— Mantenha o foco Louis! Você precisa se concentrar mais! – Mestre Fu havia repetido mais uma vez quando o garoto não conseguiu se desviar do golpe que havia lhe dado. – Como ser Tortoise você quer se não praticar e tentar ser o que seus antepassados foram?

— Vô... Quer dizer, mestre... Não podemos parar um pouco? Acho que por hoje já deu. – o garoto perguntou jogado no chão. Estava cansado.

— Certo. – o chinês soltou arrumando as coisas no quarto improvisado do mesmo. – Mas não se esqueça, amanhã faremos de novo. E espero que melhor seja seu desempenho.

E batendo levemente a porta o mestre saiu do quarto fazendo o garoto dar um suspiro de alívio. Finalmente!

Desde que descobrira que seu avô paterno era seu único parente vivo Louis fazia de tudo para agradar o mesmo. Se esforçava ao máximo para honrar o nome de sua família e ser aquilo que o velho chinês desejava que ele fosse. Mas nada é fácil para uma pessoa que passou metade de sua vida preso num orfanato para descobrir mais tarde que os próprios pais morreram em um acidente de carro e que tinha apenas um de seus parentes que podia acolhê-lo. Louis tinha oito anos quando se mudou para o Canadá com seus pais. Haviam comprado uma casa no centro que ficava próxima de um zoológico da cidade de Toronto. Era um lugar maravilhoso para sair ou simplesmente conhecer aquele país tão esquecido pelo mundo.

Foi naquele mesmo dia que ela a conheceu. Kattie O’Green. O mesmo se lembrava daquele momento como se fosse a primeira vez que tinham se conhecido. Ele havia se afastado de seus pais para admirar as girafas e não viu um carrinho de sorvete desgovernado vindo em sua direção. Poderia ter sido atropelado e se machucado gravemente apenas por ser lerdo o suficiente para não ouvir as pessoas gritando. Quando finalmente olhou para trás percebeu que o carrinho estava praticamente encima de si e paralisou no mesmo lugar. Então subitamente alguém lhe empurrou e caiu sobre si, fazendo com que o carinho batesse no pequeno muro que cercava as girafas e parasse ali. Logo identificou os olhos mais bonitos e preocupados que já havia visto em toda a sua vida.

“– Você está bem?”

Eram os olhos mais lindos que já tinha visto até ali. Tanto que logo o moreno se viu brevemente perdido naquela linda imensidão azul esverdeada e permaneceu em silêncio. As palavras não saiam de sua boca. Então ouviu sua doce voz dizendo seu nome. Kattie. Um nome que mais tarde significou muito para ele.

Após o acidente de carro de seus pais, a assistência social fez com que Louis fosse afastado de tudo e de todos. Dentro do orfanato muitas coisas ruins aconteceram com o garoto. Alguns garotos mais velhos do que ele faziam todo o tipo de brincadeiras maldosas e sempre colocavam a culpa no moreno. Várias vezes sonhou estar de volta aquele lugar horrendo e se levantava durante a madrugada com medo de não ser apenas um sonho. Nunca mais queria sofrer daquela maneira.

Por isso precisava agradecer e dar o máximo de si por Niakamo-Fu. Ele fora o seu salvador de um verdadeiro inferno em que vivia. Não tinha palavras para agradecer o que fizera por ele.

— Mestre Louis... Acho que tem alguém querendo falar com o senhor. – Wayzz, um pequeno ser verde com aparência de tartaruga disse encarando o celular do garoto sobre a cama.

Louis gemeu. Seu corpo todo estava doendo e ele sentia que não tinha forças nem para se mexer. Respirou fundo e franziu a testa.

— Quem é Wayzz? – perguntou torcendo para que não fosse nenhuma emergência ou algo do tipo.

— Parecem ser da senhorita O’Green. – o kwami respondeu tocando levemente a tela do aparelho.

— Kattie? – repetiu dando um salto do chão e correndo até sua cama de solteiro. – 47 mensagens não lidas?

— Engraçado como só pronunciar o seu nome o senhor se dispõe a fazer as coisas mestre Louis. – o kwami provocou com um sorriso divertido. Por mais que tentasse esconder o rosto corado, Wayzz pôde ver a confirmação do que falara. – Será que aconteceu alguma coisa?

— Eu realmente espero que não. – Louis respondeu perplexo.

E se alguma coisa tivesse sim acontecido com a garota? E se as 47 mensagens fossem mensagens de socorro ou lhe pedindo ajuda? E se a ruiva de seus sonhos tivesse sido atacada por algum bandido ou maníaco e estivesse ferida? Ou pior? O coração do moreno batia descompassado em seu peito e sua mente estava girando. Jamais se perdoaria se algo acontecesse com seu lindo pássaro azul. Rapidamente destravou a tela de seu celular e tocou no contato de Kattie. Ligou uma vez. Nada. Ligou novamente. Nada. Tentou mais três vezes e só dava caixa postal. O desespero começava a tomar conta de si enquanto Louis passava a mão nervosamente pelos cabelos. Precisava encontrá-la. Precisava saber que estava tudo bem.

Fortes batidas em sua porta fizeram com que o garoto voltasse ao mundo real e saísse de seu choque de preocupação. Prendeu a respiração e olhou para o kwami dizendo em seu olhar “Se esconde antes que alguém te veja”. Wayzz afirmou com sua cabeça e se escondeu atrás do pequeno computador sobre uma cômoda, perto da única janela do quarto. O moreno respirou fundo enquanto ouvia as batidas impacientes em sua porta continuarem. Olhou para a mesma e em seguida para seu celular. Seja lá quem fosse não era mais importante do que encontrar Kattie.

— Eu já disse que estou cansado vô... Não podemos deixar isso para amanhã? – gritou esperando ouvir uma reclamação do chinês. Olhou para o seu miraculous da tartaruga e para a janela do quarto. – Eu tenho que resolver uma coisa importante agora.

— Louis Ruppert Yaosaka é melhor você abrir essa porta antes que eu perca a minha paciência e coloque ela abaixo! – a pessoa por trás da porta gritou irritada.

Um alívio percorreu todo o corpo do garoto e uma gargalhada saiu de sua boca. Com agilidade abriu a porta e deixou uma ruiva mais baixa do que ele furiosa entrar no cômodo. Fechou a porta com cuidado e foi fuzilado pelo olhar da garota. Seu olhar dizia várias coisas. Tipo “Quem era mais importante do que eu para não responder nenhuma das minhas mensagens?” ou então “Você é realmente um traste seu idiota”, entre piores traduções que Louis conhecia muito bem.

— Eu posso explicar. – disse erguendo as mãos para cima.

— Estou ouvindo. – a ruiva disse cruzando os braços e arqueando as sobrancelhas.

— Meu avô teve a brilhante ideia de me treinar durante as férias para que eu me torne um bom super-herói como Tortoise que ele foi antigamente. – Louis explicou vendo Dusuu, o kwami do pavão, desaparecer com Wayzz. – Estou na primeira semana e não aguento mais... Quando fui ver você já tinha mandado todas aquelas mensagens. Até liguei algumas vezes para você, mas só dava caixa postal.

— Entendi. – Kattie disse com um sorriso de canto. – Enfim, eu precisava falar com você. É um assunto urgente.

— Estou ouvindo. – o garoto respondeu se sentando em sua cama e observando a garota parada em sua cadeira de rodinhas.

— Há algum tempo eu venho tendo alguns sonhos... Pesadelos... Com uma mulher dourada usando uma coroa estranha. – começou mexendo as mãos sem jeito. – Pode parecer engraçado, mas não consigo dormir direito. Estou acordando a uma semana inteira durante a madrugada.

— Você também?... – o garoto murmurou encarando o nada por alguns segundos. A mesma o encarou confusa. – Há alguns dias também tenho visto essa mulher nos meus sonhos. Sempre acordo com a sensação de estar sendo vigiado e não consigo dormir direito depois.

— Exato. – Kattie concordou pegando algo de seu bolso e deixando sua mão fechada. – Prometa que não vai rir do que eu vou falar agora. Prometa Yaosaka!

— Tá bom, eu prometo Kat. – disse levantando as mãos.

— Bem... Esses dias eu tive um sonho com ela de novo. Achei um papel que dizia “Nem tudo é o que parece ser” jogado no chão da minha casa... No sonho ainda. – a ruiva contou encarando os olhos castanhos de Louis a sua frente. – Alguma coisa aconteceu e aquele papel se transformou em um colar com um pingente dourado em forma de um cristal. Eu achei que tinha sido só um sonho quando acordei.

— E não foi? – Louis indagou preocupado enquanto a garota empalidecia rapidamente. – Kattie, o que aconteceu?

Então, abrindo a mão mostrou o que havia acabado de falar.

 O pingente dourado estava diante dos dois.

— Isso aconteceu Louis. – disse com a voz trêmula. – Eu... Eu preciso da sua ajuda para tentar descobrir alguma coisa sobre esse pingente. Ele tem que ter algum significado. Não pode simplesmente ter aparecido para mim desse jeito.

— Eu... Eu... – Louis balbuciou encarando o objeto a sua frente. Respirou fundo algumas vezes e massageou as têmporas. – Kattie isso é ridículo... Como algo do seu sonho pode ter simplesmente aparecido em cima da sua escrivaninha? Tem certeza que você não tinha esse colar antes do seu pesadelo?

— Não, eu tenho certeza que eu não tinha. – a ruiva insistiu revirando os olhos. – Você acha mesmo que eu compraria algo desse tipo?

— Não Kat eu só...

— Olha aqui Louis. Essa pode ser a pista de que alguma coisa de estranho possa estar para acontecer em Paris. – a garota disse, explicando uma hipótese que se prendera em sua mente. Se levantou da cadeira de rodinhas e se sentou ao lado do moreno. – Pense. Talvez essa seja a única maneira de prevenirmos algum ataque ou algo do tipo. Por favor... Eu preciso de você.

O garoto ficou em silêncio por alguns minutos que pareciam uma eternidade para Kattie. Ela precisava de alguém para ajuda-la a investigar o que estava acontecendo e seu melhor amigo era o único que poderia fazer tal coisa.

— Certo. Vou te ajudar. – disse por fim.

***

A noite havia chegado e com ela o sono. A ruiva conseguira convencer seus pais e o avô de Louis para dormir na casa do garoto aquela noite. O seu plano estava sendo colocado em prática e ambos ficaram até altas horas da madrugada pesquisando possíveis respostas sobre o estranho paradeiro do pingente. Depois de muita persistência do moreno, ele conseguira convencer Kattie de dormir em sua cama enquanto arrumava outra improvisada para si mesmo. Após alguns minutos de conversa a mesma havia dormido. Estava cansada.

Com cuidado, Louis a cobriu com seu edredom xadrez e deu um pequeno sorriso. Não era um sonho. Estava realmente estava diante dele. Hesitou por um momento. Poderia se arrepender do que iria fazer, mas não perderia mais aquela oportunidade.

Tocou levemente os cabelos ruivos de sua melhor amiga e os arrumou para trás. Sua beleza era estonteante. Deu um suspiro triste e encarou a mesma dormindo tranquilamente. Logo uma frase que ela havia dito algumas horas atrás voltou a sua mente.

“Pode parecer meio brega Louis... – disse dando uma gargalhada. – Mas quando estou com você sinto como se nada de ruim pudesse acontecer comigo. Me sinto protegida.”  

— Você acha que ele pode estar se reerguendo novamente mestre? – Wayzz perguntou ao garoto que agora era seu novo portador.

— Acho isso bem improvável. – afirmou com a voz baixa. Não queria acordar sua ruiva aquela hora da madrugada, não depois de todo o esforço que ela havia feito. – Hawk Moth foi destruído. Seja lá o que isso for... É algo bem pior que ele.

— E como nós vamos derrotar algo que nem ao menos sabemos o que é senhor Louis? – o pequeno kwami de pavão perguntou, iluminado pela fraca luz da lua. O moreno deu um sorriso fraco e acariciou a cabeça do mesmo.

— Eu não sei Duusu. – Louis respondeu encarando o horizonte se aproximar aos poucos. – Mas eu sei que encontraremos um jeito. Afinal, o que mais pode dar errado?

O quarto voltou a ficar em silêncio, mas algo ainda perturbava o coração de Louis. Ele só não sabia se era o fato de estar sendo ameaçado por um vilão que nem ao menos podia ver, ou, se era porque mais uma vez na sua vida podia observar Kattie O’Greens dormindo no mesmo quarto que ele. Sua presença era perturbadora e fazia seu coração pular. Acomodou-se em sua cama enquanto o kwami da ruiva se escondia nos cabelos soltos da garota novamente. Precisava controlar seus sentimentos antes que isso se tornasse um problema.

Afinal... Aquilo poderia ser muito útil para algumas pessoas.