[Quarta à noite]

Já tinha se passado algumas horas desde que Lily chegou em casa, batendo a porta de entrada, sem importar-se em receber uma bronca de sua mãe, e ainda não conseguia convencer à ela (ou a si mesma) de que aquele jantar não era uma boa ideia,

— Para começo de conversa, é certeza de que a Meadowes vai estar lá — dizia Lily, prendendo os cabelos ruivos em um coque, para que eles não atrapalhassem, enquanto ela procurava um vestido decente para ir ao jantar.

— Na verdade, a senhora Potter odeia a Dorcas — ela escutou a voz de Alice, vindo do notebook.

Porque o único jeito de não surtar era dividir os acontecimentos com alguma de suas amigas. No caso, a que estava online era Alice.

— Então terei um pouco de paz? — perguntou Lily, sem poder negar que aquilo a agradava um pouco — Será que ela colocou câmeras de segurança por lá?

A risada leve de Alice conseguia tranquilizá-la de uma forma que não tinha explicação, embora soasse bem robótica através do som do computador.

— Você já está ficando paranoica! — disse Alice — Sabe que, se o James voltasse a ficar perto de você e desse um toco na Dorcas, você não seria culpada?

— Ela daria um jeito de se vingar da mesma forma — disse Lily.

— Fala sério, Lil! Vamos arrumar um jeito de invadir a casa dela, e roubar aquelas folhas. Essa história já deu o que falar! Dois meses, pelo amor!

Por um momento, a ruiva sentiu como se estivesse falando com Marlene, em vez de sua amiga doce e tímida.

— Sua mãe não colocou um vestido em cima da cama para você? — perguntou Alice, vendo como ela ainda fuçava no armário.

— Sim, um vestido que caberia perfeitamente em uma criança de sete anos.

Alice voltou a rir da situação, mas Lily sabia que, muito provavelmente, ela sentia falta de quando sua própria mãe pagava aqueles micos. Não propositalmente, como no caso de Doralice Evans, mas acidentalmente, por estar distraída com tantos telefonemas de trabalho.

— Você falou com os seus pais? — perguntou Lily, analisando um vestido que não era tão formal, nem tão casual.

— Eles cancelaram a conferência — disse Alice, um pouco desanimada — E Frank está com um grupo de estudos, então eu vou ficar em casa com os meus avós hoje.

— Seus avós não marcaram nenhuma reunião também? — ela tentou brincar.

Alice riu novamente, a cabeça apoiada à mesa do computador.

— Era só o que me faltava. Eu ser mais caseira que o meu avô — ela respondeu.

Lily mostrou o vestido que tinha escolhido, que antes estava oculto pelas portas do armário. Não existia decote, já que as alças eram curtas, fazendo com que o tecido preto e brilhante estivesse na altura do mediastino, apenas alcançando os joelhos. O lado direito marcava a curva de sua cintura, enquanto que o lado esquerdo era mais solto.

Alice ergueu o polegar, em um gesto de aprovação.

— Eu queria entender o que a minha mãe planeja com isso tudo — disse Lily, jogando o vestido em cima da cama, sem muito cuidado, começando a procurar um sapato decente.

— Nossa! O que será? — perguntou Alice, irônica.

— Entendido...

Enquanto abria uma das gavetas, encontrou um colar que ela amava usar, quando mais nova, que continha o seu nome. Deu um sorriso leve, lembrando-se que James sempre errava o seu nome, apenas para irritá-la.

— Lily! Vamos! — escutou a voz de sua mãe vindo do andar de baixo.

Ela olhou para Alice, que levantou as sobrancelhas.

— Você está um pouquinho atrasada — ela comentou, casualmente.

— Tenho que desligar, amiga! — desculpou-se Lily.

— Bom jantar! — Alice sorriu, sem dar importância a isso.

A ruiva também sorriu, antes de desligar o notebook, e começou a se arrumar.

Quando desceu as escadas, sua mãe já estava impaciente, e foi quem anunciou a sua presença.

— Já não era sem tempo! — ela reclamou.

Apenas seu pai levantou o olhar de seu livro. Petúnia, sentada ao sofá, não virou a cabeça nem um centímetro, os olhos fixos no seu celular.

— Vá trocar de roupa — disse Carver, voltando os olhos para o seu livro.

— Nada disso! — retrucou Doralice, puxando a filha pelo braço — Está perfeita, minha filha!

— Não estou recatada demais para você? — Lily sussurrou, debochada para a mãe, que fingiu não escutá-la.

Sua mãe deu uns tapinhas nas costas de Petúnia, e exigiu que ela deixasse o celular em casa. Lily (quase) sentiu pena da irmã, mesmo porque ela própria estava levando o celular. Escondido, mas estava.

— Certo, vamos! Já estamos atrasados! — disse Doralice, mais uma vez.

A ideia de entrar no carro não agradava a Lily nem um pouco, mas não teve escolha. A ideia também não pareceu agradar a Petúnia, mas, provavelmente, ela estaria pensando sobre como não teria como matar o seu tédio.

— Ainda não estou gostando desse vestido — disse Carver, olhando para a filha pelo retrovisor — Está muito curto.

— Isso porque você não viu o vestido que a mamãe colocou na cama da Lily — dedurou Petúnia.

— Agnes!

— Doralice!

Lily levantou uma sobrancelha para Petúnia, como se dissesse “Viu o que você fez?”. A loira apenas deu de ombros, sem importar-se.

— Como era esse vestido, Lily? — Carver insistiu no assunto.

— Mamãe confundiu uma de minhas camisolas, papai, foi apenas isso — disse Lily, querendo terminar com aquele assunto o mais rápido possível.

Ela lançou um olhar de alerta para Petúnia, que cruzou os braços, vendo que sua diversão tinha acabado.

O seu pai ainda observou-as desconfiado, mas não pôde permanecer tanto tempo sem os olhos na estrada, então resolveu acreditar nelas, ou deixar a conversa para mais tarde. De qualquer forma, não poderiam chegar à casa dos Potter naquele clima.

— Dora, querida! — foi a senhora Potter quem as recebeu, não demorando em abraçar à sua velha amiga.

Céus! Elas deviam até ter estudado juntas. Era estranho que não tivesse tornado-se amiga de James mais cedo, mas não tão estranho que Dorea Potter estivesse com aquele plano para reconstruírem sua amizade. E ela não podia fazer mais que agradecer, Alice estava certa. A culpa não seria dela.

— Lily, quanto tempo! — Dorea abraçou-a também, embora Lily se sentisse um pouco desconfortável — Você sumiu!

Ficou tentada a dizer algo como “Culpa do seu filho”, mas sorriu, contendo-se. Observou como ela cumprimentava ao seu pai, e viu como Charlus também aproximava-se, parecendo recém notar a chegada deles.

A semelhança entre Dorea e Doralice era surpreendente. Podia-se dizer que eram irmãs, e não apenas por seus cabelos cor de fogo. Só Lily sabia o quão difícil era encontrar alguma ruiva, e elas tiveram aquela coincidência na vida delas.

— Lily, como vai? — Charlus cumprimentou-a, menos efusivo que a esposa.

— Bem, senhor Potter — ela respondeu, quase que automaticamente.

— Ela não consegue controlar-se, não é mesmo? — comentou Dorea a Doralice, sorrindo divertida.

Fazia muito tempo que tentavam fazê-la chamá-los por seus nomes, mas Lily não conseguia, não sentia-se confortável com aquilo.

Então, em meio a tantos cumprimentos, ela o viu.

James aproximou-se dela, o cenho um pouco franzido, e ela não entendeu de primeira, acreditando se tratar de um desagrado por estar lá sozinho, já que não avistava nem Sirius nem Dorcas por perto. Só quando parou à sua frente e falou, que ela entendeu o motivo de seu aspecto franzino — ou melhor, confuso.

— Você colocou um colar com o seu nome, Lily Evans? — perguntou James, risonho.

Lily deu de ombros, sorrindo também.

— Você esqueceu a cor dos meus olhos, só estou nos prevenindo de uma cena constrangedora em família — ela brincou.

Não puderam continuar a conversa, pois seus pais apressaram-se em cumprimentar a James. Olhando para o lado, viu como Petúnia tinha adquirido um aspecto angelical e sorridente, que não era nem avistado antes de chegarem à casa. Às vezes, queria ter essa habilidade de fingimento de sua irmã mais nova, era bem útil para se safar de algumas situações.

— Vamos à mesa, então? — sugeriu Dorea — Avisarei à Farah.

Sentada à mesa, Lily concluiu que era muito estranha aquela atmosfera que tinha surgido entre James e ela, mas não a desagradava. Em absoluto. Não podia fingir que a sua conversa sobre o colar não tinha sido flerte, tampouco podia fingir arrependimento. Se James estivesse incomodado, teria se afastado, mas seus olhos pareciam brilhar mais depois daquilo.

Era como se eles nunca tivessem sido melhores amigos, como se acabassem de conhecer-se, e tivessem um interesse além da amizade entre si.

Lily balançou a cabeça, tentando afastar esses pensamentos.

O que estava pensando?

Ela tinha um interesse por ele, mas ele namorava. Dorcas era uma piranha, mas aquilo era completamente errado.

— Já sabe qual carreira seguirá, Lily? — perguntou Charlus, repentinamente.

Não tão repentinamente assim, ela apenas não prestava atenção à conversa.

— Escritora, é claro — respondeu Lily, vendo como sua mãe dava uma cutucada discreta na costela de seu pai para que ele se calasse.

— É uma carreira difícil — comentou Charlus.

— Nada que Lily não possa fazer — respondeu Dorea, dando uma piscadela cúmplice a ela.

O casal Potter não notou a bronca discreta e sussurrada que Doralice dava a Petúnia por ter agido com infantilidade, fingido vomitar no prato assim que Lily recebeu o elogio, como costumava fazer para provocar a irmã mais velha. Até ali chegava a sua falsa educação. Talvez fosse apenas gentileza dos Potter fingirem não terem visto. Ou melhor, de Dorea e Charlus, pois nada escapava aos olhos marotos de James.

Assim que notou estar sendo observado, ele levantou ligeiramente o copo, como que brindando-a, antes de tomar um gole para esconder um sorriso. Ela quase sorriu também, ao notar isso.

Se antes estava nervosa pelo jantar repentino que sua mãe resolveu montar, agora estava completamente relaxada.

Não esperava que fossem embora logo após a refeição — sua mãe nunca consideraria isso de bom tom. Enquanto os pais ficaram conversando sobre trabalho e família, Dorea sugeriu que James levasse a Petúnia e Lily para cima, se distraírem até a hora de os Evans decidirem levar as irmãs embora.

James foi à frente, e Lily aproveitou a oportunidade para puxar a irmã para dentro de uma porta qualquer, já que já conhecia a casa bem.

— Você não quer ficar conosco no quarto dele — afirmou a ruiva, conhecendo bem a irmã.

— Quem disse? — provocou Petúnia, ao notar a sua impaciência — De qualquer forma, eu não tenho o que fazer mesmo. Talvez observar os quadros do corredor...

Lily puxou o celular de dentro da bolsa, desbloqueou a tela e entregou a ela.

— Fique longe do caminho! — ela declarou, assim que a loira demonstrou interesse.

— Eu não queria ser vela mesmo! — disse Petúnia, dando de ombros.

A pequena saiu da sala antes dela, indo isolar-se no banheiro mais próximo, enquanto que Lily foi a última, fechando a porta atrás de si. Agradeceu que James não notou a sua ausência — ou, pelo menos, não foi atrás delas —, e foi até o seu quarto, onde sabia que ele estaria.

— Ah! Aí está você! — exclamou James — Onde foi Petúnia?

— Se perdeu por aí — Lily deu de ombros, fingindo que isso era comum.

Viu-o assentir, enquanto jogava-se em um dos pufes. Ela lembrava de sempre ter zoado com ele, dizendo que pufes eram coisas de menina, o que rendia uma boa discussão entre pré-adolescentes.

— Se ela fosse mais velha, o Sirius poderia ter ficado para distraí-la — brincou James.

— Pelo menos ela teria com quem conversar — Lily deu de ombros.

— Tem certeza que seria uma conversa saudável? — ele levantou uma sobrancelha.

— Difícil de dizer. Petúnia não é santa!

James assentiu novamente, como se considerando que aquilo era um bom argumento.

— Por que Sirius não ficou? — perguntou Lily.

— Deve ter ido se encontrar com alguma nova garota — disse James, revirando os olhos — E aquele lance da Marlene no colégio?

— Ela é completamente louca — ela apressou-se em dizer, não querendo entregar que a amiga tinha sido obrigada por um desafio de Uno da Verdade.

Não tinha certeza se o conhecimento daquele jogo nas mãos dele e de Sirius prestaria para algo bom.

— A última vez que conversamos ela me mandou pastar — comentou James.

— Você nos ignorou por bastante tempo.

Evitou corar ao perceber que aquela frase soou bem provocante, puxou a saia mais para baixo, nervosa.

— Sinto muito por isso! — ele disse.

E, então, deu aquele sorriso.

Como poderia existir guerra no mundo quando James Potter estava sorrindo?

Talvez ele devesse tentar a carreira de diplomata e entrar em uma grande organização mundial, como a ONU.

Percebendo que estava tendo pensamentos loucos, ela negou com a cabeça novamente, mas colocou um sorriso, notando que ele poderia interpretar aquilo como uma negativa para o seu pedido de desculpas.

— O que devo fazer para que me perdoe? — James fez drama, entendendo a brincadeira.

“Ligue para Dorcas e termine tudo com ela”.

As pessoas apaixonadas ficavam tão descontroladas assim? Por um segundo, quase considerou dizer mesmo aquilo.

— Eu já te perdoei — disse Lily, sinceramente.

“A culpa também é minha” acrescentou, mentalmente, mas sem querer admitir em voz alta.

— Mas, me fale, como está seu namoro com a Dorcas? — perguntou, antes que pudesse perder a coragem — Por que ela não veio hoje?

“Isso! Faça o papel de amiga inocente e interessada!”

— Ah! — James disse, um pouco perdido pela mudança de assunto — Eu achei que seria bom desgrudarmos um pouco.

— Ela anda muito grudenta? — Lily fez uma careta.

Ele pareceu interpretar a sua careta como solidariedade.

— Sim, não sei se é normal — bagunçou os fios de seu cabelo, e Lily tentou não ficar encarando estupidamente essa ação.

— Acho que cada um deveria ter o seu próprio espaço — ela pronunciou-se, cautelosamente — Tempo para os próprios amigos, sabe?

— Sim, eu já aprendi um pouco da lição — James encarou-a fixamente — Sirius e Remus me perturbaram bastante com isso.

A sua falta de interesse tinha atiçado a sua curiosidade?

Lily nunca entenderia os homens.

— Você também esqueceu os nomes deles? — ela brincou, sem desviar os seus olhos dos dele.

James fingiu pensar.

— Eu achava que Sirius era mais alto — ele concluiu — E que tinha mais senso de humor também.

— Sim, você está mal da cabeça — retrucou Lily — Sirius com senso de humor? O que virá? Remus com notas ruins?

— Ele tem se distraído bastante nas aulas de geografia.

Lily lembrou-se que era a aula que Tonks tinha com ele.

— Talvez ele esteja mais interessado na geografia de outro lugar — ela atreveu-se a brincar.

James, que também entendia da situação, não pôde evitar rir.

— Sirius nunca pensou nessa! — o moreno apontou — E olhe que ele tem as piadas mais toscas relacionadas a isso.

— Ei! A piada não foi tosca! — Lily deu um tapa no braço dele, ofendida — Foi criativa!

A conversa deles foi terminada quando Petúnia entrou no quarto sem bater na porta.

— Mamãe e papai já vão embora — ela disse, entregando o celular à irmã, sem agradecimentos.

Lily não esperava que ela agradecesse mesmo, considerava um favor que estava sendo feito a ambas.

— Eu levo vocês lá embaixo — disse James, levantando-se da cama.

O dia tinha terminado bem melhor do que Lily esperava.

Se fosse uma novela ou um filme, de alguma forma, ela receberia alguma mensagem odiosa de Dorcas, ameaçando, mas não era o caso. Dorcas não tinha como saber, e Lily já não tinha certeza se importava-se tanto com o seu diário.

Ao deitar em sua cama, cansada por quase não ter ficado quieta, perguntou-se o que teria acontecido se tivesse decidido usar a "camisola" que sua mãe escolheu, mas não admitiria nem sob tortura ter tido esse pensamento.

Assim como ele veio, se foi.