CASTELOBRUXO - O Início de Uma História escrita por JWSC


Capítulo 8
CAPÍTULO 8 - Somno Cordam




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/721371/chapter/8

Orlando admirava os campos da escola pela janela. Havia deixado de fazer a visita matinal ao Mini-magizoo e as estufas, pois com a vinda dos Patrulheiros, não fazia sentido realizar aquelas visitas duas vezes no mesmo dia.

Porém, o Prédio Anexo de Estudos ele teve que visitar e vistoriar, mesmo que nunca tenha gostado da torre escura, com figuras de pássaros e criaturas sombrias no topo. O edifício era ligado a escola por um caminho coberto atrás de onde os professores se sentavam no Saguão Principal. Sendo um dos lugares mais sombrios da Escola, pois era ali que eram ensinada a aula de Defesa Contra as Artes das Trevas, além de ter um pequeno museu de artefatos mágicos usados por bruxos das trevas.

Lembrou-se de como havia sido o ano anterior, antes do pedido do Presidente da Magia e do Ministro do Meio Ambiente Mágico. Havia sido um ano com alguns incidentes, aliás, tratava-se de uma Escola de Magia, mas tudo controlado pela equipe de funcionários.

Porém, após o pedido, a rotina da Escola mudou. No comunicado, algum auxiliar do Presidente da Magia dizia que após estudos e análise, chegaram à conclusão de que a Escola, com seu “completo e adequado centro de pesquisas e controle das criaturas mágicas” seria o local ideal para o que pretendiam. O que certamente devia acobertar o fato de que o Ministro do Meio Ambiente Mágica não conseguiria proceder com as cautelas necessárias para cuidar da criatura, mas a escola sim. O que soou ainda mais absurdo para o Diretor.

Orlando percebeu a chegada dos Patrulheiros assim que atravessaram os portões da Escola. Ficou aguardando que um dos funcionários de Cássio, o Secretário Geral, levasse os visitantes por todo o caminho, até a porta de seu escritório, que ficava no quinto e último andar da pirâmide dourada.

— Podem entrar — ele disse, assim que bateram na porta.

A porta abriu-se e o grupo entrou. Eram seis bruxos, quatro com as vestes verde escuro dos Patrulheiros, o professor Luís de Defesa pessoal e Bernardo, o guardião da Escola.

— Bom dia, Diretor — os visitantes cumprimentaram.

— Bom dia, senhores e senhora — respondeu Orlando, enfatizando a presença da única mulher ali, vestida do verde dos Patrulheiros.

— Meu nome é Henrique — falou o homem moreno que vinha mais a frente. Trajava as vestes dos Patrulheiros e um chapéu pequeno e pontudo, de cor verde musgo. — Sou o Chefe dos Patrulheiros da Ordem dos Guajaras e essa é minha equipe. Viemos para fazer a vistoria, assim como combinado.

Orlando levantou-se de sua cadeira, arrumou as vestes e apontou para a porta:

— Vamos então, senhores e senhora.

Assim que saíram do Prédio Principal, Cássio, o Secretário Geral, aproximou-se do grupo e os acompanhou. Conforme os sons das atividades escolares se afastavam, a conversa do grupo mudava de um tom descontraído para uma conversa formal. Depois de passar pelo grupo de alunos do primeiro ano C que iam ter aulas nas Estufas, o Chefe Patrulheiro falou:

— Senhor Diretor, como Chefe de uma das Ordens dos Patrulheiros e integrante da E.R.V.A.[1], assim como o senhor, tenho que demonstrar meu descontentamento com esta situação. Sabe que, como membro dos Patrulheiros sou um homem que trabalha para o Ministério do Meio Ambiente e para o Ministro, mas como um integrante da comunidade mágica e pai de duas alunas da Escola, não posso deixar de ficar preocupado com tudo que está ocorrendo.

— Eu entendo, Senhor Chefe dos Patrulheiros — Orlando começou. — Mas asseguro que estão sendo tomadas todas as medidas adequadas para garantir a segurança de todos.

— Não posso concordar com isso.

A resposta deixou Orlando curioso. O Chefe dos Patrulheiros aproximou-se do Diretor e comentou baixo, para que apenas os dois ouvissem.

— Temo que a situação esteja um pouco pior do que pensamos — começou o Chefe Patrulheiro. — Pelo que soube, está havendo agitação no Governo. Como você sabe, os aurores compõem o Ministério da Defesa da Magia, sendo assim, estão sob ordem direta do Ministro da Defesa Mágica e do Presidente da Magia, que são amigos e aliados políticos. Pois bem, pelo que soube, Mariano Pentagrossa e Juliano Mendes de Sá tiveram outra de suas desavenças, mas dessa vez, uma das grandes.

— Soube que eles tiveram mais umas das várias brigas. As famílias De Sá e Pentagrossa sempre foram rivais — Orlando comentou.

— Porém, dessa vez, Mariano deixou que sua vaidade e orgulho interfiram em sua função, Diretor.

— Como assim? Ele não...

— Ele emitiu uma ordem para que o número de aurores fosse reduzido.

— Pelos chifres do Boi Dourado, o que ele pensa estar fazendo?

— Por isso o meu descontentamento, meu amigo. Por mais que a Ordem dos Patrulheiros seja capaz de lidar com criaturas mágicas até o nível de periculosidade Especialista, precisamos do auxílio dos Aurores para lidar com uma criatura de periculosidade Letal. Mas agora, o número de aurores será drasticamente reduzido, o que me deixou muito incomodado.

— E o Presidente da Magia? Não se manifestou ainda?

— Como sempre, ele está entre a amizade, a obrigação, a política e a pressão da esposa Pentagrossa. Com certeza vai tentar convencer o Ministro do Meio Ambiente a revogar sua decisão. Se ele usar os seus poderes de Presidente para revogar, estaria atacando diretamente os Pentagrossa, mesmo que seja para um bem maior, e sabemos que isso não ocorrerá. Você sabe como essas coisas políticas funcionam.

Orlando suspirou.

— Irei conversar com o Ministro do Meio Ambiente, mas não creio que ele me ouvirá. Não tem me ouvido desde o início disso tudo.

— Ele quer se exibir para o pai, mas nós é que iremos pagar. A criatura chegará em menos de duas semanas. Nossos melhores patrulheiros estão tentando mantê-la calma, mas ela é esguia e consegue escapar da maioria dos feitiços. Contamos com os aurores para contê-la.

— Eu também conto.

Orlando começou a moldar seus pensamentos. Teria que usar os seus melhores argumentos para convencer o Ministro do Meio Ambiente a revogar a ordem emitida. Entretanto, cada vez que pensa nisso, tinha mais certeza que seria uma tarefa digna de uma luta com um Chonchón.

— Alguém sabe qual é o nome dessa fruta?

A professora Magda de Trato da Flora Mágica segurava um pequeno fruto amarelado entre os dedos, bem no alto, para que todos os alunos vissem. Após alguns segundos de silêncio, Elizabeth levantou a mão e disse:

— É um Pequi, professora.

— Muito bem. Está certíssima, este fruto é chamado de pequi e existe em vários locais da floresta. Ele também é chamado de o fruto do amor e também de o fruto adormecido. Alguém sabe o porquê?

Os alunos se olharam, verificando se alguém responderia a pergunta. Então a professora começou a andar pela sala.

— O nome de fruto do amor, vem de suas propriedades mágicas, ou seja, ele é usado em poções do amor. Porém, essas propriedades estão dormindo, dentro do fruto e precisam ser despertadas para que possam ser usadas. Por isso, é chamado de o fruto adormecido por alguns. Na floresta, é muito raro encontrar uma árvore onde os frutos já estejam com tais propriedades despertadas, geralmente, a árvore fica cercada de caiporas, uirapurus ou guajaras — Ela abaixou-se um pouco e falou como se sussurrasse: — Alguns até dizem que Encantados ficam ao redor das árvores.

Depois de dar uma volta pela sala a professora voltou ao seu lugar e colocou o fruto na mesa.

— Como eu orientei na última aula, hoje usaremos varinha em nossa aula. Então, podem tirar suas varinhas. Vamos, vamos! Sem demora. Certo, agora vocês irão fazer como eu faço.

A professora pegou sua própria varinha e apontou para o fruto amarelado. Em seguida ela fez um movimento rápido e preciso da varinha, como se jogasse uma pitada de sal sobre o fruto e pronunciou o feitiço:

Somno Cordam!

O fruto brilhou de leve, como uma pequena lâmpada e em seguida apagou-se, tornando-se normal.

— Perfeito, agora ele está pronto para poções.

Ela moveu a varinha e vários frutos saíram flutuando do balde que havia do lado da mesa, descendo na frente dos alunos.

— Bem comecem a despertar seus frutos. — Enquanto os alunos iniciavam os trabalhos, a professora começou outro passeio pela sala. — O Feitiço Somno Cordam é um feitiço muito útil, tanto para as aulas de Trato da Flora Mágica como para a sua vida. É um feitiço simples que serve para despertar o poder mágico de objetos e itens, como o Pequi — ela aproximou-se de Hugo e tocou sua mão. — Não, assim não. Faça um movimento preciso e diga o feitiço como se falasse com uma pessoa que está adormecida. Vamos lá.

Somno Cordam — Hugo sussurrou.

— Ótimo, agora aumente um pouco o tom da voz e continue o movimento firme com a varinha.

Somno Cordam — tentou novamente, mas nada ocorreu.

A professora pegou no pulso dele e fez o movimento.

Somno Cordam — ela disse. — Viu como eu disse? Agora tente mais uma vez.

A professora afastou-se e aguardou. Hugo moveu a varinha e disse as palavras para o fruto por duas vezes sem que nada acontecesse, mas na terceira tentativa o fruto pareceu brilhar fraco.

— Muito bom, mas como não foi completo, o fruto ficou inviabilizado. Tente em outro e não desista — ela sorriu e logo foi ajudar outra aluna que, de alguma forma estranha, fez seu fruto ficar girando no lugar de forma frenética.

Hugo ficou surpreso. Já havia tentado usar esse feitiço em casa, mas nunca havia conseguido chegar perto do que havia feito. Olhando ao redor percebeu que apenas Maria, Elizabeth e Miguel haviam conseguido pegar o jeito do feitiço, sendo que todos os outros ainda se esforçavam. De certa forma, estar entre outros alunos e não aprendendo sozinho em um quarto escondido, o deixou satisfeito e feliz.

Depois do almoço, Eduardo decidiu que iria assistir um pouco do jogo de quadribol dos alunos do quinto ano. Miguel, Hugo e Maria iriam terminar o trabalho de Transfiguração na biblioteca, o qual Eduardo já havia feito na noite anterior com Roberto, que aliás, havia sumido depois da aula de Trato da Flora Mágica.

Antes de ir para o jogo, ele voltou para o dormitório, para guardar as cartas que haviam pego naquela manhã no correio e pegar seu casaco. Estavam em junho, no fim do primeiro semestre, e o clima já havia esfriado, ou o quão frio a floresta amazônica podia ser, mas a principal preocupação era a chuva que podia cair a qualquer momento.

Ao entrar no dormitório masculino encontrou Roberto em uma mesa lateral, com pergaminhos e três livros de capa dura ao seu lado. Ele rabiscava uma folha e procurava informações em outra.

— Beto? — chamou Eduardo.

O garoto pareceu não ouvir, estava mergulhado na pesquisa que fazia.

— Beto? — chamou mais alto.

O garoto assustou-se e quase derrubou o livro mais fino da mesa, onde estava escrito em letras douradas o título Horrores e Consequências das Criaturas das Trevas, um livro escrito pelo europeu Edgar Mallan Conning, o qual não estava nos livros obrigatórios para os alunos do primeiro ano.

— O que está fazendo? — questionou Eduardo.

— Pesquisando, só pesquisando — respondeu Roberto.

— Pesquisando o que?

O garoto ficou um pouco apreensivo de responder. Eduardo olhou por cima dos papéis e viu no topo da folha que Roberto escrevia o nome destacado, Mortalha-Viva.

— Pesquisando sobre a Mortalha-Viva, de novo? — disse com calma, mas de modo que o amigo percebesse a preocupação na voz.

— Não é nada.

— Me diz, porque tanto interesse nessa criatura?

Roberto pareceu que não ia fazer nada e de repente levantou-se e começou a arrumar as coisas.

— Não é nada. Já estava indo ver o jogo.

Na sua pressa, deixou cair um pedaço de jornal. Eduardo pegou o documento e leu a matéria em destaque com a foto de um garoto assustado, com cerca de cinco anos de idade que ora olhava para a câmera ora escondia o rosto, sendo carregado por um Patrulheiro.

 

Grande Descoberta ou Fruto da Imaginação de uma Criança?!

 

Garoto encontrado na floresta afirma ter visto uma Mortalha-Viva, a qual matara seu pai. Os patrulheiros e aurores informam que não houve qualquer indício da criatura e que, provavelmente, houve algum ataque de uma pisadeira ou capelobo.

Em entrevista com dois magizoologista, os mesmos informaram ser possível, mas com ressalvas.

O renomado estudioso Augusto de Verssalles afirmou: “Capelobos costumam levar suas vítimas inconscientes para suas tocas, a fim de que tenham comida para os meses seguintes. ”

Já o professor Alexandre da Escola Castelobruxo, faz a seguinte ressalva: “É incomum que haja um ataque de capelobo sem uma gota de sangue no local, bem como, as pisadeiras não costumam levar o corpo da vítima do local de ataque.”

Mesmo com a realização de diversas buscas, nada foi encontrado que demonstrasse qualquer ataque. A única testemunha do que se sucedeu foi o jovem de cinco anos que em entrevista afirma ter visto um pano negro como a noite surgir e atacar seu pai, o que gerou uma histeria pela comunidade bruxa, principalmente na região.

Abaixo o texto dos dois magizoologista na integra.

De repente Eduardo se deu conta do ocorrido, olhando para a foto do garoto com mais atenção. Olhou para o amigo que ainda arrumava os papéis e livros.

— É você Beto? — falou com cuidado. — Você é o garoto?

Roberto ficou congelado no lugar ao ver que Eduardo estava com documento. Ele não soube o que fazer, queria pegar a reportagem e sair dali com ela. Não queria que o amigo o visse como louco, assim como os outros o viam. Mas algo o impediu de fazer isso, o medo de não saber como Eduardo reagiria o fez fica imóvel.

— Eu lembro dessa reportagem. Foi há anos atrás, meu pai ainda trabalhava no Ministério de Defesa da Magia. — Eduardo colocou a reportagem. — Te chamaram de louco, não foi? Meu pai comentava sobre isso em casa.

Houve um instante de silêncio, quebrado por Roberto que disse:

— Eles disseram que foi um capelobo, ou uma pisadeira. Alguns até dizem que foi um Encantado, mas eu sei o que vi, não foi nada assim.

— O que você viu?

Roberto respirou fundo, sentou-se na cadeira de frente a Eduardo. Sentiu-se confiante para contar a história para o amigo. Talvez por confiança de que ele não o acharia louco, talvez por estar guardando aquilo dentro de si por tanto tempo que deixar sair podia o aliviar.

— Eu e meu pai estávamos em busca de guirivilos. Meu pai trabalhava como Patrulheiro e naquele dia, uma vizinha nossa disse guirivilos estavam perturbando o córrego onde as crianças nadavam, gerando redemoinhos que puxavam os jovens para o fundo. Meu pai foi verificar e me levou junto. Achamos as criaturas, mas logo elas fugiram rio acima. Nós os seguimos até a nascente do córrego, onde havia uma cabana velha. Meu pai usou feitiços de confusão para afastar os guirivilos. O trabalho todo levou a tarde inteira e o começo da noite.

“Meu pai decidiu que devíamos nos abrigar na pequena cabana. Era velha e escura, não lembro muito bem de como era. Eu gostava de sair com meu pai, ele me ensinava sobre a magia sempre que podia. Naquela noite, ele me acordou em um momento e me mandou ficar no guarda-roupa que tinha. Havia teias de aranha e um casaco velho e fedido lá. Ele mandou que eu me calasse e lançou o Petrificus Totalus em mim. Eu fiquei olhando pela fresta, quando ele se afastou da porta do quarto e uma coisa começou a surgir pela fresta. Parecia, uma... uma... capa negra, mas sem reflexo da luz. Levantou-se e ficou na altura do meu pai, como se fosse uma pessoa parada na frente da porta.

Meu pai mandou ir embora e disparou feitiços naquela coisa. Nada pareceu afetar a coisa que se atirou em cima dele. Eu quase não ouvi o grito dele. Logo meu pai parou de se debater e a coisa ficou em cima dele por uma hora mais ou menos. Depois, ela saiu pela janela. Estava mais grossa e pesada, não conseguiria passar por baixo da fresta. Onde meu pai estava, só sobrou as roupas no chão. Quando o feitiço acabou, eu corri dali, pelo meio do mato. Me encontrei com um grupo de Patrulheiros que procuravam os guirivilos e o resto eles contaram nos jornais. ”

Ficaram em silêncio por alguns instantes. Eduardo não sabia exatamente o que dizer. Seu pai era cético quanto a questão, mas sua mãe, sem dons mágicos, sempre dizia “Mas em um mundo cheio de magia, não seria possível?”.

— Sabe o que mais? — disse Roberto. — Acredito que é essa a criatura que estão trazendo para a Escola.

 

[1] Centro de Estudos sobre a Recuperação da Vida Animal


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "CASTELOBRUXO - O Início de Uma História" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.