Não muito longe de onde Abelle e Ladybug estavam aprisionadas havia outro calabouço. Um ainda mais escuro e isolado que o que ambas as garotas estavam pouco tempo atrás, mas do contrário das ações desesperadas das duas para fugirem dali, os prisioneiros que estavam naquela esfera de cristal estavam imóveis. Não queriam sair dali. Não se importavam de estarem juntos, mas não ousavam se encarar por muito tempo. O coração de ambos heróis presos lá dentro estava rachado. Rachado pelas brigas, perfurado pela discórdia e partido em dois pela tristeza.

Paon não sabia o que dizer. Muito menos pensar com razão. Lembranças, risadas, promessas que fizera para seus amigos e brincadeiras que havia feito no passado começaram a invadir sua mente, lhe atormentando com os últimos acontecimentos que vivera até estar ali. As suas últimas atitudes e a briga que teve com Marinette e Chole envolvendo seus sentimentos que estavam feridos passaram como um filme diante de seus olhos. Olhou para a prisão ao seu redor e em seguida para suas próprias mãos. Sentia nojo dela mesma. Raiva pelo que tinha feito acontecer. Ou melhor, pelo que colaborara acontecer. No fim deu um sorriso fraco e sarcástico para a escuridão que a cercava. Ela merecia aquilo. Era um verdadeiro monstro que rachara o que restou da amizade de seus amigos verdadeiros. E monstros como ela merecem estar presos como estava naquele momento.

Presa como um verdadeiro pássaro.

 Encheu os olhos de lágrimas, as contendo antes de caírem de seus olhos. Sim, era um trocadilho horrível, ela sabia, mas sabia que o garoto por baixo da máscara verde do miraculous da tartaruga não deixaria de lado. Ele faria de tudo para fazê-la rir mesmo numa situação perigosa como aquela. Arriscando um olhar de soslaio para o moreno que ainda mantinha distância de sua presença sentiu o rosto se encharcar com uma memória há muito guardada dentro do resto de seu coração.

Uma música. A música dos dois. A mesma música que tocava no rádio a primeira vez que se viram e algo se acendeu dentro de ambos.

Fechou os olhos se lembrando com clareza da melodia da canção. Cada nota, cada acorde do violão preencheu sua mente enquanto seu rosto e seu uniforme se molhavam com suas lágrimas.

Quando você está por conta própria

Se afogando sozinho

e você precisa de uma corda
que possa puxá-lo de volta 

Alguém vai jogá-la

A letra da música saiu com dificuldade de sua garganta e logo foi interrompida com os soluços apertados da ruiva. A canção era um dueto, mas a mesma não tinha voz para continuar. Estava prestes a se isolar e esquecer a tormenta de emoções que lhe assolava quando foi interrompida por um murmúrio baixo. Sentiu mais lágrimas caírem de seu rosto ainda com os olhos fechados.

E quando você está com medo

De que você vai quebrar

E você precisa de uma maneira

De se sentir forte novamente

Alguém saberá

Kattie abriu os olhos azuis esverdeados e olhou para o parceiro que ainda estava de costas se virar  e olhar na sua direção. Seus olhos castanhos fizeram seu coração se aquecer. Ele estava cantando com ela. Cantando a música de ambos. Deu um suspiro fraco e pouco a pouco sentiu a pressão em sua cabeça sumir.

E mesmo quando dói demais

Tentar ter um pouco de esperança

Que alguém vai estar lá

Quando você não fez

Quando você não esteve

Se você quer chorar

Eu serei seu ombro

Se você quer rir

Eu serei o seu sorriso

Se você quer voar

Eu serei seu céu

Tudo o que você precisar

É o que eu vou ser

Você pode vir a mim

Louis viu sua parceira tão corajosa e destemida se entregar as lágrimas a sua frente. Aquela música era demais para ela e para ele também. O moreno também lutara para não chorar até aquele momento, mas ao mirar Kattie tão frágil e tão sensível a poucos metros longe de si toda a resistência que tinha foi extinta. Toda a dor que sentia, toda a raiva pelo que a garota havia lhe dito poucas horas atrás e toda tristeza por ser julgado pela ruiva desapareceu. Sentiu o coração arder em seu peito e não hesitou em correr ao seu encontro para lhe dar um abraço reconfortante. Mesmo que não quisesse admitir o mesmo deixou algumas lágrimas escaparem de seus olhos quando a ruiva afundou seu rosto em seu uniforme.  

— Eu estraguei tudo Louis. Eu... Eu sou um monstro. – ele a ouviu dizer entre a respiração pesada e os pequenos soluços abafados pelo corpo do portador da tartaruga. – Eu magoei você, briguei com todos os outros, quase arranquei o cabelo da Chole e ainda por cima destruí a amizade do nosso grupo. Eu... Eu...  

— Shh. – Tortoise disse silenciando a alma desesperada da ave em seus braços. Fechou os olhos sentindo cada soluço sofrido e apertado sair da garganta de Kattie ir até os seus ouvidos como um golpe da Rainha do Estilo. Ele não iria deixar que a garota da sua vida escorregasse entre seus dedos novamente. Abaixou a cabeça até o ouvido da ruiva e continuou: - Não interessa o que aconteceu Kat, esqueça o passado. Eu estou aqui. O meu coração é seu e, se você quiser, você pode magoá-lo quantas vezes você quiser, pode machucá-lo quantas vezes for necessário, mas nada disso vai mudar o que eu sinto por você. Nada vai mudar o que os nossos amigos acham de você. Porque o nome disso é amor e ele suporta todas as coisas mais horríveis que você pensar.

Mais uma vez o silêncio foi o elemento que entrou em cena. Porém daquela vez era diferente. Era um silêncio consolador, que só provava a ambos que compartilhavam o mesmo sentimento dentro dos cacos em seus corações estilhaçados. Paon levantou o olhar e encarou o melhor amigo assimilando o que ele havia acabado de dizer. Não ousou se mexer quando o moreno secou seu rosto com os polegares como se ela fosse feita do vidro mais frágil do mundo. Ele havia dito que seu coração era dela. Não importava o quanto ela errasse nem o quanto ela pudesse magoá-lo. Ele sempre estaria ali.

Quando ele a ajudou a se levantar Kattie teve certeza de uma coisa. O que sentia dentro de si não era apenas mais um sentimento comum e qualquer. Era algo muito maior que ela não tinha controle. Mas o que poderia ser? Ela não conseguia acreditar que o que crescia dentro de si havia começado com uma amizade. Mas não era assim com todos os outros?

— Porque Louis? – perguntou encarando-o profundamente. – Eu fui tão estúpida até algumas horas atrás, principalmente com você.

O moreno apenas sorriu com tamanha cara de dúvida de sua heroína. Um sorriso carinhoso. Segurou uma das mãos da mesma e beijou suas costas. A garota arqueou as sobrancelhas. Ainda estava confusa com as atitudes do rapaz e nem percebeu quando sua outra mão pousou em sua cintura com delicadeza.

Você luta interiormente

Perde sua própria mente

Lutando e tentando para ser você mesma

Kattie deixou um fraco sorriso escapar de seus lábios. A letra da canção dizia tudo o que ambos não conseguiam expressar e aquela pequena estrofe retratava exatamente como a garota estava se sentindo naquele momento. Balançou a cabeça e acompanhou a tartaruga, encostando ambas as testas uma na outra e sentindo a respiração lenta contra seu rosto. 

No frio sem ter para onde ir

Se sentindo como se ninguém pudesse te entender

Então, alguém faz com que você pare

Então, respire, então te deixa ir

Tente ter um pouco de esperança

Porque alguém vai ser

Quando você não foi

Se você quer chorar

Eu serei seu ombro

Se você quer rir

Eu serei o seu sorriso

Se você quer voar

Eu serei seu céu

Tudo o que você precisa

É o que eu vou ser

Você pode vir a mim

Como a cadeia nunca quebra

Como uma verdade que nunca se curva

Como uma cola que pega um coração partido e o coloca de volta no lugar

É um sentimento que você obtém

É o momento em que você sabe

Isso não importa o que o futuro nos reserva

Você nunca vai estar sozinho

Se você quer chorar

Eu serei seu ombro

Se você quer rir

Eu serei o seu sorriso

Se você quer voar

Eu serei seu céu

Tudo o que você precisa

É o que eu vou ser.

Se você quer subir

Eu vou ser você escada

Se você quer rodar

Eu vou ser o seu caminho

Se você quiser um amigo

Não importa quando

Tudo o que você precisar

É o que eu vou ser

Você pode vir a mim

Os murmúrios logo se transformaram em sussurros e quando Louis e a garota perceberam seus corpos estavam tão próximos que um podia sentir o coração do outro batendo em meio o silêncio que rodeava a prisão de Style Queen. Sorrindo com os olhos fechados novamente, Kattie sussurrou a última frase da música para Tortoise a sua frente.

Você pode vir a mim

Yeah

— Eu amo você Kattie. – o moreno soltou após alguns segundos do término da sua canção favorita. Sentiu um arrepio em suas costas quando a ruiva abriu os olhos e tinha toda a certeza do mundo que aquilo não era frio. Balançou os ombros tentando disfarçar um pouco o rosto envergonhado. – Sabe, há muito tempo eu queria te dizer isso, mas sempre havia alguma coisa que me impedia antes.

— Bem... – Paon começou com um sorriso torto nos lábios e uma sobrancelha arqueada. – Como estamos aqui presos numa cela minúscula pelo resto da vida acho que ninguém mais pode te impedir de fazer nada... Ou pode?

— Você é incrível. – Louis respondeu com o mesmo sorriso no rosto enquanto aproximava-se um pouco mais da garota. Quando tocou o rosto da garota e afastou a franja bagunçada de seus olhos sua expressão mudou. – Mas só tem uma coisa que não quer calar.

— E o que seria? – Kattie indagou levemente preocupada.

— Será que essa tartaruga aqui finalmente vai poder roubar um beijo da ave azul ciano mais estonteante do universo? – a moreno perguntou franzindo a testa com um sorriso malicioso no rosto. A ruiva deu uma gargalhada e ao invés de ficar envergonhada imitou o sorriso do garoto a sua frente.

— Só tem um jeito de descobrir isso. – respondeu alargando o sorriso com a cara de surpresa do mesmo.

Sem perder mais nenhum segundo Louis fechou o restante de espaço que ainda havia entre seus corpos pousando os lábios sobre os da heroína azul a sua frente. A ruiva não hesitou em lhe retribuir, passando os dedos entre os cabelos castanhos do parceiro com carinho e tentando ser o mais controlada que conseguia naquele momento. Talvez não tenha adiantado muito, pois, no instante seguinte, sentiu os braços fortes e há tanto treinados do neto de Mestre Fu apertarem sua cintura levemente. Todo o controle, o pouco que tinha no caso, escorregou pelos seus dedos enquanto a ruiva sentia como se estivesse flutuando dentro da prisão de Style Queen. Uma explosão de pensamentos eclodiu em sua mente quando Louis aprofundou o beijo e suas línguas se encontraram por um pequeno momento.

Mas antes que a coisa ficasse mais séria algo separou ambos os heróis com um brilho avermelhado que os obrigou a cobrir os olhos com as mãos ocupadas. Paon conseguiu distinguir o que era aquilo. Parecia uma pedra. Arregalou os olhos quando notou o que tinha alcançado.

Uma pedra do Óraculo!

— Kattie, olhe. – Louis lhe chamou apontando para a esfera de cristal dourado que lentamente começava a desaparecer na frente dos dois. A ruiva olhou ao redor boquiaberta com o que estava acontecendo.

— Isso é inacreditável... – a mesma murmurou quando finalmente a prisão de Style Queen desaparecera totalmente. O brilho da pedra da coroa de Órion ainda permanecia brilhando suspensa no ar. Voltou seu olhar para o moreno de uniforme verde a sua frente. – Como?

Antes que se pudesse ouvir uma resposta do mesmo a heroína ouviu passos apressados cercando a escuridão onde apenas o pequeno brilho avermelhado iluminava. Rapidamente agarrou os leques em sua cintura e apoiou as costas nas de Louis que fazia o mesmo atrás de si. Ambos tinham mais do que tudo um motivo para continuar a seguir em frente. O amor. O amor que os dois carregavam dentro de si pelo outro e o que era suficiente para lutarem até o último suspiro de vida se fosse preciso. Mas o que os dois não esperavam é que um pequeno brilho amarelado surgisse não muito longe de onde estavam revelando duas pessoas correndo. Ou melhor, duas garotas.

Kattie sentiu um suspiro de alivio passar por seus lábios quando reconheceu Ladybug e Abelle vindo na direção onde ela e Louis estavam.

— Vocês estão bem? – a joaninha perguntou preocupada. A prisão de ambos também não estava mais ali. – Style Queen fez alguma coisa com vocês?

— Na verdade Ladybug ela nos fez sim. – Tortoise respondeu com um sorriso enquanto segurava os ombros da canadense com carinho. – Um favor.

— Favor? – Abelle indagou confusa e preocupada ao mesmo tempo. Olhou para a azulada parada ao seu lado dando um sorriso largo e arqueou uma sobrancelha. – Perdi alguma parte?

— A primeira parte até o fim, Chole. – Ladybug respondeu dando uma piscada e em seguida soltou uma gargalhada. – Olhe para eles. Tá na cara que eles enfim se acertaram.

— Se acertaram? – a loira repetiu seguindo o olhar da amiga. Enfim sentiu sua ficha cair quando ambos os garotos a sua frente deram um pequeno selinho entre risadas. – Ah, certo. Esse tipo de acerto. – soltou com um sorriso envergonhado.

— Fico muito feliz de você finalmente ter se declarado para esse pavão teimoso. – Marinette comentou lançando uma arqueada de sobrancelha para a mesma. – Eu te disse que nós não tínhamos nada Kat. Estava apenas tentando ajudar, mas acho que só atrapalhei vocês dois.

— Não Mari. – Paon interferiu com a cabeça abaixada. Não conseguia encará-la depois de tudo o que havia dito anteriormente. – A culpa foi só minha. Me desculpe ter falado coisas tão terríveis para você sobre aquela mentira da internet e insistido que você e o Louis tinham alguma coisa juntos. Eu estava sendo egoísta e quase destruí a amizade que você e os outros me ensinaram a ter. – a garota levantou o olhar arrependido na direção da mestiça e deu um fraco sorriso. – Eu não ficarei surpresa se você não me perdoar por isso.

— Todo mundo comete erros Kattie. – Abelle respondeu trocando um olhar com a joaninha que acenou para si de volta. – E mais do que nunca eu vejo que por mais errada que esteja, por mais ridícula e egoísta que você seja, mesmo pensando que jamais ninguém vai voltar a olhar para você todos nós temos uma segunda chance. Bem, você também. – a filha do prefeito terminou com um pequeno sorriso de canto na direção da ruiva.

— O que você me diz? Podemos ser amigos de novo? – Tortoise indagou para a heroína de azul com uma piscada brincalhona. A resposta que teve foi apenas uma pequena gargalhada da garota.

— Eu amo vocês meninas. – Kattie disse encontrando ambas num abraço que há muito tempo havia se escondido.

— Sabemos disso. – Ladybug afirmou olhando para a pequenina pedra vermelha desaparecer do lugar que estava. Aquilo estava sendo mais incrível do que poderia imaginar. – E foi por isso que aquela pedra do Oráculo apareceu para você e Louis. O amor de vocês é maior do que qualquer fúria da Rainha do Estilo.

— Agora só faltam mais duas! – Abelle comemorou se soltando das duas parceiras e dando leves batidinhas com ambas as mãos. – Se continuarmos assim vamos conseguir uma chance contra Style Queen.

— Para isso precisamos encontrar a Lila, a Bridgette e os irmãos Agreste. – Louis lembrou contando os que faltavam nos dedos com um sorriso sarcástico nos lábios. – Super fácil considerando que não sabemos nem onde nós estamos.

— Achei que não iria comentar isso querida tartaruga. – Marinette rebateu levantando o ioiô de sua cintura com uma risada. Na pequena tela circular estavam marcados exatamente quatro pontos em diversos locais diferentes de onde outros quatro pontos se localizavam, na parte inferior da tela. – Quando saímos da nossa prisão descobrimos que o calabouço não embaralha o sinal dos comunicadores da equipe. Foi fácil rastrear o sinal de vocês dois para chegar até aqui e dessa mesma forma é que vamos atrás dos outros. – a heroína continuou apertando duas das pintas negras de seu ioiô e fazendo os comunicadores dos outros três parceiros de combate apitarem. – As coordenadas dos outros estão com vocês. Quem chegar primeiro dá um sinal para os outros em... Quanto tempo falta para o mundo acabar? – indagou para Abelle.

— Uns quarenta e cinco minutos. – a abelha palpitou balançando a cabeça e calculando mentalmente o tempo que a última estrela demoraria para chegar em sua posição. – No máximo uma hora.

— Então dá tempo. – Ladybug afirmou voltando a olhar para o seu ioiô e para a dupla de heróis a sua frente. – Vou atrás da minha prima e dos Agreste. Achem a Volpina dupla da Tartaruga Azul.  

— Sim senhora, Lady Noir. – Louis rebateu com um aceno.

O tempo estava acabando e logo chegaria o momento em que todas aquelas brincadeiras fariam falta.