O Aventureiro escrita por roberto145


Capítulo 8
VII - A Insustentável Leveza do Ser Pt. IV




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O esforço de bater as pequeninas asas lhe causava mais dor além daquela que já sentia, tanto que logo parava a tentativa de voar. Assustado, suas longas orelhas eriçavam, aumentando ainda mais seu comprimento. Esta era a única forma do pokémon saber o que passava ao seu redor, uma vez que a neblina densa se entranhava entre as largas árvores que compunham aquela escura floresta. A camada de névoa era tamanha que engolia Noibat quase por inteiro, sobrando apenas uma pequena porção do ápice de suas orelhas. Tal situação o deixava bastante apreensivo, era a primeira vez que se encontrava em um ambiente hostil sem a companhia de seu treinador. Além disso, a maldade daquele que o levara até aquele local o intimidara com tamanha intensidade que por aqueles instantes achava mesmo que tivesse sido deixado só no mundo.

—No... – estava tão fraco que mal conseguia emitir sons.

O coraçãozinho acelerava juntamente com o eriçar dos pelos do topo de sua cabeça devido aos sons produzidos pelo movimento de folhas e da grama. Poderia ser o vento? Possivelmente, mas eles eram raros. Geralmente, quando assopravam provocavam a queda da temperatura ambiente. Porém, a prova cabal de que era algo a mais logo ecoava. Galhos quebravam em mais de uma direção. Vento algum poderia fazer aqueles barulhos.

—Noi... – ainda mais assustado, o pequenino tentava mais uma vez chamar por seu treinador. Em vão.

Sem sucesso, a angústia do pokémon intensificava com uma péssima sensação de perigo. O morcego sentia o ar rarefeito pesar ainda mais sobre si com uma pressão colossal. Ofegante, agitava as asas, tentando novamente alçar voo. Porém, não conseguia por mais que tentasse ignorar a dor. Seu instinto de sobrevivência, então, imperava-o a soltar rajadas ultrassônicas. Percebia, desse modo, a presença de grandes formas que se moviam rapidamente ao seu redor. Colocava-se a correr, mas era tão lento que não conseguia se deslocar tanto.

Subitamente, uma das formas reveladas pelas ondas supersônicas avançava em direção a Noibat. Um rugido alto e feroz, desconhecido pelo pokémon, arrepiava ainda mais o pequeno, que ele ficava imobilizado de medo, apenas olhando o seu predador. Este, bem próximo, ainda se camuflava na neblina, mas já era possível ver sua tonalidade negra como um borrão se movendo aos saltos. Outros barulhos também começavam a ecoar, era como se fosse um canto que se tornava aterrorizante para Noibat.

Contudo, o mais terrível estava prestes a começar. Aquela mancha finalmente revelava a sua forma, uma espécie completamente desconhecida do morcego e de qualquer outro. A criatura possuía orelhas finas e curtas. Eram como dois filetes em uma cabeça desproporcional pequena. Olhos bem grandes, enegrecidos, mas com duas orbes verdes no centro. Narinas bem dilatadas e boca bem alargada, mostrando uma série de dentes irregulares e afiados. Era um demônio. O primeiro golpe era com uma das patas envoltas por um manto negro. Forte, causava um belo dano ao Noibat. Este mais uma vez tentava emitir um som chamando seu treinador, mas não possuía mais forças. Imobilizado no chão, os demais demônios iam em direção a ele, alguns já desferindo golpes entre si em competição para ver quem desfrutaria primeiramente da presa. Esta nada mais podia fazer do que por suas asas de modo a se proteger do perigo. De seus olhos arregalados e assustados, lágrimas caíam a fim de lubrificá-los. Teria uma breve vida, a qual rapidamente passava por suas memórias. Não se lembrava do primeiro contato com seu treinador, embora sentisse uma confortante sensação ao pensar nele. Para o pokémon, Johann era o mais próximo de uma família, afinal fora retirado do curso natural da vida selvagem quando ainda era um ovo. Foi o garoto que lhe alimentara, que lhe ensinara a voar, que lhe dera algum tipo de afeto. A vida seria curta, mas naquele breve momento de recordação ela lhe contentara.

O demônio vencedor da competição para garantir o primeiro pedaço de carne fresca finalmente alcançaria a sua presa. As garras enegrecidas prolongavam a coloração daquele ser, como se fosse uma sombra materializada. Além das duas pequenas orbes verdes em seus olhos, a boca aberta também contrapunha com essa homogeneização de cor, demonstrando uma forma trigonal vermelha, bem intensa.

Já sentindo o ar tornando-se mais pesado, fazendo uma pressão intensa em suas asas, Noibat as recuava ainda mais junto ao seu corpo. Já aceitava que não poderia se livrar daquela situação, mas ainda não queria morrer. Queria sobreviver, queria ver seu treinador ainda mais uma vez e , se o destino assim quisesse, despedir dignamente. A imagem de Johann lhe acenava sorridente enquanto o morcego fechava os olhos.

—Noibat... – a imaginação lhe acariciava ao falar.

Mais do que quando o medo lhe percorreu o corpo com uma descarga adrenérgica, mais do que quando o instinto de sobrevivência lhe fez cada fibra tensionar em resposta ao perigo, uma força muito mais poderosa espalhava por cada célula. Ela era estranha, embora lembrasse quando Johann lhe dava de comer ou lhe fazia um carinho, mas também acolhedora. Como jamais sentira algo igual, abria os seus olhos para ver o que acontecia com si. Todo seu pequeno corpo emanava uma luz clara tão forte que fora capaz de repelir o predador. A sensação nostálgica dava lugar a uma breve e leve dor em seus membros.

Quando percebia que esta se fora, o manto luminoso que o envolvia também desaparecia. Surpreso, olhava para suas asas, bem mais desenvolvidas que antes. Todo seu corpo se apresentava assim, mais evoluído que outrora. Não sabia, mas se tornara um Noivern. Passado o brilho que cobria todo o seu corpo, os demônios ansiosos em desfrutar de seu sangue pareciam mudar de tática e melodiavam uma sinfonia horripilante em forma de uivo. Como se tivessem chegado a um consenso por meio de alguma telepatia, todos avançavam com seus olhos vermelhos tornando borrões em meio a neblina.

Agora com a possibilidade de contra atacar e reverter a sua posição de presa inofensiva, Noivern agitava suas longas asas de modo a manipular o ar ao seu redor. Várias ondas de ar, tão cortantes quanto a mais afiada das lâminas, era capaz de pôr fora de combate um considerável número de inimigos. Alguns com mais falta de sorte sofriam cortes tão profundos que tinham suas vidas se esvaindo enquanto borrões vermelhos irrompiam na neblina tais como os olhos de outrora. Aos que ainda possuíam alguma boa sina continuavam a atacar, mas logo um novo movimento de asas criava correntes de ar tão intensas que os impeliam. O morcego caia exausto na grama gélida, já com poucas forças.

—Noibat?! – finalmente o chamado do pokémon era respondido.

Correndo até o dragão, Johann se surpreendia com o estado de seu antigo companheiro. Obviamente, era claro para o treinador o processo evolutivo, porém não sabia se devia alegrar-se ou sentir preocupação com aquela situação. Para ele, o pokémon fora apenas abandonado no meio daquela floresta. Contudo, não sabia da ameaça que voltava a se esconder atrás das árvores e da névoa a espreita de suas presas.

—Vamos para casa agora.

Após um breve afago na cabeça de Noivern, Johann retirava a pokéball de seu pokémon, a qual encontrara jogada durante o percurso até as entranhas da floresta. Entretanto, em um breve momento, em meio a dor, o dragão emitia sua fraca voz, tentando se levantar. Era sua única tentativa de alertar sobre os perigos que por perto se escondiam. O treinador não fora capaz de interpretá-la, contudo o pequenino guia Snorunt percebia a estranha movimentação entre as árvores. Agitava-se e chamava a atenção de Johann, que o olhava confuso. Ao retornar o morcego para a esfera, o garoto ajoelhava-se, de modo a acalmar a gélida criatura. Assim que colocava uma das mãos sobre o vértice mais alto da cabeça triangular, Johann olhava ao redor. Gelava-se não por conta de seu pokémon nem do clima, mas sim do bando que se aproximava da dupla.

As criaturas tão negras que podiam se confundir com a noite circulavam a área. Todos aqueles demônios, com seus olhos vermelhos, retornavam à tática de caçar usada outrora contra Noibat. O garoto sentia cada vez mais um frio desagradável surgir dentro de seu peito, como que se os vento raros que dançavam entre as árvores da floresta atingisse diretamente seu coração. Os pelos de seu corpo eriçavam, e um toque incomodante lhe surgia no ouvido, um zumbido que se intensificava a cada segundo juntamente com a sensação de que algo lhe entrava lentamente no ouvido. Johann imediatamente tampava as orelhas, mas nada adiantava. Por algum motivo, começava a lacrimejar e sua boca tornava extremamente seca.

Ao passo que todas essas estranhas reações de seu corpo lhe perturbavam, algo parecia também afetar todas aquelas criaturas demoníacas. Em um piscar de olhos, as reais formas daqueles seres se revelavam. O longo pelo marrom acinzentado era suficiente para aquela temperatura baixa, havendo longas extensões vermelhas brotando da cabeça encobrindo todo o dorso e dando uma falsa sensação de cauda. Os olhos tornavam-se azuis.

—Zoroark?!

Por algum motivo, o truque dessa espécie era quebrado por alguma interferência que ninguém ali conseguia identificar ou imaginar de onde provinha. Assustado, o bando freava o ataque contra suas presa. Os seus elementos estavam imóveis devido à uma sensação apavorante de medo. O instinto de sobrevivência de cada um deles dizia para saírem daquele local, e, assim, progressivamente, esses predadores dessa floresta recuavam e se escondiam entre árvores e escuridão.

—Salve-me...

A temperatura subitamente caía ainda mais de modo a fazer com que Johann tremesse de frio até mesmo com sua roupa feita especialmente para climas temperados. Estava tão gélido que até as lágrimas do garoto começavam a congelar. Rapidamente, ele levava as mãos até os olhos tentando secá-las. A neblina rapidamente se intensificava a partir do norte, enquanto tudo ficava estático. Não se ouvia mais nada, nenhuma criatura se mexendo nem folha alguma sendo agitada. Quando o treinador abaixava as mãos, caía de costas, bem pálido. Sua força se esvaia completamente, não tendo sequer capacidade de fechar a boca, embora seu corpo respondesse ao terrível estresse do medo.

A neblina diminuía aos poucos, porém uma forma humanoide de ar congelado se mantinha. Seu aspecto era ao mesmo tempo encantador e aterrorizante. Os longos fios negros destoavam completamente da massa gasosa que se materializava progressivamente. Seu rosto era difícil de se descrever. Embora a parte esquerda fosse realmente bela, com traços cheios de suavidade, a outra parte era o oposto. Era a face da morte em si, com o que seria a carne apodrecida corrompendo o que um dia fora bonito. Partes da carne decomposta deixavam à mostra o que seria o crânio.

—Insolente... – como se fosse uma rajada de vento, a palavra era dita intensa e rapidamente sem que a figura abrisse a boca. – Meu território... Suma!

Ondas de arrepios iam e vinham na espinha de Johann assim como seu estômago era vítima de sucessivos refluxos. Uma tontura súbita também lhe acometia. Queria levantar-se e sair dali correndo, porém seu corpo ainda permanecia em uma letargia inexplicável.

—Morra!

Em uma fração de segundos, surpreendente para o garoto, aquela horripilante figura investia contra ele. Entretanto, logo parava seu ataque. Algo parecia confundi-la e olhava apenas para o treinador com os braços à frente, em posição defensiva. Também em Johann mudara alguma coisa. Ele sentia alguém lhe injetando uma força sobrenatural. Um estranho ânimo lhe tomava agora o corpo, com uma sensação abrasiva espalhando por cada célula. Até seu olhar mudava. Se pudesse fazer um paralelo, diria que fora tomado por um espírito como aquele de alguns anos antes, quando invadira uma caverna e conhecera Brunhild.

—Não... Não pode ser. Outro não – uma estridente gargalhada repulsiva ecoava pela floresta. O espírito antes indiferente, agora demonstrava uma reação irônica. -De todos, logo tu. Ô, correntes do fado, até quando estarás saciadas? – olhava para Johann. -Tolo ser, vais percorrer a trilha da desolação. Jamais, nem mesmo quando já estiveres desalumiado, descansarás em comunhão. Terás a desilusão e a ira apenas como companhia! Acabarei aqui mesmo com teu sofrer, pobre alma desafortunada...

Novamente a tenebrosa figura investia contra o menino. Desta vez, Johann não parecia adotar nenhuma tática de defesa, embora estivesse muito confuso não só pelo o que sentia como também por todo o discurso. Levitando, o corpo fantasmagórico se confundia com o ar e a neblina, restando somente o movimento da cabeça feminina. O garoto a encarava com resolução e coragem, o sentimento de pavor em si progressivamente se esvaía. Era como uma nova personalidade se expressasse e agora aceitava a mulher e sua fatalidade.

Snorunt, por sua vez, permanecia imóvel, completamente assustado com o que aparecera entre a densa neblina. Acostumado a essa condição, jamais, em sua breve vida, vivenciara tanto medo de algo que considerava habitual. Entretanto, tal como Johann, o pokémon também sentia uma pequena injeção de ânimo frente à paralisação. Pelo menos era capaz de fazer alguma força, ainda que para isso devesse realizar extremo esforço. E fora este, em um único pulo, que esgotava sua energia ao perceber que o treinador não fugia da aproximação fantasmagórica. Assim, o abraço fatal envolvia a forma de chapéu em névoa extremamente densa e congelante.

O garoto apenas observava mais uma vez um foco de névoa se formando no local de contato entre o pokémon e a entidade. Todo aquele ar congelante se tornava um turbilhão feroz, com rajadas de ar cortantes. A frequência dessa perturbação também era acompanhada por pulsos de luz, que se alternavam em um branco que quase cegava e em uma púrpura, capaz de causar arrepio na espinha de qualquer um. Johann, contudo, não o sentia. Pelo contrário, parecia calmo ao ver aquele fenômeno delirante e sobrenatural.

Em poucos segundos, toda aquela perturbação se diminuía. O casulo de ar cortante se desfazia e a pulsação de luz terminava. Por fim, a neblina se desfazia lentamente, revelando apenas um ser, que plainava no ar, desrespeitando completamente uma lei física. Johann a olhava. Possuía um corpo branco, com gelo incrustado em sua pele. Tinha mãos e pés, mas com tamanha leveza que seus movimentos davam a ilusão de que essas partes eram apenas um leve tecido sendo agitado. O local em que deveriam parecer olhos estava um nada, uma escuridão profunda. Johann olhava fixamente para esse espaço até que uma sensação de tontura o atormentava.

Em uma nova alucinação, o garoto agora encontrava-se novamente naquela floresta. A neblina não era presente. Outra grande diferença se referia a uma grande clareira, praticamente um vão no meio de um mar verde. Decidia, então, seguir até lá. Era praticamente uma área desolada, sem qualquer tipo de vida animal ou vegetal. Havia somente uma esfera de grandes dimensões sustentada por uma espécie de árvore prateada. Frequentemente, o gigantesco objeto emitia pulsos vermelhos dentro de si. Investigando-o, Johann andava no perímetro da área desertificada, tentando perceber algo a mais e lá estava o que procurava. Do outro lado da clareira, entre duas estruturas de pedra...

—Salve-me...

Subitamente, o garoto acordava de seu transe. O pokémon ainda plainava a sua frente, mas desta vez revelava-se usar uma espécie de máscara de gelo. Seu rosto oval era escondido quase por completo, com as partes desnudas se revelando púrpuras. Aquilo que o treinador antes julgara braços agora, para ele, pareciam longas lágrimas que escorreram pelo canto dos olhos e congelaram, tornando parte do adorno que escondia sua verdadeira face. Os pálidos olhos azuis o encaravam.

—Não podes ser... Aparentas como ele, mas és mais ainda... – um vento frio assoava pela floresta. – Serás oportuno? – soltava uma ominosa risada. – Talvez... Não perderei esse banquete. Treinador! Guiar-te-ei por seu atroz fado. Seremos cúmplices do advento de uma tormenta!

Brevemente, Johann era capaz de ver aquela face horripilante de uma bela mulher e de um cadáver no auge de sua decomposição. Apesar de assustado e confuso, algo dentro de si parecia propelir a aceitar.

—O... O que você é? – não vacilava por medo, mas sim por uma estranha sensação de que não deveria perguntar nada.

—Fui meu fado. Sou o fado de teu pokémon. Serei o teu fado. Nada mais precisas saber, a menos que serei tua aliada. E como tal, olha ali. Ali está a minha primeira prova.

Ao obedecer, Johann voltava os olhos para a direção indicada. Lá estava um pequeno Eevee que se perdera de seu bando, o qual se dirigia para a vila pokémon. Assustado devido ao terror causado pelo Froslass e o primeiro contato com um humano, o pequenino não se movia. O treinador se levantava e dirigia-se para ele.


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