Crônicas de uma jornalista escrita por Andrew Ferris


Capítulo 3
Entrevista com um maníaco


Notas iniciais do capítulo

Prontos para mais uma crônica?



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Vamos começar de maneira bem clara. Mais de um ano depois de ter passado pelas minha terríveis experiências em Gotham (exceto conhecer o senhor Wayne, que ainda não tinha certeza se havia sido interessante ou não conhecê-lo), meu chefe exigiu meu retorno imediato. Fazia seis meses que não publicava nada de "interessante" na opinião do editor. Ele queria mais do que inaugurações de instituições e declarações de senadores sobre a situação da segurança pública. Gotham estava roubando a atenção das revistas e jornais de todo o país, inclusive na televisão. Não que nunca tivesse sido assim, mas antes, o que chamava a atenção eram os noticiários de crimes violentos ou envolvendo suspeitas de envolvimento de policiais e advogados, ou mesmo a morte de um deles. Gotham parecia dominada pelo crime. Depois do que a imprensa literalmente chamou de Ano Um, as coisas nunca mais foram as mesmas. Boatos surgiram sobre uma criatura que andava criminosos, espancava criminosos e desaparecia feito mágica. Alguns diziam que era um vampiro que se alimentava do sangue dos bandidos, outros que era um demônio que vinha cobrar a maldade de volta. Fosse religioso, ateu, político, repórter ou policial, os rumores eram os mesmos. Até a prisão de Carmine Falcone quatro meses atrás, quando houve a confirmação de que havia um vigilante mascarado em Gotham. As notícias correram, nos meses seguintes ocorreu a prisão de quase duzentos criminosos. Cafetões envolvidos com a máfia, traficantes, assaltantes simples e os mais ousados, além de outros criminosos, uma coisa que Gotham aparentemente tinha se tornado mestra em criar, criminosos insanos. Ouvi falar que o Asilo Arkham mantinha agora mais presos insanos do que malucos comuns, do tipo que simplesmente dão surtos psicóticos. Com a confirmação da existência de um Morcego vigilante, o que todos os editores queriam era alguém que ousasse pisar na cidade para trazer um pouco disso. A vantagem do meu editor era que eu já tinha morado em Gotham, então eu era sua única chance de mostrar o que todos queriam. Depois de recusar inúmeras vezes e de seguidos cafés em lanchonetes nas principais avenidas de Metropolis, ele finalmente conseguiu me convencer a ir lá de tanta persistência.
— Eu vou, mas quero um aumento, e sua garantia de que nunca mais vou precisar voltar naquele inferno - O editor sorriu animado e assentiu.
— Traga o que eles querem e terá o que quiser.
— Um apartamento novo seria legal - Rimos juntos - O que as pessoas querem afinal? Que eu entreviste o vigilante?
— Não. Quero que entreviste um dos criminosos insanos que foi preso nos últimos meses - Dou uma risada tão viva que chego a passar vergonha.
— Está louco? Não vou àquela cidade para morrer.
— Eu já liguei para lá e providenciei tudo. Vão colocá-la numa sala segura, cheia de seguranças e o maluco logicamente vai estar algemado nos pés e mãos.
— Então você esperava me convencer hoje? - Pergunto indignada.
— Esperava. Achei que estivesse se acostumando com a ideia - Explica sem excrúpulos.
— Não Ben, não posso - Aquela ideia era, no mínimo, suicida.
— Pode sim. Você é a jornalista mais corajosa que conheço. Ninguém pode fazer esse trabalho além de você - Ele pausa e segura minha mão - Ninguém consegue fazer isso além de você.
— Uma matéria - Confirmo respirando fundo.
— Uma entrevista - Completa Ben sorrindo de entusiasmo.
— Pois bem, eu irei.
— Talvez consiga um Pulitzer quando voltar - Me avisa para me encorajar.
— Eu sempre quis um Pulitzer.
— Então essa é a sua chance - Assim que arrumei minhas coisas em duas malas, peguei um táxi e fui até o terminal rodoviário, pegando um ônibus direto para Gotham, cuja passagem meu editor entregou assim que saímos da lanchonete, então parti outra vez para a cidade que tinha jurado nunca mais pisar. Enquanto me aproximava do terminal de Gotham, parei para pensar no senhor Wayne, como ele estaria depois de todo esse tempo? - Respiro fundo e deixo esse pensamento vagar para longe com todo o resto, estava de volta, estava em casa, e nada podia mudar isso. Assim que desço do ônibus percebo que há algumas duplas de homens ao longo das plataformas, policiais à paisana? Isso era novidade, desde quando a polícia de Gotham era tão ousada? Como de costume, encontro alguns mendigos embaixo das pontes, mas eles estavam diferentes, pareciam incomodados com alguma coisa. Quando passei por uma das ruas da parte pobre que conhecia tão bem, esperava olhar para os rostos desamparados das senhoras e muitas delas vazias ao imvés de repletas de crianças, mas foi justamente o contrário. Estavam alegres, esperançosas, como nos velhos tempos, e as crianças voltavam a brincar nas ruas. O que estava acontecendo por ali? Assim que encontro o hotel onde eu deveria me hospedar, percebo que ele tinha um certo luxo.
— Boa tarde - Cumprimento o recepcionista - Sabe me dizer onde fica o quarto trinta e sete? Foi reservado por Benjamin Walter.
— Sim, senhorita?
— Turler.
— Ótimo. Estava esperando a sua chegada - Ele procura alguém atrás de mim e grita - Betsy - Ela se aproxima, cabelos ruivos cacheados e olhos escuros, além de uma silhueta digna de modelo.
— O que foi Brendan?
— Poderia levar a senhorita Turler ao quarto dela?
— Claro. Venha comigo - Pede a jovem se dirigindo so salão principal. Entramos no elevador e vamos ao quarto andar. Assim que saímos, vejo que é um pouco mais luxuoso do que imaginei, mesmo assim fingi que aquilo era normal.
— Este é o seu quarto - Diz apontando para o número trinta e sete estampado na porta - Desejamos uma boa estadia.
— Obrigada, qualquer coisa eu chamo.
— Pode chamar mesmo - Betsy sorri amigavelmente, mas quando vou entrar e ela se retira uma vizinha aparece.
— Boa tarde - Diz uma senhora de setenta e alguns anos com uma expressão bondosa, óculos pequenos e vestido beje.
— Boa tarde - Respondi de volta.
— Sou do trinta e oito.
— Eu posso ver - Falei dando uma risada de leve.
— Se precisar de qualquer coisa, pode falar comigo, certo?
— Certo - Quando entro no meu quarto, fico contente em saber que Ben tinha se preocupado tanto comigo. Uma das poucas pessoas que se preocupava comigo, mas não fazia o meu tipo, quer dizer, nunca soube muito qual era o meu tipo, nunca tive um namorado, nunca achei o cara certo. Depois de trocar de roupa e ler algumas matérias do jornal da cidade e os noticiários do Gotham Times, decidi tomar um pouco de ar fresco. Meu editor liga mais tarde e diz que já decidiu quem quer que eu entreviste.
— Quem? - Pergunto sem curiosidade, apenas pressa.
— Jonathan Crane, antigo doutor. Psicanalista e psiquiatra do Arkham antes de descobrirem que fazia experimentos ilegais para indução de alucinações tanto em pacientes quanto em pessoas do lado externo. Foi desmaracado por sua ligação com o narcotráfico, dizem ser grande aliado de Falconi.
— Como é que é? - Pergunto sem conseguir acreditar - Quer que eu entreviste um maluco que trabalha pra organização criminosa que controla Gotham?
— Que controlava Gotham - Corrige Ben com paciência - Ele é a chave de tudo. Se ele ao menos citar o que caiu e contar quem é o novo chefão do crime teremos tudo que precisamos para dominarmos as vendas de jornais.
— Isso não parece boa ideia - Insisto chateada.
— Eu preparei tudo pra você. Vai ficar tudo bem, prometo.
— Essa sua voz firme sempre me convence - Confirmo constrangida.
— Quanto mais rápido fizer seu trabalho, mais rápido sairá de Gotham, então mande ver - A novidade me deixou animada, então decidi que no pôr do sol iria ao Arkham. Assim que me troquei, vestindo uma saia marrom até pouco depois do joelho, uma camisa branca e um blaser por cima, liguei à central de atendimento do Asilo Arkham, onde me trataram muito bem e disseram que meu editor tinha ligado para eles mais cedo e requisitado os cuidados especiais, perguntaram apenas qual seria o paciente que eu iria entrevistar.
— Jonathan Crane.
— Paciente 2098, confirmado - Responde o atendente do outro lado da linha - Posso marcar para amanhã às duas da tarde?
— Não. Quanto mais rápido, melhor.
— Que horário a senhorita tem intenção de vir?
— Hoje o mais cedo que puder.
— É muito em cima da hora, se puder esperar pelo menos duas horas para vir eu agradeceria.
— Certo. Eu aguardo seu retorno.
— Até breve, senhorita Turler. Depois de comer e assistir uma reportagem sobre o mais novo tenente da polícia de Gotham e seu envolvimento na "Operação Antiromana" (nome que deram aos esforços para acabar com a máfia de Falconi), recebi uma ligação do mesmo atendente.
— Já pode vir senhorita Turler - Pego um táxi e depois de algum tempo chego em frente a um portão levemente enferrujado com uma placa pequena ao lado dizendo "Asilo Arkham para criminosos insanos".
— Obrigada - Entrego o valor ao taxista, que torna a dirigir sem se pronunciar. Quando chego na recepção do sanatório sou atendida por um senhor com cerca de cinquenta anos, que sorri ao me ver.
— Senhorita Turler?
— Isso mesmo. Está tudo pronto?
— Tudo. Podemos ir? - Depois da revista sou guiada por uma série de corredores até uma sala que parecis ficar na beirada do prédio, do tamanho de uma sala de apartamento, onde quatro seguranças já aguardavam do lado de dentro - Esse é o lugar - Me avisa abrindo a porta. Havia duas cadeiras dispostas e uma mesa, então sentei e aguardei - O paciente está vindo.
— Ótimo - Escuto um arrastar de correntes, então o vejo entrar ma sala segurado por dois guardas. Primeiro, as longas correntes presas em suas mãos são presas em ganchos e cadeados no chão, em seguida são as correntes dos pés que passam pelo mesmo processo. Assim, se ele tentasse aproximar a cabeça de mim falharia miseravelmente.
— O senhor é o doutor Jonathan Crane. Ex-psicólogo e psicanalista líder do Asilo Arkham, isso procede? - Ele me encara com uma expressão paranoica, mas não diz nada - Senhor Crane, também ouvi falar que o senhor é um criminoso que fazia experiências ilegais com pessoas insanas e comuns, isso também procede? - Ele continua em silêncio, foi quando percebi que não seria tão fácil quanto eu imaginava - Senhor Crane, por que não fala um pouco comigo? - Ele permanece em silêncio - Se me ajudar eu posso ajudá-lo, não gostaria de tirar um pouco essas algemas?  - Ele me encara outra vez, mas agora com uma expressão pensativa - Que tal um trato? Pode ser?
— Eu não vou falar enquanto eles estiverem aqui - Declara Crane sentindo claro incômodo com a presença dos guardas.
— Pode deixar, eles vão sair - Respondo aumentando meu tom de voz.
— Não podemos sair senhorita, é um protocolo a se seguir.
— Pro inferno com seus protocolos, eu tenho um trabalho a cumprir e nada vai me atrapalhar. Se quer cumprir seu trabalho, pelo menos saia da sala, fique com os outros do lado de fora, eu sei me cuidar. E parece que ele só quer conversar.
— Vamos encostar a porta, qualquer coisa chame - Pede levando os demais seguranças para fora da sala.
— Pronto Crane, agora me diga o que quero saber.
— Ainda não entendi o que deseja.
— Quero saber quem é o novo chefão das gangues de Gotham City - Crane me encara com diversão e começa a rir com alegria.
— Quer saber quem é o novo chefão?
— Isso.
— Por acaso vai fazer alguma diferença se eu disser?
— Na verdade - Me interrompo com meus devaneios, de fato não mudaria nada saber quem é o chefe das gangues - Já que não faz diferença, poderia simplesmente me dizer, é que sou muito curiosa.
— Ele é pior do que qualquer outro, não suporta qualquer pessoa mais esperta por perto que já mete uma bala na sua cabeça.
— Isso parece coisa de tirano - Comento.
— Ele é pior do que isso. Todos acham que o Morcego levou Falconi às autoridades, mas na verdade foi ele.
— O novo chefão?
— Exato.
— E suponho que ele vá se irritar se o nome dele vier a público?
— Sim, mas não faz diferença, por que ninguém o chama pelo nome, o chamam de chefe ou simplesmente de um apelido que herdou de sua atual condição.
— Atual condição?
— Sim, ele usa uma máscara na cabeça, dizem que o rosto dele foi queimado um tempo atrás por um maluco homicida que trabalhava pro Falconi. Resultado, ele se aproximou de todos e pegou o que sobrou pra ele.
— E qual é esse nome?
— Máscara Negra.
— Muito obrigada - Ele sorri para mim com diversão - Sabe, você não parece tão pirado.
— Piração é minha especialidade. O que torna irônico essa situação é acharem que o que eu faço é loucura - Confessa indignado.
— E por qual motivo não seria?
— Por que o que eu faço ajuda a explorar, a desvendar os mistérios da mente humana. Uso a única ferramenta forte o suficiente para abrir qualquer mente e observá-la por dentro.
— Que ferramenta é essa?
— O medo. Todos sentem e todos mostram quem são de verdade quando experimentam. Eu simplesmente liberto as pessoas de si próprias. Que culpa temho eu se tem tanta gente maluca no mundo? Que simplesmente cede aos medos?
— E suponho que você não tenha medo de nada - Falo com ironia, então vejo ele olhar para a sombra na oarede, chegando a focá-la por algum tempo antes de voltar a falar - Eu tenho medo, mas eu sei como fazê-lo ir embora.
— E como você faz?
— Eu passo a conhecê-lo intimamente - Ele se ajeita na cadeira com um leve desconforto - Não vai anotar o que te falei?
— Não preciso de bloco de notas, a história já foi registrada na minha memória, e não vai difícil lembrá-la na hora de escrever - Me levanto e me preparo para sair da sala quando uma curiosidade me atinge de súbito e volto a olhar para Jonathan Crane - Só por curiosidade, de que você tem medo? - Ele sorri maliciosamente e começa a olhar para a sombra na sala com receio.
— Do Batman - Quando olho pelo vidro da sala e vejo o lado externo, uma forte corrente de fumaça se erguia pelos corredores, acertando também os seguranças, que começaram a chorar ou se debater de um lado para o outro. Alguns simplesmente desmaiaram ou saíram correndo, mas tldos agiam de forma muito estranha.
— Que merda foi essa? - Pergunto em pânico.
— É meu método mais eficiente, se chama toxina do medo 27-W. Modifiquei alguns compostos para tornar o reagente mais funcional e denso, sendo absorvido pelos pulmões com mais facilidade - Ele fala isso de maneira quase científica enquanto tiro meu blaser e cubro o rosto para conseguir sair da sala.
— Não faça isso, querida - Grita Crane revoltado - Inspire a fumaça, se liberte de si própria - À medida que caminho pelos corredores onde a visibilidade era quase nula, encontro um jovem de cabelos ruivos que cobria o rosto com uma máscara própria e assistia imóvel o assassinato de um segurança, cuja garganta era cortada por um careca musculoso de mais de dois metros de altura. Ele se vira para o jovem, mas eu o puxo pela mão e corremos para nos distanciarmos, até que tropeço num fio cortado e caio no chão. Vários pacientes do Arkham notam nossa presença e se aproximam, mas as luzes se apagam e não conseguimos ver mais nada além das luzes de emergência.
— Consegue correr? - Pergunto pro jovem, que balança a cabeça positivamente e começa a correr comigo em direção à saída de emergência mais próxima enquanto ruídos e movimentos de luta aconteciam ao nosso redor. Havia uma guerra ali dentro, e estávamos escapando de ser as vítimas civis dela. Que diabos estava acontecendo ali?


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Notas finais do capítulo

Será que Crane vai conseguir fugir do Arkham?



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