Consequências. escrita por MedusaSaluz


Capítulo 7
Mudanças




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O rapaz verde estava sentado no carpete escuro do quarto que não pertencia a ele. O quarto ainda estava mobiliado e só tinha uma mudança significativa, mesmo que sua dona estivesse fora da Torre Titã há um ano. A alteração significativa eram as cortinas abertas durante o dia. A luz entrava para os cantos do quarto em qual ninguém normalmente entraria, mas permitia que o metamorfo, conseguisse ler as páginas amareladas de um livro arcaico, acompanhado de um aparelho tradutor produzido por Ciborgue que estava programado para traduzir o latim antigo. Foi tirado da imersão quando alguém parou na porta.

— Vai ficar aí o dia todo de novo, Gar? – Ele se voltou a para a dona da voz feminina. A loira entrou no quarto olhando em volta. Vestindo uma camiseta vermelha com o símbolo da Mulher Maravilha em dourado e calça jeans, ela parecia curiosa, mas despreocupada.

— Acho que não, Cassie. Não consigo me concentrar. – Fechou o livro e se levantou, procurando o exato local de onde o tirara o exemplar e deixando o tradutor sobre a mesinha mais próxima antes de andar até a Moça Maravilha.

— Eu nunca vou entender como você vive gritando com o Vic quando vocês jogam vídeo-game e quando você entra aqui nem parece que você está na torre. – Ela questionou, entendendo facilmente a linguagem corporal do mais velho que indicava que ele sairia do quarto. Assim que ele saiu, a porta de metal se fechou atrás de si e eles caminhavam juntos pelo corredor.

— Ás vezes nem eu mesmo entendo. – Garfield disse, a fim de desviar o assunto daquela conversa. Não podia deixar que ninguém entendesse porque que ele passava horas lendo no antigo quarto de Ravena. - Vou sair para tomar um café, tá afim? – Gostava de conversar e passar tempo com os titãs mais novos, principalmente porque seus amigos não pareciam mais os mesmos.

— Não. Vou treinar com o Conner e o Bart. Eu e o ligeirinho estamos apostando para ver quem consegue tirar o Kent do eixo.

— Boa sorte com isso. Não deixe o Conner destruir o campo de treinamento de novo, eu tenho mais medo quando o Dick sai do eixo do que o Superboy. – Um clone do Superman, o sobrinho do Flash e a filha de Zeus faziam que aquela torre respirasse e circulasse como quando eles mesmos não sabiam lidar com seus poderes. Mutano sentia falta disso.

— Eu sei lidar com o Asa. – Como se aquelas palavras confiantes da loira despertassem a necessidade de uma prova do temperamento de Richard Grayson, pode-se ouvir a voz dele ecoando pelo corredor em um tom nada satisfeito:

“Ótimo! Eu vou estar no meu quarto, se quiser falar comigo.”

Os dois titãs se entreolharam e era mais do que claro o que estava acontecendo. Dick não gritava com Kory, nunca. Mas, era fácil de identificar quando ambos brigavam. Normalmente porque ele trabalhava demais e ela nunca sentia que eles eram um casal de verdade. Eles fingiam para o resto da equipe que nada acontecia, mas algumas coisas são mais óbvias do que se pode esconder.

— Sua conta e risco.  – Mutano disse, vendo uma pontada de medo na expressão de Cassie.

Não  demorou muito para se despedir da mais nova e sair da torre. Sobrevoando as águas que cercavam a ilha na forma confortável de uma águia verde, ele refletia muito. Sabia que não estava chegando a lugar nenhum com as leituras no quarto de Ravena. Sabia que ela provavelmente já havia lido cada livro que estava no cômodo e os entendido muito melhor do que ele mesmo faria. E se ela tivesse encontrado a solução para o próprio problema estaria com eles ainda.

Estaria? Ele não podia ter certeza. Não tinha certeza de absolutamente nada. Nunca tinha. Fazia parte de ser Garfield Logan, o engraçadinho da turma. Eram estigmas sobre si mesmo que as vezes ele gostaria de mudar. Por outro lado, ser o engraçadinho quando uma amiga estava vagando o mundo procurando uma forma de continuar vivendo, dois deles discutiam seu relacionamento com mais frequência, seu melhor amigo não ficava muito tempo em casa para trabalhar na costa leste ou com a liga e haviam três adolescentes em sua vida que ainda estavam aprendendo a dinâmica da equipe. Ele sabia que era necessário alguém para quebrar a tensão na torre, então acaba autovalorizando sua personalidade.

Eram só tempos complicados, toda família tem algo assim. Mas talvez as coisas fossem diferentes se Ravena não precisasse ir embora, ou pelo menos tivesse contado a verdade sobre seus motivos, que ele sabia e nem poderia contar para a equipe. A última notícia que ela mandara fora há pelos menos seis meses. Ela estava na Itália, por algum motivo. Ele descobrira através de suas leituras que a igreja de sangue era originária de algum submundo da Sicília, então presumiu que aquela a trilha que ela estava seguindo.

Saindo de seus pensamentos, percebeu-se sobrevoando uma região que ele não costumava frequentar na cidade. Às órbitas do campus da Universidade de Jump City, ele sabia que tinha chances de encontrar Tara Markov, ou como ele ainda chamava, Terra, saindo da aula. Não que tivesse uma obsessão por ela ainda, mas sentia um peso e um aperto no peito toda vez que a via na cidade. Ter uma amiga que não sabe que era sua amiga e nem lembra quem você é machuca.

Alguma coisa dentro de si, no entanto, fosse intuição ou fome, dizia para que pousasse e fosse até o café que ficava entre um sebo antigo e uma copiadora, há umas duas ruas da entrada da Universidade. Sabia que umas das razões para sentir vontade de ir àquele era o excelente croissant de espinafre. Não que ele fosse um chefe gourmet ou apreciador de comidas com nomes difíceis, mas gostava de comida boa. E o café do local também não era ruim.

Sem relutância mergulhou no ar para o pouso. Transformando-se novamente em humano apenas algumas frações de segundo antes de tocar o chão. A cena obviamente chamou a atenção de quem passava na rua. Se a figura de Mutano não correspondia a uma qualidade, essa qualidade com certeza era a discrição. Afinal, ele era verde. Verde. Quantas pessoas você pode ver na rua com essa cor de pele? Exatamente. Apenas o herói que se transforma em animais tem essa cor. Esse era o motivo por qual ele havia aprendido que não adiantava tentar se esconder.

As pessoas, mesmo olhando e sussurrando a distância, não se aproximaram para pedir autógrafos ou fotos daquela vez. Ele não tinha nenhum sentimento específico sobre aquilo, mas sabia que nunca recusava atenção. Se sentia querido e amado quando encontrava fãs, quem não se sentiria? As pessoas eram gratas por eles salvarem a cidade e isso era algo bom de sentir, que seu trabalho e esforço valem a pena.

Quando estava praticamente na porta do café, ouviu uma voz de alguém falando ao telefone. A voz feminina o fez parar, o timbre não era desconhecido:

— John? O que foi agora? Eu te disse que durante o dia estou em aula... – Era uma garota. Estava de costas, sentada dentro do café, sozinha. Cabelo preto curto, podia se ver pouco da pele dela, que estava escondida por uma jaqueta jeans que deveria ser três vezes maior que o tamanho dela, mas o pouco visto indicava palidez na pele. Por um segundo, Garfield pensou que era a amiga distanciada e duvidando de si mesmo tão rápido quando supôs isso, negou a ideia. Quer dizer, se ela estivesse em Jump City diria aos Titãs, não diria?

Enquanto pensava, duas figuras passaram por ele, aceleradas. Uma ele conhecia bem, já tinha pensado nela naquele dia. Terra não tinha mais os longos cabelos dourados, eles haviam sido reduzidos a um corte Joãozinho repicado, mas o sorriso ainda era o mesmo. Os livros na mão e as roupas casuais indicavam alguém que acabava de sair da aula. Ela ainda era acompanhada por uma figura que ele não conhecia. Cabelos longos num platinado quase cinzento, um sorriso irônico e uma jaqueta de couro, descartara um cigarro de filtro amarelo antes de entrar no café acompanhada de Terra. Para a maior surpresa de Garfield, ambas se sentaram na mesa da garota misteriosa, fazendo-a desligar o celular, sem ao menos encerrar a conversa.

— Rae! Desculpe o atraso. – Terra disse, sentando-se de frente para a garota. O apelido fez as orelhas de Mutano se mexerem um pouco. Foi aí que ele soube: teria de fazer de novo.

E levou menos de dois segundos para uma pequena mosca verde entrar no café.

— É, o professor de cálculo segurou um pouco a turma da Tara. – A platinada disse, tomando seu lugar ao lado da de jaqueta jeans.

Garfield sabia que se fosse Ravena, ela o reconheceria. Por menor que fosse. Ela sempre tivera olhos bons. Se ele voasse na frente dela, ela entenderia que estava sendo observada. Pousou então atrás da figura suspeita, a fim de apenas ouvir a conversa.

— Está tudo bem, gente. – A voz rouca disse, despreocupadamente. O metamorfo só conseguia pensar que a voz era assustadoramente parecida com a de Ravena.

— Era o John no telefone? – Perguntou Tara, claramente sabendo de quem se tratava o interlocutor da que antes estava ali, apenas interessada em confirma-lo.

— Sim, às vezes ele não entende meus horários. – Cada vez que a morena se pronunciava, o titã verde sentia-se mais curioso, pensando mil motivos para alguém manter-se escondida em sua cidade, seu lar.

— Rachel, por que você ainda está com ele mesmo? – A segunda desconhecida se pronunciou, grosseiramente, deixando em evidência seu desgosto com o tal “John”. Para Garfield, aquela frase serviu para evidenciar que o nome da garota era Rachel, coincidentemente ou não, o nome falso de Ravena.  Também deixou claro que ela possuía um namorado, ou outra relação do gênero.

— Rose! – A loira disse, chamando a atenção da platinada, a chamada “Rose”.

— Deixa ela, Tara, ela tem razão. – Foi aí que Rachel bateu as mãos nos bolsos da jaqueta a procura de algo. Sem sucesso. - Tem um cigarro? – A pergunta só poderia ter sido para Rose. Pensar na possibilidade de Ravena fazer aquela pergunta o deixava confuso e preocupado. Ela sempre dissera que vícios eram imbecis.

— Toma. – Disse a platinada, entregando um bastão branco com a ponta laranja para a que estava ao seu lado. - Precisa de isqueiro?

— Não, eu tenho o meu. – Ela disse, se levantando para sair. Foi naquele momento que Garfield finalmente conseguiu ver o rosto dela.

Ravena. Ravena em uma cafeteria. Ravena com Terra. Ravena caminhando. Ravena saindo da cafeteria. Ravena colocando um cigarro entre os lábios. Ravena sacando um isqueiro quadrado e prateado. Ravena cobrindo a ponta do cigarro para acendê-lo. Ravena guardando o isqueiro. Ravena fumando.

Ele não podia acreditar.

E não fazia ideia de qual poderia ser seu próximo passo.


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Notas finais do capítulo

HEYHEY
Mais um dos escritos no feriado ♥ Espero que gostem! Reviews são muito bem-vindas para eu saber o que vocês estão achando!
Beijos de Luz



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