ia ali quando viajava com os pais porque não pediam sua identidade. E também não conhecia nenhum outro bar por perto, não gostaria de se meter em lugares que não conhecia em um momento que estava fragilizado.

Ele não lembrava exatamente do quanto tinha tomado. No máximo quatro copos? Tinha certeza que não era muito, mas ainda se sentia meio zonzo, cansado. O que fazia sentido, já que praticamente não dormira na noite passada. Remoendo e pensando no rosto dela cheio de mágoa.

— Como acabar com esse pesar? – Ele perguntou para o garçom.

— Ah, me desculpe, mas você não vai me prender aqui por uma hora também, eu trabalho. – Respondeu o outro jovem indo para longe.

Kylo respirou fundo. A verdade era que tinha certeza que não se importaria quando ela recebesse a pá de lixo, iria rir diabolicamente consigo mesmo e se parabenizar de que não fora ele que saíra mais magoado no final. No entanto, a culpa era muito pior do que o desprezo que imaginou que ela tinha por ele, ao não o reconhecer. Preferia que Rey tivesse olhado em seu rosto e dito que mesmo que se lembrasse que ele era o garotinho de anos atrás, aqueles momentos foram frívolos e sem importância.

Ele não tinha se preparado para estar tão arrasado porque uma catadora de lixo, que todos consideravam ninguém, o tinha chamado de monstro. E ainda assim, temia, estava apavorado e cheio de medo. De nunca mais poder vê-la, ou conversar com ela, ou mesmo se desculpar. Tinha medo de nunca mais se sentir como quando estava com ela.

Kylo Ren se olhava no reflexo do vidro, sua imagem distorcida, estrábica e digna de pena. Quando tinha se tornado uma pessoa tão odiosa? Quando tinha deixado de admirar outras pessoas e a pequena vida delas? Quando foi que se encheu tanto de si mesmo, que dividir o espaço com qualquer outro se tornou doloroso?

Um tapa no seu ombro fez que o jovem virasse abruptamente, e nas suas costas havia um velho pai, com uma aparência cansada e sorriso meio morto.

— Pela sua cara, eu não vou nem perguntar o que tava pensando. – Revelou Han Solo.

— O que você está fazendo aqui?

— Tá brincando? Você saiu de casa as três horas da tarde pra beber e ainda não voltou, o que você acha?

— Veio beber escondido e disse pra mamãe que foi me procurar, não é?

— É claro.

— Como conseguiu me achar?

— Eu sei que você vem aqui desde os quatorze anos, não sou idiota.

E o rapaz se sentia um ninja quando desparecia de casa para fazer rebeldias, subestimou demais seu velho.

Sentando ao seu lado, Han puxou a cadeira. Seu modo confortável o fazia parecer em seu habitat natural. A forma como seus ombros relaxavam sobre o corpo e os cotovelos eram firmes no balcão, lhe deixavam mais jovem, só pelo seu estilo.

— Whiskey sem gelo. – Ele falou com segurança e intimidade, como se sempre estivesse ali.

Kylo Ren revirou os olhos, já tinha visto essa postura por tempo demais para se impressionar.

— Por que você faz isso? – Kylo perguntava com um tom de acusação.

— “Isso” o quê? – Perguntava Han Solo de volta.

— Essa coisa de cowboy moderno, não acha que tá muito velho pra isso?

Han deu de ombros. Segurou o copo que o ofereciam e deu um longo gole.

— Não sei, garoto. Eu não “faço isso” de propósito, só sou assim. Você tem que parar de achar que todo mundo tem segundas intenções. - Colocando sua mão cansada no ombro do filho, fitou-lhe nos olhos com o máximo de honestidade que o ex-arruaceiro conseguia. - Sua mãe, seu tio, eu, somos pessoas que se importam com você, não estamos tentando te enganar sobre isso.

Ben perdeu a vontade de retrucar.

— A garota é mesmo tão importante assim? Quer dizer, ela é legal, mas faz tempo que não te vejo tão abalado. E olha que você é uma montanha-russa emocional.

Tomando mais um gole, o rapaz pensou em como responder. Obviamente queria negar, mas algo na sua mente o impedia.Talvez fosse um impulso de honestidade? Tremeu ao pensar nisso.

— Você falou com ela?

— Não muito. A Rey tava falando com sua mãe, ela se sentiu muito humilhada.

É claro que ela se sentiu humilhada. Trataram ela como lixo na frente de desconhecidos e pessoas que admirava.

— O que você tava na cabeça? – Indagou-se o mais velho, mais para ele do que para o filho.

— Não importa agora.

Han suspirou profundamente, tomou um longo gole e respondeu:

— Acho que não.

— Acha que ela pode me perdoar?

— Se você conseguir falar com ela de novo, sim.

— O quer dizer se eu conseguir falar com ela de novo? – E sua voz soou urgente em um segundo.

— Tenho quase certeza de que ela foi embora. Não foi um natal muito bom, pode ter certeza.

Kylo Ren levantou de súbito. O copo que estava bebendo derramou sobre o balcão, recebendo um olhar irritado do garçom.

— Quer dizer, agora?

—  Acho que já pode ter saído. – Han falava sem preocupação.

O jovem se agitou, tomado por uma coragem que não imaginava ter. Não se importava mais, diria tudo de uma vez para ela, tudo que sabia e até mesmo o que não tinha certeza. Tinha a necessidade voraz que ela o perdoasse, mesmo que nunca mais olhasse na sua cara. Precisava que ela soubesse que sentia muito, e que realmente não era alguém tão ruim assim.

Afinal de contas, uma hora na vida tinha que se encarar as coisas de frente.

Ainda assim, não saía do lugar. Ficava parado hesitante gritando para o corpo que devia se mexer.

— Que foi? Tá com medo de ir atrás dela? Você é um homem ou um frango? – Perguntou seu pai.

— Tenho certeza que um frango sofreria menos do que eu.

— Por quê? Prefere ser degolado para virar sopa?

— Não iam me degolar, pela minha aparência iam achar que eu era doente ou alguma coisa assim, talvez me poupassem. – Ele passou a mão nos cabelos. - Tomar uma atitude é pior do que seguir etiquetas femininas dos anos 50.

Han virou para ele revirando os olhos, com receio de perguntar e receber uma resposta desconfortável.

— O que você tem a ver com etiqueta feminina dos anos 50?

— Minha vida pessoal não é da sua conta.

O pai do rapaz deu de ombros, tinha muita coisa sobre o filho que ele tinha desistido de tentar entender.

— Eu vou atrás dela, pai.

Han sorriu para si mesmo, do fundo do coração, esperava que conseguisse. Esse era o real motivo de ter ido atrás dele. Mas assim como o filho, não admitiria nada. Riu consigo mais uma vez, pensando na ironia. No fim das contas, o garoto realmente tinha algo dele.

Kylo Ren andou na direção da porta, determinado dessa vez. Vencendo o medo irracional da garota de sorriso bonito.

— Ei, filho.

E mesmo contra a vontade, ele virou.

— Eu tenho orgulho de você. – E remexendo no bolso, ele tirou uma coisinha que ficou escondida entre seus dedos. – Toma.

E assim o rebelde jogou algo para ele, que Kylo pegou por reflexo.

Deu uma olhada nas chaves em sua mão, as reconheceu imediatamente, lembrando de todas as vezes que as admirava penduradas na parede do quarto do seu pai. Sentiu vontade de bater no peito, pela primeira vez em muitos anos, sentiu vontade de chorar de verdade. É claro que não faria isso, nem na frente de seu pai, nem na frente de qualquer outra pessoa.

Mas pela primeira vez, sentia que seu pai o entendia. Nem que fosse um pouco. Dava pra ver nos olhos dele.

Assentiu com a cabeça. E virou-se para ir embora. Em sua girada dramática em direção a saída, esbarrou em homem enorme. A verdade era que o próprio Ben era absurdamente alto, então eles tinham os olhos no mesmo nível. A diferença, era que enquanto Kylo se exercitava casualmente para manter seu corpinho definido, o homem na frente deveria se encher de suplementos e levantar pesos maiores que ele enquanto gritava coisas do tipo: Vou liberar o monstro!

— Você tava olhando para minha garota?

— Jesus, não!

Kylo deu uma olhada por cima do ombro do cara, uma mulher de cabelos brancos estava sentada atrás, olhando como se estivesse desinteressada.

— Aquela é sua namorada? Achei que fosse sua mãe.

Isso foi o suficiente para enfurecer o estranho, que levantou o punho para bater no seu rosto. Kylo desviou no último segundo, com surpresa.

— Escuta, eu não tenho tempo pra isso. Tenho coisa muito mais importante para fazer do que ficar me embrenhando com a ralé.

E aquela gentileza apaziguadora não ajudou muito para apaziguar.

— Ben, acho melhor me deixar cuidar disso. – Falou Han, se aproximando e colocando uma mão no seu ombro.

— E quem é você velhote? Não acredito que vai fazer seu avô brigar por você.

— Escute aqui, seu bombado. Ninguém chama meu pai de velho além de mim.

E se prontificou para dar um passo à frente, mas foi impedido pelo seu pai cheio de orgulho.

— Não se preocupe comigo Ben. Vai atrás da garota.

— Ei!

— Não subestima seu velho, garoto. Já enfrentei gente muito pior do que isso aí.

Ele assentiu coma cabeça, não dava tempo para ficar discutindo. E o velho estava certo, realmente já tinha passado por coisas muito piores que aquilo. Seria uma surpresa para o brutamontes se ele realmente decidisse encarar.

Correu para o lado de fora, o coração agitado demais para controlar. Estava indo fazer uma coisa importante, e também dirigiria a Falcon pela primeira vez, devia tomar cuidado.

No lado de dentro, Han deu uma longa risada para si mesmo quando ouviu o carro indo embora em um lindo som de motor.

— Que é velhote?

— Acabei de me tocar que eu dei a chave do carro para meu filho que acabou de beber.


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Notas finais do capítulo

Não desistam de mim, vamos chegar lá, agora tá quase.
Muito obrigada por todo mundo que comentou até agora, amo vocês.