três de bastões escrita por themuggleriddle


Capítulo 13
Maresia


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo especial porque hoje faz um ano que postei essa fic (estou vendo como sou lento pra postar, mesmo tendo ela quase toda escrita) e porque hoje também é aniversário do Feliks.

Além disso, a Vivian deixou uma recomendação que me deixou sem saber como agradecer e achando que tinha sonhado com ela (sério, li quando estava com muito sono e quando acordei achei que tinha tido um sonho sobre uma recomendação). Foi como um presente de um ano pra fic hehhehe. Muito obrigado, Vivian, fico muito feliz mesmo que esteja gostando não apenas da história e do ritmo, mas dos personagens, que eu brinco que são meus filhos, de tanto que me apeguei a eles e que tem muito valor sentimental pra mim, em especial o Feliks, mas depois explico mais dele...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/718697/chapter/13

“Eu não creio que você é mais velho do que eu.”

Frank repetiu essa frase diversas vezes durante os dias anteriores, depois de perceber que Feliks estaria fazendo trinta e três anos no dia dezesseis de Dezembro. Quando o tal dia chegou, ele fez questão de repetir sua indignação com ainda mais ênfase, logo depois de puxar o médico para fora da cama e o apressar para trocar de roupas.

“Não preciso trabalhar hoje,” disse Ravenwood enquanto trocava de roupas em um ritmo lento. Não ter que trabalhar todos os dias, desde que fora despedido do necrotério, o havia deixado mais lentificado, mesmo ele não querendo admitir isso. “Por que a pressa?”

“Porque vamos encontrar com alguém.” Bryce sorriu, enfiando uma de suas boinas de lã na cabeça de Feliks. “Não... Alguém vai nos encontrar.”

Feliks franziu o cenho, mas não pediu mais detalhes, ajustando a boina na cabeça e enrolando um cachecol ao redor do pescoço. Com a chegada de Dezembro, o clima frio os obrigava a adicionar mais algumas camadas de roupa cada vez que saíam de casa.

“Aha.” Frank cruzou a sala ao ouvir uma batida na porta. O médico não pôde deixar de notar que os passos do jardineiro, apesar de ainda manco, pareciam mais firmes agora que o mal-humor tinha desaparecido.

Ravenwood arqueou uma sobrancelha ao ver Yelena Voronova parada na porta. Os cabelos escuros e cacheados da bruxa estavam soltos e ela parecia confortável dentro de uma capa curta azul que cobria as roupas não tão bruxescas, que incluíam calças de lã, botas, um colete, camisa e gravata. Feliks sorriu ao notar que ela parecia se esforçar para manter uma paleta de cores que girava em torno do azul meia-noite.

“Ouvi falar que é seu aniversário,” ela falou, sorrindo abertamente e entrando. “S dnyom rozhdeniya, Feliks.”

Pazhalsta.” O homem riu, inclinando-se quando a bruxa o puxou para um abraço. Quando Yelena se afastou, ela o observou por um momento com atenção, antes de se virar para Frank.

“Vamos?”

“Onde exatamente estamos indo?” perguntou Feliks, vendo o outro homem pegar a sua bengala e se aproximar deles.

“Em um passeio,” disse Voronova, segurando a mão de Frank e esticando a outra para ele. “Vamos. É mais rápido ir por magia.” O médico segurou a mão dela e sentiu os dedos da bruxa se fecharem com força ao redor dos seus. Ele olhou para Bryce, que parecia tão curioso quanto ele, mas menos confuso. “Isso se chama aparatação. Desaparecemos aqui e aparecemos em outro lugar. Preciso que segurem firme e não soltem até sentirem o chão novamente. Podem fechar os olhos, mas isso pode dar enjoo. Não soltem, entendido?”

Eles concordaram e, logo, a sala girou ao redor deles. Feliks sentiu como se estivesse caindo e girando ao mesmo tempo, uma força invisível o puxando pelo umbigo enquanto tudo passava feito um borrão pelos seus olhos. Ele ainda sentia os dedos de Yelena ao redor de sua mão e eles sumiram apenas quando a sensação de queda finalmente cessou e ele sentiu suas costas baterem no chão.

A bruxa foi a única que aterrissou de pé. Frank gemeu no chão enquanto Voronova o ajudava a se levantar e Feliks levou um tempo para entender onde eles estavam. Só foi depois de sentir a brisa fria e a sensação áspera de areia sob as mãos que ele entendeu e sorriu. Quando se virou, o mar cinzento estava logo a sua frente, combinando com o céu nublado acima. As ondas quebravam sobre as pedras e cascalhos da praia, fazendo o som repetitivo e calmo da água tomar conta de tudo.

“Onde estamos?” perguntou Ravenwood, levantando-se e olhando em volta. A praia era margeada por penhascos rochosos e, não muito longe, uma vila podia ser vista.

“North Yorkshire,” disse Yelena. “Robin Hood’s Bay. Já estive aqui antes e... Frank disse que queria te trazer para algum lugar que tivesse mar e que o céu fosse bonito a noite. Então, aqui estamos.” Ela olhou para as nuvens. “Um colega meu tem um irmão que trabalha com magia climática e ele disse que a noite é para ser de céu limpo hoje.”

Feliks encarou os dois por um momento e, então, virou-se para o mar outra vez, não escondendo o sorriso que havia aparecido em seu rosto. Ele havia crescido perto do Lago Ness, mas sempre ouvira sobre como sua mãe gostava do litoral e, aparentemente, essa preferência era algo em comum com o seu pai, pelas histórias que ela havia contado para sua tia. Quando tinha cinco anos, o médico viu o mar pela primeira vez e fora amor à primeira vista.

“Não é uma praia de cartão postal,” disse Bryce, tentando limpar a areia das roupas. “Mas é difícil achar uma praia de cartão postal em Dezembro. Sei que Hornsea é um lugar legal durante o verão-“

“É perfeito,” disse Ravenwood, virando-se para eles. “Esse lugar é lindo.”

Não era apenas lindo. O mar, o som das ondas sobre o cascalho, as gaivotas, o céu nublado, a maresia, a vila encarapitada em um dos penhascos... Tudo parecia confortável e familiar. Feliks arriscaria dizer que se sentia mais em casa ali, com seus óculos ficando cada vez mais sujos com a maresia e o cheiro de sal e algas por todos os lados, do que em seu apartamento em Londres.

“Sabe, acho que os Riddle tinham uma propriedade aqui,” disse Frank, olhando em volta. “Lembro de levar o Sr. Riddle para algum lugar na costa de North Yorkshire, antes da guerra. Era uma casa num penhasco. O Sr. Thomas falou algo sobre quase quebrar uma perna enquanto descia para a praia...”

“Quer dizer ali?” perguntou Feliks, apontando para uma escadaria feita de pedra e madeira que ia até o topo de um dos rochedos e que estava um pouco mais distante deles. Não era possível ver de onde estavam, mas a julgar pelo pequeno portão de metal que ficava lá em cima, ao fim da escadaria, ela levava para alguma propriedade privada.

“Como você...? Oh, esquece.” Bryce sacudiu a cabeça. “Deve ser ali. Não haviam muitas casas fora da vila.”

Feliks se virou para dizer que não era muito difícil notar as escadas, mas se interrompeu ao notar uma tensão discreta ao redor de Frank. Era quase invisível e passaria despercebida se eles não estivessem morando juntos por algum tempo já: os dedos do jardineiro seguravam a bengala com mais força, seus ombros pareciam mais retos e sua mandíbula, tensa. Bryce também mantinha seus olhos ocupados com os rochedos, a vila ou as pedrinhas na areia, evitando a água atrás deles.

“Alguns estudiosos dizem que Beedle, o Bardo, morou nas redondezas,” disse Yelena, sentando-se em uma das pedras e suspirando.

“Beedle, o Bardo?” perguntou Frank.

“Ele foi um bruxo contador de histórias. Elas ainda são muito famosas no mundo bruxo: O Coração Peludo do Mago, Babbity Rabbity e o Tronco Falastrão, A Fonte da Boa Fortuna, O Bruxo e o Caldeirão Saltitante e O Conto dos Três Irmãos. Dizem que há registros de Beedle contar muito mais histórias, mas essas foram as que ele realmente escreveu e publicou.”

“Nunca ouvi nenhuma,” Frank murmurou, enterrando a ponta de seu sapato na areia.

“Nenhuma surpresa.” Yelena sorriu. “As histórias de Beedle são famosas no Reino Unido e em algumas outras partes da Europa, mas apenas na comunidade mágica. De vez em quando, trouxas acabam ouvindo um conto ou outro e passam para os seus filhos, mas essa é uma exceção.”

“Por que não conta um deles?” perguntou Ravenwood, sentando-se em outra pedra que estava ao alcance da água e era grande o bastante para ele e Bryce. Ele tirou os sapatos e meias, puxou a barra da calça até os joelhos e enfiou os pés na areia úmida e fria. O homem sorriu e respirou fundo quando uma onda pequena cobriu os seus pés com água gelada.

“Qual?”

“O Conto dos Três Irmãos,” disse Bryce. Ele não se moveu para se sentar por um tempo, olhando de esguelha para o mar. Feliks se arrastou para o lado da pedra mais próximo de onde as ondas quebravam, deixando para o outro o lugar mais perto da areia seca. “Nada de bruxo, mago ou coelhos no título. Talvez a gente se identifique mais.”

Yelena riu e empurrou o cabelo para trás dos ombros. Depois de alguns segundos encarando a pedra, Frank tirou os sapatos e sentou-se ao lado de Ravenwood, que podia sentir a tensão dele ainda mais agora que estavam próximos.

“Bom... Era uma vez trêss irmãos que viajavam por uma estrada velha até encontrarem um rio. Não querendo arriscar cruzar a nado, os três irmãos puxaram as suas varinhas e criaram uma ponte com magia. Mas, enquanto eles atravessavam a ponte recém criada, a Morte apareceu para eles,” a bruxa começou a falar, sua voz soando mais baixa e seus olhos brilhando, como se ela estivesse se divertindo muito com aquilo. “Pois ela não estava feliz de saber que havia perdido três almas-“

“Morte é ela?” perguntou Frank, franzindo o cenho.

“Morte é um substantivo feminino em russo,” disse Feliks.

“Sim. A Morte pode ser ambos ou nenhum, mas eu prefiro chamá-la de ‘ela’ nessa história,”  Yelena explicou. “Apesar do seu gênero ou falta deste, a Morte estava irritada, sem deixar de ser ambiciosa. Ela parabenizou os irmãos pela magia que fizeram e disse que lhes daria qualquer coisa que pedissem, um presente pela habilidade e inteligência deles. O primeiro e mais velho dos irmãos pediu uma varinha mais poderosa que todas as varinhas do mundo, algo incapaz de perder um duelo. Então a Morte atravessou a ponte e quebrou um galho de um sabugueiro, criando ali mesmo uma varinha invencível para o mais velho. O segundo irmão quis ser mais esperto que a Morte e desejou humilhá-la: ele pediu algo que trouxesse os mortos de volta. Então a Morte entrou no rio e trouxe consigo uma pedra negra que tinha o poder de chamar de volta aqueles que haviam entrado em seu domínio.” A bruxa os olhou por um momento, quase não conseguindo conter o sorriso. “O terceiro e mais novo dos irmãos não confiava na Morte. Então ele pediu algo que impedisse a Morte de o seguir assim que ele cruzasse a ponte.”

Bryce riu fraco e sacudiu a cabeça, parecendo estar gostando da história. Feliks estava tão focado no conto que tinha certeza de que podia ver os três irmãos e a Morte parados em uma ponte sobre um rio turbulento, podia ouvir as suas vozes e ver suas magias trabalhando. Ele também podia ver a magia de Yelena: a moça mexia as mãos enquanto contava a história e seus dedos deixavam um traço de luz no ar. Quanto mais entusiasmada ela ficava com o conto dos três irmãos, mais forte ela brilhava.

“A Morte ficou surpresa e o considerou sábio, então ela tirou a própria capa da invisibilidade e deu ao terceiro irmão.” Yelena os observou com um sorriso pequeno repuxando os seus lábios. “Os três bruxos continuaram a sua viagem e cada um seguiu o seu caminho. O primeiro irmão, um homem conhecido por seu temperamento difícil e seu gosto por duelos, foi até uma vila onde residia um homem com o qual ele tinha um desentendimento. Lá, ele matou o outro bruxo com a ajuda da varinha de sabugueiro e se gabou sobre a sua varinha invencível. Naquela noite, outro homem cortou a sua garganta enquanto o bruxo dormia e pegou a varinha para si. E, assim, a Morte pegou o primeiro irmão para si.”

“O segundo irmão voltou para a sua casa, onde ele uma vez vivera com a mulher a qual amara e que morrera muito cedo. Assim que entrou na casa, ele girou três a pedra que a Morte lhe dera e viu a sua amada aparecer na sua frente,” a bruxa continuou. “Por um tempo, ele foi feliz, mas logo notou como a moça não era a mesma que ele lembrava: ela era apenas uma sombra do que havia sido em vida, muito triste e deslocada, pois ela já havia andado pelas terras da Morte e, agora, era lá que ela pertencia. Sofrendo muito por ver a sua amada definhar, o bruxo tirou a própria vida e, assim, a Morte pegou o segundo irmão para si.”

“O terceiro irmão continuou a sua viagem escondido debaixo da capa da invisibilidade e se escondendo da Morte toda vez que ela decidia ir atrás dele. Ele viveu por muitos anos, teve muitos filhos e, um dia, depois de viver tudo o que queria, tirou a capa e deu ao seu filho. E, assim, o terceiro irmão recebeu a Morte como uma velha amiga e a seguiu sem hesitar, partindo dessa vida como iguais.”

Yelena ainda tinha um sorriso satisfeito no rosto quando terminou, deixando os dois homens saborearem a história em silêncio por alguns segundos. Ravenwood também sentia um sorriso insistente em seus lábios e viu os olhos de Bryce exibirem um olhar maravilhado que o fazia parecer muito mais novo.

“Qual vocês escolheriam?” perguntou Frank, quebrando o silêncio. “Dos presentes da Morte?”

“A capa da invisibilidade, acho,” a bruxa falou, dando de ombros. “Deve ser o mais útil, mesmo que seja só para roubar comida da cozinha da escola durante a noite.”

“A pedra dos mortos,” Ravenwood respondeu rapidamente. Se ele tivesse esse poder, talvez pudesse conversar com a sua mãe ao menos uma vez.

“Sou o único que iria para a varinha?” Bryce riu, batendo com o pé no chão e parecendo surpreso ao notar que as ondas haviam alcançado os seus pés. “Claro, não iria funcionar pra mim, mas eu daria para qualquer pessoa que quisesse ajudar a encontrar esse nosso assassino. Seria muito mais fácil, com certeza.”

“Sou mais acostumada a fazer magia sem varinha,” Yelena explicou. “Prefiro aprender a controlar a minha magia do que depender de uma varinha.”

“Só digo isso: se vocês tivessem ido para a guerra, iriam escolher uma varinha poderosa.” Frank desviou o olhar, observando a água ir e vir com as ondas. “No meu tempo, ninguém recusaria uma boa arma.”

Ambos Feliks e Yelena arquearam uma sobrancelha enquanto olhavam o homem, logo antes de tentar segurar as suas risadas.

“O que foi?”

“Você soou feito um velho,” a bruxa falou. “No meu tempo, as coisas eram diferentes!”

“Mas é verdade!”

“Pode ser, mas ‘no seu tempo’ não é muito lá atrás.” Ravenwood riu. “Além disso, eu sou quase dez anos mais velho que você. Não faz sentido você usar o ‘no meu tempo’ comigo.”

“Espera, o que?” Dessa vez, foi Yelena quem soou confusa enquanto olhava de um homem para o outro. “Quantos anos você tem?”

“Fiz trinta e três hoje,” disse Feliks.

“Ele é só uma criança que cresceu demais.” Bryce suspirou, bagunçando os cabelos do médico.

“Não, você que é um velho no corpo de de alguém com vinte e seis anos.” Ravenwood riu e olhou para a bruxa, que o encarava.

“Você não pode ter trinta e três,” ela falou, levantando-se e indo até ele.

“Por que não?” ele perguntou, rindo ao sentir as mãos da moça segurando o seu rosto e vê-la o olhando com cuidado. Ela parecia perplexa e agora, de perto, Feliks conseguia ver que os olhos dela eram do mesmo tom de azul que os seus e o rosto, tão sardento quanto o dele. Não era de se surpreender que os bruxos no Ministério acreditaram na história de que eles eram irmãos.

“Porque você parece mais novo.” Yelena franziu o cenho e tirou os óculos dele, fazendo tudo ficar borrado. “Oh.”

“O que?” perguntou Frank, inclinando-se na direção deles como que para ver se havia algo estranho no rosto do médico.

“Você tem olhos bonitos.”

“São quase iguais aos seus, na verdade.” Ravenwood riu, ouvindo um sussurro indignado de Frank (‘Olhos bonitos!’), antes de sentir os dedos de Yelena em seu queixo, virando seu rosto na direção do outro homem.

“O que eu devia ver?” ele ouviu Bryce, que ainda era um borrão para ele, perguntar.

“No olho esquerdo,” disse Yelena e ele viu Frank se aproximar. “É de outra cor.”

Feliks riu. Ele havia se esquecido daquela pequena porção da sua íris esquerda que não tinha a mesma cor azul clara que o resto dela e do outro olho. Naquele setor, uma cor esverdeada que, dependendo da luz, parecia quase acinzentada tomava conta, parecendo perdida no meio do azul. Era difícil alguém notar aquilo, principalmente quando a atenção dos outros estava mais focada em seus óculos e não nos detalhes da cor de seus olhos. Além disso, ele já havia visto olhos com tipos mais proeminentes de heterocromias (olhos castanhos com uma porção azul, um olho verde e outro azul e assim por diante), coisas que faziam os seus próprios olhos parecerem sem graça.

“Nome bruxo, estilo bruxo e agora olhos bruxos.” Bryce estalou a língua no céu da boca, ainda encarando-o nos olhos. “Tem certeza de que você não é um bruxo que perdeu a magia?”

“Cale a boca, Frank.” O médico riu, pegando os óculos e os colocando outra vez. “Isso não é nada. Só uma heterocromia setorial. Aposto que você vai achar mais gatos com heterocromia do que bruxos.”

O jardineiro deu de ombros. Feliks olhou para o mar por um momento, sorrindo enquanto afundava os pés na areia e mexia os dedos.

“Você tem algum feitiço para secar algo molhado?” ele perguntou, olhando Yelena.

“Sim, por quê?”

“E... Algum feitiço para ajudar com o frio?”

“Sim...” ela falou, um pouco hesitante. “Você quer que eu faça em você?”

“Por favor?” ele pediu, sorrindo de um jeito travesso.

A bruxa respirou fundo e pegou as mãos dele. Ela murmurou algo e Feliks pôde ver a luz da magia dela se espalhar na sua direção e, quando ela o soltou, suas próprias mãos ainda brilhavam um pouco.

“Obrigado.” O médico sorriu e se levantou, tirando o relógio de pulso e esvaziando os bolsos antes de ir na direção do mar.

A água não estava terrivelmente gelada, mas não estava quente. As roupas molhadas pesavam em seu corpo e de vez em quando ele era empurrado pelas ondas. Era uma sensação boa, até relaxante. Por um momento, Feliks Ravenwood conseguiu se concentrar apenas na água, no movimento de vai e vem, no cheiro de sal e no som das ondas quebrando e voltando por sobre a areia. Tudo aquilo o fazia se sentir leve e confortável. Com a água na altura do peito, parecia que o mar o estava abraçando, um abraço gentil que levava embora as preocupações e tensões dos dias anteriores: sua raiva para consigo mesmo por ter perdido o emprego, as inseguranças em relação à sua vida, o medo do futuro... Por um momento, era apenas ele e o mar, que tentava acalmá-lo.

Os devaneios do homem sumiram quando ele ouviu um barulho de água atrás de si e virou-se para ver Yelena, com a água na cintura e parecendo surpresa, ajudando Frank a se levantar. O jardineiro, que havia emergido da água outra vez, olhou a bruxa com os olhos estreitados e ela entendeu a mensagem. Voronova começou a andar para longe o mais rápido possível, sendo puxada para trás pela água, enquanto Bryce nadava atrás dela.

“E eu sou a criança que cresceu demais!” Feliks gritou ao ver o homem alcançar Yelena, que agora ria, e a segurar pela cintura para então jogá-la na água. Ele não pôde deixar de se sentir aliviado ao ver que os movimentos de Frank estavam relaxados e um sorriso aparecia em seus lábios.

“Eu acho que ele também quer, Frank,” disse Yelena, afastando os cabelos molhados que agora formavam uma cortina em frente ao seu rosto.

Bryce sorriu e nadou na direção do médico, que riu e fugiu. Frank Bryce podia ser bom com socos, mas Feliks era bom no nado. Logo Ravenwood estava rindo enquanto via o jardineiro desistir e simplesmente ficar parado até a bruxa o alcançar e se apoiar em seu ombro.

Aquilo realmente não era algo que Feliks esperava um dia ver: três adultos rindo e brincando no mar, molhados até a alma e agindo como crianças de dez anos de idade. A cena ficou ainda mais surpreendente quando ele se lembrou que aqueles três adultos eram um ex-soldado com uma perna machucada que havia sido acusado do assassinato de seus amigos há alguns meses, uma bruxa que trabalhava em um arquivo mágico nas profundezas de Londres e um médico que havia perdido o emprego poucos dias antes e que ainda estava passando por uma crise de identidade por conta disso.

Não era preciso ter uma varinha para fazer magia, Feliks pensou. Às vezes, tudo o que era preciso eram risadas e alguns amigos.

***

“Aquelas três estrelas? O cinturão de Orion,” disse Feliks, apontando para três estrelas alinhadas no céu escuro.

Yelena estava certa quando disse que as nuvens iriam dar uma trégua ao anoitecer. O céu noturno estava escuro e cheio de estrelas brilhantes, parecendo um cobertor cintilante acima do trio, enquanto eles estavam deitados na areia, apreciando a vista.

“Era para ser um homem, certo?” perguntou Frank, inclinando a cabeça para o lado.

“Aye. Aquela estrela avermelhada? Betelgeuse, é o ombro esquerdo dele... O ombro direito é Bellatrix,” Ravenwood continuou falando, sorrindo ao perceber o quanto ainda se lembrava das constelações. “Está vendo aquela estrela bem brilhante um pouco abaixo de Orion? Aquela é Sirius, a estrela mais brilhante que você vai ver no céu aqui na Grã-Bretanha.”

“Aquela que é visível durante o dia?” perguntou Bryce.

“Aye, e... Um pouco acima de Betelgeuse tem duas estrelas com o mesmo brilho. São Castor e Pollux, da constelação de Gemini. Oh, e aquela meio laranja perto de Bellatrix? Aldebaran.” O sorriso de Feliks tremeu um pouco e ele apontou para um amontoado de estrelas mais fraquinhas. “Está vendo aquele grupo? Perto de Aldebaran?”

“Acho que sim,” disse Frank, com os olhos estreitos.

“São as Plêiades. Os gregos diziam que as Plêiades eram filhas de Atlas e Pleione. Elas foram perseguidas por Orion e, por isso, Zeus as transformou em pombas e, depois, em estrelas. Orion ainda as persegue.” Ele apontou para as três estrelas que formavam o cinturão no céu. “As mais brilhantes são Atlas, Pleione, Alcyone, Celaeneo, Taygeta, Maia, Electra, Sterope e Merope.”

“Merope?” Bryce se ergueu nos cotovelos e encarou o médico.

“A princípio, não era possível vê-la e os astrônomos a chamavam de ‘a Plêiade perdida’. Diziam que ela escondia o rosto por vergonha de ter se envolvido com um mortal, Sisyphus,” ele continuou, vendo o jardineiro franzir o cenho ao voltar a se deitar. “O Rei Sisyphus enganou a morte várias vezes. Uma vez ele amarrou Thanatos quando este foi leva-lo ao Submundo. Outra, ele pediu para a esposa, Merope, não fazer um funeral, assim ele poderia voltar para o mundo dos vivos e se recusar a ir para o Submundo.” Feliks respirou fundo e soltou o ar devagar. “Quando finalmente o levaram para lá, Sisyphus foi punido por suas trapaças: ele foi condenado a passar toda a eternidade empurrando uma pedra morro acima e, quando chegava no topo, a pedra rolava para baixo outra vez.”

“Engraçado,” Yelena murmurou, depois de ficar em silêncio por um bom tempo, apenas o ouvindo falar das constelações. “Me lembra uma história que ouvi certa vez.”

“Sisyphus?”

“Não exatamento... Ah, sim. Sisyphus e suas escapadas da morte. E as estrelas.” A moça mudou de posição na areia e ficou em silêncio por alguns minutos, antes de continuar: “Não sei se essa história realmente existe ou se foi inventada na hora que a ouvi. Quem me contou foi um homem que apareceu na nossa casa a procura do meu avô; aparentemente ele não sabia que dyedushka havia morrido há alguns anos. Ele era um bruxo e a magia dele soava como uma nevasca.”

Feliks virou o rosto para observar a bruxa. Ela parecia perdida nos pensamentos, seus olhos presos nas estrelas e, por um momento, ele achou que ela não falaria mais nada.

“Ele disse que havia uma bruxa que era casada com um homem não-mágico, um trouxa, e que um dia essa bruxa morreu em um acidente,” ela começou, sorrindo fraquinho. “Quando as pessoas morriam de acidentes ou antes do seu tempo, elas iam parar na Ilha de Buyan, a qual era governada por Koschei, o Imortal, um feiticeiro que havia escondido a própria morte fora do corpo. Uma vez em Buyan, elas tinham a chance de voltar para a vida caso se recuperassem e lembrassem o que aconteceu, encontrando o caminho de volta. Caso isso não acontecesse, elas seguiam em frente... A bruxa era forte e poderosa com magia, ela logo se recuperou, mas não conseguia se lembrar o que havia acontecido.”

“O marido trouxa ficou arrasado com a morte da bruxa, então ele decidiu ir atrás dela. Ele atravessou todas as terras que hoje compõem a Rússia e chegou ao lago onde a ilha ficava. Era um lago enorme, o maior do mundo! E ele não sabia fazer magia... A esposa era a bruxa, aquela que detinha poder. Mesmo assim, ele pulou no lago e nadou até encontrar terra outra vez.” Yelena agora tinha um sorriso enorme no rosto. “Ele havia encontrado Buyan e, ainda pingando água, ele encontrou a esposa, mas ela não se lembrava dele. Exausto e triste, o homem aceitou que a amada estava fora do seu alcance, mas pediu para se despedir, mesmo que ele fosse apenas um estranho para ela.”

“A bruxa aceitou e deixou que ele a abraçasse e a beijasse no rosto, enquanto ele chorava e murmurava: ‘Proshaiite, moya zvezda’,” a moça falou, virando para o lado e encarando Feliks com um olhar cheio de expectativa.

“Adeus, minha estrela,” ele traduziu, logo antes de olhar para o céu e prestar atenção nas estrelas cintilantes. Ele então se virou para Frank: “Em russo, você tem ‘da svidanya’, que pode ser traduzido como ‘até o nosso próximo encontro’, tem também ‘poka’, que é tipo um tchau rápido. Mas ai tem o ‘proshchayte’, que é um... adeus mais definitivo.”

“Ela lembrou?” perguntou Frank, que havia rolado até ficar de bruços na areia, encarando Voronova.

“Sim. Até Koschei, o Imortal, que havia saído de seu palácio por conta do tumulto, viu como os olhos dela acenderam com a luz das estrelas quando ela reconheceu o marido,” disse Yelena. “Koschei ficou surpreso com a coragem e a teimosia daquele homem sem magia, que atravessara a Rússia e cruzara o seu lago gelado a nado apenas para encontrar a bruxa. Ele os deixou ir e, como havia criado uma certa afeição pelo casal, ficou de olho neles até o dia de suas mortes e, mesmo depois disso, ele continuou os encontrando nas vidas que se seguiram. Koschei vive para sempre, é fácil para ele encontrar aqueles que chamaram a sua atenção.”

Os três ficaram em silêncio, algo que já parecia habitual para eles após uma história. Feliks sentia o sorriso bobo em seus lábios enquanto imaginava a história: em sua cabeça, a bruxa tinha o rosto de sua mãe, a única pessoa que ele sempre associava às estrelas. Sem perceber, o marido tomou a forma alta e sem rosto de um homem com um sorriso gentil que sempre vinha a sua mente quando tentava imaginar o seu pai.

“Sabem de uma coisa?” o médico falou, fazendo os outros dois virarem para olhá-lo enquanto ele ainda observava as estrelas. “Esse é, provavelmente, o melhor aniversário que eu já tive.”

“A gente só ficou perto do mar e conversamos o dia inteiro,” disse Frank.

“Ainda é o melhor.” Ravenwood riu, ignorando o jeito como Yelena franziu o cenho por alguns segundos.

“Falando em aniversários.” Bryce se sentou e enfiou a mão no bolso, tirando dali um pequeno pacote de papel marrom preso por barbantes. Ele observou o pacote grosseiro e o entregou para o médico. A bruxa, que também havia se sentado, acenou com uma mão e conjurou uma bola de luz branca, a qual ficou flutuando ao lado deles. “Você precisa de algo melhor para se defender, não só aquelas suas facas sujas de pedaço de gente e o canivete cego que você levou para o Black Siren.”

Feliks olhou o pacote, sentindo o coração acelerar. Ele não sabia a razão, mas a ideia de ganhar um presente de Frank Bryce o deixava tão feliz que era impossível segurar o sorriso bobo que apareceu em seu rosto enquanto ele rasgava o pacote e via um canivete novinho ali dentro.

“Wow.” Ele riu, abrindo a lâmina e a observando com cuidado, antes de deslizar um dedo pelo cabo azul escuro. “Obrigado... Digo... Wow! Muito obrigado, Frank, sério.”

“Pare com isso.” O jardineiro riu e apontou para Yelena. “Acho que ela está escondendo algo também.”

A bruxa fez uma careta e alcançou a bolsa que havia trazido consigo, tirando dali uma caixa de madeira e a entregando para Feliks. Ravenwood arqueou uma sobrancelha enquanto a olhava e abria a caixa.

Ele ouviu a exclamação de Frank antes de ver o presente. Era uma adaga cuja lâmina estava coberta por uma bainha azul escura repleta de pequeninos arabescos prateados. O cabo era esculpido com diversos detalhes delicados, mas o que mais chamava a atenção era a garra de um corvo que se fechava ao redor de uma pedra azul. Quando ele desembainhou a adaga, a lâmina era mais longa que a do canivete de Frank.

“Wow.” Foi Frank quem falou primeiro. “Você copiou o meu presente e ainda conseguiu se sair melhor.”

“Os dois são muito mais do que eu esperava,” disse Feliks, sorrindo enquanto tocava a pedra com a ponta dos dedos.

“É lápis lazuli,” Yelena explicou. “Ajuda a limpar a mente e dar clareza aos pensamentos. Sabe... Minha casa de Hogwarts, a Corvinal, supostamente tem uma relíquia meio mítica. Os bruxos a chamam de ‘o diadema perdido de Rowena Ravenclaw’. É para ser um diadema criado pela nossa fundadora, o qual era capaz de aumentar a inteligência de quem o usava.” A bruxa esticou a mão e tocou a lápis lazuli na adaga. “Existem diversas descrições de como esse diadema seria, a maioria inclui pedras como diamantes e safiras. Eu sempre imaginei que, se Rowena Ravenclaw fosse criar um amuleto que ajudasse alguém a pensar, ela iria usar essa pedra aqui.”

***

O som das ondas quebrando contra as pedras ficou mais alto durante a noite. Feliks conseguia imaginar a maré ficando cada vez mais alta a medida que o som parecia ficar mais perto e mais alto, mesmo dentro do pequeno quarto que eles haviam alugado na estalagem da vila. Bom, eles haviam alugado dois quartos, um para Yelena e um para os dois homens, mas depois de algumas horas conversando no mesmo quarto, a bruxa pegou no sono e nenhum dos dois teve coragem de acordá-la para que ela fosse até o próprio quarto.

Agora, uma Yelena adormecida com uma bagunça de cachos ocupava uma das camas, enquanto Ravenwood e Bryce dividiam a outra. Apesar das luzes já terem sido apagadas fazia algum tempo, o médico ainda estava acordado, como se tivesse medo de pegar no sono e perder o som do oceano. O jardineiro ao seu lado não parecia estar dormindo, apesar de manter as suas costas para Feliks e esconder o rosto na escuridão do quarto.

“Frank?” Feliks chamou em um sussurro, depois que uma onda particularmente forte quebrou lá fora. “Você está bem?”

O silêncio que seguiu a pergunta foi pesado e ele pôde ouvir o outro homem respirar fundo ao seu lado.

“Por que não estaria?” A voz de Bryce estava baixa e rouca, quase abafada pelo travesseiro.

“O mar,” disse Ravenwood. “Digo, acho que você não gosta tanto dele...”

“As cartas mágicas da Srta. Pickering te disseram isso?” o homem perguntou, antes de suspirar. “Não quis ser grosso, desculpe.”

“Ainda não sou tão bom com as cartas.” Feliks sorriu, virando o rosto para olhar o jardineiro, que continuava lhe dando as costas. “Mas eu desci até Dover para ajudar quando os soldados começaram a chegar de Dunkirk, lá em 40.”

As ondas voltaram a ser o único som dentro do quarto. Lentamente, Frank se virou até o encarar. Era quase impossível ler a expressão no rosto do outro, mas ele ainda podia ver a silhueta de suas feições e a luz fraca da rua refletindo nos olhos escuros do jardineiro.

“Pensei que não trabalhasse com pacientes, doutor.”

“Eu fazia ótimos curativos e minhas suturas eram uma obra de arte.” O médico se permitiu sorrir ao ver os cantos dos lábios de Frank se curvarem. “Fiz um pouco dos dois, na verdade. Meu trabalho era ajudar na identificação dos mortos, mas tentei ajudar os feridos quando tinha tempo e... quando sentia que não ia foder com as coisas.”

O jardineiro o encarou por um momento, mas Feliks sabia que não era ele que Frank estava vendo. Os olhos do outro deviam estar olhando diretamente para a praia devastada de Dunkirk naquele momento.

“Eu não lembro quanto tempo passei lá,” o homem falou em um murmúrio. “Fui atingido pouco antes dos nazistas despejarem aqueles panfletos malditos que diziam que estávamos encurralados. Meus companheiros me ajudaram a chegar na praia e fiquei lá deitado sei lá por quantos dias. Tudo era úmido e barulhento. Os rapazes que me carregaram até Dunkirk foram mortos nas primeiras horas e eu tenho a vaga lembrança de me esconder debaixo do corpo de um deles para não ser atingido pelas balas.” Ravenwood o observou em silêncio, um sentimento ruim crescendo em seu estômago. “Outros garotos me ajudaram a chegar nos navios. Eles tentaram duas ou três vezes, antes de conseguirmos entrar em um deles... E dai ele foi afundado por um maldito torpedo nazista pouco depois de zarpar do mole. O ferimento na minha perna já era ruim, mas ficou ainda pior depois de ser jogado no mar e forçado a nadar até que um dos civis me achassem. Eles pensaram que eu estava morto, entende?” Bryce desviou o olhar e uma de suas mãos foi parar na perna machucada. “Voltamos para a Inglaterra, todos os garotos cheirando a uma mistura horrível de sal, algas, sangue e óleo. Nos colocaram em enfermarias e hospitais improvisados e nós ouvimos o Primeiro Ministro falando sobre lutar nas praias, nos campos, nas ruas e nas colinas. ‘Nunca vamos nos render,’ ele disse, mas eu ainda me pergunto quantos de nós se rendeu de um jeito ou de outro.”

“Eu lembro desse discurso.”

Os dois homens se assustaram ao ouvir a voz sonolenta vindo do outro lado do quarto. Ao se virarem, viram Yelena os encarando, com o lado do rosto afundado no trevesseiro.

“Não queríamos te acordar,” disse Feliks.

“Até as rádios bruxas transmitiram esse discurso,” ela continuou, colocando um braço por debaixo do travesseiro e erguendo a cabeça. “Não sabia que você era um deles.”

“Acho que não é o tipo de coisa que você quer compartilhar com muita gente,” Frank resmungou e deu de ombros.

“Por que pediu para vir para um lugar perto do mar?” a bruxa perguntou, franzindo as sobrancelhas. “Você não tem lembranças muito boas de praias.”

“O Sr. Tom sempre dizia que o mar o ajudava a se acalmar,” disse Bryce. “Eu voltei a ir a praias por causa dele. Ele amava isso, entende? O mar e as ondas e a areia. Comecei a ir até Hornsea e ficar sentado perto do mar, tentando encontrar aquele conforto que ele tanto amava. Quero dizer, se o mar conseguia espantar os medos dele, que eram bem grandes, talvez ele pudesse me ajudar, certo?” O homem riu sem humor algum. “Pensei que Feliks precisasse disso. Você é muito parecido com ele, parceiro, e pensei que seria bom te tirar de Londres e te colocar numa praia-“

“Foi ótimo, Frank, mas você não precisava se expor a uma coisa que o deixa desconfortável tentando... me fazer ficar bem.”

Outra risada escapou da boca do jardineiro e ele se apoiou nos cotovelos.

“Mas sabe o mais interessante de tudo que aconteceu hoje? Além de ouvir contos de fadas, aparatar e descobrir sobre esses seus olhos esquisitos?” Yelena se sentou e afastou os cabelos do rosto enquanto observava Frank. Feliks, que ainda estava com os óculos, pôde ver um sorriso sincero aparecer no rosto do amigo. “Acho que finalmente fez sentido, o que o Sr. Tom falava sobre o mar. Levou anos, uma bruxa russa e um médico míope, mas acho que finalmente fez sentido para mim.”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

1) Robin Hood's Bay é uma vila em North Yorkshire, perto de Whitby, que eu descobri sem querer em 2013 enquanto pesquisava vilas litorâneas na Inglaterra para um RPG de Harry Potter (o mesmo RPG que deu origem ao Feliks). Essa vila já apareceu em outra história minha (O Contador de Histórias) e é aquele tipo de lugar que eu preciso visitar um dia e, se isso acontecer, com certeza vou ficar emotivo de estar lá;

2) “S dnyom rozhdeniya" / С днём рождения / Feliz Aniversário.

3) Spasiba / спасибо / Obrigado.

4) Prashaiite / Прощайте: eu sempre achei essa palavra muito bonita e sempre associei ela a um ship específico meu, desde o primeiro momento que meu professor de russo me falou ela. É exatamente o que o Feliks explicou: um adeus definitivo. Está entre as minhas palavras preferidas em russo, tanto pelo som quanto pelo significado, junto com lyublov/любовь/amor, lyublyu/люблю, toska/Тоска/"saudades" e outra que aparece nesse capítulo... zvezda/звезда/estrela.

5) A história que Yelena conta para os rapazes foi originalmente escrita em uma outra fic minha que eu ainda não postei, com um certo personagem contando ela para outra, a protagonista. Em 2015, eu escrevi um conto inspirado por essa história e adaptei pra roteiro de curta metragem para um trabalho da faculdade. Hoje eu ainda estou tentando trabalhar nessa história para tentar, quem sabe um dia, fazer um livro ou algo assim dela. Koshcei, no entanto, é um personagem recorrente em contos de fadas russos.

6) A evacuação de Dunkirk, também conhecida como operação Dynamo, ocorreu em 1940 entre 26 de maio e 4 de junho. As tropas alemãs avançaram sobre a França e encurralaram os aliados na costa francesa, não se sabe ainda a real razão pras tropas terrestres não terem marchado Dunkirk adentro e acabado com todo mundo, mas eles continuaram bombardeando e fazendo tiroteios aéreos nas tropas estacionadas na praia. Os navios grandes que saíam dali cheios de feridos muitas vezes eram afundados pelos submarinos e aviões nazistas. O governo britânico recrutou barcos civis para ir buscar os soldados, a maioria deles buscando eles na praia e levando até embarcações maiores, foram poucos que realmente carregaram soldados dentro deles até a Inglaterra ou que foram pilotados pelos seus donos civis mesmo, mas estamos aqui para escrever ficção e pra isso precisa de um pouco de drama. Depois de assistir Dunkirk, do Nolan (que, aliás, indico demais... fazia tempo que eu não saía de um filme me sentindo mal. Ele é muito cru em relação a guerra, você se sente muito mal por todos ali), fui pesquisar mais e descobri que o regimento do Frank (5˚ Batalhão de Infantaria), teria sido evacuado em Dunkirk. Isso abriu uma perspectiva nova para mim em relação a ele.

7) Vocês podem ouvir o discurso do Churchill aqui: https://www.youtube.com/watch?v=MkTw3_PmKtc

8) Não me contive e coloquei ali no finzinho um link para uma música que, é, me lembra o capítulo por conta da história da Yelena: Gori, gori, moya zvezda / Brilhe, brilhe, minha estrela.

9) Heterocromia é qualquer situação na qual os olhos da pessoa têm cores discordantes. Podem ser olhos de cores diferentes, olhos com o centro da íris diferente (heterocromia central) ou olhos com um setor da íris diferente (heterocromia setorial), que é o que o Feliks tem. Isso... tem um certo significado para o personagem, como ele foi criado e tudo mais.

Já que hoje é aniversário do Feliks... Apesar de ele ter trinta e três anos (e carinha de bebê) na fic, como personagem, ele tem 4 anos. Ele foi criado em 2013 (ñ lembro a data exata, mas foi no fim de junho/início de agosto, lembro que eu estava de plantão no dia... bom, pelo menos foi o dia que a fic dele ficou pronta) pela Thams/brassclaw em uma daquelas situações que ela cria uma história do nada e arranca os nossos corações. Eu enchi o saco dela e o Feliks acabou fazendo parte do nosso RPG de Harry Potter, sendo estabelecido que ele teria nascido em 16 de Dezembro. Todos no RP acabaram mexendo com ele um pouco, seja lá ou escrevendo fics depois, então ele acabou sendo uma amálgama de todas essas interações, mas até hoje eu fico fascinado de ver quando a Thams o escreve e não sei agradecer direito por ela ter criado um personagem que se tornou um dos mais gostosos de escrever. Então, é, esse capítulo é pra ti, moya zvezda. Algumas pessoas que leem sabem mais sobre o Feliks fora do contexto de Três de Bastões e talvez eu explique mais sobre isso ao decorrer dá fic, mas não dá pra falar muito agora por medo de estragar algo.

De qualquer forma, muito obrigado novamente, Vivian, pela recomendação. Obrigado, Vika e Seren, pelos reviews e comentários em off. Obrigado, Thams, pelo nosso pequeno lobo.