Sushis, Sayajins e Super-heróis escrita por Mahucp


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Primeira história de 2017! Uma história bem fofinha para começar o ano.



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Jorge passou os olhos pelo cardápio do restaurante. Os preços estavam muito além do que sua mesada de cinquenta reais podia suportar. Olhou para o namorado, que estava sentado a sua frente; também segurando um cardápio.

— Sabe, minha mãe disse que sushi não combina com almoço, só com jantar — Jorge disse, deixando o cardápio sobre a mesa. — Faz sentindo?

Luka baixou o cardápio, deixando-o de lado. Esticou o braço e segurou a mão do namorado.

— Não, não faz — respondeu, sorrindo. — Mas se você quiser, a gente pode pedir um prato quente. O yakisoba daqui é ótimo. Hoje a escolha é sua.

Jorge sorriu envergonhado. Já havia saído várias vezes com o namorado, mas em nenhuma a conta foi paga inteiramente por Luka. Cada um pagava a sua parte; era a regra lógica para um relacionamento entre dois adolescentes, sem muito dinheiro, prestes a entrar no ensino médio.

Apesar disso, Luka o convidou para almoçar em um restaurante japonês. E mesmo sabendo que comeria de graça, Jorge aceitou. Agora se via completamente envergonhado. Não sabia dizer se era porque Luka estava pagando a conta, ou porque eram duas crianças almoçando no meio de vários adultos, ou porque estava cada vez mais apaixonado por Luka.

No fim, ele não se importava. Gostava daquele sentimento. Não era o tipo de vergonha que machucava, deixando-o sozinho e angustiado. Vergonha que o fazia sofrer, pelo simples fato de gostar de garotos. Não. Era simplesmente a euforia que sentia por amar, por ter alguém que o amasse. Eram as famosas borboletas voando por seu estômago. Junto com todo o deslumbramento que sentia ao encontrar seu paraíso perdido. Luka era seu paraíso.

Devia tudo isso a Luka. O garoto que lhe ensinou o amor. O garoto que lhe ensinou a sentir orgulho de ser quem era.

Jorge sempre fora uma pessoa de máscaras. Fingia rir das ofensas que recebia, fingia ser legal com todo mundo, mesmo com aqueles que lhe machucavam. Fingia sempre. Com Luka, percebeu que não precisava fingir. Podia ser quem era e ser amado por isso. Luka era seu super-herói.   

— Na real, eu vou querer o shushi mesmo — comentou Jorge — Acho mais gostoso que o macarrão.

— Que bom, porque eu também — disse Luka. — Agora escolhe o prato! — ordenou.

Jorge riu do jeito autoritário do namorado. Luka era encantador, mesmo quando ficava mandão. Sem falar, que era lindo.

Luka tinha o rosto coberto por sardas, com bonitos olhos verdes. Seu cabelo alaranjado era cortado rente, como o corte dos soldados. Era baixo e gordo. E mais importante, a pessoa mais bonita que Jorge já vira.

— Assim eu vou ficar mal acostumado — brincou Jorge, pegando o cardápio novamente. — Vou querer almoço grátis todo mês.

— Melhor não, porque vai ser só dessa vez — garantiu Luka. — E isso vai ter volta.

Jorge riu e coçou a nuca.

— Ai, ai, devia ter imaginado que tinha coisa — lamentou Jorge, aproveitou para chamar o garçom. Havia escolhido o pedido.

— Claro que sim — retrucou Luka. — Acha que eu sou bobo?

— Muito pelo contrário. Você é o garoto mais inteligente que eu conheço.

Luka corou. Já estavam namorando há dois meses, contudo ainda não se acostumara com tantos elogios e carinhos. Mas, talvez, por isso mesmo queria passar o máximo de tempo possível com Jorge. Sentia-se como em um sonho, como se tivesse sido transportado para um mundo mágico, onde só a felicidade e o amor existiam. E Luka nunca queria acordar desse sonho. Queria ficar junto de Jorge para sempre.

— Afinal, cê tá gastando todo o salário comigo — completou Jorge.

Era engraçado. Estudavam juntos fazia anos, mas só começaram a se falar há poucos meses. Fora em uma festa surpresa, que a turma decidira fazer para uma professora de quem gostavam muito. Luka sempre evitava se juntar com a turma e, mesmo nessa situação, tentou fugir dos colegas, preferindo ficar em sua mesa ouvindo música.

Eis que nesse dia, Jorge veio falar com o ruivo e lhe oferecer um pão de batata. O pão de batata que ele havia feito e que fazia questão, que a turma toda provasse. Luka comeu o pão de batata e gostou. Logo os dois começaram a conversar. E a conversa estendeu-se para o dia seguinte e para o outro e foi parar na internet.

— Até parece que eu vou fazer isso, queridinho — contestou Luka. — Necessito comprar o bonequinho do Goku, pra fazer par com o Vegeta e completar o casal.

Os dois acabaram se tornando amigos e dessa amizade acabou surgindo um amor. Agora namoravam fazia dois meses. Na verdade, não era exatamente dois meses, mas Luka não se importava. Todo o dia em que estava com Jorge era valioso e merecia ser comemorado.

Olhou para Jorge, que acabava de fazer o pedido ao garçom.

Às vezes pensava se deveria ter se enturmado antes, mas era só um pensamento, não chegava a ser um arrependimento. Estava mais para um cansaço. Cansado de sempre se esconder, cansado de sempre ficar sozinho, cansado de ter medo de todo mundo.

Luka sabia que a culpa não era dele. Em um mundo tão hostil, em que garotos transexuais – como ele – não são bem-vindos, a solidão acabava sendo uma das formas de aprender a sobreviver, de aprender a existir. Ainda que doesse, ainda que quebrasse cada parte de seu corpo.

Sabia que aquilo não era uma questão de lógica, que não adiantava dizer que as pessoas eram ignorantes e preconceituosas, pois ainda machucava. A lógica não conseguia protegê-lo contra algo que atacava os sentimentos. Por isso, preferia ficar isolado, pois tinha certeza de que todas as pessoas iriam odiá-lo e machucá-lo.

E assim foi vivendo e lutando. Às vezes sua luta era fugir, outras rebater ofensas, porém sempre procurando um jeito de sofrer menos. Procurando um jeito de poder respirar em paz.

E agora tinha Jorge. Jorge que o ajudava com a dor e a solidão. Jorge era o seu maior super-herói.

— Acho que cê devia ter comprado o Goku antes — comentou Jorge. — Ele é bem mais massa.

— Ui, não! — criticou Luka, fazendo uma careta. — Vegeta é bem melhor. Ele arrasa.

Depois de começar a sair com Jorge, o humor de Luka melhorou muito. Jorge deu-lhe coragem para fazer coisas que antes nem sonhava em fazer.

A mãe o criava muito bem e era a melhor pessoa que Luka conhecia, mas ela não tinha muito dinheiro para ajudar o filho, portanto Luka foi atrás de um emprego. Conseguiu um trabalho como menor aprendiz, em um lugar seguro e inclusivo, que abria vagas especialmente para pessoas transexuais.

Fazia um mês que estava trabalhando lá. E agora queria comemorar chamando Jorge e a mãe para um almoço. Todavia, Sibele estava muito ocupada trabalhando, então Luka convidou Jorge para o almoço, deixando o programa com a mãe para mais tarde.

— Mas nunca ganhou do Goku — argumentou Jorge, cruzando os braços. Deu um sorriso vitorioso.

— Claro, o Goku tem o poder do protagonista — disse Luka — Uma vantagem completamente injusta.

— Mas ele ainda é mais legal — insistiu Jorge. — O Goku é o cara legal do casal, tipo eu!

Luka revirou os olhos e deu uma risada falsa. Jorge era todo convencido, mas era lindo. Um garoto maravilhoso. Tinha o cabelo alto, numa mistura de crespo e encaracolado. A pele negra era de um tom bem escuro. Lábios grossos e nariz grande. Olhos castanhos, quase negros.

— Até parece. Eu e Vegeta somos bem mais legais.

Jorge riu e se espreguiçou sobre a cadeira.

— Pena que a gente não sabe voar — falou, em meio a um bocejo. — Ou fazer a dança da fusão.

— Eu sei dançar! — protestou Luka, um pouco ofendido. — Fundir que não dá certo, meu bem.

Os dois riram. O garçom chegou com dois copos e duas latas de Coca-Cola, servindo-os. Mais uns minutos e ele traria o prato principal.

— Né — Jorge concordou e tomou um gole de coca cola. — Na real, todo mundo deve ter tentado quando criança. E olha que depois de Steven Universe essas fusão tem tudo outro significado.

— Meu amor, elas sempre tiveram outro significado — disse Luka — Você que foi trouxa e não percebeu.

— Talvez — falou Jorge, dando de ombros. — Mas eu percebi que o Goku é mais legal.

— É nada! — rebateu Luka, batendo na mesa. — E eu vou te provar isso. Depois, daqui vamos pra minha casa.

— Beleza — respondeu Jorge, sabendo que não podia dizer não.

                                                   * * *

            Aquela não era exatamente a tarde que Jorge imaginava passar com o namorado. Desde o momento em que Luka fizera o pedido, Jorge já imaginara tudo. E seria perfeito.

Assistiriam alguns episódios de Dragon Ball, depois jogariam o game do anime no PS4 e no meio disso alguns beijos poderiam rolar. Comeriam algumas bolachas e dividiriam uma latinha de cerveja. Seria bem divertido. Mas agora... bem ele estava assustado.

Os dois garotos estavam no quintal da casa de Luka. A grama verde e o canteiro de flores davam um ar aconchegante ao local. A figueira, única árvore do lugar, estava repleta de folhas verdes, mas não carregava nenhum fruto.

Jorge olhou para o céu azul e depois para o namorado, que segurava uma espada de bambu; assim como ele.

— Tem certeza que você quer isso, lindo? — Jorge perguntou no tom mais sedutor que conseguia.

— Claro! — respondeu Luka, com um sorriso orgulhoso. — Eu tenho que provar que o Vegeta é o melhor. Tá preparado?

Jorge riu nervoso. Luka fazia aulas de artes marciais, enquanto ele... bem ele passava o dia jogando vídeo game. Claro, isso lhe dava muito conhecimento, muito mais do que as aulas de matemática, mas não era o suficiente para uma luta de espadas.

— Eu acho que eu vou morrer — admitiu Jorge, dando uma risada nervosa.

Por mais que achasse aquilo assustador, não podia negar um pedido do namorado. Além do mais, depois a luta poderiam rolar alguns beijos. E isso seria bom.

— Bom. Só os melhores guerreiros estão preparados para a morte.

— Socorro... — murmurou Jorge, largou a espada no chão e saiu correndo.

Luka arregalou os olhos e riu. Jorge era mesmo impossível. Corria com os braços erguidos e gritava por socorro. Como sempre, Jorge tornava as coisas bem mais divertidas e cheias de vida. E esse era só um motivo para Luka amá-lo tanto.

O ruivo sorriu e correu atrás do namorado, que logo se viu encurralado pelo muro branco do fundo do quintal.

Jorge virou-se, ficando com as costas contra o muro. Ele, então, ergueu os braços e sorriu.

— Eu me rendo! Eu me rendo! — gritou ele, vendo Luka se aproximar.

Luka sorriu e apontou a espada para o namorado, pressionando a ponta contra o peito de Jorge.

— Tem sorte de eu ser um guerreiro misericordioso — disse Luka, baixando a espada. — Agora admitia o que eu quero ouvir.

— Mas eu já me rendi! — resmungou Jorge, ainda contra o muro. Baixou as mãos.

— Você sabe o que eu quero — insistiu Luka, cruzando os braços. — O Vegeta é melhor e ponto.

— Isso eu não posso admitir — falou Jorge. — Mas eu posso dizer que você é mais legal que eu — abriu um sorriso largo. — Você é o menino mais legal que eu já conheci.

Luka corou e largou a espada no chão. Sorriu, sentindo as pernas um pouco bandas. Provavelmente nunca deixaria de se sentir assim perto de Jorge. Sempre ficaria eufórico, quente, nervoso, apaixonado...

— Eu aceito os termos de sua rendição — pronunciou Luka aproximando-se de Jorge. — Selemos nossa paz agora.

— Yes, my lord — disse Jorge.

Beijaram-se. Era um beijo mágico e apaixonado.

Era o beijo deles. De Jorge e Luka.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.



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