Descobrindo Sombras escrita por Lucy Devens


Capítulo 9
Incertezas




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Apesar de ter me remexido a noite inteira, consegui dormir um pouco e acabei matando a primeira aula. Acordei com uma mensagem de Roland perguntando se estava tudo bem. Assim que vi a hora, pulei da cama e corri para me arrumar. Tinha um quiz de Lucio para fazer e toda aquela loucura havia feito eu esquecer. Matei mais uma aula para ir na biblioteca estudar para o quiz. Tinha que estudar nomes de Deuses e o que representavam. Consegui decorar tudo aquilo incrivelmente rápido e fui para a minha terceira aula.

Assim que chegou a aula de Lucio, escolhi um canto no fundo, na esperança de que ele não fosse me ver. Infelizmente ele me viu e lançou um sorriso. Lancei um sem graça de volta. A conversa dele com John havia mexido comigo. Dei uma olhava em volta para ver se havia alguma aluna por ali que estava olhando demais para ele ou se eu podia captar os pensamentos ou sentimentos de alguma garota, mas a maioria das pessoas estava entediada ou com vários pensamentos preocupados com outros quizes e provas de outras matérias.

Por um segundo eu pensei que a mulher misteriosa não fosse necessariamente uma aluna de graduação. Talvez uma professora ou alguma aluna de pós. Só sei que ela deveria estar na região para eles estarem assim.
Tomei um susto quando Lucio colocou a folha com as perguntas na minha frente.

— Não se preocupe - Ele riu suavemente e eu relaxei um pouco - Vocês todos vão tirar de letra. É mais pra fixar os nomes.

— Obrigada - Sorri de volta.

Senti que podia finalmente relaxar um pouco. Talvez todos aqueles pensamentos de Lucio não eram sobre mim e sim sobre aquela garota e eu acabei embaralhando tudo. Isso podia acontecer, afinal eu estava estressada e a flor da pele com John e, apesar de estar magoada com a sua atitude na noite anterior, estava tentando me convencer de que era um alívio poder deixar ele e seguir com a minha vida normalmente.

Bom, do jeito mais normal que eu conseguiria, pelo menos.

Respirei fundo e olhei para o quiz. Todos começaram a fazer e os pensamentos acabaram todos embaralhados na minha cabeça. Quando eu tentava me concentrar em uma questão a suposta resposta -que não era nem certa- de três questões para frente invadiam a minha mente. Consegui terminar três questões até a sala esvaziar. Assim que os alunos foram embora eu fiquei mais cinco minutos em paz para conseguir ler e rever as minhas respostas. Assim que me levantei comecei a ouvir um ruido que parecia vir de dentro da minha cabeça, mas tentei ignorá-lo pelo menos até entregar o papel para o professor.

—Achei que você fosse uma das primeiras a entregar - Ele disse.

Eu estava ficando cada vez mais tonta. Precisava sair daquela sala.

— É difícil me concentrar com todo aquele barulho.

— Que barulho?

Exatamente, que barulho? O que eu estava dizendo? O ruido foi aumentando dentro na minha cabeça, parecia um barulho fino, como se houvesse uma abelha dentro da minha cabeça, dando ferroadas em todo o meu crânio.

— Desculpe - Eu fechei os olhos por um segundo e quando os abri eu percebi que a luz da sala parecia mais brilhante. - Eu tenho que ir.

— O que foi, Mey?

A voz dele era quase imperceptível perto do barulho dentro da minha cabeça. Empurrei a porta da sala com força e fui andando o mais rápido que pude até o corredor. Passei o mais rápido que pude pelas pessoas.

— Mey! - Eu ouvi Vanilla gritando, ela veio correndo atrás de mim - Espere! - Ela me parou no corredor - Você está bem?

Me apoiei na parede e percebi que ela vinha com Ronnie. Podia ver Roland se aproximando também e Lúcio vindo atrás, preocupado.

— Mey, o que aconteceu? - Roland chegou perto de mim. - Vanilla, procure ajuda.

Eu não consegui responder. Fechei os olhos com força e apertei a cabeça. Ouvi os pensamentos de todos eles virem com força para dentro da minha cabeça, como se estivessem gritando, como se houvessem sido ampliados. Senti lágrimas saírem dos meus olhos por conta da dor. Eu queria gritar.

Alguém encostou no meu braço e tentou puxá-lo de leve para que eu tirasse as mãos da cabeça.

— Não encostem em mim - Eu disse de maneira agressiva.

— Mey... - Abri os olhos e vi Roland.

Ele parecia preocupado, assustado. Lucio chegou ao lado dele e se aproximou. Aquilo fez algo dentro de mim ficar com raiva.

— Eu disse para não encostarem em mim - Eu disse com a voz alta e firme.

Todos deram um passo para trás, como se houvessem sido empurrados por mãos invisíveis. Eu vi Vanilla correndo em minha direção e John estava atrás dela. Minha cabeça foi ficando mais em paz a medida que ele chegava perto.

— Parece que ela está passando mal - Disse Lucio.

John apenas lhe lançou um olhar raivoso e o professor se afastou ainda mais. John se abaixou para ficar com o rosto no mesmo nível que o meu. A dor foi passando e eu senti que ia perdendo forçar.

— O que você está sentindo? - Ele perguntou. Sua voz parecia distante.

Minha visão foi ficando turva, eu não conseguia sentir as extremidades do corpo.

— Nada - Eu sussurrei antes de tudo ficar escuro. 
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Fui abrindo os olhos vagarosamente. A primeira coisa que reparei foi que eu estava deitada em um lugar macio e eu estava de barriga para cima. A segunda foi o teto, parecia de uma casa antiga. A terceira foi que eu estava deitada em um sofá de couro, parecia rústico.

— Ah, finalmente - Ouvi Vanilla dizer. - E não se preocupe, é couro sintético. Eu chequei.

— Onde estou? - Eu tentei me levantar, ainda zonza, mas apenas consegui me sentar no sofá.

Olhei em volta e percebi que estava na casa de alguém. Vanilla e Roland estavam olhando tensos para mim. Minha amiga veio e se ajoelhou ao meu lado.

— Tente não levantar de uma vez. Parece que você teve um tipo de pire paque.

— O que? - Olhei confusa para ela e em seguida para Roland.

Meu amigo apenas deu de ombros. Atrás dele veio John com um copo d'água.

— O que está acontecendo? Onde estou?

— Você está na minha casa - Respondeu John e me entregou o copo - Beba, você vai se sentir melhor.

Peguei o copo e bebi aos poucos. A água estava adocicada.

— Qual é a última coisa que se lembra? - Indagou John enquanto colocava o copo encima de uma mesinha de madeira que estava ali no centro da sala.

— Eu tinha terminado o quiz - Respondi ainda confusa - Fiquei com uma dor de cabeça muito forte e desmaiei.

— Andou usando algum tipo de substância?

Meus amigos me olharam preocupados.

— Não - Respondi, incrédula que estavam pensando isso de mim.

— Bateu a cabeça em algum lugar? - John continuou o questionário.

— Não, olha.. - Respirei fundo - Eu só estou estressada.

— Quer ir a um hospital? - Perguntou Vanilla. Ela estava desconfiada de John, como desconfiava de qualquer pessoa que não fosse eu, Ronnie ou sua vó - Ele disse que pode ficar de olho em você, mas eu realmente acho que você deveria...

— Ela vai ficar bem aqui -John a interrompeu.

Nilla estreitou os olhos para ele.

— Vamos - Disse Roland pegando no ombro da minha amiga, de forma casual. Ela estava tão preocupada em estar irritada com John que não deu atenção ao toque.

— Eu acho melhor ficar aqui também e ficar de olho nela - Ela desafiou John.

— Você me chamou quando ela estava prestes a desmaiar, pois confiou em mim - Ele disse de volta, mas sem o tom desafiador - Pode me dar esse voto de confiança? Não tenho espaço para todo mundo aqui.

Ela olhou para ele por um bom tempo e na sua cabeça se passava cada detalhe do rosto dele, para caso ela precisasse dessas informações para um retrato falado, afinal ela conhecia muitos advogados e investigadores. Não pude conter uma pequena risada que escapou dos meus lábios.

— Vou ficar bem, Nilla - Disse para ela.

Foi o suficiente para ela se acalmar por dentro, mas por fora ainda mantinha a pose de durona.

— Tá - Foi tudo o que ela disse.

Então se virou e foi embora pisando duro e Roland foi atrás dela. Eu acenei para ele dando um sinal de tchau. Assim que eles bateram a porta eu respirei fundo. John se sentou ao meu lado e pegou meu pulso. Parecia que ele estava checando os meus batimentos.

— Eu vou viver, doutor? - Perguntei em tom de piada.

Funcionou. Arranquei um sorriso dele.

— Por muitos anos - Ele retirou a mão do meu pulso e olhou para mim - Quer falar sobre o que aconteceu?

Fiquei pensando naquilo por um minuto. O que eu diria? Olá, boa noite, acontece que eu leio mentes e as vezes a minha cabeça fica sobrecarregada, então eu travo. Mas geralmente eu consigo lidar, dessa vez que foi demais para mim. Certo. Não diria isso. Pelo menos não se eu não quisesse deixá-lo com medo. Então só fiz que não com a cabeça, mas não quis deixar o assunto morrer por aí.

— Acho que estou estressada, é isso.

— Algo que queira compartilhar?

Pensei em como responder aquilo, então respondi sem olhar para ele:

— Nada que você queira saber.

— Olha, Mey - Ele respirou fundo - Desculpe por ontem. Hoje eu só quero te ajudar.

— É, você tem razão - Baixei a guarda por um instante - É puro estresse. Acordei tarde, fiz tudo correndo e tive um colapso. Parecia que tinha um ruido na minha cabeça e... - Parei a tempo antes de falar mais do que eu deveria.

— Um ruído?

Fiz que sim com a cabeça. Ele me olhou por um instante, como se estivesse me analisando. Então se levantou e estendeu a mão para mim.

— Venha - Disse ele - É melhor você comer alguma coisa.

Encarei-o por um segundo e logo em seguida peguei na sua mão sem tirar os olhos dos seus. Ele me guiou até a cozinha e me acomodou em uma banqueta. A cozinha era diferente do que tinha visto da casa. A casa toda era trabalhada em madeira e tons pasteis, mas a cozinha era toda branca e os eletrodomésticos eram de inox, era diferente por parecer tão moderno. John foi pegando as coisas das prateleiras e geladeira e colocou encima do balcão de mármore ao lado do fogão enquanto eu apenas o observava. Apoiei meus braços na mesa que estava a minha frente, ele parecia saber todas as técnicas, cortando folhas e legumes de maneira rápida, como se fosse um verdadeiro chefe de cozinha.

— Vegetariana, certo? - Ele disse ainda de costas para mim.

— Eu? - Saí do meu transe - Sim.

— Me lembro da sua amiga dizendo que você era contra comer carne. Espero que goste da minha comida - Ele olhou um segundo para mim e sorriu.

Não pude evitar em sorrir de volta. Ele continuou com o seu trabalho e eu apenas o observava em silêncio. Ele era rápido e habilidoso. Poderia ficar horas vendo-o fazer qualquer coisa. O silêncio entre nós não me incomodava, na verdade era confortável. Era bom apenas ouvir o ambiente, as coisas cozinhando na panela. Depois de um tempo ele trouxe dois pratos com um risoto negro com aspargos. Ele se sentou na minha frente e me entregou um garfo, peguei um pouco da comida e coloquei na boca. Assim que senti aquele sabor eu arregalei os olhos para ele. O sabor daquilo era maravilhoso.

— John, isso está incrível - Eu disse.

— Imaginei que fosse gostar - Disse ele.

— Você imagina muita coisa sobre mim.

Ele sorriu, descontraído, então começou a comer também.

— Então... - Eu dei mais algumas garfadas, tomando coragem - Tenho algo a confessar.

Ele continuou comendo e olhou para mim, esperando uma resposta.

— Ontem a noite, depois do Honor's - Dei uma pausa e respirei fundo - Olha, eu não tinha ideia de que já havia alguém na sua vida.

— O que? - Ele se ajeitou, curioso.

— Não sabia que você já tinha alguém. Eu acabei ouvindo um pouco da sua conversa com o meu professor e..

— Seu professor? - Ele me interrompeu - Lucio Hank?

— Sim - Desabafei e vomitei todas as palavras que estavam na minha garganta - Ouvi que vocês gostam da mesma pessoa, eu realmente não tinha ideia.

Silêncio. Foram alguns minutos de silêncio, até eu quase terminar o meu prato. Ele ficou ali imóvel, até deixar uma breve risada escapar, como se estivesse incrédulo. Geralmente era muito mais fácil descobrir quando uma pessoa tinha uma reação se eu pudesse acompanhar os pensamentos dela, mas com ele não. Ele ficou sorrindo ironicamente em direção ao prato, como se estivesse pensando mil coisas e eu não conseguia desvendar nenhuma delas. 

—Mey, eu... -Ele pausou como se estivesse calculando suas palavras - Havia uma garota. - Mais uma pausa. Tempo o suficiente para eu terminar meu prato e encará-lo- Mas ela morreu há anos.

Morreu? Como assim?

— Mas eu ouvi vocês. Vocês disseram que ela estava aqui.

Ele olhou no fundo dos meus olhoscomo se houvesse uma grande tristeza.

— Você pegou tudo fora de contexto. - Ele respirou fundo, sabia que estava caçando palavras - Lucio e eu temos essa conexão. Nos conhecemos há anos, crescemos juntos, e infelizmente nos apaixonamos pela mesma garota. Mas houve um acidente.. - Ele parecia caçar palavras - Lucio e eu estávamos lá quando tudo aconteceu. Acho que ainda estamos muito apegados a ideia dela.

O que?, pensei comigo mesma. Afinal, aquilo não fazia o menor sentido. Eu me levantei e fui com o meu prato até a pia, então apoiei as mãos ali, como se aquilo pudesse me dar algum suporte. Eu lembrava da conversa deles. Foi aquilo que me atormentou a noite toda e o dia, até eu desmaiar. Eu não gostava muito de admitir, mas sabia que era aquilo.

— Você passou o dia muito confusa, está estressada - Parecia que dessa vez quem podia ler pensamentos era ele e não eu. Pude sentir ele se aproximando. Ficou atrás de mim. Eu me virei e percebi que ele estava há centímetros de distância. Tive uma louca vontade de me jogar em seus braços, de me perder em seus lábios, mas sabia que não deveria fazer isso - Eu vou preparar a sua cama para que possa descansar - Ele sussurrou- Já escrevi um atestado para que não tenha que ir para a aula amanhã. Eu preciso sair antes do almoço, mas você pode ficar se quiser.

Ele se afastou de repente e naquele momento eu pude entrar em contato com a realidade novamente. Nada daquilo parecia fazer sentido. E de repente uma dúvida se instalou em mim, uma dúvida que eu já me vi enfrentar muitas vezes. Será que eu era realmente louca? Será que todas aquelas vozes eram só frutos da minha cabeça? Será que eu precisava realmente de um médico.

John saiu da cozinha e foi em direção à uma escada que dava ao piso superior. Eu respirei fundo, tentando conter as lágrimas que queriam brotar dos meus olhos. Talvez realmente fosse isso. Era muito mais provável que eu tenha feito histórias da minha cabeça para não estar sempre em contato com uma realidade que eu apenas tolerava. Nessa hora foi que eu percebi que apenas havia vivido do talvez e nunca tive a certeza sobre nada.


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