CASTELOBRUXO - O Início de Uma História escrita por JWSC


Capítulo 3
CAPÍTULO 3 - O Ritual dos Caiporas




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A Professora Fiorella estava falando sobre as civilizações antigas dos maias, astecas e incas, bem como o uso da magia ajudou essas civilizações a crescerem e se tornarem potencias na América Pré-Colonial. Ela associava o desenvolvimento tecnológico com o avanço do estudo da magia que, mesmo sendo “arcaico”, como ela mesma dizia, ainda era avançado para os padrões da época.

A professora movia os braços enquanto falava, desenhando formas, eventos e feitiços no ar, repetindo com frequência a frase: Vocês acreditam nisso?

Porém, por mais entusiasmada que a professora estivesse, poucos eram os alunos que de fato estavam interessados. Cerca de três ou quatro faziam anotações ou concordavam com o que a professora falava. A grande maioria apenas olhava para a professora e tentavam se manter acordados e focados, enquanto torciam para que o sinal tocasse e acabasse com a aula de História da Magia.

Hugo era um dos alunos que haviam desistido de se manter focado na aula. Havia se debruçado na mesa e deitado a cabeça, apenas ouvindo a voz da professora ao longe. Não havia conseguido dormir na noite anterior, bem como nas noites que antecederam a chegada na escola.

Após fazer o processo seletivo da escola, os candidatos deveriam esperar que uma flor dourada surgisse em seu quarto ou no local em que passassem mais tempo. Ao ser tocada pelo candidato, a flor se abria e mostrava um envelope que ao ser desdobrado tornava-se um pergaminho com letras escritas com tinta vinho escuro. Em seu conteúdo, o documento expressa uma mensagem de congratulação, a lista de materiais, uniforme, livros, o dia, hora e local onde o candidato deveria estar para ser levado para a escola.

Entretanto, a flor com a mensagem para Hugo havia demorado a surgir, quase fazendo com que ele acreditasse que não havia passado no processo, o que seria uma das maiores frustrações que podia imaginar. Seus pais haviam se empenhado em ensiná-lo todo o possível para que passasse no processo seletivo e ele mesmo havia passado noites em claro estudando, mesmo com os recursos limitados que tinha. Mesmo assim, ele se manteve firme no pensamento, sempre acreditando que a demora para ser chamado tinha a ver com o fato de que a magia era rara e fraca nas favelas do Peru.

Quando a flor desabrochou faltavam menos de duas semanas para a data marcada. Hugo e os pais tiveram que fazer uma verdadeira corrida desenfreada para conseguir os materiais escolares, quase se atrasando para chegar ao local de encontro.

Um som baixo de sino tocou, vindo de algum lugar no teto da sala, informando que haviam chegado ao fim a metade do período da aula. O dia escolar em Castelobruxo era divido em períodos de uma hora. Cada som de sino alto informava o fim de uma hora, de modo que se iniciava e terminava um período com este som. O som de sinos mais fracos informava que metade do período havia acabado. Cada período de aula era intercalado por um período de tempo livre, onde os alunos podiam conhecer a escola, fazer trabalhos e atividades.

— Bem, nessa parte da aula vocês formarão grupos e farão um trabalho — disse a Profa. Fiorella. — Escolham seu grupo, quero ver quatro grupos de cinco alunos na sala. Vamos, vamos! O trabalho valerá os primeiros pontos da sala 1-C. Entusiasmo alunos.

Hugo ficou sentado na carteira, olhando os outros alunos olharem apreensivos uns para os outros. Assim como ele, eles procuravam pessoas semelhantes ou que estivessem ao alcance. Aos poucos alguns alunos mais corajosos chamaram ou se aproximaram dos outros, formando os grupos. Foi então que alguém tocou seu ombro.

— Oi — um garoto de cabelos cor de avelã sorriu para ele. — Quer fazer parte do nosso grupo? Precisamos de mais um.

Hugo olhou de relance para a sala. Aparentemente todos os alunos já haviam entrado em algum grupo, então ele aceitou o convite e seguiu o jovem até uma mesa onde outros três jovens estavam sentados.

— Eu sou o Eduardo — disse o garoto de cabelo cor de avelã.

— Sou Maria — apresentou-se uma jovem. Era um pouco gordinha, de cabelos negros encaracolados e olhos verdes-castanhos. Bonita, pensou Hugo.

— Roberto — falou de forma tímida um garoto de óculos e com o cabelo um pouco bagunçado, como se não tivesse tido tempo de se arrumar naquela manhã.

O último garoto na mesa possuía cabelos negros lisos e pele branca como leite, com um nariz curvado, como se tivesse quebrado. Ele não disse nada, apenas olhou para Hugo.

— Esse é o Miguel José — disse Eduardo. — Nós conhecemos ele agora a pouco também.

— Pelo que vejo, todos os grupos estão formados — disse a Professora e retirou a varinha das vestes. — Muito bem, vamos ao exercício.

A professora balançou a varinha sobre uma pilha de papéis que estavam na sua mesa, fazendo com que eles flutuassem até as mesas dos alunos. Eram cerca de quarenta folhas, frente e verso, com informações sobre os povos antigos, incas, maias, tupis, guaranis, astecas, dentre outros. Também estavam junto aos papéis texto algumas folhas em branco.

— Como primeira atividade da turma, eu quero que façam um relatório da utilização da magia por esses povos antigos. Não quero cópia ou que mudem a ordem das palavras. Quero saber o que vocês entenderam dos textos, com suas palavras.  Usem o restante da aula para fazer e qualquer dúvida basta me chamarem. Só mais uma coisa, acho que os papéis estão fora de ordem, então eu sugiro que a primeira coisa que façam é achar os papéis que tratem da mesma civilização e organizem. Podem começar!

O trabalho tomou mais tempo do que eles imaginavam e ao fim do tempo de aula, haviam feito cerca de vinte folhas de texto escrito. Metade com a letra curvilínea de Maria e a outra metade com a letra caprichada de Miguel. Quando o sinal do fim do tempo tocou, os quatro grupos apressaram-se em pegar o resultado de todo o trabalho que tiveram e formar uma fila para entregar.

A professora pegava o trabalho de cada grupo, dava uma breve olhada, verificando se todos haviam assinado seu nome, e pedia que o próximo grupo viesse. Antes que os alunos saíssem da sala, ela anunciou:

— Vocês receberão a nota e os pontos da sala depois. Fiquem de olho no quadro de avisos do dormitório.

Os alunos saíram da sala para o corredor do segundo andar do prédio principal. Eles tinham cerca de três horas até o jantar ser servido e, como os professores disseram na apresentação daquela manhã, o diretor iria falar, portanto, todos deviam estar no Saguão Principal.

— O que vocês vão fazer agora? — perguntou Eduardo enquanto esquivava de uma aluna do terceiro ano apressada e esbarrava em Roberto.

— Estudar — respondeu Roberto segurando firme os livros para que ninguém os derrubasse.

— Estudar? Mas nem começou o ano — sorriu Maria, mostrando que estava brincando com o colega. — O que vai estudar?

— Magizoologia.

— Sério? Mas a gente só tem essa aula na quinta. Não está se adiantando?

Roberto abaixou a cabeça um pouco constrangido. Arrumou os óculos e segurou a alça da mochila. Eduardo aproximou-se dele e colocou o braço sobre seu  ombro.

— Vamos fazer algo mais interessante — disse e em seguida retirou a varinha das vestes. — Vamos explorar a escola. Que tal... Ali! — Apontou com a varinha para a Torre Carmen. — Vamos descobrir o que tem ali?

— Ali é onde tem as aulas de Astronomia, Aritmância e Adivinhação — disse Miguel sem entusiasmo. — Acho que tem mais alguma matéria. Não lembro qual.

— Melhor ainda — Eduardo sorriu. — Vamos descobrir o que é Aritmância, então.

Foi quando um vulto vermelho passou pela janela e bateu na mão do garoto. Eduardo assustou e soltou um pequeno grito.

Assustado, ele olhou para o vulto e percebeu que era um caipora que sorria com seus dentes pequenos e amarelados. A criatura segurava a varinha do garoto na mão e soltou uma gargalhada alta quando Eduardo tentou pegar ela de volta, sem sucesso.

Os outros jovens sentiram um puxão forte nas vestes e suas varinhas saíram dos bolsos, flutuando rápido na direção do caipora. Mais dois caiporas apareceram e pegaram as varinhas dos outros jovens. Juntas, as três criaturas gargalharam e saíram pelo corredor saltando pelas paredes, estatuas e se agarrando em um ou outro candelabro. Os jovens correram atrás das três criaturas felpudas quase esbarrando nos alunos que apareciam no caminho.

Desceram para o andar térreo e passaram pelo Saguão Principal onde alguns alunos veteranos riam e conversavam. Hugo e os outros pediram para que os veteranos pegassem as criaturas, mas eles se limitaram a rir da situação e incentivar os jovens a ir atrás das criaturas.

— Corram! Antes que eles se escondam nas árvores! — Gritou uma garota de cabelos negros.

Os jovens saíram para o Jardim e notaram diversos caiporas correndo para dentro da Floresta Profunda, atrás do Prédio Anexo de Estudos. Vários alunos corriam atrás delas, a grande maioria eram alunos do primeiro ano, com o símbolo da vitória-régia costurado nas camisas e blusas. Os caiporas corriam e saltavam, gargalhando e gritando para que outros caiporas viessem ao seu encontro. Logo, um mar de criaturas vermelhas disparava para dentro da floresta, sendo perseguida pelos alunos.

Os alunos entraram em meio as árvores, correndo atrás dos pequenos ladrões. Eles seguiam os sons de gritaria feitos pelos caiporas e dos outros alunos. Hugo viu um caipora passar pelo seu lado com um punhado de varinhas nas mãos. A criatura parecia não conseguir segurar aquela quantidade nas mãos, mas não desistia de seu objetivo.

— O que raios eles querem com nossas varinhas? — questionou Eduardo.

— Com certeza nos irritar — respondeu Hugo. — E acho que estão conseguindo.

— Por ali, venham — chamou Maria.

Depois de muito correr, os jovens já haviam entrado muito na floresta. Não se ouvia mais a agitação do Prédio Principal da Escola.

Pouco tempo depois, chegaram a uma clareira em meio as árvores, onde o chão parecia ter sido escavado no formato de uma cratera grande, cerca de cinco metros de profundidade. No centro da cratera estavam reunidos os caiporas em círculo, dançando e pulando ao redor das varinhas que haviam sido colocadas em um pequeno monte, no centro da cratera. Os caiporas disparavam pequenos feixes de luz que explodiam acima das varinhas e caíam lentamente, como flocos de neve. Ao redor de tudo aquilo, havia sido levantado um escudo mágico transparente. Todos os alunos do primeiro ano estavam reunidos ao redor do escudo, assistindo aquela dança, mas não eram os únicos. Dentre as vitórias-régias era possível ver alguns alunos com a gralha-azul do sexto ano, o graminion verde do segundo ano, o amarelo da Teiniaguá, dos alunos do terceiro ano.

— O que é isso? — Eduardo perguntou.

— Ninguém sabe ao certo — um garoto surgiu por detrás dele. Era alto e com cabelo negro escorrido. O broche com o símbolo de uma teiniaguá amarela mostrava que era aluno do terceiro ano. — Todo ano os caiporas pegam as varinhas dos alunos do primeiro ano e fazem esse ritual estranho. Ninguém sabe ao certo o porquê de fazerem isso. Alguns dizem que é uma forma de desejar boa sorte aos alunos. Outros dizem que é só uma brincadeira. Eu acho que o que importa de verdade é o show.

Quando o ocaso surgiu, lançando sombras longas e escuras pela floresta, os caiporas iniciaram um cântico. Era formado por entoações nas vozes, sem nenhuma palavra pronunciada, era bonito e calmante de se ouvir. Os disparos mágicos seguiam a entoação, ora sendo fortes, explodindo em cores diversas como fogos de artifícios, ora mais fracos, como bombinhas mágicas.

Conforme o cântico prosseguia, as varinhas começaram a reagir liberando feixes de luz coloridos no escudo, que os dispersava pela floresta, como uma pequena aurora boreal. Aos poucos o escudo começou a brilhar mais forte, iluminando vários metros dentro da floresta. Hugo viu pelo canto do olho, dentro da floresta, formas escuras paradas, olhando para o ritual. De repente, com uma explosão de luz branca, o escudo se desfez e o cântico cessou.

Os caiporas ficaram parados por um tempo, apenas olhando para o céu, enquanto os resquícios de sua magia desciam lentamente. Depois de uns instantes, eles começaram a pegar uma varinha cada e se afastar do centro da cratera. Os caiporas começaram a devolver as varinhas para os alunos, entregando a varinha correspondente ao bruxo. Todos os caiporas sorriam e emitiam um som que tanto podia ser uma palavra em uma língua esquecida pelo tempo como um guincho.

A noite chegou e a entrega das varinhas se encerrou com os caiporas sumindo em meio as árvores. Os alunos ficaram parados por um tempo, olhando uns para os outros.


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