Certo, quem faltava, quem faltava? Até UkaTake era real, até as gerentes estavam na festa. Quem mais? Quem tinha sobrado?

—Por que você está olhando pra gente desse jeito? – perguntou Narita, o cenho franzido. Ao lado dele, Kinoshita estava com os braços cruzados.

—É, carequinha, algum problema?

Narita, Kinoshita e Ennoshita, com Noya e Tanaka, formavam a gangue dos secundaristas. Um simples grupo de amigos unido por um interesse em comum. Mas Tanaka deixara de ser aquele jovem inocente que achava que grupos de amigos eram formados por quatro héteros e um gay. Aprendera que, na vida real, a proporção costumava ser de quatro gays para um hétero, e como tinha certeza quase absoluta de que era o heterossexual designado do time, não restava opção para Narita e Kinoshita.

—Tanaka. Sério. O que você está fazendo. – perguntou Ennoshita, nem impressionado nem incomodado, mas emanando a aura de um professor de primário que pegara o aluno pintando a mesa ao invés das folhas com desenhos.

Apesar dos olhos sonolentos, Ennoshita não era alguém a se ignorar; Tanaka tinha as sessões de tortu-aham, aulas de reforço para o acampamento em Tóquio frescas na memória. Parou de fazer a careta com a qual estivera encarando os amigos e de se inclinar na direção deles.

—Nada. – disse, tentando soar inocente. Ennoshita manteve a pose de professor de primário que não dormia o suficiente, então não deve ter funcionado. Ou talvez professores de primário fossem imunes a caras de dó e a testemunhos de inocência sem evidência material.

—Tem certeza?

Narita e Kinoshita mostraram a língua e fizeram gestos rudes com as mãos pelas costas de Ennoshita. Tanaka se conteve para não responder na mesma moeda.

—Absoluta.

Ennoshita não parecia convencido e tampouco parecia ligar. Deu de ombros e se afastou. Tanaka puxou a pele embaixo do olho com um dedo e deu a língua de volta para os dois, porque era um dragão e não fugia de provocações, mesmo que demorasse para revidar.

Eles tinham muito em comum, Narita e Kinoshita. Conheceram-se no primeiro ano pelo clube, que abandonaram por causa do velho treinador Ukai. Depois mudaram de ideia. Eram legais, apesar de Kinoshita chamar Tanaka de carequinha e de Narita ser um dos nerds das salas avançadas. Não enlouqueciam de frustração assistindo aos jogos do banco. Tanaka sempre os valorizara como jogadores, mas agora também admirava sua capacidade de ficar de pé em um retângulo de tinta branca. Aprendera bastante com as rotações novas.

Não eram nem de longe o casal mais surpreendente ou chocante que Tanaka encontrara (a experiência com Noya era imbatível), e faziam mais sentido que Tsukishima e Yamaguchi, por exemplo. Era muito fácil imaginá-los namorando, fazendo tudo o que já faziam, só que de mãos dadas. O golpe não era forte.

Kinoshita balançou a mão na frente do rosto de Tanaka.

—Tanaka, você está fazendo de novo. – avisou Narita, agora mais preocupado com o bem-estar do amigo do que com si próprio.

Tanaka relaxou a expressão. Deu um passo para frente de modo a ficar entre os dois e colocou uma mão no ombro de cada um.

—Eu aprovo. – falou, solene. -Tanaka-senpai aprova.

Narita e Kinoshita o empurraram.

—Você não é senpai de ninguém aqui, carequinha! – riu Kinoshita. -Tá delirando?

—Na boa, Tanaka, você está desidratado? Precisa de uma pausa?

Tanaka não fez caso das ações desrespeitosas. Eles agora tinham sua bênção. Podiam seguir com calma em qualquer que fosse o estágio do seu envolvimento amoroso, pois o grande Tanaka-senpai, futuro ace de Karasuno, considerava seu relacionamento aceitável - diferentemente de outros que fora obrigado a presenciar. Um dia aprenderiam o valor disso.

Ennoshita fez menção de se aproximar de novo, Narita e Kinoshita riam de alguma coisa que Tanaka não ouvira, e ele sentiu uma onda de sede devastadora. Correu para o Canto da Hidratação, longe dos outros secundaristas e perto de Noya, um posicionamento ideal.

—Noya-san. – sussurrou, fingindo procurar seu squeeze vermelho com estampa de tigre, bem visível entre plásticos leitosos. -O bromance do Narita e do Kinoshita é um romance.

Noya, afoito, juntou-se à busca pela garrafa, que estava do lado do seu joelho.

—Sério? E eles já sabem? – Noya acompanhara as descobertas de Tanaka e admirava sua capacidade de identificar as emoções alheias antes das pessoas que as sentiam.

—Não tenho certeza. Mas algo.— fez um gesto místico com a mão direita, o olhar vago, e Noya acenou em compreensão.

—Sei, sei. Eles têm – e imitou o gesto e a expressão de Tanaka, com total seriedade.

—O que é que vocês estão fazendo ao invés de praticar seus exercícios individuais. – disse a voz reprovadora de Daichi, e os dois paralisaram as mãos no ar. O capitão estava com os braços cruzados, o que nunca era bom sinal.

—Só procurando minha garrafa de água! – exclamou Tanaka.

—Ei, olha só, acabei de achar!

—Nossa, bro, valeu! Eu morreria de sede sem você!

—Ah bro, tenho certeza que você ia arranjar outro jeito de beber água! Eu acredito em você!

—Bro, você tem tanta fé em mim, eu-

—Treino. Agora. – ordenou Daichi.

Tanaka virou a garrafa inteira antes de sair correndo. O modo sério de Daichi fazia com que um instinto natural de medo secasse sua garganta.

O time costumava ir embora junto depois do treino, separando-se gradualmente em cruzamentos e esquinas. O percurso compartilhado dos secundaristas terminava quando Noya dobrava a quadra e chegava na porta de casa, Ennoshita seguia à esquerda até mudar de rua, Tanaka virava para o lado oposto com Kinoshita e Narita continuava reto. Porém, no dia da bênção, Narita foi para a direita. Tanaka parou de andar, confuso, e eles pararam também, olhando-o como se temessem a continuação das estranhices do treino.

—Narita. Você está confundindo o caminho para a sua casa. – apontou o dedo na direção certa, esperando que não fosse um caso de amnésia ocasionada por contato prolongado com a pessoa que ele gostava. Yachi tinha a forma crônica da doença, e envolvia muitos rubores que Tanaka não precisava ver no rosto de Narita.

Narita balançou a mão, “não se preocupe”.

—Eu vou dormir na casa do Kinoshita hoje.

Tanaka arregalou os olhos. Eles tinham esperado pela sua aprovação? Sentiu-se emocionado pela consideração e culpado por não tê-los abençoado antes.

—Ei, não fica assim, eu só vou ajudar com umas lições. Não estamos te excluindo nem nada. –Narita consolou, com tapinhas nas costas. Kinoshita se encheu de reconhecimento.

—Foi por isso que você ficou fazendo aquela cara mais cedo? Você ouviu a gente combinando e ficou chateado?

—Awn, Tanaka, seu ciumento!

—Vamos marcar um dia para todo mundo dormir lá em casa!

—Isso, isso! Mas outro dia, porque hoje vamos estudar, ok?

Tanaka assentiu, um pouco perdido e um pouquinho chateado, porque também precisava de ajuda com tarefas. Ele sempre precisava de ajuda com a tarefa. Nem sabia se tinha lição de casa até alguém lembrá-lo.

Narita e Kinoshita começaram a fazer planos para a grande noite do pijama. Chegaram na casa de Tanaka, que se despediu, e os dois continuaram a falar, animados como se não fizesse diferença se ele estava ali ou não.

Tanaka sentiu um aperto no peito. As crianças crescem tão rápido. As crianças se apaixonam e meio que namoram sem perceber e logo namorariam de verdade.

Balançou a cabeça, um sorriso melancólico no rosto, e entrou em casa.