[Quinta à noite]

James fez uma careta como se dissesse “E lá vamos nós de novo”, e apesar de sentir uma leve culpa por não conseguir controlar os seus ciúmes, não retirou nada do que perguntou e nem desfez a sua pose defensiva.

Caramba! Ela estava disposta a ignorar as provocações da Meadowes, mas justo quando ia falar com ele estava ela lá?

— Era sobre a peça — ele disse — Ela disse que ainda...

— Sente algo por você? — completou Lily, quase rindo debochada — Acho que isso é óbvio.

— Eu disse para ela que nós brigamos — James bagunçou o cabelo, como já era de costume quando ficava nervoso — Você finalmente concordou em vir falar comigo... Quero dizer, eu tinha esperanças de que você viria.

— Eu decidi de última hora, mas talvez não devesse — ela retrucou.

— Eu não queria que isso acontecesse, que ela falasse para você que tínhamos conversado e você ficasse chateada comigo. Fiquei irritado que ela não quis ir embora, ainda mais depois do que ela disse. Quero dizer, qual a necessidade disso? Quando terminamos, ela não disse nada!

Lily suspirou, passando pelo lado dele para sentar-se no sofá, ainda sem descruzar os braços.

— Então você acredita que ela viria contar vantagem para mim? Acho que isso é um avanço!

Teve as suas reclamações interrompidas quando ele aproximou-se para beijá-la, pegando-a completamente desprevenida.

— Ei! — reclamou Lily, que queria continuar se fazendo de difícil.

— Como eu senti falta disso — James sorriu.

— Você passou a vida inteira sem me beijar.

— Isso que eu chamo de perda de tempo.

Maldito Potter e suas habilidades com... Bem, habilidades.

— Por favor, me diga que estamos bem — ele pediu, pegando as suas mãos.

— Você não respondeu à minha pergunta — reclamou, dando um tapa de leve no seu braço, irritada porque ele estava conseguindo desconcentrá-la.

— Eu sei que vocês duas têm uma rivalidade bem grande, então, sim, acredito — James respondeu.

Droga! Por que ele sempre levava as coisas para o lado errado?

Tentou convencer-se de que era melhor assim. Apesar da vontade, ela tinha um plano para desmascarar Dorcas.

— E então? — ele perguntou.

— Acho que posso fazer um esforço.

James abriu a boca, indignado.

— Ficar comigo é um esforço para você?

Ela deu de ombros, sem olhá-lo nos olhos.

— Ah! Você não disse isso! — ele levantou-se do sofá.

Prevendo o que ele faria, Lily também levantou-se, mas correndo em direção às escadas, que foi o primeiro lugar mais longe que pôde pensar em ir.

Antes que pudesse entrar no quarto dele e trancar-se, no entanto, ele alcançou-a. Lily abriu a porta desajeitadamente, fazendo-o tropeçar e cair no chão do quarto. Ela gargalhou, tentando fechar a porta, mas a perna dele impedia isso.

— Me ajude a levantar, Lils — James pediu, erguendo as mãos.

Ainda rindo, ela estendeu as suas para levantá-lo, mas ele puxou-a para baixo.

— Golpe baixo, Potter — ela disse, assim que o riso começou a morrer.

Já tinham ficado deitados tantas vezes no chão daquele quarto, no chão do quarto dela, fazendo algum trabalho de escola ou só gastando o tempo livre que tinham. A sensação sempre era a mesma, e era boa.

Só que, quando crianças, eles não se beijavam como estavam fazendo.

[Sexta de manhã]

— Então deu tudo certo?

Marlene cansou-se de não ter a atenção posta nela, então pegou o caderno que estava na mesa de Tonks e bateu sem cuidado nas costas de Lily.

— Que brutalidade! — ela reclamou, ainda sem olhar para a amiga.

— O que você tanto olha para a câmera frontal? — perguntou Marlene, olhando ao redor, para ver se tinha alguém que ela poderia estar encarando discretamente.

— Eu só tô tentando arrancar uma casquinha — disse Lily, passando o dedo no canto da boca.

— Só deve estar ressecado. Passa uma manteiga de cacau quando chegar em casa, e pronto!

Lily notou o tom de impaciência na voz da amiga e guardou o celular.

— É, você deve estar certa — cedeu, evitando continuar a mexer no canto da boca — O que você estava falando mesmo?

Marlene colocou o caderno de volta em cima da mesa de Tonks, antes de voltar ao assunto.

— Deu tudo certo ontem? Entre você e James?

— Ah! Deu sim! — ela desviou o olhar — O plano ainda está de pé.

Dessa vez, ela não desbloqueou a tela do celular para observar o seu rosto, mas para evitar os olhares da amiga.

— Lily Mary Evans, o que você está me escondendo?

Tonks sentou-se em sua carteira, ao lado delas, pondo os pés na cadeira desocupada ao lado.

— Sinto cheiro de porre — disse Marlene, olhando para os óculos escuros que a amiga usava ao contrário.

— Já está familiarizada, né? — retrucou Tonks, deitando a cabeça na carteira.

— Você saiu para beber em uma quinta-feira? — perguntou Lily, estranhando.

— Agora tem dia para isso?

— Qualquer um que você não tenha aula no dia seguinte.

Tonks resmungou, por ela ter aumentado o tom de voz, propositalmente, para respondê-la, mas não quis dar explicações do motivo. Não era típico dela tomar esse tipo de atitude deliberadamente.

A professora Burbage entrou na sala, interrompendo o diálogo delas, parecendo apressada.

— Desculpem-me pelo atraso. Vamos arrumando as carteiras! — ela deixou o bolo de provas em cima da mesa, junto com sua bolsa e pasta — Senhorita Tonks, tire esses óculos.

Como se ela fosse colar na prova... Mais capaz que ela fosse ficar observando Remus sem ser notada.

Lily olhou para trás, aquela nova organização das salas estava deixando-a bem perdida. Tonks, a contragosto, tirou os óculos, revelando as olheiras profundas debaixo dos seus olhos. Localizou Remus, notando o quão preocupado ele parecia.

Geralmente, minutos antes da prova, os dois eram do tipo que ficavam revisando um papel de resumo, até o último instante, mas ele parecia mais interessado em ver Tonks tropeçar por algumas carteiras até o lugar dela, mais desastrada do que o normal.

— “Agora tem dia para isso?”. Para Nymphadora Tonks, nunca é dia para beber — murmurou Marlene — Ou, pelo menos, um dia em que ela não precise levantar da cama para nada.

— Não me chame de Nymphadora — elas escutaram Tonks reclamar, do outro lado da sala.

Ela tinha bons ouvidos quando se tratava do nome que ela odiava que a chamassem.

[Sexta à tarde]

Tonks parecia uma aluna com problemas visuais, enquanto tentava caminhar até a mesa que James e Remus seguravam para elas.

— Deixa que a gente pega a sua comida, você não tem condições de carregar uma bandeja até a mesa — disse Marlene, segurando-a em um dos braços, enquanto que Lily a segurava pelo outro.

— Eu não sou uma incapacitada! — reclamou Tonks.

Quase que instantaneamente, ela tropeçou e levou Lily junto para o chão, enquanto Marlene soltou o seu braço rapidamente para não ir junto.

— Obrigada pela ajuda, Lene — disse Lily, irônica.

— Eu não ia cair. Se eu segurasse o braço dela com muita força, era capaz de deslocar — defendeu-se Marlene — Você sabe como ela é!

Remus levantou-se quase que instantaneamente de sua cadeira, ao ver as duas caindo direto ao chão.

Tonks não atreveu-se a reclamar enquanto ele ajudava-a a levantar-se e caminhar até o pouco espaço que faltava até a mesa.

— Ingratidão. É assim que chama! — disse Marlene, pegando o celular — Eu pedi uma pizza.

— Você não fez isso — Lily virou-se para ela, surpresa.

— A pizza daqui é horrível! Aí já pedi uma grandona para dividir com quem estiver afim. Deve estar chegando logo, eu pedi na aula do Flitwick.

Já que não pegariam nada do bandejão, sentaram-se junto com os outros.

— Você comeu alguma coisa hoje? — Remus perguntava a Tonks.

— Minha mãe fez panquecas — ela respondeu, de cabeça abaixada.

— Isso! É exatamente assim que você cura uma ressaca, com comida gordurosa — disse Lily com sarcasmo.

— Ai, me deixa, Lily!

Marlene trocou um olhar com Sirius, como que perguntando-o o que tinha acontecido no dia anterior, mas ele apenas deu de ombros.

— Vocês não vão comer? — perguntou Remus, estranhando a mesa vazia.

— Estou esperando a pizza — respondeu Sirius, as mãos apoiando a nuca na cadeira.

Tonks levantou o rosto.

— Pizza? — ela perguntou.

— Vocês só podem estar brincando comigo! — exclamou Remus, sem acreditar.

Marlene levantou-se da cadeira, ao ver um entregador confuso na entrada do refeitório, olhando para o monte de alunos almoçando/lanchando.

James tirou uma foto do rosto do coitado, tentando não rir.

— Ai, Marlene... — murmurou Lily, um sorriso espreitando-se por entre seus lábios.

Sirius olhou para ela, como se tivesse escutado o seu nome sendo dito.

— Lily, querida, como você está nessa manhã ensolarada? — ele sorriu.

“Ah não” ela pensou.

Por sorte, Marlene chegou com a pizza, interrompendo o momento incômodo.

— Odeio cebola  — reclamou Sirius, empurrando a rodela para um canto da caixa.

— Fresco — disse Marlene, dando uma mordida enorme no pedaço dela.

— Se ela der na boca, você come — retrucou Tonks.

Lily buscou rapidamente o seu copo de suco para evitar gargalhar ali.

— Tem coisas que nem Lene — disse Sirius, ainda fazendo careta para a cebola.

— Ah! É? — Marlene tentou aproximar-se dele.

— Não! Não começa!

Os dois começaram a brigar, Sirius segurando os antebraços dela para afastá-la, e Marlene tentando aproximar-se, rindo.

Nesse ambiente, Lily pôde ver Dorcas caminhar sozinha e parecendo frustrada até uma das mesas mais longínquas das portas do refeitório. Emmeline e as outras líderes de torcida conversavam sem parecer sentir a falta dela, podia até dizer que conversavam mais relaxadas do que costumavam fazer com ela por perto.

James também ajeitou-se na cadeira, notando a sua passagem, mas voltou seus olhos para a mesa, parecendo ainda irritado pelo dia anterior.

— Ela podia passar por aqui — murmurou Marlene — Seria um prazer estender a minha perna para ela tropeçar.

Sirius riu, observando Dorcas concentrada nas folhas, que deviam ser do roteiro da peça, ou qualquer outra coisa.

Aproveitando dessa distração, Marlene deu um selinho na boca do namorado.

— McKinnon! — Sirius reclamou, pegando um guardanapo para limpar a boca.

— É, acho que ele realmente não gosta de cebola — ela comentou, fingindo inocência.

Apesar de também não gostar muito de cebola, Lily mordeu o seu pedaço de pizza sem pestanejar. Estava com fome e não era como se a cebola fosse estragar a pizza para ela, como era com Sirius.

Continuou observando Dorcas sem poder evitar, era quase que um reflexo involuntário, como se faz quando tem uma cobra cascavél por perto.

— Senhorita McKinnon!

A professora McGonagall caminhou por entre os alunos, tendo que inclinar-se em algumas situações, com um olhar severo, já que muitas cadeiras tinham sido arrastadas para mesas próximas umas das outras, dificultando a passagem.

— Senhorita McKinnon!

Marlene permaneceu sentada, comendo da sua pizza, observando a professora apressar-se como se ela fosse escapar de sua vista a qualquer momento.

— O que significa isto? — McGonagall perguntou.

— É uma pizza metade calabresa, metade mussarela — respondeu, tranquilamente.

A professora parecia que ia explodir, mas olhou para os outros ocupantes da mesa e apenas disse:

— Acompanhe-me.

Marlene levantou-se.

— Guarda um pedaço para mim — ela sussurrou para Lily.

— É sua — ela deu de ombros.

Não é como se comesse muito.

Nas vezes em que ia para a pizzaria com James, ele sempre comia mais do que ela.

— Fale por você — disse Tonks, assim que ela saiu.

— Você não pode comer comida gordurosa, Dora — reclamou Remus, impedindo que ela pegasse outro pedaço.

— Eu passo. Até sem as rodelas tem gosto de cebola — Sirius fez careta.

Vai ver ela tinha pedido com cebola de propósito para que isso acontecesse.

Tonks ficou parada e, apesar de usar óculos, Lily sabia que ela estava olhando fixamente para Remus.

— Você me chamou do quê? — ela perguntou.

Ele, que até então estava concentrado comendo, levantou o olhar para ela, surpreso.

— E-eu... — gaguejou.

“Se beijem logo de uma vez” pensou Lily.

Remus foi poupado de responder quando a sineta tocou, indicando o fim das aulas. E ele demonstrou bastante a sua falta de vontade nisso, quando ficou atrás de todos na caminhada para fora do refeitório.

— Você vai para casa sozinha? — perguntou Lily, um pouco preocupada.

— Eu não vou ligar para a minha mãe. Isso daria uma discussão enorme — respondeu Tonks.

Resolveu não perguntar mais detalhes. Só Marlene lhe diria, se quisesse.

— Vem, eu te levo — sugeriu Remus.

Ele parecia arrependido, sabendo que ela talvez voltasse a tentar entrar naquele assunto, mas todos sabiam que Tonks não conseguiria chegar em casa sozinha. Ir com Sirius ou Marlene não era seguro, e os outros não sabiam se Lily e James planejavam fazer algo, agora que finalmente pareciam ter chegado a um acordo sobre Meadowes — ou o mais próximo possível disso.

— Eu vou esperar por Lene — Lily parou de caminhar ao topo da escadaria da entrada do colégio.

— Eu não — disse Sirius, surpreendendo um total de zero pessoas.

James estava com um pé no degrau e o outro fora, parado indeciso sobre qual caminho seguir.

— Não é porque vocês namoram que precisam fazer tudo juntos — reclamou Sirius.

— A gente se vê amanhã — disse Lily.

— Amanhã? — perguntou James, surpreso.

— Não vai me dizer que você esqueceu da lanchonete?

Ele sorriu.

— Não, eu não me esqueci.

— Não sei como vocês não enjoam um do outro — comentou Sirius, assim que ele resolveu acompanhá-lo.

— Você enjoa da Lene?

Ele ficou em silêncio, olhando discretamente para onde Lily estava, como que perguntando-se em que ponto do caminho poderia responder a pergunta sinceramente sem que a namorada ficasse sabendo daquele diálogo.

— Cheguei — Marlene surgiu, um tempo depois — Ninguém me esperou?

Lily levantou as sobrancelhas, perguntando-se o porquê de ainda se submeter a esse tipo de humilhação.

— Não tem problema — ela disse, sorrindo — Vamos?

— Falando sozinha agora? — perguntou, irônica.

— Você sempre fica irritada com esse tipo de coisa. É tão fácil te irritar...

Lily saiu caminhando na frente, tentando não revirar os olhos. Qualquer coisa que dissesse ou fizesse e Marlene debocharia mais ainda dela.

— Você notou que Alice faltou hoje? — ela perguntou.

— Notei — respondeu Lily.

— Ela deve ter tido uma noite ótima...

Parou de caminhar, olhando para a amiga.

— Você não presta, Marlene McKinnon.

— Você sempre soube disso.

[Sexta à noite]

— Cara, se toca! A gente nunca teve nada!

Lily não conseguiu manter-se deitada na sua cama, escutando Petúnia brigar com alguém pelo celular. Fosse por zelo ou por curiosidade, ela simplesmente não tinha nada melhor para fazer mesmo.

Verificou a fechadura da própria porta, apenas para confirmar se a irmã não tinha roubado a sua chave para usar no quarto dela, e então entrou sem bater lá, sabendo que isso ia apenas atrapalhar a discussão.

— Me desculpa se essa foi a sensação que te dei — disse Petúnia, virando-se para ela, revirando os olhos abertamente.

O celular de Lily vibrou e ela perguntou-se se era o momento de Meadowes querer brigar com ela também.

A loira desligou a chamada sem esperar por uma resposta.

— Dursley enchendo o meu saco! — Petúnia explicou, tempestivamente — Como se ele fosse o meu dono, querendo decidir com quem eu namoro ou não. Como se eu fosse uma propriedade.

— Você o deu a entender isso — retrucou Lily, lembrando-se das vezes em que foi até a casa dele, toda encantada.

— As pessoas mudam.

A chamada caiu na caixa postal, mas o celular voltou a tocar.

— Melhor você atender — disse Petúnia e o celular dela tocou o começo da música “Now You Know”.

— E é melhor você responder — retrucou Lily, atendendo — James?

— Então quer dizer que voltamos com as saídas de sábado? — ele perguntou para ela.

— Eu espero que sim. Não sou boa em quebrar tradições.

Petúnia mostrou o celular para Lily.

— O que eu respondo? — ela perguntou.

— Você é um babaca.

— O que eu fiz? — perguntou James.

— Não, não é você — respondeu Lily, sem afastar o celular da orelha, observando por cima do ombro da irmã a resposta que ela digitava.

— Tem alguém aí contigo, Lily? O que está acontecendo?

— Não tem nada acontecendo, Jay... Me dá esse celular.

Petúnia trocou de celular com Lily, sem saber em que momento elas tinham decidido que ela atenderia.

— Olá, cunhado — ela respondeu, olhando a resposta que a irmã estava digitando — Quando você vai vir aqui?

Depois de receber um “Não sabia que precisava da irmã para defender-se”, Lily estressou-se e simplesmente deu block no número.

— Lily! — reclamou Petúnia.

— Para quê você vai manter contato com esse idiota? — ela perguntou, cruzando os braços.

— Diz para a sua irmã que eu ligo depois — escutou James dizer.

— Não! — Lily tentou pegar o celular a tempo, mas apenas escutou o som de chamada encerrada.

As duas ficaram olhando-se, antes que Petúnia caísse na gargalhada.

— Ele achou que você estava brigando com ele — conseguiu dizer.

Lily deitou-se na cama, deixando o seu celular ao lado, antes de rir também.

A mais nova, que ainda estava sentada, também deixou-se cair para trás.

— Será que vou conseguir algum dia ter um relacionamento normal? — ela perguntou, retoricamente.

Petúnia levantou uma das suas sobrancelhas.

— Você namora com o James.