A Herdeira de Zaatros escrita por GuiHeitor


Capítulo 5
Capítulo 4




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Trigésimo sexto dia do primeiro mês, ano 7302.

 

Cena I – O Encantador de Serpentes.

15 horas e 07 minutos. Reino Duende – Oroada. Zona costeira, sul da Ilha Pequena.

 

É sabido que os duendes são seres da paz, porém, quando se fala de híbridos meio-duendes, a situação se altera. A influência do outro sangue torna o ser mais instável, traiçoeiro e altamente corruptível. Um duende híbrido não compartilha dos ideais pacíficos de um duende puro.

 

O litoral, a extremo sul da Ilha Menor, encontrava-se deserto, exceto por duas criaturas: um humanoide, metade humano e metade duende, e uma cascavel-camaleão. O homem vestia roupas simples, mantinha o cabelo castanho claro, quase louro, curto e devia ter cerca de um metro e meio de altura.

Cascavéis-camaleão são animais raros, de alta periculosidade e de domesticação proibida em todos os seis reinos pelo Tratado de Controle de Criaturas instaurado pela União Real.

A princípio, idêntico a uma cascavel comum, mas, ao olhar mais atentamente, nota-se que na ponta da cauda, onde deveria existir o característico guizo, há, na verdade, um tipo de mão esquelética munida com garras compridas. O motivo do alto nível de periculosidade da serpente vai muito além das garras e da picada.

Cada animal comido pela cascavel-camaleão lhe dá o poder de se transformar em tal criatura e junto com a aparência física vêm também todas as habilidades.

Mas aquele híbrido estava disposto a infringir o tratado, estava disposto a mudar o mundo junto aos Guardiões das Chamas e, por isso, valia a pena cometer um único crime que o faria ser caçado em todos os seis reinos de Zaatros caso descoberto.

Então o homem se sentou em uma pedra, ao lado de sua mascote e, depois de uma rápida troca de olhares, o animal mergulhou no mar.

O homem empurrou sua canoa até a água, embarcou e pôs-se a remar. Caso houvesse mais alguém no momento e o visse remando uma canoa mar a dentro, certamente teria pena da alma torturada a ponto de desistir da vida, navegando mar a dentro em uma embarcação sem qualquer estrutura para cruzar grandes distâncias.

Mas o híbrido não remou por muito tempo.

Ao se afastar o suficiente da areia, recolheu os remos… em seguida, a singela embarcação começou a avançar sozinha e em alta velocidade sobre as águas profundas e arredias o bastante para afogar até mesmo os melhores nadadores.

Duas mãos esverdeadas seguravam a traseira da canoa e, mais atrás, uma cauda de peixe golpeava as ondas com violência.

Uma sereia dava impulso.

Uma cascavel-camaleão transformada em sereia dava impulso.

 

***

 

Cena II – Miragem e Ilusões.

18 horas e 30 minutos. Reino Anão – Ruthure. Novo Q.G. dos Guardiões das Chamas, cento e vinte quilômetros da fronteira com Ramavel.

 

—Minha família e eu estamos aqui para lhes dar as boas vindas. -Começou o Rei Rujavo Grutto. Ao seu lado estava a Rainha Conaro e os dois príncipes, Kodos e Diego, sendo este o herdeiro do trono. -Peço cautela nas próximas semanas. Em breve, reunir-me-ei com Rei Néfor e seus conselheiros para discutir sobre o nosso posicionamento diante desta situação. Pretendo declarar oposição à Mulher do Monte Nublado antes do sexagésimo dia deste mês.

—Nós lhe somos muito gratos, majestade. -Ezerk e os demais integrantes do clã sabiam que sem o apoio do rei o plano de libertação que buscavam, com certeza, fracassaria. -Vossa ajuda é vital para os propósitos dos Guardiões das Chamas.

—Certamente. Aqui estarão seguros desde que não sejam estúpidos o suficiente para atrair uma investigação da União Real. -O novo quartel-general, assim como o antigo, era uma caverna. Este, porém, muito mais amplo, equipado e fortificado. -Minha rainha tem algo a lhes oferecer também. Conaro… -O rei se afastou para a rainha avançasse, e tomasse a palavra.

—Eu tenho habilidades que lhes serão úteis… e, após o posicionamento oficial contra Harkuos, eu pessoalmente irei ajudá-los. -Nunca, nem nos sonhos mais loucos, o clã imaginaria que algum sangue-azul participaria ativamente das operações. O pronunciamento da Rainha Conaro deixara todos boquiabertos.

Cinco longos segundos se passaram até que Ezerk retomasse a conversa:

—Ah… como irá às missões, minha rainha? Digo, não que eu a esteja questionando, mas uma coisa é tomar partido a favor de nosso clã… outra é estar envolvida diretamente com os negócios.

—Eu nasci com um dom mágico raro. Ninguém além dos que aqui se encontram e de minha família tem conhecimento disso. -A rainha sorria levemente. Após passar a vida sendo inteira submissa ao pai e depois ao marido, finalmente teria a chance de agir de alguma forma. -Embora eu seja dona de uma magia que não se pode usar para ferir, com um pouco de criatividade muitos outros usos são possíveis. -Conaro caminhava misteriosa entre os presentes, arrastando a comprida capa cor de sangue pelo chão da caverna. -Eu sou uma ilusionista. Muitos estudiosos não consideram tal dom uma mágica, porém se não for mágica é algo um patamar acima.

—Rainha Conaro, como pretende usar os seus dons para nos ajudar? -Duas vozes perguntaram.

—Para enlouquecer, torturar e intimidar os inimigos, camuflar nossos passos, e tudo mais que for preciso. -Conaro estufava o peito de orgulho a cada palavra. Era a menor entre os presentes, isso se o tamanho do ego ficar fora da contagem. -Antes de entrar, escondi a caverna. Quando olharem para a entrada, verão apenas rochas acumuladas depois de um desabamento, mas a passagem continua lá, intacta. Basta seguir.

—Minha rainha, suponho que precisará de um disfarce para si. -Não é porque Conaro participará das missões que deve exibir o rosto. Isto pode comprometer a segurança de Ruthure, a influência participativa dos anões na União Real e a segurança da própria rainha. -Pode usar as ilusões para mascarar vossa aparência?

—Sim, eu posso, mas seria energia dissipada em vão. Usarei máscara e um traje específico para as necessidades de cada missão. Durante tais missões, vocês se referirão a mim como “Miragem”, nunca como “rainha” ou com qualquer outro termo que comprometa minha identidade.

—Como preferir, minha rainha. -Ezerk se curvou em reverência, depois se levantou e acompanhou a família real até a saída. -Eu lhes sou muito grato pela ajuda e estou torcendo pela aliança ao Reino Kaotheu.

—Fique tranquilo, este reino encobrirá os rastros do clã. -Rei Rujavo cruzou a ilusão de pedras demolidas e do outro lado disse:

—Mantenha-me atualizado sobre as operações.

—Sim, meu rei. Até breve.

 

—Ezerk... -General Urak chamou, preocupado. -acha mesmo que a rainha sairá conosco para os combates e saques? Talvez ela seja um atraso para nós.

—Eu preferiria que não, mas ela me pareceu decidida.

—Mas…

—E quem somos nós para irmos contra a palavra da rainha? -Ezerk o interrompeu. -Principalmente uma rainha aliada a nós?

—Ele está certo, Urak. O ilusionismo da rainha é um grande trunfo em nossa manga. -Luzabell e Razatte caminhavam em direção à ilusão da entrada para observar melhor. É estranha a forma como se movem. Os cóccix as unem de costas uma para a outra e fazem com que caminhem de lado, feito caranguejos, ou ainda que uma ande para a frente enquanto a outra recua seguindo o andar da primeira. Por mais complicado que pareça a locomoção das Bruxas Siamesas, elas a fazem com excepcional destreza.

—Ele está certo, Urak. Blá-blá-blá. -Sem a presença dos monarcas, Darius voltou a incomodar as bruxas. -Senhoras, não se cansam de ser tão puxa-saco?

—Estamos dando ouvidos à razão, cão foragido.

—Uau! Como isso me ofende! -O elfo se ajeitou na poltrona, levou uma das mãos ao peito e com a outra cobriu os olhos, em uma encenação sarcástica de tristeza. -Mas, me digam uma coisa… como as senhoras fazem as necessidades?

—O que!? -As bruxas entenderam o recado, mas não podiam crer no ultraje que ouviram.

—Vocês entenderam… -Continuou Darius, jogando as pernas sobre um dos braços da poltrona e cruzando os braços atrás da cabeça. -Essa coisa de… ah, como posso dizer sem ser descortês? Urinar e defecar. Fazer isso com traseiros colados deve ser uma tarefa bem árdua e…

Antes de terminar o insulto, o elfo foi atingido por dois raios. Um de Razatte e outro de Luzabell.

—AAAAH! MALDITAS! -Esbravejou.

Os raios o atingiram em cheio no meio do peito e fizeram a poltrona tombar para trás com a força do impacto. Darius se levantou e havia um furo grande e chamuscado em sua camisa e terra no lado do rosto se chocou contra o chão da caverna. As orelhas pontudas estavam vermelhas, projetando a raiva que ele sentia.

—Vocês foram cuspidas por demônios ou nasceram insanas assim?!

—Como ousa, seu imundo! -As bruxas avançavam sobre o elfo andando de lado e com as mãos erguidas em posição de ataque. -Aprenderá a tratar bem as mulheres, sobretudo as mais fortes que você! -Dessa vez não houve raios, mas, de alguma forma, as bruxas mantinham o elfo suspenso a alguns centímetros do chão e esganavam-no sem tocá-lo.

—BRUXAS, vão matá-lo! -Urak partiu para cima das irmãs e, com os dois braços direitos, golpeou-as forte o suficiente para fazê-las cruzarem meia caverna e espatifarem uma estalagmite do outro lado do terreno.

O elfo rastejava na tentativa de se levantar. Uma mão dava apoio e a outra massageava a traqueia enquanto tossia.

—Demônios! -O elfo tentava falar, mas a voz saia rouca e entrecortada.

—BASTA! -O líder do clã interveio. -O próximo que atacar outro aliado será chutado daqui para fora, ou melhor, eu mesmo os degolarei! -Ezerk segurava o machado duplo em posição de arremesso. Mirava na cabeça de um por um ao falar. -Alguma objeção? Não? Perfeito.

—Sentimos muito, Ezerk. -As Bruxas Siamesas se levantaram com dificuldade, apoiadas na parede da caverna. -Perdemos as cabeças.

—Que não se repita. Darius, tenha mais respeito. -Desta vez o machado estava apontado para o pescoço do ladino. -Sei que só tem a língua frouxa porque sabe que Urak nunca deixará ninguém te fazer mal. Quero vê-lo ofender outros longe de seu cão de guarda. Eu duvido!

Darius abriu a boca para refutar, mas tornou a fechá-la.

—E, Urak, não seja estúpido! Deixe ele mesmo resolver os próprios problemas. -O general ainda bufava de raiva. Para ele, Darius era mais como um irmão do que como um amigo. -Não vê que é manipulado?

O clima pesou. Em um canto afastado, Kira os observava com os quatro braços cruzados em um olhar difícil de traduzir.

—Que não se repita. Em breve nossos aliados de elite chegarão aqui e, quando for a hora, nossos mágicos convocarão seu exército, General Urak. Tenha mais postura diante deles do que demonstrou hoje diante de nós. E o mesmo vale para vocês três. -Mais uma vez as bruxas e o ladino tremeram sob a mira do machado. -Ainda esta noite ou talvez ao amanhecer teremos em mãos a nossa segunda arma…

 

***

 

Cena III – O Necromante.

19 horas e 10 minutos. Reino Anão – Ruthure. Falésias vulcânicas na fronteira com Ramavel. Extremo noroeste de Ruthure.

 

De onde estava, no topo de uma das rochas, era possível avistar a silhueta do Reino Gigante do outro lado do mar ao olhar para a frente e a rebentação ao olhar para baixo.

O necromante arrastava seu pesado manto, da cor de terra quando encharcada com sangue, enquanto caminhava e desenhava runas nas pedras. As runas serviriam de proteção ao esconderijo enquanto ele estiver fora.

Seu nome é Targus Oel, ninguém sabe sua idade ao certo. Necromantes podem se manter vivos sugando a força vital de outras criaturas por meio de rituais. Rituais proibidos, como a necromancia em si. Targus é humano, e aparenta há muito tempo ter passado da idade que os humanos conseguem atingir. Os cabelos e a barba estão completamente brancos, o rosto tão enrugado quanto um maracujá velho e poucos dentes ainda se mantêm presos às gengivas. Quando caminha, a grama morre ao ser pisada, as flores murcham e a terra seca.

O bruxo é procurado pelos reinos Humano e Elfo por incontáveis crimes e tem um papel de suma importância no clã dos Guardiões das Chamas.

 

Targus caminhou até a rocha mais próxima ao mar, a que era banhada a cada onda.

—Levante, Caro Mortua. Oboediveritis Mihi! -Ele pronunciou o feitiço com uma das mãos estendida sobre a água, enquanto a outra tocava a pedra vermelha que segurava a capa. Nada aconteceu a princípio, e Targus voltou a riscar runas nas pedras. Após alguns minutos, cinco corpos em estado avançado de decomposição e três esqueletos escalaram a falésia. O bruxo os encarou e lhes deu ordens:

—Vocês protegerão este lugar e afugentarão toda e qualquer forma de vida humanoide que se aproximar. Têm autorização para matar. Estão me entendendo?! -Era uma voz fraca e cansada, porém ainda detinha certo poder.

Os cadáveres grunhiram algo incompreensível, mas seu mestre os entendeu.

—Excelente. Quero dois na entrada, um na rocha mais alta, um circulando por mar ao redor das falésias, dois escondidos entre as fendas dentro da caverna e dois protegendo meus pertences. Vão!

Os mortos se agitaram e se organizaram de acordo com a ordem do necromante.

 

Targus se preparava para partir rumo ao quartel-general dos Guardiões das Chamas. Carregava consigo tudo o que pudesse ser útil.

Prendendo a capa que usava sobre os ombros, estava sua maior arma, o Talismã de Sepulchrum. Ele mesmo o criou e isso o torna único em Zaatros.

Altamente poderoso e letal.

 

***

 

Cena IV – Ideias Oportunistas.

19 horas e 45 minutos. Reino Kvarbrakoj – Kaotheu. Fortaleza Real.

 

—Creio que em breve Rei Rujavo virá até aqui discutir os termos para reforçar a aliança entre Kaotheu e Ruthure. -Dizia o Rei Néfor ao chefe de estratégia política do reino.

Néfor Zunda estava sentado em seu trono, em um patamar muito mais elevado que o piso onde seu estrategista estava. O rei tem a pele dourada como alguém que vai à praia todos os dias. Ele mantém cabelos escuros raspados bem curtos, veste-se sempre de modo que os quatro braços fiquem a mostra para exibir os tribais de que tanto se orgulha.

—É provável que sim, majestade. -O estrategista se mantinha ajoelhado ao pé da escada que levava ao trono. -Nossa melhor opção é assumir o apoio aos Guardiões das Chamas, mas isso não deve ser entregue de bandeja ao Rei Anão.

—Explique melhor.

—Ruthure é completamente descrente em Harkuos, e é o único reino em tal condição; logo, se não obtiver mais apoio político, soldados, recursos e moral popular irá ser massacrado pela maioria.

Néfor mudou de posição no trono, em sua cabeça, vários pensamentos brigavam por espaço. E então ele disse:

—Não é fiel à Deusa, senhor Tarzo?

—Fui por muitos anos da minha vida, meu rei. -Havia sinceridade nas palavras. -Entretanto hoje estou certo de que Harkuos nos têm ludibriado com suas mentiras desde que o mundo é mundo.

—Compreendo. Continue com o que dizia.

—Ruthure precisa de apoio. Kaotheu é o único reino que lhes oferece a esperança de união contra a Mulher do Monte Nublado… -Tarzo levantou os olhos e encarou o rei. -Se Kaotheu é tão valioso, é prudente que dite as regras.

—Ardiloso, porém sensato. Rei Rujavo será forçado a aceitar meus termos ou então terá de esperar mais alguns milênios até que outro o ofereça ajuda. -Néfor começou a pensar em como tiraria proveito dessa vantagem.

—Devo convocar os demais estrategistas e traçar os planos, majestade?

—Não. Discuta com eles sem mim e depois me passe todas as informações para aprovação. -O rei se levantou e desceu os degraus que levavam ao trono, arrastando atrás de si a capa cor de areia. -Estou farto de planejamento.

—Como queira, meu rei.

—Sabe onde está minha rainha, servo?

—Passei ao lado de Rainha Julee nos Jardins de Areia, enquanto vinha para cá, majestade.

Curioso o nome “Jardins de Areia” para um lugar que exibe um único tipo de planta. Trata-se do gigantesco pátio que circunda a Fortaleza Real. Ele é cercado de grandes esculturas de pedra, cactos e fontes de água que só jorram na época das chuvas as quais só chegam uma única vez por ano no deserto. Cada escultura possui um significado e os ciganos kaothenos preveem o futuro de acordo com as dunas que soterram ou revelam essas esculturas. Não se sabe ao certo quantas são, mas estima-se que sejam cerca de quinhentos monumentos diferentes.

—Irei até ela e de lá para meus aposentos. Não quero ser incomodado, matarei pessoalmente quem quer que venha a bater naquela porta. -O rei, sutilmente, afastou a capa das costas e lá havia quatro gládios idênticos, um para cada mão. -Isso é uma ordem.

O estrategista se curvou em reverência e disse:

—Sim senhor, meu rei.

 

***

 

Cena V – A Cigana.

22 horas e 52 minutos. Reino Anão – Ruthure. Q.G. dos Guardiões das Chamas, cento e vinte quilômetros da fronteira com Ramavel.

 

A caverna usada como quartel-general descia por muitos metros. Por ser formada por túneis que dão passagem para o magma escoar, há poucos lugares que podem ser usados como dormitório. Ezerk, o líder, tinha um destes espaços só para si. Kira e as Bruxas Siamesas dividiam um, enquanto Urak e Darius usavam outro.

 

—Irmão, não ofendi as bruxas por saber que iria me defender caso fosse necessário… -Darius resolveu quebrar o silêncio e se explicar ao amigo.

—Não quero me zangar com você, mas acho que Ezerk tem razão. -Desde a confusão com as Bruxas Siamesas, há cerca de quatro horas, era a primeira vez que Darius e Urak se falavam.

—É claro que não! Por acaso estava comigo quando enganei toda a realeza do nosso reino para cumprir a missão? Não, não estava e mesmo assim eu o fiz.

—Seu reino, Darius.

—Nosso reino! Você nasceu em Kaotheu mas morou praticamente a vida toda em Eyrell. É evidente que você me protege, mas eu nunca me aproveitei disso.

—Certo, tem razão.

—Eu sempre tenho! -Darius sorriu e estendeu a mão para que o amigo a apertasse.

—Um dia ainda mando cortarem tua língua, orelhudo! -Eles apertaram as mãos, não de forma convencional, como acontece quando dois conhecidos se veem na rua. Tratava-se de um cumprimento onde, em vez de apertar as mãos, apertam-se os antebraços na região que antecede o cotovelo. Representa lealdade ou irmandade.

—Poupe seu ouro, a guarda de Eyrell pretende fazer isso ou coisa pior comigo. -Os dois riram. O tipo de riso apagado e amarelado que ronda o humor negro da piada feita com a sentença de morte.

 

Houve uma batida forte na placa de metal usada como porta e em seguida um rosto barbudo e com cabelos desgrenhados surgiu pela brecha, pairando a pouco mais de um metro do chão.

—Senhores, mais um Guardião acaba de chegar. -Ezerk, provavelmente, estava dormindo na sala principal enquanto esperava. A cara de sono e o mau humor do anão o denunciavam. -Subam logo para as apresentações.

Os dois, kvarbrakoj e elfo, levantaram e iniciaram a subida atrás de seu líder.

No cômodo principal da caverna estavam as elfas gêmeas, Kira e a recém-chegada.

—Esta é Hilda Saorum. -O anão foi direto ao ponto. -E ela será nossos olhos antes das missões e durante elas.

—Como? -Quis saber, Urak.

—Eu sou uma cigana, como podem ver. -Hilda explicou, estendendo a saia vermelha e florida, fazendo tilintar e brilhar sob a luz das tochas todo o ouro que carregava no corpo. -Traçarei um mapa com todas as possibilidades de destinos antes de partirem em busca do que precisam.

—Desculpe-nos, mas como assim “antes de partirem”? -Luzabell e Razatte questionaram. As bruxas mantinham os braços cruzados e não tinham expressões amigáveis nos rostos. -A senhorita não nos acompanhará?

—Senhora, companheiras. -Hilda esticou o braço e exibiu uma grande aliança de ouro e rubi. -E sim, não participarei das missões.

—E por que não, senhora. -Darius ainda olhava as panturrilhas bem morenas da cigana que, ao notar o olhar incisivo, soltou a saia.

—Por ordem minha, Darius. -Ezerk passou pelo elfo e se postou ao lado de Hilda. -Ela manterá contato telepático com nosso feiticeiro especialista na área, ele participará das missões e será a ponte entre Hilda e nós.

—Perfeitamente… é humana, certo? -Ao que parece, as irmãs não estavam gostando do excesso de atenção que a cigana atraia.

—Puramente humana. Há mais de treze gerações não ocorre mistura de sangue nem hibridismo em minha caravana.

—Entendo, faz sentido que deva ficar de fora das incursões… afinal, os humanos são a espécie mais vulnerável. -Definitivamente as bruxas não gostavam da companhia da nova integrante.

—Ah, esse estereótipo? -Hilda gargalhou e as joias tilintaram mais uma vez. -Não passa de um mito. Aos olhos das outras espécies somos a mais frágil, mas saibam as senhoras que a magia é humana.

Pelas expressões das bruxas, parecia que o clima ia pesar. Os homens prendiam a respiração sem saber se tudo era uma brincadeira ou o princípio de combate.

—O que está insinuando?

—Ora, cada espécie humanoide e inteligente foi agraciada com um dom único na Criação. A magia é um dom humano, mas não somos egoístas e os passamos para as outras espécies, seja por sangue, dando origem aos feiticeiros, ou instrução, formando os magos…

Kira, em seu canto, concordava com tudo que era dito pela cigana e se divertia com a indignação das bruxas, afinal, ela atribuía a facilidade de dominar magia ao sangue humano da mãe.

—Se, ainda que não manifestem, todos os humanos nasçam mágicos e vocês, elfas, são feiticeiras… -Um sorriso debochado. -Minhas queridas, podem ter a certeza de que em algum lugar no passado um de seus ancestrais se deitou com um humano.

As elfas gêmeas tentaram refutar, mas contra aquilo não havia argumentos.

—E podem ficar tranquilas. -Continuou, Hilda. -Eu guardarei a caverna sozinha e sei me defender muito bem! -A cigana olhou das bruxas para Darius e tirou do meio dos seios fartos um punhal embainhado em couro preto. Uma sutil ameaça não só à Luzabell e Razatte, mas também a Darius, que disfarçou o olhar que mantinha sobre os seios decotados de Hilda, desviando os olhos para um dos muitos colares usados pela cigana.

—Bem, Hilda, estes são General Urak Zeto e Darius Quendra. -Ezerk viu a deixa e aproveitou para cortar a troca de ferroadas. -A menina ali no canto é Kira Zeto, filha do general. E estas são Luzabell e Razatte Korian, nossas Bruxas Siamesas.

—É um prazer conhecê-los! Sei que serei bem recebida aqui, eu li nas cartas.

—Urak, poderia ajudá-la a carregar as malas para o quarto? -Pediu, Ezerk.

—E para qual quarto devo levá-las?

—Para o das mulheres, obviamente…

Kira sorriu, as gêmeas bufaram e a cigana disse:

—Perfeito!


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