Mal e Evie não costumavam brigar. Elas eram melhores amigas desde que tinham sete anos, e desde sempre Mal sentia que tinha protegê-la de qualquer um que quisesse machucá-la. A defendia quando homens da ilha a perseguiam, a defendeu quando a humilharam em Auradon por não ter status real, e iria defendê-la se Chad ousasse quebrar o coração dela. Contudo, aquilo já havia acontecido, e era por isso que a discussão tinha começado.

— Isso tudo é sua culpa! Chad está namorando a Audrey por sua culpa!

— Você devia me agradecer, sabia? Pelo menos agora você pode arrumar alguém que te trate bem o suficiente, não acha?

— O que você sabe sobre tratar alguém bem, Mal? Eu fui amaldiçoada só por não te convidar pra minha festa de seis anos!

— Certo, mas não fui eu que te amaldiçoei. Você sabe muito bem que aquilo não foi minha culpa, Evie, quer mesmo voltar pra essa história?!

— Mas o fato das minhas chances de arrumar um príncipe estarem arruinadas são! Você só faz as coisas pensando em você, ou pior, na sua mãe!

— E você não faz? Me diz, quer tanto assim casar com um príncipe? Ou só está fazendo tudo isso porque a sua mãe sempre colocou isso na sua cabeça? Até mesmo quando não tinha nenhum príncipe entre nós! Você só tem dezesseis anos, e eu sei muito bem que você quer mais do que isso!

— Minha mãe quer o melhor pra mim! Bem diferente da sua, que…

— Sua mãe só quer o melhor para ela mesma! Por que você acha que ela quer tão desesperadamente fazer você casar com um príncipe rico? Porque ela quer ser rica, quer ter tudo do melhor! Resumindo, ela quer que você consiga para ela o que ela não conseguiu sozinha! Será que você não percebe?!

Evie ficou em silêncio, a cabeça baixa, os olhos com lágrimas. Mal estava certa. A Rainha Má sempre tentava arrumar namorados para ela, mas sempre dizendo que um príncipe seria o destino dela. Porque Evie era uma princesa. Ou costumava achar que era.

— Entendeu não é? – Mal cruzou os braços, o olhar firme na outra garota.

— E por que é que você se importa? Devia se preocupar em agradar a sua mãe roubando logo a porcaria daquela varinha, já que você não consegue fazer isso de nenhuma outra forma!

Mal abriu a boca e a fechou várias vezes procurando uma forma de retrucar. Mas não conseguiu, e em questão de segundos, lágrimas surgiram em seus olhos, e ela queria chorar. Mal nunca chorava.

— Ah não, ah não… Me desculpa, Mal! Eu não quis dizer isso, eu… eu…

— Você tá certa. Eu realmente não consigo agradar a minha mãe, nada é suficiente para ela nunca! Nem mesmo eu fui capaz de ser suficiente para ela! Não, claro que não! – ela riu sarcasticamente em meio às lágrimas – Malévola sempre quer mais.

Evie chorava igualmente. Ela não conseguiu evitar dizer tudo aquilo. E agora, sua sweet apple estava chorando. Ela não sabia o que fazer, então apenas a abraçou, murmurando inúmeros pedidos de desculpa.

— Acho que nós não somos suficiente, M. Sabe… Tudo o que eu queria era que minha mãe ficasse satisfeita por quem eu sou. Mas acontece que eu nunca sou, entende? Nunca sou boa o suficiente, talentosa o suficiente, bonita o suficiente!

— Isso não é verdade!

— Claro que é, Mal! Minha mãe me disse isso! Sabe o que é a sua mãe olhar no fundo dos seus olhos e dizer que você não é bonita o suficiente para alguém? Que não basta só ser uma princesa, o que na verdade, eu também não sou!

— Evie, você sempre vai ser uma princesa pra mim. – a outra a olhou com um meio sorriso, mas a tristeza ainda no olhar – Olha o que elas fizeram com a gente, E... Eu tenho que derrubar um reino todo para provar para minha mãe que eu sou o suficiente. Por que ela me fez pensar assim. E a sua… Ela faz você pensar que precisa de alguém como o Chad... – Mal disse fazendo uma careta – Para ser feliz. Isso está errado. Você não precisa. Evie… Você é tão inteligente, bonita e talentosa… Não desperdice tudo isso com alguém como ele. Você merece muito, muito mais.

— Mal… Você não entende! O Chad é…

— Um príncipe, eu sei! E daí? Ele te tratou como se você não valesse a pena! O filho da Cinderela é a última pessoa que mereceria conhecer uma garota tão maravilhosa quanto você. Ele te usou! Queria a lição feita sem trabalhar para isso, e ganhar todo o crédito! E você acha mesmo que ele gosta da Audrey?! É óbvio que não. Mas ele não gosta de você. Eu sei disso, você sabe também, e eu… Eu não tô falando tudo isso para machucar você, princess. Eu tentei sempre fazer com que você nunca se machucasse. Mas eu falhei. Eu não posso falhar com você, eu não suporto ver você achando que não é o suficiente! Eu quero que você seja feliz. E tem tanta gente que pode te tratar melhor do que o Chad vem te tratando…

— Quem? O Doug?

Mal sentiu seu coração apertar. Ela estava sufocando. Os sentimentos de quando elas tinham quatorze anos nunca deixaram de existir, e ela se culpava tanto por não poder admitir. Porque isso só significaria Mal não sendo o suficiente para mais uma pessoa. E ela não suportaria perder Evie pra ninguém.

— Não… – ela sussurrou – Você não gosta dele assim… Gosta?

— Não. E eu me sinto mal, sabe… Não consigo retribuir o que ele sente… – logo a voz dela aumentou – Mas então quem sobra, Mal?! Quem seria capaz de me amar de verdade, de me tratar como você diz que eu mereço, de ver além de um rostinho bonito?!

E aquilo foi demais para Mal. Evie nunca percebeu? Ela nunca enxergou o que Mal sentia? Mal tinha alguns defeitos: ter o nome do meio sendo Bertha; fazer o possível e o impossível para agradar a mãe. Tudo bem, muito mais defeitos. Mas um dos piores era falar sem pensar. As palavras simplesmente saíam sem que ela pudesse controlar, e as consequências nunca eram boas. Por isso, assim que ouviu o que tinha dito, levantou colocando as mãos sobre a boca e virando-se de costas para ela.

— Eu, Evie! Eu posso te tratar melhor!

Evie arregalou os olhos. Sentia seu rosto esquentar, a confusão estava explícita em seus olhos, e ela não sabia o que dizer. Mal havia dito o que ela estava pensando?
Um silêncio constrangedor se instalou no quarto, nenhuma das meninas sabia ao certo como continuar aquela conversa. Por fim, Mal viu que não tinha mais como voltar atrás, e Evie merecia uma explicação.

— Dói tanto… Saber que ele te fez sofrer, que eu não posso te ajudar da forma como eu gostaria, que você corre atrás de alguém que não te merece. Saber que eu não sou quem você procura, e ainda assim sentir que você deveria estar comigo! Dói ter que fingir estar apaixonada pelo Ben, quando tudo que eu quero é ficar com você! – atrás dela, Evie sorriu inconscientemente – Eu não devia sentir o que eu sinto. Isso me atormenta a dois anos! A dois anos eu estou apaixonada pela minha melhor amiga! É tão ridículo e clichê. Eu odeio não ter coragem de dizer tudo isso olhando nos seus olhos, mas eu espero que você me entenda. Você é incrível, Evie Grimhilde! Sua mãe, Chad, todos eles não conseguem ver como eu vejo. Um rostinho bonito nem se compara as suas outras qualidades. E quem liga se você é filha de uma vilã? Você é tão mais do que isso. – Evie se aproximou dela lentamente, e Mal virou-se de volta, mas ainda sem encará-la. – Quem diria… A filha sem coração da Malévola, apaixonada, envergonhada, nervosa, fazendo a pior declaração de todas, para uma garota, que é sua melhor amiga. Eu tenho sempre que quebrar as regras, não é?

Evie segurou o rosto corado de Mal, fazendo a outra olhá-la. Ela conseguia imaginar como estava sendo difícil para a outra dizer tudo aquilo de uma só vez, já que Mal não costumava falar abertamente sobre assuntos comuns, imagine então sobre estar apaixonada por alguém. E então, Evie riu. Como costumava fazer quando Mal imitava as mães das duas. E Mal se sentiu humilhada. Ela dissera tudo aquilo para que Evie risse dela?!

— Como pode rir assim? Depois de tudo isso você… – ela foi interrompida por Evie dizendo calmamente enquanto uma lágrima descia novamente pelo seu rosto, mas agora, ela sorria.

— Mal Bertha… – Mal bufou e Evie deu mais um riso fraco – Eu amo o jeito como você quebra as regras. Mas eu odeio o jeito como você é má. Você me fez esperar dois anos para me dizer tudo isso? Tudo que eu sempre quis ouvir? Que eu sempre quis que você dissesse? – Mal a olhou espantada – Pareceu tão certo quando você disse… Porque sua mãe odeia isso? Nada que eu já senti se compara ao que eu tô sentindo nesse momento… É tão… – olhou divertida para Mal – Ridículo e clichê… E tão, tão bom… Mal, acho que nós já perdemos tempo demais. Vamos quebrar as regras do jeito certo… Do jeito Malvie.

Mal sorriu maliciosa, como de costume, e não precisou de mais nada para puxar Evie pela cintura, e beijá-lá como sempre quis. Como sempre quiseram. Evie sorriu entre o beijo notando o sabor de morango nos lábios de Mal. E Mal fez o mesmo, ao finalmente descobrir que os lábios de Evie não tinham gosto de maçã, como sempre pensou, mas sim, um leve sabor de blueberry.
Ao se separarem ofegantes, ambas sorriram uma para outra. Mal sussurrou:

— É uma pena eu ter que fingir que não estou ridiculamente apaixonada por você. "My love for you is ridiculous…”— cantou, fazendo Evie rir novamente.

— Acho que essa música não é mais sobre você e Ben… – fez uma pausa antes de continuar – Mal, me promete, que quando tudo isso acabar, vamos ficar juntas. Eu não quero mais perder tempo.

— Eu prometo. Eu não me disse tudo aquilo para te deixar escapar, Evie. Sua mãe te quer com um príncipe, mas acho que ela vai ter que me aturar ao invés disso. Você é minha.

— Pela minha vez eu não tô nem um pouco preocupada com a reação dela, porque eu te amo, sweet apple.

— Também te amo, blueberry princess.