O Aventureiro escrita por roberto145


Capítulo 9
VIII - A Roda da Fortuna




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Os eventos do último mês ainda ressoavam intensamente na vida do jovem Johann. Desde que voltara do resgate de Noivern, o aspirante a treinador tivera que escutar um sonoro e ríspido ataque de fúria do até então tutor. Este, enfurecido e com as veias quase saltando da testa, flertava com um iminente mal-estar e a morte que já lhe acariciava os ralos cabelos brancos enquanto gritava uma torrente de palavras. Suado, mesmo com a temperatura quase congelante, e cuspindo um litro a cada palavra gritada, o senhor só era acalmado com a intervenção de outros professores. Após um breve momento de literalmente esfriar a cabeça, já sem nenhum vaso saliente na pele fina, ele, com um olhar áspero, mas com certo ar triunfal, deliciava-se com a expulsão do garoto. Fora esse o momento em que seu orgulho vingara a vaidade ferida a muito tempo atrás quando seu conhecimento fora posto em dúvida.

Foi assim que Johann retornara para casa, enfrentando outra tormenta de palavras, agora de seu pai. Ao fim, o garoto foi banido da vida de treinador e de se aproximar de qualquer pokémon que fosse. Obviamente, a segunda parte do castigo o menino conseguia esquivar, assistindo a seus queridos amigos escondido. Já quanto a primeira, era preso na mansão da rota 17.

Estava preso novamente a monotonia de cristais e solo branco. Mal chegava à metade da semana e ela já estava pesada, um grilhão que o garoto carregava para lá e para cá. O tédio já o comprimia com tamanha pressão que o agitava com passos sem direção naquela mansão encarceradora. Nada podia fazer até esperar alguns dias quando sua vida fosse definida pelos anseios e pelas necessidades da família, como havia dito seu pai.

A respiração tornava-se mais angustiante a cada passo desgovernado, a cada vento frio que lhe agitava os cabelos quando olhava o nada pela janela. Cansava-se. Inconformado, e com grande ansiedade, dava direção ao seu andar, passando por um pequeno quarto no andar inferior para pegar um casaco. Em seguida, voltava-se para a área onde os empregados mais se encontravam. Todos olhavam para o pequeno, e alguns olhares de reprovação eram gerados. Outros acompanhavam com sorrisos. Johann finalmente chegava no cômodo em que queria. A única pessoa que se encontrava lá recusava a responder seu olhar.

—Gerdra, por favor... – o garoto suplicava.

—Não, Johann... – ela falava secamente, mas com pesar.

—Por favor... – continuava. – Você já fez isso antes...

—São ordens do seu pai. Se deixei uma vez ou outra, já foi muito. Não quero problemas para mim e sugiro você também não buscar problemas para você.

—Mas Gerdra, você sabe que não é justo! Eu não aguento mais! Eu prometo que será rápido.

A empregada, já com muitas linhas de idade pelo rosto, parava de costurar. Deixava a linha no casaco que cozia e, então, voltava o olhar já cansado para o garoto. A seriedade era quebrada por uma profunda respiração e um sorriso. A senhora ajeitava alguns fios loiros que lhe caíam na fronte, colocando-os atrás da orelha. Levantava e pegava um bolo de chaves. Johann animava-se, seguindo-a. Após passar por algumas portas trancadas e um pequeno pátio, os dois finalmente chegavam a uma espécie de estábulo. Deixando Gerdra para trás, o treinador corria até seus pokémon, que se encontravam fora de suas pokéball. Era recebido também por eles com mesmo entusiasmo e alegria. Alimentava Rhydon e Mamoswine. Polia as garras de Drapion e trocava os curativos de Noivern. Por fim, acariciava a cabeça de Eevee, que ainda se encontrava mais retraído devido ao pouco tempo de sua captura.

—Por que também não solta aquele? – Gerdra olhava para o garoto e seus amigos, mas logo lembrava da pokéball acima de uma prateleira.

Sem olhar para onde a senhora apontava, o menino continuava a acariciar a pequena cabeça de Eevee. Respondia imediatamente com silêncio, mas logo falava que não era preciso. Gostava de um lugar mais sossegado para descansar. Entretanto, a verdade é que, embora Froslass preferia mais a calma de seu claustro, Johann sentia certo medo a cada vez que a olhava, seguido de um desconforto, uma agitação gélida que surgia dentro de si. A cena fantasmagórica de um mês atrás ainda o fazia arrepiar a espinha, ainda mais quando remontava a cena próximo ao ovo naquele ambiente devastado em seus sonhos. Além disso, não queria encarar o ser que incorporou o Snorunt morto, pois sabia que a estagnação de sua vida naquele momento não iria agradar em nada.

—Bom, já que é assim... – a empregada dava de ombros. Porém, ao voltar o olhar para a entrada do estábulo, arregalava os olhos. – Senhor Alberich! – colocava-se em posição de subordinação, abaixando levemente a cabeça.

Um homem um tanto baixinho, característica não muito compartilhada entre os Walstunn, caminhava até os dois com um sorriso um tanto quanto jocoso. Possuía cabelos castanhos já ralos no topo da cabeça, mas lisos e jogados para trás na região temporal, e um olhar azul com bastante malícia. Um longo bigode bem penteado avançava para as laterais.

—Ora Johann... Sabia que estaria aqui. - Tio Alberich... – o menino ficava mais pálido do que já estava ao ser pego infringindo o seu castigo. Rapidamente olhava para Gerdra, voltando a seguir o olhar para o parente, fixando nele o seu medo.

—Venha! Não ganharei um abraço? – caminhava até o garoto com os braços bem abertos. Johann levantava e era praticamente capturado. – Não fique tenso... Sei das injustiças que meu irmão vem cometendo – soltava-o e colocava as gordas e pesadas mãos em seu ombro. – Pois bem, assim que soube como foi engaiolado aqui nessa mansão eu disse: não posso permitir isso! Claro que corri para cá o mais rápido possível para ajudá-lo, meu querido sobrinho. Juntos vamos convencer seu pai.

Com tal discurso, o senhor de mais de sessenta anos conseguia acalmar o menino e, mais, a lhe persuadir. Assim, restava apenas a Johann esperar pela volta de seu pai de uma viagem de negócios. No máximo, em alguns dias tudo seria resolvido. Bastasse aguardar e desenvolver os melhores argumentos para vencer a batalha que envolvia o destino do garoto. A estratégia para Alberich já estava mais do que clara.

Após a espera de duas noites, o dia em que tudo seria delimitado chegara. Acompanhado por outros parentes, o líder escolhido pelos Walstunn para dirigir importantes aspectos econômicos da família mantinha uma expressão fechada e séria ao observar Johann ao lado de seu tio durante a recepção. Se já estava alinhado a continuar firme na resolução da vida do filho, aquela cena apenas reforçava a decisão. Não deixaria que tudo o que conquistara com muito esforço acabasse nas mãos do irmão derrotado e de seus descendentes. Jamais abriria a mão, mesmo que custasse a liberdade de escolha de suas crias.

—Ora, meu adorado irmão, venha me dar um abraço – com o tom jocoso, Alberich retirava a mão sobre o ombro de Johann e andava até o outro homem. – Meu querido Thyr! – abraçava-o, beijando-o no rosto. Mantinha uma expressão sorridente com leves traços de sua malícia.
— É com grande fortuna que lhe vejo, mas a que lhe traz aqui, meu irmão? – apesar de já ter certeza da resposta, deveria escutar da própria boca de seu parente.

—Gostaria de auxíliá-lo nesse terrível dilema em que se encontra você e meu adorado sobrinho. Acredito que poderemos chegar em um acordo que beneficie a todos... – a última palavra era dita quase em delírio, com o som se prolongando como uma serpente.

—Não será necessário – uma terceira voz, muito firme, ecoava pela sala e surpreendia a todos, exceto Thyr. Este limitava-se a olhar pelo canto dos olhos. - Meu querido tio, não tardará para que tudo se resolva. Hoje mesmo tudo será acordado.

A fonte da decisiva, porém bela voz, encontrava-se na entrada principal da primeira sala da mansão, reservada para convidados. Antes mesmo de perceber que chamara a atenção, batia uma bota castanha na outra para retirar o último resquício de neve. Em seguida, redirecionava os olhos, de uma tonalidade verde bem clara, quase pálida.

—Hrist? – Johann se surpreendia com a irmã que não via há um ano.

—Olá Han Han – carinhosamente acenava para o irmão, enquanto os demais atônitos observavam-na caminhar pelo cômodo com magistralidade.

A jovem, uma mulher com ainda seus 26 anos, mantinha-se ereta, com o olhar resoluto, andando até Alberich sem pressa nem demora, em um equilíbrio impressionante. Seu longo cabelo negro agitava-se levemente, acompanhando a dança de seus passos. As mechas que faziam uma franja no lado esquerdo de seu rosto também bailavam com o ritmo. Parava à frente do homem baixo e a diferença de altura dos dois era evidente, sendo ela alguns bons centímetros maior.

—Como está o senhor? – abraçava-o, porém logo desviava com tamanha desenvoltura de seus engabelamentos antes mesmo que as palavras fossem ditas. Ia de encontro, então, a Johann.

—Ah meu querido! – o abraço era tão forte que o garoto sentia uma leve falta de ar. – Sei de tudo o que está acontecendo. Iremos resolver isso juntos logo...

—Hrist! – Thyr se irritava com a filha, chamando-lhe a atenção.

—Sim, o que foi papai? – todos se surpreendia com a coragem. - Resolveremos isso logo, afinal não interessa a ninguém prorrogar essa situação. Felizmente, a decisão resta somente a Johann e a mim. Mais ninguém – sorria graciosamente, deixando atônitos todos no local, até mesmo os membros mais velhos e o chefe dos Walstunn.

—O que você quer dizer com isso? – ameaçado, Alberich não conseguia esconder a preocupação. A sensação de que fora passado para trás se intensificava a cada olhar insolente da sobrinha.

—Logo vocês saberão, mas agora compete só entre nos dois discutirmos sobre – acariciava delicadamente a cabeça de Johann.

—Hrist, pare já com isso! – Thyr finalmente se irritava. – Não se esqueça que posso ainda voltar atrás do nosso acordo!

—Desculpe papai... – parecia que a jovem de fato se arrependia. Parecia apenas. – Contudo, voltar atrás de tudo irá prejudicar mais a você e a nossa família do que a mim. Desculpe – sorria momentaneamente com a vitória parcial -, quem me ensinou a ser uma loba nos negócios foi você. Venha Johann, agora somos nos dois quem discutirá sobre seu futuro! – segurava sua mão e puxava-o em direção aos quartos.

Assim que ambos os irmãos saiam da sala, um pequeno aglomerado se formava ao redor de Thyr. Ele ainda não se recuperava do choque que sua filha lhe causava devido ao confronto, mas aos poucos uma pequena sensação de orgulho surgia junto com a leveza de que algo lhe era retirado das costas.

Após subir duas escadas de madeira e caminhar por um silencioso corredor iluminado por muitos abajures, os dois chegavam a uma porta trancada e uma pasta executiva negra posta por algum empregado. Johann, que acompanhara a irmã observando a sua expressão sorridente, sabia muito bem qual cômodo era aquele. Hrist pegava uma chave em seu bolso, entregue por Gerdra alguns minutos atrás, e adentrava no quarto, convidando o irmão também a entrar. O aroma era refrescante lá dentro, demonstrando que havia sido limpo para a chegada da jovem. Esta ainda abria as cortinas vermelhas, fazendo alguma iluminação entrar no quarto. Jogava-se então na cama, despreguiçando. Logo levantava resoluta.

—Bom... – levava a mão ao sedoso cabelo negro, sem saber como iniciar a conversa. – Gostaria de escutar como esteve durante esse ano afastado assim como também queria dizer o que fiz. Mas agora não é hora de colocar o papo em dia. Já discuti com o papai e só vim para cá por sua culpa, Johann.

—Me desculpe... – o garoto abaixava a cabeça.

—Ora, por que se desculpa? – ria. – Eu tenho apenas a agradecer a esta situação. Meu querido Johann, talvez seja cedo para você, mas hoje aprenderá que o mundo não gira só ao seu redor e que muitos do seu lado tem seus próprios interesses. Bom, talvez eu tenha parecido um pouco uma vilã agora, mas o que eu quero dizer é que, nesse momento, mais do que irmãos somos negociantes. Se eu não tivesse essa oportunidade de apresentar a minha proposta, não estaria aqui apesar de me importar contigo.

—O que te interessa? – surpreso e até mesmo assustado com a súbita mudança de Hrist, Johann não retirava os olhos arregalados da expressão séria dela.

—Vamos negociar então. Por tudo que já escutei, sua escolha final é de seguir como um treinador e viajar por ai, certo? A vida que nosso pai lhe oferece de tocar parte dos negócios lhe parece uma vida monótona. Estou correta?

—Sim... – mudava aos poucos a expressão para também demonstrar seriedade. Johann respondia imediatamente. – É isso o que penso!

—Ótimo – Hrist sorria e andava até uma mesa onde haviam várias recordações para ela. Abria então a pasta negra e retirava algumas poucas folhas. – Bem, Johann, diferente do papai, posso lhe oferecer a liberdade. Diferente do tio Alberich e outros abutres da nossa família posso tirá-lo da situação de marionete. Explicarei o que essa folhas são, pois escute bem, é o seu futuro em jogo. Aqui está um contrato em que você me venderá todo o seu direito de herdar as empresas e bens de maior valor como esse castelo – ao escutar parte da proposta, o menino novamente arregalava os olhos. – Em síntese, o que me interessa é que abra mão de sua herança. Por outro lado, pagarei por tudo isso com uma renda vitalícia e todos os custos que vier a ter em sua jornada. Além disso, terá o direito a um imóvel, não tão luxuoso quanto aqui, mas que lhe agrade, aonde quiser morar. As cartas estão na mesa meu irmão, o que decidirá por você?

—Eu... eu...

O garoto não sabia o que responder. Nunca passara na sua cabeça uma decisão como a apresentada. Jamais se vira como alguém recebendo a missão de levar toda a família adiante, sempre achara tal futuro entediante. Porém, perder tudo aquilo. Tudo para viver um sonho que se materializou há alguns anos, mas que não lhe dava certeza alguma. Não conseguia se decidir. A liberdade era cara demais.

O silêncio se instaurava entre os dois. Johann olhava para a irmã, que lhe sorria com presas brancas. Em seguida, voltava o olhar para os papéis. O aperto no coração era forte demais para o garoto. Engolia seco enquanto se imaginava no futuro. Dez anos. Quinze anos. Trinta anos. Nunca fizera isso, nem sabia como fazer. Poderia errar por muito, ter suas expectativas completamente desiludidas. Era impressionante como algo tão importante, mas tão negligenciado, esbofeteava em sua cara. Dinheiro, treinador, pai, vida, irmã, futuro. Tudo passava como uma torrente de pensamento na cabeça de Johann. Respirava fundo. E então surgia a resposta. Mesmo com as incertezas, uma coragem lhe infundia no peito.

—Aceito. Tenho que assinar em quê? – Hrist sorria felizmente com a resposta séria.

—Aqui, aqui, aqui e aqui – a cada folha que passava, marcava um x onde o garoto devia assinar. Em seguida, dava-lhe a caneta. Ao esperar todas as assinaturas, recolhia e juntava as folhas. – Sabe Johann, tenho certeza de que foi difícil essa situação para você. Acredite, já tive essa mesma conversa com Drei – surpreendia o menino ao mencionar o irmão mais velho. – Ele também não queria entrar nessa vida de negócios. Tudo o que você assinou, ele também fez o mesmo. No caso, o sonho dele era mostrar verdade ao mundo e foi para Johto buscar seu objetivo. O meu é outro, de devorar o mundo.

—Sabe... Em um dos livros que mais li em minha infância, há uma história em que criaturas colossais são capazes de devorar o Sol, a Lua, o mundo. Não achei que iria encontra uma delas – Hrist ria.

—E como termina a história?

—Com o fim do mundo.

—Será que isso repetirá? – perguntava com certo tom jocoso. – Mas além disso, eu te amo e sempre amarei meu irmãozinho, independentemente de nossos negócios – abraçava o subitamente.


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