Afivelar o cinto nunca foi uma tarefa tão difícil quanto naquele momento em que Marinette sentia aos poucos que estava “cortando os laços” com a França.Era uma sensação de vazio e arrependimento que lhe atormentava quando ousava olhar a paisagem pela pequena janela do avião.

  Um nó se formava em sua garganta ao lembrar de tudo o que viveu lá,dos seus amigos,do seu pai,de Chat noir,de Adrien...De tikki.Algo ainda lhe dizia que estava indo embora antes da hora e que haviam outras pendências para ser resolvidas.

  Mas se levantar do banco e sair correndo não parecia ser uma ideia muito viável naquele momento, principalmente com o aglomerado de pessoas que se encontravam entre as poltronas,procurando um espaço para colocar suas malas.

  A única coisa que poderia fazer naquele momento era afivelar o seu cinto de segurança e tentar imaginar o dia que voltaria para a França(que se dependesse de Marinette, não demoraria nem 1 mês)Nem que ela tivesse que arranjar qualquer emprego para conseguir o dinheiro da passagem, não desperdiçaria nenhuma oportunidade para voltar pra casa.

—Tudo bem?-Nathaniel interrompeu os planos mirabolantes da mestiça assim que a chamou.

—Sim...vai ficar.-Marinette mal conseguiu encarar o rapaz quando respondeu,apenas queria que seus olhos se despedissem de Paris pela janela do avião.

—Eu sei que é difícil ir embora desse jeito,mas vai fazer bem pra você.-O ruivo se sentou ao lado da amiga,acariciando uma de suas mãos.-As vezes é bom dar um tempo…

—É…-Marinette afastou sua mão da de Nath rapidamente,como se não quisesse que ele a tocasse.

—Desculpe,eu te machuquei?-O ruivo ficou surpreso com aquela reação inesperada,achava que era dar um grande passo tocar na mão de Marinette,mas não sabia que a rejeição seria tão rápida.

—Não...Eu só não gosto muito disso.

—Entendi.-O rapaz dera um riso debochado,cruzando seus braços enquanto inclinava a cabeça contra a sua poltrona.-Está agindo assim comigo por causa do que aconteceu agora pouco, não é?

—Talvez.-Na verdade não existia um motivo específico para aquele tipo de tratamento com Nathaniel, Marinette só queria ficar mais introspectiva naquele momento e seu amigo não estava permitindo que isso acontecesse,mas ela optou por não falar o que estava realmente se passando na sua cabeça, não queria se estressar novamente.

—Olha,em relação ao que eu fiz hoje,eu peço desculpas…

—Tudo bem, não precisa se desculpar.

—A minha atitude foi muito infantil,nem eu imaginava que eu iria ficar daquele jeito,mas é que eu não me conformo em ver esse tipo de coisa acontecendo.

 Quando Nathaniel começou a falar, Marinette estava distraída com a paisagem do lado de fora do avião ou tudo aquilo que aquela pequena janela poderia mostrar,mas quando a frase “...eu não me conformo em ver esse tipo de coisa acontecendo.”passou pelos tímpanos da garota,uma desconfiança surgiu como uma assombração em sua mente junto aquelas palavras que se repetiam como ecos infinitos em seus pensamentos.

  A princípio,aquela frase poderia muito bem ser a respeito de ciúmes,mas o tom da voz do rapaz remetia a indignação e não á ciúmes propriamente dito.Havia algo escondido nas entrelinhas.

—Que tipo de coisa?-Marinette mostrou um certo desinteresse em seu tom de voz, mas no fundo estava sedenta por algum tipo de resposta.

—Ah...esquece,não é nada demais.

 Marinette sabia que aquele “nada demais” era muito mais do que “nada”,mas não queria discutir ou entrar em outros assuntos que lhe fizessem ficar mais triste do que já estava.Não queria tornar aquela despedida mais dolorosa do que já era e por isso optou por não tocar naquele assunto,pelo menos não por enquanto.

30 minutos de vôo depois...

 Parecia que o tempo simplesmente não passava naquela viagem,mesmo que tivesse muitas opções canais e filmes pra ver naquela pequena tv,Marinette não conseguia se distrair com nada e muito menos com os seus pensamentos.

  Sua imaginação não estava funcionando nem para inspirá-la com uma nova coleção de roupas ou algo do tipo.Sua mente estava totalmente inerte,implorando por alguma novidade ou acontecimento que a despertasse.

—Com licença,Srta Dupain Cheng?-De repente uma voz feminina um tanto familiar despertou Marinette de seu transe,fazendo-a se virar para o lado oposto a janela.

—Sim?-Assim que se virou para o outro lado,se deparou com uma mulher de cabelos loiros e longos,seus olhos azuis envoltos por algumas rugas e seus lábios levemente tortos eram conhecidos de Marinette.

            Brigitte Margot,mais conhecida como uma das maiores jornalistas de sites e revistas de fofocas da França estava de pé ao lado das três poltronas do avião,segurando um celular em sua mão cheia de anéis,esperando ansiosamente para conseguir um furo de reportagem.

—É um prazer conhecê-la!-Margot estendeu uma de suas mãos para cumprimentar Marinette enquanto esboçava um sorriso amarelo.-Será que poderia responder algumas perguntas sobre o seu caso com Adrien Agreste?

—Caso?!Como assim?-Naquele instante o sangue da azulada gelou e suas mãos ficaram levemente trêmulas por conta do nervosismo.

—Me desculpe Sra Margot,mas minha filha não vai responder a esse tipo de coisa!-Sabine se intrometeu no meio da conversa, indignada com aquela situação constrangedora da qual sua filha estava sendo submetida. Essa história de caso é um absurdo!Minha filha e Adrien são apenas amigos e nada mais além disso.-Sra Cheng continuou firme na defesa de sua filha,mas aparentemente sem abalar as estruturas da jornalista,que a encarou com desdém.

—Amigos?-A mesma respondeu com um tom debochado.-Não é isso que as fotos,tiradas hoje inclusive,dizem.

—Que fotos?!-Sabine tirou o cinto de segurança e se levantou para enfrentar a jornalista de frente.

  Brigitte apenas entregou o celular nas mãos de Sabine para que esta analisasse a foto de Adrien e Marinette aos beijos na entrada do aeroporto.

 A expressão no rosto da mãe de Marinette era uma incógnita,havia um misto de surpresa e choque em seu olhar.

—Porque não me contou que isso aconteceu,Marinette?-Sabine dirigiu-se indignada para a filha, que por sua vez mal podia acreditar que aquilo estava acontecendo, como se estivesse vivendo um pesadelo.

—Eu não...-Marinette não conseguia encontrar nenhuma palavra para responder sua mãe,na verdade não conseguia nem ter qualquer tipo de reação naquele momento.

—NOTICIA DE ÚLTIMA HORA!PARECE QUE A AMANTE DE ADRIEN AGRESTE TAMBÉM ESTÁ TRAINDO A CONFIANÇA DA PRÓPRIA MÃE!-Brigitte aumentou o tom da voz com um sorriso enorme em seu rosto enquanto sua equipe de filmagem invadia a classe econômica do avião filmando a cena e transmitindo ao vivo para toda a França.-Sra Cheng,como é a sensação de ter uma filha que sai com homens casados?-A jornalista pegou o microfone e começou sua “reportagem”,enquanto seus câmeramans se amontoavam encima de Marinette.

—Eu não posso acreditar nisso...-Sabine olhava para a filha,ainda se negando que aquilo tudo poderia ser real.

—Nós também estamos incrédulos com essa noticia bombástica!Marinette,o que tem a dizer em sua defesa?-Margot quase jogou o microfone pra cima da garota,que naquele momento só queria fugir dali.-Vocês vem mantendo essa “amizade” a quanto tempo?

—VAGABUNDA!-Duas mulheres no banco da frente viraram pra trás com seu celulares apontados para Marinette enquanto a insultavam.

—Eu sabia que ele traia a esposa.-Um casal cochichava na fileira ao lado.

—Que absurdo!Como ela teve coragem?-Um senhora na fileira de trás comentou com um passageiro ao lado.

 “Depois que o pai morreu se sentiu no direito de fazer o que quiser...”

      “Aposto que ela mandou matar o pai pra ficar com o Adrien.”

                          “Ela só quer o dinheiro dele.”

                                 “INTERESSEIRA”

                 “Deve estar viajando com o dinheiro dele.”

                          “Será que ela é prostituta?”

Aquelas frases se multiplicavam cada vez mais no avião,deixando Marinette totalmente indefesa e sem nenhuma reação.As lágrimas se acumulavam em seus olhos e sua mente só conseguia projetar a sua cena correndo pra bem longe daquele lugar e de todas aquelas pessoas.

Todas aquelas palavras atingiam-na cada vez mais,deixando-a pior do que já estava.

—JÁ CHEGA!-Marinette gritou com todas as suas forças que lhe restavam,deixando todos a sua volta calados.-ME DEIXEM EM PAZ!POR FAVOR!-A garota empurrou a jornalista e alguns passageiros que se amontoavam a sua volta,correndo pelo corredor de poltronas e celulares que filmavam seus passos e suas lágrimas.

  Seus pés corriam cada vez mais rápido em direção ao banheiro mais próximo(que naquele momento seria seu único abrigo para se esconder da própria vergonha).Assim que consegu entrar no banheiro,se trancou dentro daquele pequeno cubículo antes de sequer ouvir os passos apressados que lhe perseguiam naquele momento e se encolheu num canto que era um pouco mais distante da porta.

  Sua lágrimas escorreram cada vez mais, seu corpo se encolhia,suas mãos ainda mais trêmulas cobriam seu rosto.

  Seu peito doía ao lembra daquele beijo,do sorriso de Adrien,de Lila...de tudo.

—po-porque eu fiz isso?!porquê?-Marinette sussurrava em meio a soluços,lembrando do beijo que havia dado em Adrien naquele carro, em todas as esperanças e expectativas que alimentou quando ele a correspondeu e que agora foram destruídas até se tornarem pó.

  A culpa lhe corroía como nunca antes havia lhe corroído,a mesma tristeza e dor lhe atormentava com a mesma força e intensidade de quando abraçou o corpo frio do seu pai na maca daquele hospital.

  Tudo parecia estar ruindo quando Marinette finalmente achou que tudo estava se encaixando em sua vida.Mas ela não poderia culpar ninguém pelo seu suposto erro,pois sabia que Lila e Adrien ainda estavam juntos,mesmo que naquele momento em que o beijou não havia lembrado e nem pensado nisso.

  Tudo o que ela queria era se despedir,mas acabou pagando muito caro por expressar seus sentimentos daquela forma, desejando com todas as suas forças voltar no tempo e consertar as coisas ou impedir que elas acontecessem.

  A chuva que caia naquela manhã á 10 anos atrás,agora era uma tempestade com raios e trovoes.O guarda chuva era arrancado das mãos de Adrien e era levado pelo forte vento,tudo estava sendo arrastado e destruído pelas rajadas.

  O sorriso do Agreste se apagava,seu olhar de ternura,agora lacrimejava.

  Marinette virava as costas e voltava pra dentro da escola,fechando as portas e deixando Adrien do lado de fora.

 Todos os momentos,todas as boas lembranças e sonhos ao lado do Agreste,agora estavam sendo destruídos como fotos sendo queimadas pela mente de Marinette.Tudo aquilo era uma mentira,uma mentira que Marinette se permitiu a acreditar por muito tempo.

  Ela sabia que aquele momento,aquele beijo,aquele abraço eram recíprocos vindos do Agreste,mas questionava o que sentia quando lembrava que ele ainda estava com Lila,questionava a honestidade daquele que tentou salvar a vida do seu pai,daquele que era seu amigo,que lhe ofereceu um abrigo num dia de chuva.

  Doía pensar naquela possibilidade,mas a única coisa que sentia naquele momento era tristeza por não ser a única,por se sentir usada por aquele que era único pra ela.

  Agora era tarde demais,seria atormentada por um bom tempo e ser tachada e rotulada de “amante” até as pessoas encontrarem outro alvo para atormentar ou quando Adrien encontrasse outra pessoa.

—Porque eu acreditei que seria diferente agora?Porque eu achei que ele sentia o mesmo?PORQUE?!-Marinette atingiu seu ápice,entrando em um colapso de raiva e angustia,suas lágrimas queimavam em seu rosto,suas mão trêmulas agora se serravam,seu corpo encolhido doía com a tensão,entrando num modo de autodestruição.

  Sua mente se tornou um turbilhão,seu coração acelerava cada vez mais,sua respiração não parecia existir,até que gritos começassem a ecoar do lado de fora do banheiro e o avião entrasse em uma “turbulência” extremante forte e violenta.

Fazendo com que Marinette se levantasse para socorrer os que estavam do lado de fora, mas perdendo o equilíbrio com um tremor dentro do banheiro,arremessando-a para o outro lado do banheiro.O forte impacto fez com que as costas de Marinette batessem no espelho(que estava logo atrás dela)quebrando-o em pedaços.

  Com a turbulência ficando cada vez mais intensa,Marinette não conseguiu se segurar em nenhum objeto e seu corpo parecia chacoalhar junto com o avião.Até que em um dado momento um impacto muito mais forte do que os outros jogou Marinette para outro lado,fazendo com que sua cabeça se chocasse contra a piá,deixando-a inconsciente.

Enquanto isso...á alguns quilômetros dali

Adrien tentava enfrentar um congestionamento enorme perto do arco do triunfo,tendo que andar mais lentamente com o seu carro do que uma tartaruga,se forçando a parar em um determinado trecho para esperar outros carros passarem.

O mesmo buscou respirar fundo e ligar o rádio para se distrair um pouco enquanto esperaria por um tempo indeterminado a fileira enorme de carros se locomover a sua frente.No entanto,depois de poucos segundos que a música começou a tocar,esta foi interrompida por uma especie de plantão de noticias,chamando a atenção do Agreste:

"O Boeing Air France 787-9 que partiu esta manhã com destino a Xangai,perdeu o contato com a torre de controle do Aeroporto de Paris-Orly,segundo as autoridades,o voo desapareceu dos radares 40 minutos após sua decolagem de Paris.Por enquanto não conseguiram mais entrar em contato com o piloto ou copiloto da aeronave,a única coisa que se sabe até agora é que o voo está transportando mais 300 pessoas,incluindo crianças e idosos.Voltaremos daqui a 1 hora com mais informações,eu sou Nadja Chamack diretamente do aeroporto de Orly para a rádio RFI"