A Herdeira do Olimpo escrita por Nogitsune Walker


Capítulo 16
A cor da felicidade


Notas iniciais do capítulo

Quem nunca atrasou um capítulo que atire a primeira pedra! kakaka postei e saí correndo pra escrever o cap 17 pq to cheia de energia! Sim nesse teremos mts momentos fofos e...do que será que o percy estava falando??? Podem me xingar á vontade pela demora mas fiquem ligados, acontecerao muitas coisas interessantes À partir de agora.



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Maya

Se eu ganhasse uma moeda para cada vez que tivesse sonhos esquisitos, poderia acabar com a fome no mundo inteiro, mas antes de contar como acordei ao som de uma das melhores músicas já compostas, vamos voltar um pouco para a parte que eu desmaio nos braços de um desconhecido. Lembro de ter saído da arena depois que Poseidon me reclamou, de ter desmaiado nos braços de um rapaz de olhos azuis e depois disso, minha consciência se projetou em um grande e infinito: nada.

Não estou brincando. Lembro-me de flutuar em um espaço negro sem nenhuma forma, apenas eu e o nada, mas depois, algo aconteceu. O nada, começou a se aglomerar em uma cor diferente em um ponto, um chão pedregoso se formou e o ar tornou-se quente. Agora eu estava de pé em uma planície de pedra, o céu negro abria-se acima de mim infinitamente. À minha direita, havia um grande rio branco como leite, desenhando no solo negro rachado e, em suas margens, um aglomerado de névoa de diferentes tamanhos dobrava-se para encostar em suas águas. À minha esquerda, havia um único e pequeno círculo onde a grama crescia verde em volta de um lago de águas cristalinas. Na beirada do lago, havia uma árvore frutífera carregada de frutos vermelhos carnudos que exalavam um cheiro adocicado e me fez salivar. Sentada à sombra árvore, havia uma mulher recostada em seu tronco que folheava um livro absurdamente grosso e comprido.

“Você não deveria estar aqui. ” Uma voz conhecida falou ao meu lado. Viro o rosto e vejo Nico, fitando a névoa densa que se aglomeravam no rio.

“Onde exatamente é aqui? ” Questiono.

“Aqui, é os campos de Asfódelos, onde as almas irrelevantes vagam pela eternidade. ” Diz descansando o braço no cabo de sua espada embainhada. Quando vê que eu encarava o rio leitoso, apressou-se em explicar. “Aquele, é o rio Lete, o rio do esquecimento de onde as almas bebem para esquecer suas vidas passadas. ”

“E aquela fonte? ” Pergunto apontando para o pequeno trecho verde que se destacava em toda aquela negridão.

“Aquela, é a fonte de Mnemósine, a titânide da memória. ” Encaro a fonte por alguns segundos e uma preocupação me invade.

“Nico, porque estou aqui? ” Ele me olha de esguelha.

“Rachel pediu que eu lhe mostrasse a fonte. Foi pouco depois que você saiu apressada do meu chalé. ”

“Você não disse que eu não deveria estar aqui? Então porque me trouxe? ” Ele dá de ombros.

“Tecnicamente nenhum de nós deveria estar aqui, mas quem está contando né? ” Ele vai em direção à fonte e faz sinal para que eu o acompanhasse. “Isso não vai ser tão efetivo quanto beber diretamente da fonte, mas é o máximo que posso fazer no seu estado atual. ”

“Meu…”

“Seu espírito está muito fraco, assim como seu corpo. Se eu forçasse de mais para você beber da fonte, seu espírito se separaria do corpo com o poder e você nunca mais voltaria ao mundo dos mortais, Viraria poeira cósmica. ” Explica. Engulo em seco.

“Ótimo, isso me faz sentir muito melhor”

“Relaxe, você não vai beber ainda, não precisa se preocupar. ”

“Se não vou beber, o que estamos fazendo aqui? ” Ele me olha de soslaio.

“Observando. ” Diz apenas. Quando chegamos na borda da campina, ele se curva em uma mesura para a mulher que lia recostada na sombra da árvore. “Minha senhora, nos permite? ”

A mulher olha para Nico e seus finos lábios se abrem em um pequeno sorriso.

“Vós sois bem-vindos em meus domínios. Eu vos permito. ”

“Agradecido, senhora. ” Nico responde e entra no campo. Eu o acompanho e vamos até a mulher. Ela usava um vestido florido leve, possuía longos cabelos negros que lhe desciam até tocar o chão verdejante da campina e seus olhos eram como um caleidoscópio verde folha, castanho claro e azul anil. O livro em seu colo possuía o comprimento de toda a sua coxa e a grossura era tamanha que se assemelhava ao tronco da árvore em que a titânide estava recostada, Estava aberto na última página, esta que a deusa analisava com um fascínio impressionante. Achei que meus olhos pregavam peça quando letras surgiram na folha e moveram-se pelo papel, agrupando-se e formando novas palavras, até preencher a página, fazendo outra surgir no livro e tornar a se preencher.

“Nico, o que é aquele livro? ” Sussurro.

“Naquele livro, está escrita toda a história do mundo desde que foi criado. Ele próprio se escreve, continuando a história à medida que as eras passam. Mnemósine é responsável por protege-lo. ” Sussurra em resposta. Aceno e continuamos até a deusa.

“O que os traz aqui, heróis? ” Pergunta com uma voz doce.

“Senhora, minha amiga necessita de algo que lhe foi roubado pouco depois que nascer, uma memória. Temos esperança de que possa nos ajudar. ” A deusa nos analisa.

“Vós sois aqui como auras, tão frágeis como a carne de seus corpos. Sabes, filho das sombras, que podereis não mais a vossos corpos retornar caso conceda-lhes o que me pedem? ”

“Não desejamos beber de tua fonte, senhora. Ao menos não nesta forma. Uma olhada apenas restaria, se for de teu consentimento. ”

“Que assim seja, heróis. Mas não demorem, seu tempo neste plano é muito curto. ” A deusa diz assentindo. Nico me olha, seus olhos brilhand9 de curiosidade e expectativa.

“A partir daqui, é com você. ” Diz e indica a fonte atrás de si com a cabeça. Engulo em seco, pois tinha medo do que poderia ver naquela fonte, mas respiro fundo e vou até a margem.

De perto, parecia uma lagoa. A água era tão cristalina que eu poderia contar cada uma das pedras brancas que estavam em seu fundo. Ajoelhei-me na borda e senti o imenso poder que emanava daquela água, como um manto quente que envolvia meu corpo. Concentro-me, respiro fundo e, com um pouco de medo, encaro meu reflexo. Meu rosto estava bem sujo, o cabelo desgrenhado, havia alguns machucados pela face e olheiras fundas e escuras rodeavam meus olhos verdes. Suspiro aliviada.

“Nico, é só o meu reflexo. ” Afirmo ainda me encarando no lago.

“Espere, olhe com atenção. ” Responde calmo e assim o faço. Por alguns segundos, a única coisa que via era o meu rosto refletido, mas então, a água da fonte brilhou em branco e, em um flash, uma cena apareceu.

A cena, mostrava um salão cujo teto parecia mesclar-se ao céu. Havia centenas de pessoas neste salão, homens e mulheres de diversas idades que trajavam túnicas e vestidos que eram comuns na antiga Grécia, alguns usando armaduras sobre as túnicas e conversavam animados em uma língua antiga. Um homem moreno com uma túnica verde-mar, um peitoral de couro e uma capa azul escura presa ao peitoral por um broche em forma de tridente entrou no salão, trazendo nos braços envolto em uma manta branca um bebê que dormia calmamente. Ele se dirigiu a um outro de túnica azul e barba branca, cujo capa era presa ao peitoral por um broche dourado com a forma de um raio que não parecia nem um pouco feliz com a presença do moreno. Supus pela aparência e pelos broches que aqueles fossem Poseidon e Zeus, aquele salão era o Olimpo e que as outras pessoas fossem os deuses, maiores e menores, mas as formas como eles se vestiam não era dessa época, parecia mais antigo, então por que isso seria uma memória minha? Eles conversam, mas não consigo entendendo que diziam, só que Zeus estava bravo com meu pai. Poseidon entrega bebe para Zeus, ignorando sua expressão raivosa, mas quando este olha para a criança, se enfurece de tal forma que raios cruzam o teto e ele grita para o meu pai mais enraivecido que antes.

A imagem desfoca e ouço alguns chiados e estalos, como se fosse uma interferência em uma televisão antiga, houve sons de discussão em meio ao chiado, depois uma mulher chorando, o choro de uma criança, um cântico sendo entoado em latim e então a imagem tremeluziu e desapareceu, deixando-me encarando meu reflexo confuso na fonte. Sento sobre as pernas, confusa e não me surpreendo ao encontrar Nico em pé ao meu lado.

“Essa memória não é minha. ” Balbucio encarando o lago. Nico pareceu ainda mais confuso que eu.

“Não sei o que você viu, mas se a fonte mostrou para você é porquê a memória é sua. ” Constatou e estendeu a mão, me ajudando a levantar.

“Não podia ser minha, parecia antiga, como se os deuses ainda estivessem na Grécia. ” Digo passando a mão pelo cabelo, tentando pôr as ideias em ordem.

“O que exatamente você viu? A fonte só mostra as memórias para a quem elas pertencem, então para mim você só encarou seu reflexo por alguns segundos. ”

“Todos os deuses, maiores e menores, estavam reunidos em um salão que parecia ser o Olimpo. Eles usavam túnicas e armaduras, como nos tempos antigos, então Poseidon entrou no salão trazendo um bebê no colo. Ele entregou-o a Zeus, que não parecia muito feliz e aí a imagem ficou turva e só deu para ouvir uma discussão, um choro e algo em latim. ” Conto. Nico baixa a cabeça e pensa um pouco.

“Os deuses só se reúnem assim para decidir algo de extrema importância, como quando um semideus recebe a imortalidade..., mas um bebê? ” Resmunga para si mesmo. Ele ergue os olhos ainda com a expressão confusa e continua. “Vou perguntar ao meu pai sobre algum acontecimento desse nos últimos anos, até lá, você deveria perguntar a Quíron sobre esse Heres Olympus que o oráculo mencionou na profecia. ”

Heres Olympus...sim, lembro quando Aquiles foi nomeado, pena que morreu tão jovem. ” A deusa fala pensativa na sombra da árvore. Eu e Nico nos viramos ao mesmo tempo para ela, surpresos. Ela retribui o olhar quase tão surpresa quanto nós. “Então seus pais não lhes contaram? Essa geração está perdida. ”

Vou até ela e me ajoelho à sua frente.

“A Senhora sabe sobre isso? ” Ela ri com a minha pergunta, como se fosse algo óbvio.

“Minha criança, eu sou a deusa da memória. Sei sobre tudo o que aconteceu a todos os seres que pisam ou já pisaram na terra, desde a época que os titãs governavam. ” Responde com um encantador sorriso, fazendo seus olhos multicoloridos brilharem.

“A senhora poderia me contar? Por favor. ” Peço. Ela me encara de forma curiosa.

“Não cabe a mim revelar isso, além do mais, sua hora chegou. ” Responde. Nesse momento, uma ventania começa a soprar, forte o suficiente para fazer com que eu me desequilibrasse. O vento também afetou a Nico, mas em vez de resistir como eu, ele se deixou levar e o vento o arrancou do chão e o levou até que desaparecesse na escuridão.

Enfio minhas mãos no chão, procurando algo firme em que me agarrar.

“Por favor, senhora. ” Seu cabelo mal se movia com o vento, era como se este a contornasse e direcionasse totalmente para mim. A deusa sorriu afetuosa e ergueu a mão em um aceno.

“Em breve. ” É o que diz antes do vento me arrancar do chão e me erguer, como se eu fosse feita de papel. Ele me ergueu vários metros acima do chão, dezenas, centenas, achei que fosse cair, mas continuava a subir infinitamente. Olho para cima, para as estalactites que se formavam-no teto do submundo que se aproximava rápido. O ar escapa de meus pulmões, quando o impacto se aproximava e ergo os braços à frente do corpo para me proteger, fechando os olhos firmemente e aguardando o impacto. Esperei, 1,2, 3…, mas o impacto não veio, apenas a sensação de que eu voltava a meu corpo.

Inspiro profundamente e sinto minha garganta seca, os olhos pesados causa do sono e a cabeça doendo um pouco, junto à sensação de tontura me fizeram ficar mais alguns segundos de olhos fechados. Lembrava do que acontecera na arena, a profecia, a voz de uma mulher, meu pai...Poseidon. Talvez isso explique o porquê de eu me transformar em animais. Havia um argonauta, Poriclimeno, que possuía esse mesmo dom, dado a ele por Poseidon. Claro! Faz sentido. Algo atrapalha minha linha de raciocínio, acho que é alguém cantarolando. Eu conheço essa música! Mas quem a está cantarolando?

Abro os olhos devagar e encaro o teto da enfermaria, iluminado por uma lâmpada fraca. Pelo canto do olho, vejo um rapaz de braços cruzados e blusa branca com mangas escuras recostado em uma cadeira ao meu lado, apoiando-se apenas nas pernas traseiras enquanto se balançava e cantarolava a abertura de Game of Thrones, perdido em pensamentos. Respiro fundo e me sento lentamente na cama, recostando-me na cabeceira e virando o corpo um pouco para a esquerda, de modo a incluir o rapaz em meu campo d3 visão. Reconheço seu rosto da noite anterior. Foi nele que eu esbarrara antes de desmaiar. Ele termina de cantarolar a música e volta os olhos para mim. Devia estar muito distraído pois assim que me viu sentada na cama e o encarando, perdeu o equilíbrio e caiu para trás com a cadeira, batendo com a cabeça na cômoda que havia entre as camas e fazendo o móvel tremer.

“Por favor, não faça isso. Eu poderia ter enfartado. ” Pede em tom de indignação enquanto se levantava e arrumava a touca no cabelo negro liso. Seguro uma risadinha com a reação dele, ele me encara com uma expressão de raiva, mas não consegue mantê-la por muito tempo, desviando o olhar e, a não ser que eu estivesse tendo alucinações, pude jurar que o vi corar.

“Hum, desculpe ter te assustado, mas você parecia tão concentrado na música que não quis te atrapalhar. ” Digo sem graça com a voz rouca. Ele relaxa a postura na cadeira e me encara por mais alguns segundos. “O que está olhando? ”

“É que…” começa desviando o olhar para as mãos, envergonhado. “...seus olhos estão diferentes. ”

“Meus...olhos? ” Pergunto confusa. Ele passa a mão no cabelo, nervoso.

“Antes eles estavam azuis, agora estão verdes. ” Explica.

“Ah, é, isso acontece às vezes. ”

“Rachel falou que você se chama Maya. ” Aceno “Eu sou Pietro. ” Se apresenta.

“Prazer, Pietro. ” Respondo e ele abre um sorriso tímido do lado esquerdo.

Encaro ele por algum tempo e me surpreendo em como seus olhos eram de um azul tão claro como o céu no inverno. Ele leva a mão e começa a esfregar entre os dedos um pingente em forma de folha que trazia em um colar.

“Hum...como...como você está? ” Gagueja.

“Só um pouco tonta, mas vou melhorar. ” Ouço várias vozes vindo de algum lugar próximo à enfermaria, uma parecia muito familiar. “O que está acontecendo? ”

“Hum...depois que você desmaiou e te trouxeram para cá, alguns...acho que lobisomens, atacaram o acampamento. Um tal de Percy expulsou eles junto com os outros semideuses mas parece que um garoto chamado Chris desapareceu também. ” Deuses, mais um. Isso está ficando cada vez pior. Conhecia Chris há apenas um dia, mas estremecia só de imagina-lo nas mãos dos lobisomens. “Depois...um cara chamado Kyetrus apareceu com dois desses lobisomens e…”

“Espera! Kye está aqui? ” Interrompo-o assim que processei o nome do cabeça de galinha. Pietro acena.

“Sim. Ele e dois lobisomens estão em uma reunião com Quíron. Algo a ver com uma bruxa e com esses lobisomens. ” Levanto da cama imediatamente e dou alguns passos cambaleantes na direção dos sons. Pietro se apressa e me acompanha. “Você deveria descansar, parece que vai vomitar ou desmaiar de novo a qualquer momento. ”

“Eu estou bem. ” Digo andando até uma porta na enfermaria. Pietro parecia preocupado, mas me acompanhou até a porta. Andamos por poucos minutos, atravessamos um corredor com outras passagens paralelas, mas o som vinha de uma última, bem no final. Tropecei nos próprios pés alguma vezes e quase caí, mas continuei seguindo o som.

“Tem certeza que está bem? ” Ele pergunta de novo. Viro para ele, os olhos claros exibindo uma preocupação descomunal. Me perguntei por que ele estaria tão preocupado se mal me conhecia, mas seu olhar era tão intenso que não consegui ignorar sua pergunta.

“Pietro, eu só estou um pouco cansada. Tem acontecido muita coisa ultimamente que não estão nem na metade do caminho para serem resolvidas, e preciso lidar com todas elas, é por isso que pareço cansada. Não precisa se preocupar, quando eu puder, vou descansar. Só preciso de um banho quente e uma noite de sono tranquila. ” Minimizo a situação. Ele acena e ajeita o cabelo, suspirando.

“Tudo bem então, se você está dizendo…”

“Obrigada. ” Agradeço. Estendo a mão para abrir a maçaneta, mas a conversa lá dentro chama mima atenção e paro a mão no ato. Faço sinal para Pietro fazer silêncio e me concentro na conversa lá dentro.

Vocês só podem estar de brincadeira. Se a situação é tão feia assim que ela não pode nos ajudar, porque viriam pedir ajuda? ” Exclama uma voz feminina. Não a reconheço, mas a que respondeu era bem familiar.

“Isso não é sobre ela, é sobre todos vocês. Não podem deixar que só isso atrapalhe todo o resto. É um problema que podemos contornar e enfrentar sem que ela precise se envolver. ” Era Kye, eu tinha certeza. Ele parecia nervoso, cansado, como se tentasse explicar algo pela centésima vez à uma criança, mas...do que estavam falando?

“Contornar? Até agora ela foi a única que venceu os lobisomens sozinha, e não podemos contar com ela para convencer o Alfa e enfrentar a bruxa? Ela é uma filha de Poseidon! Estaríamos com uma vantagem ainda maior se ela lutasse! ” Eles estavam falando...de mim? Mas, porque eu não lutaria?

“Já disse que não posso forçá-la a isso, e não vou fazer…” Kye começa, mas não consigo mais ouvir tudo assim. Giro a maçaneta e a porta se abre com um rangido, interrompendo a discussão que acontecia entre os campistas, Quíron, Rachel, um homem que eu nunca tinha visto na vida, a loba que eu derrotara e Kye.

“Maya…” murmura Kye, como se não esperava que eu estivesse ouvindo o que conversavam. Olho em volta e vejo, na parede de madeira, a frase: Uma vida pela outra. A justiça será feita, e cravada no final um punhal ensanguentado. Volto o olhar para todos na mesa. Havia uma certa tensão pairando sobre todos ali, como se soubessem de algo que eu não sabia.

“Kye, o que está acontecendo? ” Pergunto, mal conseguindo acreditar que meu melhor amigo, meu irmão, mesmo tendo voltado estava escondendo alguma coisa de mim.

“Não é nada, só estamos discutindo sobre o plano de Luana para…” ele tenta disfarçar, mas a mentira estava praticamente escrita na sua testa. Entro na sala, acompanhada por Pietro e juntos vamos à mesa de ping pong.

“Kye, sabe que não consegue esconder nada de mim. O que está acontecendo? O que foi aquilo na parede e o que você não me forçaria a fazer? ” Digo me virando para ele. Em outra ocasião, teria sido engraçado ver a mim, uma adolescente confrontando um homem bem mais alto que eu com praticamente o dobro do meu tamanho, mas a forma como todos nos olhavam calados e como ele me olhava, com pena, tornavam a situação mais séria do que eu podia imaginar.

Kye se senta na cadeira, cansado, massageando as têmporas, pensando na melhor forma de responder minhas perguntas.

“Ouça. Primeiro: eu não queria que você tivesse que saber disso dessa forma, mas teria que te contar mais cedo ou mais tarde, só não sabia que ia ser tão cedo. Segundo: se depois de saber do que estávamos falando, não se sentir bem para continuar com isso, não vou te forçar. Tudo bem? ” Ele explica cuidadosamente. À essa altura, eu estava ficando com medo. Muitas poucas coisas deixavam Kye preocupado dessa forma, à ponto de tentar esconder algo de mim o máximo possível, mas não podia mais voltar atrás.

“Tudo bem. O que está acontecendo? ” Pergunto pela terceira vez. Ele ainda me encara por alguns segundos com aqueles olhos caramelados, relutando em responder, mas o faz. Com.um suspiro, começa.

“Ontem, Jonas e Luana, lobisomens da alcateia que estavam atacando os semideuses, foram à minha casa pedir ajuda. Disseram que tinham um plano para resolver o problema deles e o nosso, mas que precisaríamos trabalhar juntos, e também, descobrimos a identidade da bruxa. ” Explica.

“E porque todo esse drama? Se já sabemos a identidade da bruxa temos um alvo definitivo, isso acabaria de vez com o problema. ” Exclamo. Kye baixa os olhos e fico intrigada. “Kye, essa bruxa...é alguém que nós conhecemos? ”

Ele acena lentamente. Sinto um bolo se formar na minha garganta e começo a tremer de leve. Não pode ser quem eu estou pensando, não pode, mas só saberia se perguntasse.

“ Ela, há quanto tempo nós…” paro e engulo em seco, reformulando a frase. “Há quanto tempo eu a conheço? ”

Ele põe a mão na cabeça.

“Eu sinto muito, Maya. ” Diz. Meu olhar se desvia para todos na mesa, que baixaram a cabeça envergonhados. Sobre a mesa, havia um papel dobrado, ao alcance de minha mão. Ergo-a, mal podendo impedir que tremesse e pego o papel. “Não poderia ser verdade...ela era uma mortal, só uma mortal…” eu repetia para mim mentalmente, mas não conseguia me convencer, então, com relutância, abri o papel.

Foi como se todos os cinco anos da minha infância que eu passei com ela viessem à tona, submergissem no extenso oceano de memorias da minha mente, fazendo-me reviver em flashes os piores momentos da minha vida. As dores, a fome, o cansaço, cada segundo daquela tortura incansável que eu vivera naquela casa, conhecendo apenas o gosto de meu sangue e o rosto que me fizera passar por tudo isso...Lorena. Eu encarava sua foto mal conseguindo respirar, paralisada, capaz apenas de encarar aquele rosto, aquele rosto desgraçado. Sinto-me tonta, a cabeça dói, minhas pernas bambeiam, meu coração...não bate, o que é isso? Teria caído se Kye não tivesse me segurado e tirado a foto dela das minhas mãos, jogando-a em cima da mesa. Ele envolveu meu corpo em um abraço quente, deitou minha cabeça em seu peito e sussurrou em meu ouvido:

“Respire. ” E de uma vez, solto todo o ar que eu estava prendendo. Começo a arfar, como se algo me sufocasse, não conseguia respirar, o que estava acontecendo? Depois de todos esses anos, uma simples foto foi capaz de me deixar nesse estado? Podia sentir meu coração batendo mais rápido do que uma máquina poderia registrar, como se ele pudesse quebrar minha caixa torácica e pular para fora, era demais. Kye me aperta um pouco e afaga meu cabelo. “Calma, princesa…por favor, se acalme. Eu estou aqui com você, não precisa ter medo. ”

Ele pede. Fecho os olhos, tento normalizar a respiração, “era só uma foto, era só uma foto…”. Aos poucos, o coração desacelera, mas no fundo, bem no fundo, eu sabia que não era só uma foto. Eu teria que enfrentá-la, mas não sei se conseguiria, não teria forças para isso.

“Entendem agora porque ela não pode se envolver? Não é por que não quer, ela simplesmente não consegue. ” Kye pergunta para os presentes em volta da mesa. Não precisei olhar para saber como eles estavam, surpresos e envergonhados até ao ver minha situação. Eu queria olhar no rosto deles e mentir, dizer que estava tudo bem e que poderia enfrentar aquilo como fiz antes com Luke e Poseidon, mas estava claro que não era assim. Kye se abaixou para ficar no meu campo de visão.

“Maya, sei que não está preparada para enfrentar isso, e não vou te forçar, mas quero que saiba que não está sozinha. ” Diz me olhando com aqueles olhos caramelados. Fecho os olhos e inspiro fundo algumas vezes. Eu não poderia ter medo dela para sempre, estava mais forte, sabia me defender, então por que isso continuava? Abro de novo e encaro Kye, bom, já que chegamos a isso. Olho para Nico, sentado à mesa, nossos olhares se cruzam e ele acena, sabendo o que eu faria. Fecho as mãos em punho, para impedi-las de tremer.

“Tenho que contar uma coisa...” digo quase sem voz. Como percebo que ninguém tinha escutado, limpo a garganta, me viro para todos na mesa e repito. “Tenho que contar uma coisa. ”

“O que é? ” Pergunta um garoto de cabelo cacheado.

“Ontem, quando eu desmaiei, meu espírito viajou ao mundo inferior, mais especificamente nos campos de Asfódelos. Lá, encontrei a fonte de Mnemósine, e ela me mostrou algumas coisas. ” Olho para Quíron. “Gostaria que você me falasse...sobre esse Heres Olympus. O oráculo mencionou esse nome ontem quando proferiu a profecia e Mnemósine falou sobre isso comigo. O que é? ” Não contei tudo o que havia acontecido, as visões, queria refletir sobre elas com mais calma e trazê-las à tona agora só agitaria mais a todos.

Todos voltam a atenção para Quíron, que coça a barba pensativo antes de responder.

Heres Olympus, ou Herdeiro do Olimpo, é um título ou uma honra que é dado à décima segunda criança nascida dos deuses há cada cem anos, independentemente de seu gênero ou de quem fosse seu pai ou mãe. Segundo a lenda, esse semideus era incumbido de proteger o Olimpo e os olimpianos de um mal que surgiria em sua época. Ainda segundo a lenda, esse semideus ou semideusa era muito especial, pois recebia pouco tempo depois de seu nascimento, a bênção dos olimpianos para que pudesse cumprir com seu dever, mas ele só poderia recorrer à essas bênçãos após reclamar seu título como Heres Olympus. ” Explica Quíron, como se lesse um livro de história para seus alunos. “Os nomes de semideuses que receberam esse título, nunca foram levados à público pois causaria discórdia entre os semideuses, permanecendo somente entre os que estariam presentes no dia da nomeação, então, um herói poderia passar a vida inteira sem saber do poder que tinha e mesmo assim defender o Olimpo desse mal de sua época. Essa é uma tradição quase tão antiga quanto os próprios deuses, por isso se estendem até hoje. ”

Todos ficaram boquiabertos com aquilo, ninguém nunca havia ouvido falar sobre esse tal Herdeiro do Olimpo, e esse nome vem à tona justamente quando a bruxa, Lorena, estava procurando um semideus especial? A loba que eu havia derrotado, acho que era Luana, se levanta na mesa.

“Quando a bruxa amaldiçoou minha alcateia, ela também falou algo sobre esse semideus. Um meio-sangue, mas não um qualquer. Um meio-sangue diferente, especial, que só nasce uma vez a cada século. Ele nasceu nessa época, encontrem-no e o tragam para mim, vivo. Foi exatamente o que ela disse. ”

“Então, ao menos sabemos que nasceu nessa época, mas como vamos saber quem é para evitar que caia nas mãos dela? ” Pergunta Percy. Todos ficam em silêncio...menos alguém que eu tinha esquecido que estava ali.

“E se.…os lobisomens ajudassem? Afinal...se essa tal bruxa falou para que o encontrassem, eles deviam ter uma forma de reconhecê-lo.”. Disse Pietro atrás de mim. Todos nós voltamos a atenção para ele, que ficou tão corado de vergonha com toda aquela atenção que parecia um pimentão de olhos azuis. Dei uma risadinha de lado com a reação dele e ele esboçou um sorriso tímido para mim, baixando os olhos. Kye ergue uma sobrancelha para ele e ia me dizer alguma coisa, mas Luana interrompe.

“Pietro tem razão. A bruxa falou que saberíamos quem era assim que o encontrássemos. Helkon provava do sangue dos semideuses que chegavam à casa, na esperança de detectar algum vestígio de um poder anormal, o que felizmente não chegou a acontecer. ” Explica. “Eu e Jonas poderíamos ajudar a encontra-lo, claro, se vocês concordarem. ”

Alguns murmúrios desconfiados surgem, mas ninguém discorda abertamente. Percy, que estava quieto até agora se pronunciou.

“Quíron, qual a possibilidade de esse Herdeiro do Olimpo estar no acampamento? ”

“Se os lobisomens vieram até aqui para procurar primeiro, há uma grande possibilidade de estar aqui sim. ” Responde, pensativo.

“Então, ao menos sabemos onde procurar. Quanto ao plano de Luana, há alguma objeção? ” Pergunta Kye. Ninguém se pronuncia. “Certo. E quanto a Luana e Jonas ajudarem a achar esse semideus? ” O silêncio continua. “Tudo bem então. ”

“Vocês estão liberados, podem ir. Quando amanhecer, vamos comunicar o resto dos campistas sobre tudo. ” Todos se levantam para sair, inclusive eu, mas Quíron vem até mim. “Maya, preciso conversar com você. Em particular. ” Acrescenta quando vê que Kye já estava ao meu lado.

“Está brincando? Ela ficou com vocês por menos de um dia e está pior do que estaria se ficasse uma semana sozinha lutando contra uma matilha de cães infernais! Sem chance que eu vou deixar ela sozinha com vocês de novo. ” Exclama Kye. Quíron me encara de modo apelativo e percebo que o assunto é realmente sério.

“Tudo bem Kye, não tem como a situação piorar mesmo. ” Encaro-o, seus olhos com olheiras fundas brilhando de preocupação. O abraço. “Vou estar à uma porta de distância, não precisa se preocupar. ”

Ele me abraça de volta e deposita um beijo carinhoso na minha testa, sua barba fazendo cócegas na minha pele.

“Se precisar de alguma coisa, é só me chamar, princesa. Aparecerei aqui tão rápido que o Savitar vai ter inveja. ”

“Mas o flash não é o mais rápido? ”

“É a mesma coisa. ” Responde e eu rio. Só Kye mesmo para me fazer rir nessa situação. Ele bagunça meu cabelo sorrindo e sai da sala, deixando-me sozinha com Quíron. Encaro o velho centauro na cadeira de rodas, que apesar da situação também exibia um pequeno sorriso com a demonstração de afeto. “

“Er...bom, o que precisa falar comigo? ” O sorriso desapareceu quase que instantaneamente de seu rosto e deu lugar à uma expressão sombria. Ele entrelaça os dedos na frente do rosto e suspira.

“Sobre o Herdeiro do Olimpo, há uma coisa que eu não mencionei na frente dos outros, porquê creio que seja um assunto que deveria tratar em particular. Eu estava presente quando esse semideus foi nomeado, e, não foi exatamente uma cerimônia tranquila como foram as anteriores. ” Começa.

“Como assim? ” Ele suspira.

“Acho melhor você se sentar. ” Diz em tom pesaroso apontando para uma das cadeiras que estavam em volta da mesa. Me acomodo em uma e ele vem de modo a ficar à minha frente. “Primeiro, quero que intensa que mesmo eu estando lá no dia e consequentemente sabendo quem é, como eu disse antes, não poderia trazer esse conhecimento à público por causa da discórdia que causaria entre os semideuses e até deuses menores, e aí teríamos um problema maior que a bruxa. ”

“Eu entendo. ”

“Ótimo, bom...como eu havia dito, a nomeação do Herdeiro do Olimpo é a tradição quase tão antiga quanto os próprios deuses, por isso se mantém até hoje sem nenhuma alteração em seus termos. Quando eu disse que um semideus nascido de qualquer deus poderia ser reclamado, me referi a qualquer um mesmo, desde um filho de íris até…” Ele para, como se procurasse as palavras certas.

“Até…? ”

“Até um filho dos três grandes, independentemente de qualquer juramento. ” Completa. Fico abismada. “É eu sei, parece difícil de acreditar, mas é verdade. Não estou dizendo que o semideus é um filho dos três grandes, mas que é possível já que os deuses manteram essa tradição assim por tanto tempo. A questão é: durante a cerimônia deste século, aconteceu uma coisa muito...inesperada. A mulher, havia dado luz à um casal de gêmeos univitelinos, filhos do mesmo pai divino, com uma diferença de poucos segundos entre o nascimento dos dois. Devido a isso, a menina foi a décima semideusa a nascer e o menino o decimo terceiro, então a menina seria nomeada. ”

“Mas...? ” Pergunto, já imaginando o porém.

“A mãe, que na época estava ciente do que poderia acontecer, não quis aceitar que a menina fosse a nomeada, pois sonhava com o menino crescendo destinado a algo maior e se negava a aceitar o contrário. Na noite da nomeação, antes que a menina fosse levada ao olimpo pelo pai, ela trocou as crianças. Como estavam envoltas em um manto e eram exatamente iguais, o pai não percebeu que estava levando a criança errada, só percebeu o erro quando a cerimônia estava prestes a começar. ” Ele se recosta na cadeira, lembrando daquela noite. “Primeiro, Zeus, que é o responsável pela nomeação, achou que aquilo fosse um insulto à tradição e por muito pouco, uma guerra não teve início ali. Ele se desculpou, voltou para onde a menina dormia e destrocou os bebês. A mãe, disse que aquilo era burrice, que conceder todo aquele poder à uma menina destruiria os olimpianos e tentou convencer o pai a levar o menino, mas ele sabia que as coisas não funcionavam assim. Ele teria que punir a pessoa que tentou desrespeitar a tradição, sabia disso, mas o que os olimpianos designaram o fez questionar se valia a pena ou não ser feito. ” Eu tive medo de perguntar, mas o fiz. Algo nessa história estava me deixando inquieta. Eu tinha a sensação de que sabia quem era esse semideus, a resposta estava na ponta da língua, mas por que nada me vinha à mente?

“O que eles falaram? ” Quíron suspira.

“Eles pediram, que o pai matasse o menino e amaldiçoasse a mãe por contrariar a tradição. ”

“Mas isso é desumano, a criança não tinha culpa do que a mãe fizera! ”

“Eu sei, criança, mas não era algo que podia ser discutido naquele momento. A tradição havia sido quebrada e era só isso que importava, então, o pai da semideusa teve que cumprir com o que lhe foi incumbido. ”

“E ele cumpriu? ” Quíron apoia a testa nas mãos, cansado.

“Não se sabe ao certo, o pai da criança nunca falou exatamente o que ele havia feito com a mulher e as crianças, então não posso afirmar. ”

“Mas e a menina? O que aconteceu com ela? ”

“O pai nos assegurou de que ela estava bem, que estava sob sua proteção, mas isso foi há quase quinze anos que foi a última vez que os olimpianos falaram nesse assunto. Houve boatos de que a mãe enlouqueceu, que estava se envolvendo com magia antiga, perigosa. Claro que são só boatos, mas nunca se sabe. ”

Faz-se silêncio e um raio de sol entra pela janela, iluminando a sala. Uma coisa estava estranha.

“Por que me contou essa história? ” Ele me olha, pensativo.

“Ontem à noite, quando você foi pega nos limites do acampamento, ferida, depois que todos estavam dormindo, Hestia veio até mim e pediu que eu lhe contasse essa história. Ela não revelou o motivo, apenas disse que você deveria saber e que saberia o que fazer quando chegasse a hora. ” Esclarece. Ele parecia exausto com tudo o que estava acontecendo, como se não dormisse há dias, mas uma cousa ainda me intrigava.

“Para acha que Lorena quer essa semideusa? ” Ele pensa um pouco.

“Não faço a menor ideia, mas, se tem algo que posso afirmar é: em todos esses anos, vi pessoas de bem que surgiram em meio à ignorância, mudarem toda uma nação, se transformar em grandes líderes e depois, ruírem, todos pelos mesmos motivos: poder. O poder é algo perigoso, Maya. Ele pode construir todo um império em questão de semanas, mas também pode arruiná-lo em segundos. Ele pode trazer fartura à uma nação, da mesma forma que pode tira-la. Ele pode fazer até a mais pura das crianças, se tornar o mais cruel ser. Ele é como o néctar e a ambrósia: pode fazer coisas boas se for usado corretamente, mas pode te consumir se exagerar, e a única forma de impedir que ele o consuma, é saber quando parar. ” Ele põe a mão em meu ombro. “Não posso ajuda-la em muita coisa, criança, mas sei que fará a coisa certa. ”

“Obrigada, Quíron. ” Ele assente e recolhe sua mão, respirando fundo.

“Bom, em breve o café será servido, acho que você deveria se arrumar. ” Diz enquanto saía da cadeira de rodas e assumia sua forma original de centauro. Olho para minhas roupas, ou...o que sobrou delas. Se eu saísse na rua com minha aparência, poderia ser confundida com um mendigo que escapou de uma explosão ou um elfo doméstico. “Converse com Percy, ele pode arranjar uma muda de roupa para você. Como você foi reclamada, pode usar o chalé de Poseidon para se arrumar e dormir quando quiser. ”

“Tudo bem, obrigada. ” Digo. Ele acena e sai pela porta da frente, deixando-me sozinha na sala. Antes de sair, olho novamente para a frase entalhada na parede. Uma vida pela outra. A justiça será feita. Mas o que mais me chamava a atenção, era o punhal. O sangue, parecia estar fresco ainda, como se tivesse sido de um ferimento recente. Os lobisomens devem saber reconhece-lo...inconscientemente, vou até o punhal e toco a lâmina. O sangue, agora frio, molhou meu dedo, confirmando que era recente. Esse sangue...por que ela mandaria uma mensagem e a assinasse com um punhal ensanguentado? Poderia ficar a manhã toda pensando nisso, mas antes, teria que descobrir de quem era aquele sengue.

Sigo até a porta da varanda, distraída com a lâmina e quando saio, esbarro em alguém.

“Ah, desculpe Maya, não tinha te visto. ” Desculpa-se Pietro.

“Tudo bem, eu só não tinha ouvido você andando. ” O que por sinal é estranho já que meus sentidos costumam ser mais aguçados que o normal. “Você está me seguindo? ” Ele se assustou com a insinuação e ficou vermelho de vergonha.

“Não, eu só estou perdido aqui. Essa coisa de semideus aconteceu tão rápido...meu pai deve estar louco me procurando e eu não posso ligar para ele porquê segundo o povo daqui a tecnologia atrai monstros. Também falaram para eu procurar um tal chalé de Hermes antes do café, mas eu não faço ideia de onde seja isso. ” Explica. Dou uma risadinha. Ele parecia quase tão confuso como eu no meu primeiro dia.

“Okay, vou te mostrar o lugar. Estou indo para a área dos chalés agora, tenho que dar um jeito na minha...situação. ” Digo apontando para o meu corpo. Ele abre um sorriso.

“Muito obrigado. Eu não conseguiria sozinho, esse lugar é enorme! ” Ele exclama.

“Tem razão. Eu só preciso pegar uma coisa antes. ” Digo e dou uma olhada rápida na varanda. Com tudo o que tinha acontecido ontem, eu havia esquecido completamente da caixa com minhas fotos. Avisto a caixa de mármore em uma mesinha na varanda, vou até lá e a pego, descendo a escadaria e acenando para que Pietro me acompanhasse. “Tudo bem, vamos. ”

“O que é isso? ” Ele pergunta curioso indicando a caixa.

“São algumas fotos minhas de infância. Eu as havia deixado aqui quando fui embora alguns anos atrás, não consegui leva-las comigo. ” Explico enquanto andávamos.

“Por que você foi embora? Disseram que esse lugar é o mais seguro para pessoas como nós. ”

“Estavam acontecendo algumas coisas complicadas na época, e.… digamos que eu estava passando por alguns momentos difíceis. ”

“Quão difíceis? ” Minha mente viaja para a época que eu estive com Luke. O envenenamento da árvore de Thalia, as amazonas, o colar, o labirinto...talvez não devesse contar ainda, poucas pessoas sabiam o que acontecera comigo e por enquanto eu preferia assim.

“Você se surpreenderia. ” Respondo apenas. Enquanto andávamos, mostrei o acampamento para ele. A quadra de basquete e vôlei, a parede de escalada, o anfiteatro, as forjas, os estábulos. Ele se encantava com tudo, como se custasse acreditar que aquilo era real.

“Vocês têm Pégasos de verdade? Tipo...os cavalos com asas?!” Aceno. “E vocês os montam? ”

“Durante as aulas de equitação, sim. ”

“Isso é.…Incrível! ”

“É, eu sei. ” Continuamos até chegar na área dos chalés, onde o palco para o desafio dos solos de guitarra ainda estava lá. Meu pescoço formigou e senti um calafrio ao lembrar do que acontecera e instintivamente levo a mão ao pescoço. Surpreendo-me quando meus dedos tocam a superfície fria dos elos do meu colar. “Mas ele estava com Chris...” balbucio.

“O quê? ” Pergunta Pietro.

“O.…nada. Agora, está vendo aquela casa ali com um caduceu encima da porta? ” Pietro acompanha meu olhar até o chalé.

“Sim, estou vendo. ”

“Aquele ali é o chalé de Hermes. Você deve procurar por um cara chamado Connor Stoll, que é o conselheiro. Ele vai te dizer o que fazer. ” Pietro acena.

“Obrigado, Maya. ” Agradece estendendo a mão em um cumprimento.

“Não há de que. Nos vemos no café. ” Respondo apertando sua mão. Assim que o faço, sinto um formigamento na mão que sobe pelo meu braço, acompanhado de uma sensação calorosa. Olho de nossas mãos para os olhos azuis de Pietro e, pela sua expressão, pude perceber que ele havia sentido o mesmo. Sinto meu rosto esquentar e recolho a mão rapidamente. “Hum, er…” gaguejo. “Te vejo daqui a pouco. ”

“Até. ” Ele responde, mas eu já andava apressada até o chalé 3, um pouco mais à frente. Bato à porta.

“Quem é? ” Percy pergunta um pouco sonolento.

“Sou eu, Percy. ” Respondo.

“Oi Maya, entra. ” 

“Obrigada. ” Digo e entro no chalé. O cheiro do mar invade instantaneamente minhas narinas e deixo escapar um suspiro de admiração. O Chalé de Poseidon era baixo, longo e sólido, com todas as janelas de frente para o mar. Havia seis beliches vazios, exceto um onde Percy estava sentado. Abaixo de uma janela no fundo do chalé, tinha uma fonte feita de pedra do mar cinzenta, com um peixe que jorra a água de sua boca, e uma decoração coral. Havia ainda cavalos marinhos de bronze pendurados plantas aquáticas que eu desconhecia enfeitando as janelas.

 “Uau, é.…Uau! ”

“É.…uau. ” Percy ri com minha reação. Ele se levanta e vem até mim, espreitando os olhos. “Você está vermelha. Por que está vermelha? ”

“Seu não estou vermelha. ” Gaguejo. Ele me analisa desconfiado e olha para o pátio da área dos chalés. Olho por cima do ombro só a tempo de ver Pietro sendo puxado para dentro do chalé de Hermes Os olhos verde mar de Percy brilham de diversão.

“Tenho uma teoria, mas só vou compartilhar com você se estiver certo. Até lá, vai ter que esperar. ” Ele analisa meu rosto por alguns segundos. “Eh...hum...pode escolher qualquer beliche, somos basicamente só nós dois no chalé. ” Ele coloca a mão atrás da cabeça de forma desconfortável e eu sorrio constrangida.

“Não está acostumado com isso, não é? ”

“É só que...Poseidon não teve muitos filhos por causa da coisa do pacto dos três grandes, e você é a minha primeira irmã, tipo, humana. ”

“Mas Tyson…”

“Ele é um ciclope. ” O encaro boquiaberta. “É, eu tive mais ou menos a mesma reação, mas isso não vem ao caso. Então...se precisar de alguma coisa, é só falar. ”

Abro um sorriso.

“Acho que preciso de algumas roupas, e comer. ” Paro e penso um pouco. “É, eu realmente preciso comer alguma coisa. ” Ele ri.

“Okay. Hm.…há algumas mudas de roupa na cômoda, calças jeans e blusas do acampamento. O café é em algumas horas então temos um tempo até lá. ”

“Tudo bem, obrigada. ” Digo e vou até a cômoda que ele me indicou. Coloco a caixa com minhas fotos sobre ela e meu colar e pego uma calça jeans, uma blusa do acampamento e vou até o banheiro. Antes de fechar entrar, pergunto.

“Percy, você não viu Kye por aí? Ou Luana e Jonas? ” Ele pensa um pouco.

“A última vez que os vi foi na reunião. ”

“Okay. Obrigado de novo. ”

“De nada, irmãzinha. ” Paro a porta do banheiro à meio caminho de fecha-la e olho pra Percy por cima do ombro. Ele fecha a cara, preocupado. “O que foi? Está sentindo alguma coisa? Quer que eu pegue um pouco de Néctar? ”

“Não, é só que...Kye é o único que me chama assim. É um pouco estranho vindo de alguém que acabei de descobrir que é meu irmão de sangue. ” Ele ruborizar e vem até mim, me dando um forte abraço.

“Vou ser o melhor irmão de sangue que você vai ter a partir de hoje. ”  Encanto o tecido de sua blusa exprimido contra meu rosto, sem saber como reagir àquilo.

“Espera. ” Me afasto um pouco sem sair de seu abraço para poder encara-lo. “Mas você é meu único irmão de sangue. ”

“Então acho que já tenho uma boa vantagem. ” Nos encaramos por alguns milissegundos e eu começo a rir, acompanhada por Percy e o abraço. Ele me aperta mais um pouco, um abraço gostoso, quentinho, com gostinho de...casa. Sorrio com esse pensamento. “Casa” Sim...uma ótima palavra para descrever esse momento. Ele me solta e me olha, dessa vez um pouco sério, mas com muito afeto.

“Ouça, sobre aquela bruxa, não tem que se preocupar com ela. Nós vamos dar um jeito, como sempre fazemos quando a situação fica difícil. ” Sinto um nó se formar na minha garganta e os olhos marejarem. “O que foi? Foi alguma coisa que eu disse? ”

Limpo os olhos antes que as lágrimas descessem.

“Não. Acho que vou tomar meu banho agora…” digo me virando para entrar no banheiro.

“Okay. Se precisar de mim, estarei à uma porta de distância. ”

“Okay. ” Digo e entro, fechando a porta.

Me recosto nela, a mão ainda na maçaneta e dessa vez, deixo as lágrimas rolarem. Dessa vez, como poucas vezes antes, eu chorava de emoção, de alegria, Era tão grande que eu não conseguia segurar. Me olho no espelho do banheiro. As lagrimas abriram caminho em meio à sujeira que manchava meu rosto, mas o que chamou a atenção não foi isso, mas meus olhos, que agora exibiam um tom âmbar quase dourado. Eu já havia visto essa cor nos meus olhos antes, essa era a terceira vez, e isso raramente acontecia. Acho que poderia chamar essa de “A cor da felicidade. ” Pois era exatamente isso para mim. Sorrio, pois sabia que poderia chamar esse lugar de lar e, com esse pensamento na cabeça, tomo um banho longo, deixando que a água quente relaxasse cada músculo meu tenso devido aos maus momentos, afinal, o dia estava apenas começando.

Lorena

 

“Sim...a justiça será feita. ” Balbucio enquanto observava através do globo de vidro a tão cobiçada Herdeira do Olimpo, lutando para sobreviver...sozinha. “Quinze anos...você me atrasou por quinze longos anos, mas não deixarei que passe disso! Uma vida pela outra. A justiça será feita! ” O globo avança, mostrando os lobos. Eles levavam um jovem semideus para o porão, como fizeram tantas vezes antes. Eu poderia dizer quem eles deveriam trazer, mas o plano estava indo tão bem. “Sim...continuem pequenos peões, vocês serão importantes...em breve. ” Faço um movimento com a mão e o globo exibe a semideusa, sozinha, mas ao mesmo tempo cercada de amigos. “Deveria ter permanecido sozinha, garota. Esses seus amigos, não são nada além do que sua fraqueza, embora ainda não saiba. ” Acaricio seu delicado rosto através do vidro. “Em alguns dias, tudo isso terá valido a pena, até lá, apenas reze para que eu não pegue você antes dos lobos, pois não serei tão cuidadosa como eles. ”

O globo emite uma luz esbranquiçada e se apaga ao meu sinal. Levanto-me da bancada e sigo até o porão da mansão. Desço as escadas e abro a porta, deixando que o ambiente saciasse minha sede. Estava tudo pronto, o altar, os símbolos e o motivo daquilo tudo, envolto. Em leves panos brancos.

“Em alguns dias, e você reinará sobre todos. ”


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Notas finais do capítulo

Hasta la vista babys



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